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quarta-feira, dezembro 27, 2006

Tricotando: Helena Souza Freitas entrevista Leila Miccolis














Helena - Ainda recorda os seus primeiros passos no cenário das Letras? Como foram eles? Contou com algum apoio ou sobretudo com adversidades?


Leila Míccolis – Fui tida como garota prodígio, pois aos 3 anos já fazia quadrinhas e aos cinco trabalhava em rádio e TV. Porém, meu primeiro prêmio literário foi aos dez anos, num concurso sobre Índios. A partir daí gostei da experiência, entrei em outros certames e ganhei diversos, sempre incentivada pela minha mãe. Nunca parei de escrever, mesmo no tempo em que advogava. No entanto, abandonei a profissão para dedicar-me inteiramente à literatura, em 1978. Aí, as adversidades foram financeiras: abandonar uma profissão segura por outra totalmente incerta foi um ousado contrato de risco. A partir daí, tive que navegar em outras áreas que não só as da poesia ou dos concursos literários e aprender o ofício, autodidatamente.


Helena - Leila Míccolis tem exercido a sua escrita em diversos géneros literários. Consegue eleger o seu favorito?


Leila Míccolis – Sem dúvida a poesia... é minha menina dos olhos, meu chamego, meu xodó, talvez até por ser o gênero literário mais rejeitado, sob falsos slogans como o de que “poesia não vende”. Aqui no Brasil, poetisa chegou a virar termo pejorativo... Depois, gosto muito de crônicas (que, afinal, é a poesia do dia-a-dia, em prosa). Na Internet, no site Edadrebil, tenho mensalmente uma coluna dentro de “Arbítrio”, chamada: “Poesia toda prosa”, em que mostro os caminhos percorridos, na vida, pelo poético. Pode ser acessada em http://www.edadrebil.hpg.com.br.


Helena - Como se sente por ter reconhecimento literário num país com tão baixos índices de leitura?


Leila Míccolis – Feliz, naturalmente, também por não ser uma escritora restrita ao mercado editorial. Pertencendo, na poesia, à Geração 70, usei e uso performances e eventos que utilizam a oralidade e não passam pelo livro para chegar até o público. Lógico que livro é fundamental, mas há que se fazer veicular por outros meios além das livrarias.


Helena - Muitos autores consideram-na uma resistente por nunca ter deixado de escrever e de utilizar a palavra para enfrentar os problemas. Concorda com os que partilham desta opinião?


Leila Míccolis – Eu me considero resistente, não por nunca ter deixado de escrever, mas por usar a palavra da forma em que a uso, sempre tentando desmistificar preconceitos, autoritarismos, apontando falsos moralismos e hipocrisias sociais.


Helena - Em que situações usar da palavra abertamente lhe causou transtornos políticos, sociais ou de outra ordem?


Leila Míccolis – Minha poesia sempre foi muito polêmica; se ela incomoda até hoje, de início assustava ainda mais. Em plena ditadura militar, quando em 1978 eu escrevi Silêncio Relativo, mesmo sendo a edição totalmente paga por mim, a gráfica não aceitou fazer o livro e, sob muita pressão, até imprimiu, sem colocar seu nome, com medo de represália ou da apreensão da obra. E olha que eu não falava abertamente sobre o regime mas, lógico, meu ciclo familiar era um tanto inquietante, porque mostrava que política e repressão começam dentro da nossa casa. Também tive vários poemas censurados em Suplementos Literários e não só da época - até hoje, a primeira fase de minha poesia (mais agressiva) é pouco divulgada. Enfim, minha poesia não é “pacata e acomodada”. Com menos ou mais humor, ela questiona e mostra, muitas vezes, o ridículo de uma vida alienada, consumista e cheia de protótipos.


Helena - Além de escrever, dirige o site e a editora Blocos. Como concilia tantas tarefas?


Leila Míccolis – A direção não é só minha. É principalmente do Urhacy Faustino, meu companheiro, a quem cabe toda a parte gráfica. Eu fico com a seleção de texto, a parte mais agradável, a meu ver. Realmente o trabalho é grande: a Blocos acaba de fazer uma parceria internacional com a Rickmarc Publishing, de Londres e nossa revista eletrônica (que não é de uso apenas da editora, mas já conta ao todo com 1500 poetas) é atualizada diariamente. Felizmente, esse trabalho coletivo é bem recompensado — no mês passado (agosto/2001) tivemos 234.366 pages views, 45 países visitando Blocos. Aliás, convido todos a conhecer e participar em www.blocosonline.com.br. Não lido, porém, apenas com esta parte, tenho também meus compromissos profissionais como escritora, que não são poucos. No entanto, quando se ama aquilo que se faz, o tempo, cúmplice, age a nosso favor. Só pode ser isto...


