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quarta-feira, fevereiro 11, 2009

Morre o poeta Max Martins aos 82 anos


EDUARDO ROCHA

Da Redação

A literatura está de luto. O escritor paraense Max Martins morreu ontem, às 17h10, no Hospital Porto Dias, vítima de falência múltipla dos órgãos. O poeta estava internado há nove meses, com pneumonia. Morto aos 82 anos, deixa uma obra literária das mais importantes para as letras paraenses, dado o esmero que sempre teve na construção de imagens e composição gráfica de seus poemas. "Ele foi um homem que consagrou a sua vida à poesia", externou o presidente da Academia Brasileira de Letras (APL), Edson Franco, reitor da Unama, tão logo soube da morte de Max. Literatos e admiradores da obra de Max Martins lamentaram a perda do escritor.

Em nota divulgada ontem à tarde, o Governo do Estado lamentou a morte do poeta, "um dos maiores nomes da nossa literatura". Max, além da poesia, dedicou-se à arte e à filosofia. "Publicou dezenas de obras importantes e foi diretor da Casa da Linguagem entre 1990 e 1994. Sua morte representa uma perda irreparável, por tudo o que ele foi e significou para a nossa cultura", diz a nota.

Familiares de Max Martins informaram ontem à noite que o velório do poeta acontece no Museu do Estado do Pará, no entorno da praça D. Pedro I, de onde sairá o féretro, às 15h de hoje, em direção ao cemitério Max Domini, em Marituba, onde serão sepultados os restos mortais do escritor.

A neta de Max, Laís Martins, funcionária da Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves, esteve sempre junto ao escritor durante a internação hospitalar, e foi a última pessoa a vê-lo na tarde de ontem. Laís conta que, após ter sido diagnostica a pneumonia, Max Martins teve seu estado de saúde progressivamente complicado, inclusive, com problemas respiratórios, parada cardíaca no mês de dezembro e paralisia dos rins. Pai de Maria da Graça e Maria de Nazaré e casado com Maria Laís, o poeta morava no conjunto IAPI, em São Brás. No imóvel encontra-se uma biblioteca organizada por ele, que reúne cerca de três mil livros. Max deixa três netos e três bisnetos. A primeira bisneta do escritor, filha de Laís, é aguardada para os próximos dias.

"Vou lembrar dele sempre como um homem que só queria viver pra família", conta Laís Martins, única neta mulher de Max Martins, que espera pelo nascimento da também primeira bisneta do poeta. "Ele sempre quis preservar a família. Nunca teve interesses, era muito simples", descreve, com emoção, o avô, que segundo ela, faleceu às 17h15 da tarde de ontem. "Ele já não falava, mas acho que sentia o que eu dizia", disse ela, que lamentou por ele não conhecer sua filha, que vai nascer em breve. Segundo a neta, a família decidiu não contar sobre o falecimento a dona Maria Laís, viúva de 87 anos e que sofre de diabete e mal de Alzheimer. "Ela nem sabe que estamos aqui (no hospital). Achamos melhor não contar nada, pois isso só agravaria o estado de saúde dela".

O professor Edson Franco ressaltou que o nome de Max Martins foi cogitado por diversas vezes para a Academia, mas ele nunca se interessou em ingressar na APL. Edson Franco enfatizou que Max tinha "uma poesia maravilhosa", e que, dada a importância da obra dele, a Universidade da Amazônia (Unama) prestou uma homenagem ao escritor: um vídeo sobre a sua vida e obra.

O vídeo sobre Max chama-se "Fazer como os pássaros cantar e voar", baseado em um verso do autor. A produção envolveu os professores Paulo Nunes, Josse Fares e Abdias Pinheiro, por meio do Núcleo Cultural da Unama, em 1995.

"Este vídeo estreitou muito a minha relação com ele, e permanecemos sempre nos falando, mesmo depois de ele deixar a Casa da Linguagem", lembra o professor de Literatura e escritor Paulo Nunes. "Como membro da geração modernista, Max entendia o ofício da palavra como algo exaustivo". Para Paulo Nunes, Max foi um dos mais importantes poetas brasileiros, com uma literatura muito vigorosa, e se constitui em um divisor de águas entre os poetas paraenses.

