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quinta-feira, março 05, 2009

A enciclopédia que você pediu a Jah – Parte 2


BLACK UHURU
Por um breve momento chegou-se a acreditar que o Black Uhuru iria suceder Bob Marley no trono do reggae. A banda unia um trio vocal de extremo talento e a melhor seção rítmica da história do gênero. Pena que da esperança inicial tenham sobrado apenas bons discos e uma carreira marcada pela irregularidade.

O Black Uhuru (expressão africana que significa liberdade negra) surgiu em 1974, impulsionado pela popularidade mundial de Bob Marley & The Wailers. A formação inicial do grupo incluía os vocalistas Derrick “Duckie” Simpson, Don Carlos e Garth Dennis.

Don Carlos saiu em carreira solo e Garth Dennis se mandou para o Wailing Souls. Simpson então reformou a banda com Michael Rose – que tinha o hit “Guess Who’s Coming To Dinner” estourado nas paradas locais – e Errol Nelson, mais tarde substituído pela socióloga americana Sandra Puma Jones. Estes três casaram harmonias vocais impressionantes que tinham em Sly Dunbar (bateria) e Robbie Shakespeare (baixo) o complemento ideal.

O Black Uhuru lançou Red (um dos 100 grandes discos dos anos 80, segundo a revista Rolling Stone) e ganhou um Grammy de melhor álbum do gênero por Anthem (1984). Foi então que seus dreadlocks começaram a mofar. Rose saiu em meio a brigas com Simpson; em seu lugar, entrou Junior Reid. Puma Jones morreria de câncer em 1990. Duckie reagrupou o B.U. com Don Carlos e Garth Dennis. Juntos, eles produziram trabalhos interessantes como Now (1990) e Iron Storm (1991). Mas o comportamento irascível de Simpson fez a dupla abandonar o barco. Hoje existem dois Black Uhurus: o de Duckie Simpson e o de Don Carlos e Garth Dennis. Nenhum deles possui o brilho que o grupo tinha na década de 80.

BLACKWELL, Chris
Este branco é um dos maiores responsáveis pela popularidade mundial do reggae. Fundou o selo Island, pelo qual gravaram Bob Marley & The Wailers, Black Uhuru e Sly & Robbie. Mas há quem veja nele, jamaicano filho de ingleses, um vampiro que se aproveitou da ignorância dos músicos para enriquecer.

Chris Blackwell lançou o primeiro artista da Jamaica a fazer sucesso internacional, Millie Small, que em 1962 emplacou “My Boy Lollipop” nas paradas inglesas. A lenda reza que Blackwell foi aconselhado por uma cigana a investir no reggae – dica que ele seguiu com dedicação. Ajudou a produzir The Harder They Come, o filme que apresentou o ritmo jamaicano ao mundo.

E quando contratou Bob Marley & The Wailers, fez questão de gravar o disco em Londres, com toda a pompa a que tinha direito. Blackwell chegou a requisitar Wayne Perkins (famoso guitarrista de estúdio, um dos candidatos à vaga de Mick Taylor nos Rolling Stones) para fazer dois solos no álbum Catch A Fire (1973).

O empresário se desligou há pouco da presidência da Island e mora na Jamaica, na praia de Oracabessa, na casa que pertencia ao criador de James Bond, Ian Fleming. Recentemente, porém, produziu um filme, Dancehall Queen, dedicado a promover a música jamaicana contemporânea da mesma forma que The Harder They Come.

BLONDY, Alpha
A história do reggae africano com certeza não seria a mesma sem Alpha Blondy. Ele é considerado uma espécie de Bob Marley afro, com discursos contra o apartheid e as brigas tribais que dominam o continente. Nascido Seydou Kone na Costa do Marfim, Blondy iniciou sua carreira como vocalista da banda de rock Atomic Vibrations. Bandeou-se para os lados do reggae após ouvir Bob Marley & The Wailers.

Blondy gravou alguns singles na Jamaica, que não obtiveram sucesso esperado. Trabalhou como tradutor na TV inglesa e iniciou sua carreira de glórias com o álbum Cocody Rock (1984). Três anos depois, lançou sua obra-prima, Jerusalém. Gravado com os Wailers, o disco tem mensagens religiosas e sociais da melhor qualidade, cantadas em inglês, francês e no dialeto africano dioula.

Ao mesmo tempo em que constrói uma obra de respeito, Blondy sofre de sérios problemas psicológicos em decorrência do uso de drogas pesadas. A família o internou numa clínica no início dos anos 80; e ele tentou cometer suicídio em Paris, no ano de 1991.