Helena - Após reunir autores de todo o Mundo, organizar concursos e divulgar formas alternativas de edição, que projectos tem para o futuro breve do site Blocos Online?


Leila Míccolis – Queremos transformar Blocos Online em um grande portal, abrigando inclusive sites menores e menos visitados. No entanto, também estamos procurando um patrocinador, para que possamos crescer mais rápido.

Blocos Online nos sai muito caro financeiramente, é um espaço democrático cada vez maior (com mais de 10.000 páginas). e portanto cada vez mais oneroso para quem vive exclusivamente de literatura, como Urhacy e eu. Se pudéssemos investir mais nele, atingiríamos um maior número de pessoas. Por mais incrível que pareça, Blocos é lido mais no exterior do que no próprio Brasil, onde detém uma faixa de 23% a 25% de leitores. Assim, entre os projetos prioritários, está o nosso desejo de reverter esta situação. Já inauguramos as seções de poesia-animada (em flash), poesia-ilustrada e poema-objeto. Agora estamos estudando a implantação de um banco de dados e de outros recursos úteis e práticos, para deixar nossa revista eletrônica cada vez melhor.


Helena - A escrita para televisão, que representou êxitos como 'Barriga de Aluguel' ou 'Kananga do Japão' mudaram a sua projecção no palco literário brasileiro? Em que medida?


Leila Míccolis – Não digo que mudaram, mas ampliaram meu universo: acho que me tornaram mais conhecida. No Brasil, uma autora que quer viver profissionalmente de literatura, não pode ficar restrita aos direitos autorais de seus livros, ainda mais sendo eles de poesia. Precisa partir para outro tipo de veículos, que alarguem suas fronteiras. Foi o que aconteceu. Tornando meu nome mais conhecido, naturalmente minha literatura ganhou com isso também, pois é mais procurada e lida.


Helena - Considera-se uma autora feminina, feminista ou ambas? Ou, pelo contrário, nenhuma daquelas?


Leila Míccolis – Principalmente feminista. Infelizmente o termo (igual a “poetisa”) tornou-se pejorativo e as pessoas passaram a ter vergonha de usá-lo. Para mim, feminista é todo ato que visa a ampliação dos direitos civis e políticos da mulher. E, dentre esses direitos, está, inclusive, o do esclarecimento de seu emocional, através do qual ela é tantas vezes sutilmente manipulada. Portanto, minha poesia é feminista sim, embora não se dirija exclusivamente às mulheres, mas a todos os que efetivamente querem a construção de uma vida mais justa e saudável, em todos os sentidos.


Helena - Uma autora consegue publicação, respeito e consagração com a mesma 'facilidade' que um autor? Ou subsistem diferenças assinaláveis?


Leila Míccolis – Existem diferenças, lógico — facilidades e dificuldades extras, a serem vivenciadas pelo “sexo frágil”. Julgo, contudo, que com força de vontade, coragem e competência a mulher consegue furar qualquer tipo de prevenção ou bloqueio.


Helena - Em que aspecto a sua sensibilidade perante a vida se entrelaça com a veia de escritora?


Leila Míccolis – Eu sou daquelas que acreditam na coerência entre vida e obra. Pelo menos comigo acontece assim: eu não saberia dividir-me dicotomicamente, defendendo certos valores na minha obra e negando-os na vida cotidiana. Acho que é por isso que minha produção poética, mesmo quando se veste de tom irônico, tem um clima tão denso, tão forte e mobiliza tanto as pessoas: é que ela não é mera ficção; ela é baseada nos princípios em que acredito e numa postura de vida que investe, pessoalmente, nos valores que dissemina.


Helena - Consegue imaginar o Mundo sem Literatura e sem livros?


Leila Míccolis – Meu mundo é feito de literatura e para a literatura, porque, como Torquato Neto já afirmou, “escrever é apenas a ponta do iceberg”. Então, sem livros, o meu universo seria um deserto árido — território onde eu certamente não gostaria de habitar.