O casal Benedito e Maria Sylvia Nunes (filósofo e diretora teatral) conviveu com Max Martins. Além da amizade, ficou a admiração. "Foi Max o meu amigo primeiro e o mais antigo. Ligava-nos antiga feição. Lemos os mesmos poetas e romancistas. Quando mais novos, defendemos as mesmas causas políticas e sociais. Tive nesse amigo o mais constante companheiro de trabalho. Junto, dirigimos revistas literárias. E nossos amigos eram comuns. Foi, como eu, um autodidata. E sobretudo um admirável e autêntico poeta, que soube viver a poesia que escreveu. É também a opinião de Maria Sylvia Nunes, de quem foi amigo", declarou Nunes. (Colaborou Yáskara Cavalcanti)

Poesia de Max

Tuas antenas trêmulas


0 som

(subterrâneo)

que o teu silêncio chama

A palavra nenhuma que trazes para o almoço. Pães e peixes

Para quem?

E o poema redemoinha no sono que rasgas.

Como rasgas esta noite enrolada em si mesma.


É entre centelhas que plantas o teu jorro.


É entre espinhos e pedras virgens que celebras essa estrela. Todos os astros.


O caldeirão

Aos sessenta anos-sonhos de tua vida (portas

que se abrem e fecham

fecham e abrem

carcomidas)

ferve


a gordura e as unhas das palavras

seu licor umbroso, teus remorsos-pêlos

Ferve


e entorna o caldo, quebra o caldeirão

e enterra

teu faisão de jade do futuro

teu mavioso osso do passado


Agora que a madeira e o fogo de novo se combinam

e o inimigo nº 1 já não te enxerga

ou vai-se embora

varre a tua cabana e expõe ao sol tua língua

tua esperança tíbia

o tigre da Coréia da parede

É lícito tomar agora a concubina

E despentear na cama a lua escura, o ideograma



No lugar do medo

Todos os dias aqui tu te observas

E ainda está oculta (aqui) a tua semente


Comum será a tua raiz

comum

ao olor da fêmea que atua no teu leito


Sê criativo o dia todo

Te empenha o dia todo cauteloso

voa

mesmo hesitante sobre o teu malogro


Quer sigas o fogo, quer sigas a água

sê só do fogo ou só da água

(pois que não há caminho

e a lei

é o inesperado)


Ainda oculta (aqui) a tua semente

está




A fera


Das cavernas do sono das palavras, dentre

os lábios confortáveis de um poema lido

e já sabido

voltas


para ela - para a terra

maleável e amante. Dela

de novo te aproximas


e de novo a enlaças firme sobre o lago

do diálogo, moldas

novo destino


Firme penetra e cresce a aproximação conjunta

E ocupa um centro: A morte, a fera

da vida

te lambendo



Saltimbanco


O não mais espumoso vinho dos abismos

O cauterizado testemunho de um instante de beleza:

O ritmo do oceano

O palco

e a metade da cama para o falso poema

O saltimbanco


Ou o sangramento

da perda de um deus a cada assalto

O cadafalso

O semidestroçado frêmito de um destino cego de antemão

O não mais aceito rito do ofício O ofício:

esta rasura do corpo sendo esquecido

O esquecimento

O desabitado segredo das palavras

Um escritor paraense de dimensão universal

Foi em 20 de junho de 1926 que nasceu em Belém Max Martins, um autodidata que trabalhou como chefe de escritório do Instituto Medicamenta Fontoura. Foi inspetor administrativo no Ministério da Saúde-Sucam. Nos anos 90, Max exerceu o cargo de diretor da Casa da Linguagem, da Fundação Curro Velho. Max foi patrono da 4ª Feira do Livro Pan-amazônico, promovida pela Secretaria de Estado de Cultura (Secult), em 1999.

"Eu conheci o Max quando eu ainda era estudante universitário e ele participava de um grupo poético junto com o Elliston Altman, chamado Grupo Parvinista. Esse grupo procurava desenvolver poemas de cunho surrealista com temas inusitados. Depois, eu convivi mais com ele na casa do Benedito Nunes, na época do Norte Teatro Escola do Pará. A partir daí tivemos contato em diferentes situações", afirma o poeta João de Jesus Paes Loureiro. Para ele, a obra de Max Martins "é fundamental não apenas pela qualidade formal e linguagem poética, mas, também, pela benéfica influência do seu estilo na atualidade da poesia do Pará".

