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sexta-feira, janeiro 02, 2009

Nós, agora burraldos, resistiremos?


Montezuma Cruz (*)
Agência Amazônia

Viva o internauta brasileiro, senhor desse imenso vácuo de idéias! Opa! Agora é ideias. Separo o joio do trigo: há internauta desleixado e internauta interessado, capaz, estudioso. A estes, avante! Aprender é um exercício diário, ininterrupto. O ditongo aberto foi eliminado nas paroxítonas. Assim, esses heroicos sindicalistas dos anos 2000 promoverão sucessivas assembleias, no estrito cumprimento do dever, mesmo com indisfarçáveis tramoias.

Recebo mensagem de ano novo propondo: faça algo diferente em 2009. Com a advertência: aceite as mudanças para não envelhecer. Será? Alguns jornais se glorificam, ao anunciar garbosamente que adotam a novíssima ortografia no alvorecer de 2009.

Centenas ou milhares de redatores, editores e repórteres suspiram: "Graças a Deus!". Por falta de revisão, os jornais acumulam erros de acentuação que agora serão evitados com alguma facilidade. Igualmente, pecavam e ainda pecarão pelo estrangeirismo no texto. É outro assunto.

Insipientes se tornam incipientes, lembra-nos a professora Thaís Nicoleti, no UOL, reforçando a existência de palavras com a mesma pronúncia e grafias diferentes – homônimos, homófonos e heterógrafos.

Ditongo, tritongo, hiato. Verbo, adjetivo, substantivo, artigos, pronomes demonstrativos, pleonasmos, cacófatos, galicismos, gentílicos, advérbios de tempo, modo e lugar. No túnel do tempo, freqüento a sala da 1ª série A do curso colegial. Freqüenta, não, Montezuma! Agora é frequenta, primo-irmão de requenta, deliquente, sequencia, tranquilo.

Aprenda, burraldo! E modifique logo o seu computador, porque ele permanece tão burraldo quanto você. Agora é claraboia, plateia, epopeia. Nessa grafia ouço clarabôia, platêia, epopêia. Meu ouvido é diferente do seu, estimado leitor? Ou assumo fidelidade e obediência ao que de melhor existiu no meu banco escolar?

Quisera ter novamente ao meu lado a professora pirajuense Jeanne Therezinha Polenghi, que lia e nos fazia interpretar as páginas sublimes do livro de português de João Baptista da Luz. Em seguida, ordenava uma análise sintática, possibilitando-nos um banho de verbos transitivos diretos, indiretos e intransitivos.

E os ditados? Alguém resiste hoje a um ditado de cinco minutos? A nota máxima da maioria dos alunos de Jeanne não passava de sete ou oito, no entanto, aprendíamos razoavelmente bem.

O que será deste indignado visconde brejeiro que provou daquele bálsamo e se obrigou a rejeitar, desde o advento da internet, o linguajar chulo do MSN e do Orkut: falanu, chegandu, vem k, explicandu, esperandu, aki, entrandu?..

Será que eles não vêem o caráter do circunflexo? Não crêem que temos uma das mais cultas, senão a mais bela língua do Planeta? Não! Mestre Dad Squarisi pode até lamentar, mas sabe que, a partir desta semana, o Correio Braziliense publicará: Mangabeira tem mais ideias para a reforma agrária. E Élio Gáspari aguentará, escrevendo patuleia, uma de suas palavras prediletas.

Agora, o indivíduo nasce em Cananeia ou Pompeia...

Apoiar não segue mais a regra diferencial do pôde e pode. Agora, eu apoio quem me dá apoio é tudo igual. É o fim do apóio.

Menino, não coma essa geleia! Tem corante. Assim você não estreia no basquete da Unimed. Na novela, sucedem-se o: esquece, rapaz! (no lugar de esqueça); na propaganda, faz um 21 (ordenando, no lugar do faça). Conjuga-se mal no horário nobre. E nos obrigamos a retirar tão importantes acentos agudos e tremas das palavras. Pura perseguição e covardia, protesta um professor.

Para não ser retrógrado e transgressor da lei, obrigo-me a escrever ideia, azaleia. Assistindo na TV o didático Tonico Ferreira – aquele jornalista comunista que escrevia tão bem no extinto Movimento – esforçando-se para corrigir pessoas nas ruas de São Paulo. Ele mostrou-lhes numa folha impressa as palavras linguiça, sequestro, consequência — todas sem o trema.

Fala-se kinkênio ou qüinqüênio?

Qüe, qüia, güe, güi não são frescuras; são necessários.

Aboliriam também a cedilha, por 'inutilidade'?

Conjugarei agora: eles veem, eles não creem em profecias, nem no Apocalipse. Muitos dirão: "Não há diferença". Há. Sem o circunflexo, o som é vem e crem. Certamente o locutor de rádio, TV e internet não dirá crem, mas crêem, à moda quase antiga. Não confundirá o vêem (de enxergar) com o vem (de chegar).

Não entro no mérito do hífen, porque ele continua desafiando os melhores cérebros. Melhor estudá-lo, como sempre nos foi recomendado, já que possui macro-história e nos proporciona uma imprescindível autoaprendizagem.

Ainda bem que permanecem os acentos diferenciais do singular e do plural dos verbos ter e vir. Da mesma forma, os seus derivados – manter, deter, reter, conter, convir, intervir, advir etc. Ele tem dois carros flex. Eles têm dois carros. Ele vem de Porto Velho. Eles vêm de Cruz das Almas.

Começo a matutar, feito um Quixote sem lança. Resistirei, em condições de reaprender? Terei forças para apreciar Fernando Pessoa, segundo o qual, a sorte de um povo depende do estado da sua gramática? "Não há grande nação sem propriedade da linguagem", ele disse.

Oremos. Muitas pessoas exercerão esse papel na sua plenitude, mas não se livrarão de morrer com a memória presa.



(*) É repórter e editor na Agência Amazônia de Notícias

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