BLOOD CLOT
Menstruação, em patois. Mas também pode (e deve) ser usado como xingamento. É o equivalente ao nosso “puta que pariu”.

BOOTHE, Ken
Um dos grandes nomes do rock steady e do reggae, começou a gravar em 1963, em duo com Stranger Cole – Stranger & Ken – e registrou vários clássicos antes do final da década de 60. Seu estilo vigoroso de interpretação lhe valeu o apelido de “Wilson Pickett do reggae” e enlouquecia as jamaicanas, que se rasgavam por ele no começo dos anos 70.

Em 1974, regravou “Everything I Own”, hit do grupo americano Bread, e comandou uma invasão às paradas britânicas: foi número um no Reino Unido. Recentemente, Boothe voltou às paradas com um empurrãozinho do DJ Shaggy, que regravou com ele “The Train Is Coming” (velho sucesso de Boothe) para a trilha do filme Assalto Sobre Trilhos.

BOUNTY KILLA
Outro rebento de Trenchtown, a favela de Kingston que deu ao mundo Bob Marley e Shabba Ranks. Bounty jura que começou a carreira aos quatro anos, gritando nos sound systems locais. Seu palavreado ágil, porém, só ganhou admiração com “Copper Shot”, que ele gravou nos estúdios do produtor King Jammy. Isso aconteceu em 1994. Em 1996, investiu com sucesso numa vida fora da Jamaica. Bounty fez duetos com Raekwon (do Wu-Tang Clan), estourou na comunidade hip hop com “Cellular Phone” e executou um dueto magistral com os Fugees (“Hipopera”).

BREAKSPEARE, Cindy
Uma das muitas musas de Bob Marley. A branquela Cindy Breakspeare ganhou fama internacional ao conquistar o título de Miss Biquíni Mundial, em 1976. Naquela altura, ela já estava enrabichada com o rei do reggae. O romance irritou a facção mais ortodoxa da filosofia rastafari, que foi à mansão de Bob tomar satisfações e acabou levando um clássico “meta-se com sua vida”. Cindy tem uma importância musical na vida dos Wailers: foi a musa inspiradora dos álbuns Exodus e Kaya, apontados como os mais suaves na carreira de Marley. Ela também resolveu seguir carreira artística cantando clássicos do eterno amado. Mas quem assistiu seu show no Brasil, em 1994, pôde comprovar: como cantora, Cindy Breakspeare é uma excelente miss veterana.

BROWN, Dennis
Um dos canários da geração de ouro jamaicana. Dennis Brown foi descoberto aos dez anos de idade por Clement Coxsone Dodd (dono do Studio One), quando cantava nos Falcons. Dois anos depois ele já dava retorno ao investimento de Dodd, ao emplacar “No Man Is An Island” (regravação de um hit de Curtis Mayfield). O auge da popularidade de Brown, porém, veio acontecer nos anos 70 e 80, quando ele se converteu à filosofia rastafari. Chegou a ser sério candidato ao trono que Bob Marley deixou vazio.

Adicionou um Emmanuel a seu nome e, auxiliado por músicos do quilate de Sly & Robbie e os Wailers, gravou álbuns sensacionais como Words Of Wisdom e Joseph’s Coat Of Manny Colours. Ao contrário de outros grandes nomes, Brown não parou no tempo. Abraçou as mudanças do reggae, gravou com Aswad e Maxi Priest e até se preocupava em colocar batidas mais modernas em suas canções. Quem viu os shows deste senhor (que sempre tocava ao lado da We The People Band) sabe que no palco Brown incendiava de rastas ortodoxos ao bad boy mais tresloucado. Ele morreu no dia 1º de julho de 1999, aos 42 anos, de ataque cardíaco.

BURNING SPEAR
Em 1969, Winston Rodney iniciava sua original carreira no Studio One com o single “Door Peep”. O nome Burning Spear foi uma homenagem a Jomo Kenyatta, primeiro presidente do Quênia (Flecha Flamejante, burning spear, era o nome que o líder assumiu quando lutava contra os ingleses pela independência) – o que dá o tom de seu trabalho, marcado pela militância rasta. Nos anos 70, fez, pela Island, seus melhores discos: Marcus Garvey, Man In The Hills, Dry & Reavy, Social Living.

Burning Spear, porém, é artista para se assistir ao vivo. Ele se entrega, se contorce, clama, chora – performance que sempre acontece durante “Slavery Days”, emocionante lamento sobre a escravidão.