Paes Loureiro ressalta a relação da obra de Max com a poesia concreta, ou seja, um trabalho marcado por uma poesia de grande rigor técnico privilegiando a poesia leve e procurando relacionar-se com as modernas corrente poéticas. "Foi um homem de grande sensibilidade e caráter, extremamente afetuoso que ficará para sempre no coração des seus amigos da literatura do Pará. É um poeta paraense de dimensão universal".

De acordo com o site www.culturapara.art.br, onde se pode conferir informações sobre a vida e obra de Max Martins, as obras e prêmios que marcam a história deste autor são:

Livros: O Estranho. Belém, Revista de Veterinária, 1952; Anti-Retrato. Belém, Falângola, 1960 — ambos de poesia. Tanto o primeiro como o segundo livro receberam respectivamente os prêmios da Academia Paraense de Letras e Secretaria de Educação do Estado do Pará; Alguns Poemas (1965); 15 Poemas (1970); H’era (1971); O Ovo Filosófico (1975); O Risco Subscrito. Belém, Mitografe, 1980; A Fala entre Parênteses. Belém, Grapho/Grafisa, 1982. Parceria com o poeta Age de Carvalho; Abracadabra (1982); Caminho de Marahu. Belém, Grapho/Grafisa, 1983; 60/35. Belém, Grapho/Grafisa, 1986; Não para consolar. Poesia completa. Belém, CEJUP, 1992. Prémio Olavo Bilac da ABL, dividido com o poeta António Carlos Osório; Marahu Poemas. Belém, CEJUP 1992; Colagens. Belém. CEJUP, 1992; Para ter onde ir. SP, Massao Ohno/Augusto Massi, 1992; Outrossim. Poema-cartaz. Belém, Casa da Linguagem, 1991; J poemas. Folder. Belém, Falângola, 1991; Diário do Poeta. Belém, Revista Unamazônia, n.°0, junho 1998; e Caudrons of Críatirity. Poemas e ilustrações de Max Martins de seus Diários do Poeta. Exposição na Universidade do Colorado, EUA, 1999. (E. R.)

Lendo Max Martins

Edson Coelho

Escritor

Uma vez, quando Max Martins era diretor da Casa da Linguagem, vi-o no Banco do Estado do Pará a receber o salário. Não ganhava mal, e recebeu tudo de uma vez, bolos de dinheiros pelos bolsos. Óbvio que era uma pessoa que não lidava bem com aquela situação (fila, salário, manusear o dinheiro). Parecia alheio, sem a movimentação das pessoas práticas. A concentração era funda, sim, nos tantos poemas árduos que por aquele tempo escrevia.

Max completaria 83 anos em junho próximo. Sempre soube, na vida e na obra, que uma cabana basta: para se ter de onde se ir. Índio de Belém, ancestral, filosófico: caminho de Marahu. Zen-amazônico. Ter de onde se ir para outra dimensão – a da palavra, da linguagem; e depurar o Eu pela dura saga do artista: poesia-vida.

E também – inevitável - ter de onde se ir para além da vida (toda obra é uma preparação para a morte). Leio dois textos marcantes do final da década de 80 (Max tinha 62 anos): "os grampos, teus cabelos ali"; no outro, chega a indagar-se sobre a morte: "Por que mais esta noite inteira esperando?". Enfrentar, então, o tempo implacável - reagir-lhe, impor-lhe um instante, sobreviver-lhe. A obra e o semblante de Max Martins: vincados pelas intempéries, serenos. Conquista, aceitação: resposta às ruínas como no belo poema (também de 20 anos atrás) "Outro sim'": outro sim à vida-obra:


Para que não se vá

a vida ainda

e a amada volte

pede à palavra

outra palavra

outra sob

palavra.


A palavra agora te dará cada palavra que pedires, Max Martins, pois que oitenta e dois anos foram só o começo. Tua obra-vida (cabana em Marahu) é o teu eterno lugar de onde se ir, tua preparação para a montanha, triunfo sobre o tempo; teus livros são lugares de onde partem, há séculos, jovens poetas: lugares intactos, inviolados, expressos em ti para que nós, leitores, tenhamos também, sempre, de onde seguir.

(publicado no jornal O Liberal, nesta terça-feira, dia 10 de fevereiro)

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