Helena - Tendo em conta que o gosto pela leitura depende muito da educação ministrada às crianças, que livros podem, na sua opinião, incentivar os mais novos e levar à formação de futuros leitores assíduos?


Leila Míccolis – Antigamente só se incutia o hábito de leitura, lendo-se. No mundo contemporâneo, porém, existem outros meios: a leitura de um livro, pela mãe, de modo passivo, não terá tanto apelo quanto um animado livro virtual em CD, ou um game interativo. Então, que a modernidade seja nossa aliada: encaremos certos jogos, como os de RPG, como um poderoso incentivo para as crianças começarem a formular uma linguagem narrativa própria.

Quanto mais elas se embrenharem pela ficção, mais se sentirão motivadas a conhecer outras histórias, até para criarem as suas. E aí, apresentá-las ao infinito universo do mundo impresso, acrescentará uma nova alternativa a ser descoberta e explorada por elas. Com relação ao tipo de livro ideal, creio que isso varia de criança para criança e é necessário que se tenha bastante perspicácia para fazer-se a escolha certa, ou seja, encontrar o livro mais “apetitoso” para cada leitor ou leitora-mirim.


Helena - Muitas vezes, numa determinada época e num determinado país, a literatura tende a homogeneizar-se. Sente falta de alguns temas nas prateleiras das livrarias?


Leila Míccolis – Não, não creio nisso. Homogeneizar a literatura é o mesmo que se falar em homogeneizar os seres humanos que a escrevem; na vida real, as pessoas sempre serão diferentes umas das outras e exprimem a diferença de posturas através de seus textos. Às vezes, apareceram até escolas literárias e/ou movimentos predominantes, mas, mesmo dentro deles, a unidade é meramente aparente. Veja, por exemplo: apesar de pertencermos à mesma Geração de 70, cuja característica principal, a meu ver, era a linguagem coloquial e irônica, pode-se colocar na mesma tendência à homogeneização as obras minhas, de Paulo Leminski, de Alice Ruiz, de Nicolas Behr, de Touchê, de Ulisses Tavares e de Glauco Mattoso? Claro que não. É que, em matéria de gente, cada cabeça é uma sentença, e, portanto, uma forma de expressão diversa. Generalizar me parece um tanto perigoso. Quanto às prateleiras das livrarias, creio que, no momento, o problema consiste não na multiplicidade temática nos livros expostos mas na falta de leitores que possam apreciar, entender e interessar-se por tão ampla variedade.


Helena - Que projectos ocupam actualmente os seus dias? E a médio prazo, quais os seus planos?


Leila Míccolis – Atualmente trabalho na roteirização final de um filme brasileiro (longa metragem), no crescimento de Blocos enquanto editora e revista eletrônica, no término do meu 4º curso on line de roteiro de televisão e no preparo dos meus próximos livros de poesia e de crônica. A médio prazo, aguardo a tradução do meu livro “Sangue Cenográfico” para o inglês e talvez aceite um convite para fazer novela no Japão.


Helena - Qual a sua opinião tem sobre o Literário Online e o seu papel de divulgação cultural?


Leila Míccolis – Acho que é um trabalho precioso, feito com muita honestidade, critério e amor. Obras como estas deveriam servir de exemplo para que nossa cultura fosse mais difundida e mostrada em toda a exuberância. Estão de parabéns, portanto, o Prof. Roberto Pires e todos os da sua equipe. Meu abraço a todos. Também quero agradecer a você, por tanta inteligência e sensibilidade na formulação das perguntas desta entrevista.


Helena - Pode deixar uma mensagem aos seus leitores e espectadores?


Leila Míccolis – Sim, com prazer. Fazer literatura em nosso país é um exercício árduo. No entanto, para quem a ama de corpo e alma, não fazer é mais difícil ainda. Portanto, lutemos pela regulamentação da profissão para a expansão do mercado, batalhemos pelos nossos créditos e demais direitos autorais, e, paralelamente a isto, não nos deixemos abater pelas críticas destrutivas, pela falta de incentivos, ou pelas “pedras no caminho”. Cabe ao escritor da atualidade, disposto a redigir seus livros, vendê-los e divulgar suas idéias, vencer primeiro os desafios que o separam da realização plena do seu ideal.

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