Pena que tenha se envolvido com drogas pesadas nos anos 80 e lançado discos irregulares. Mas permanece como um dos grandes símbolos da aura espiritual que cerca o reggae dos anos 70. Sua firmeza na crença rasta pode ser resumida por esta declaração: “Eu não canto para fazer ninguém crer em Selassié ou no que eu defendo. Eu canto sobre o que sei que é certo.”

CAT
Ou the cat. Órgão sexual feminino, em patois.

CHAKA DEMUS & PLIERS
Os dois começaram como solistas, ainda nos anos 80. Chaka Demus largou o emprego numa fábrica de cigarro para ser DJ (o equivalente a rapper). Adotou o nome que é uma homenagem ao veterano DJ Nico Demus. Pliers é um cantor boa-pinta, com voz em cima (costuma dizer que sua influência maior é Stevie Wonder) que chegou a soltar singles de responsa nos sound systems jamaicanos antes de formar a dupla.

Em 1993, eles regravaram “Murder She Wrote”, canção em que Pliers esculacha uma sirigaita (sua ex-musa). Com base instrumental surrupiada de “Bam Bam”, bela velharia do grupo Toots & The Maytals, a música esteve nos primeiros lugares na parada inglesa. Em seguida veio o álbum Tease Me – cuja faixa-título é um clássico moderno – seguida de uma regravação acachapante de “Twist & Shout”.

Três anos depois eles soltaram All Kinda People. Apesar de conter belas canções e uma cover de “For Every Kinda People” (de Harry Belafonte, com participação do próprio), o CD teve fraco desempenho nas paradas. Mas Chaka Demus & Pliers ainda estão entre os grandes do mundo do reggae contemporâneo.

CHALICE
Cachimbo para se fumar maconha, normalmente feito da casca do coco.

CHAPLIN, Charlie
DJ da época do dancehall, evita a violência verbal e prefere compor prosas engaçadas.

CIDADE NEGRA
“Uma coisa boa a respeito da música/ É que quando ela bate você não sente dor”, ensina Bob Marley em “Trenchtown Rock”. Alguns habitantes da Baixada Fluminense tomaram essas palavras como sentido da vida. Nos anos 80, o grupo Lumiar saiu da violenta Belford Roxo, na periferia do Rio de Janeiro, para cantar um reggae de letras conscientes, com influências do próprio Marley e de Steel Pulse. Mudou o nome para Cidade Negra e caiu nas bençãos do produtor Nelson Meirelles - que deu o verniz necessário para o som básico de Lazão (bateria), Da Gama (guitarra), Bino Farias (baixo) e Ras Bernardo (vocais).

Eles assinaram contrato com a Sony Music em 1990 e lançaram o belo Lute Para Viver, que emplacou o hit “Falar A Verdade”. O Cidade tem no currículo shows ao lado do Aswad e do Steel Pulse e uma apresentação no então badalado Reggae Sunsplash, em 1992.

No ano seguinte, Bernardo saiu do grupo e foi substituído por Toni Garrido, que trouxe influências soul. O quarteto assumiu uma postura mais pop, mas sem perder as letras de cunho social e religioso. Sobre Todas As Forças (1994) transformou a banda em superstars, vendendo mais de 800 mil cópias. Festejando sua imensa popularidade, o Cidade foi de novo à Jamaica em 1995, para participar da noite internacional – a mais disputada – do Reggae Sumfest.

O Erê (1996) mostrou uma banda ainda mais antenada com os sons atuais do reggae: o disco traz parcerias com os veteranos do Inner Circle e raggamuffin da DJ jamaicana Patra. Para o ano de 1998, o Cidade prepara um CD de dub – a versão psicodélica do reggae – com produção de feras como Aswad, Sly Dunbar e Mad Professor.

CLARKE, Gussie
Dono do Music Works, um dos estúdios mais badalados de ilha, Augustus “Gussie” Clarke trabalha com música desde a adolescência. Foi produtor de Screaming Target, o melhor disco de Big Youth. Ao lado de um time de músicos, programadores e produtores, ele criou batidas e grooves para a velha e a nova geração.

Compôs também hits como “Rumours”, a matadora canção que tirou Gregory Isaacs do limbo, e ajudou a aumentar a fama de DJs como Shabba Ranks e Tiger. E não foram só os jamaicanos que tiveram o privilégio de gravar no Music Works. O Aswad criou seu grande álbum dos anos 90 (Too Wicked) nesse estúdio, com a ajuda de todo o cast da casa – o DJ Shabba Ranks, a cantora J.C. Lodge e os programadores Steely & Clevie...

O mais interessante é que Gussie não toca nem corneta: “Sou um criador, não um músico. Quando invento uma batida, descubro alguém que transforme a minha idéia em música e pronto!”

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