Pesquisar este blog

sexta-feira, junho 26, 2009

Conversa pra boi dormir


Na última terça-feira, a convite da jornalista Andréia Mayumi, eu participei do relançamento do livro “Conversa pra boi dormir”, do jornalista Mário Adolfo, na belíssima livraria Saraiva Megastore, ali no Shopping Manauense.

Meu papel no evento era funcionar como “escada” do Mário Adolfo, relembrando causos, sugerindo temas, esclarecendo fatos (minha memória é melhor do que a dele), essas coisas.

Foi um bate papo bem descontraído com a presença de dezenas de amigos, onde o Mário Adolfo relembrou rapidamente seus 20 anos de cobertura do Festival Folclórico de Parintins, a partir de 1986, quando ainda era “foca” do jornal A Crítica, até 2007, quando já era Diretor de Redação do Amazonas Em Tempo.

Alguns causos hilários que ele presenciou pessoalmente (devidamente relatados no referido livro) foram contados de viva voz. A platéia participou do debate, que incluiu discussões sobre a suposta “carnavalização do festival” e velhas recordações dos bumbás Corre Campo, Tira Prosa e Mina de Ouro.

Mário Adolfo e Maria Mestrinho já estão na ilha desde quarta-feira, ciceroneando o querido advogado Tagore Arruda, que veio de Goiânia exclusivamente para assistir ao espetáculo pela primeira vez. O ex-presidente da CUT Jaques Castro também já está lá, em companhia dos médicos Menandro e Eliana Feijó.

Eu ia viajar na quarta, junto com a galera do Reino Unido, no barco Maresia IV. Ocorre que o barco estava irregular e foi proibido pela Capitania dos Portos de sair de Manaus. Resultado: o radialista Ivan Oliveira, que organizava a excursão, teve de devolver o dinheiro das passagens e a viagem micou.

Mas não fiquei no prejuízo. Ontem e anteontem, curti o Tributo ao Joy Division, organizado com competência pelo poeta Jorge Bandeira, no Espaço Cultural Valer (falo disso outro dia), hoje participo do aniversário da filha caçula do poeta e livreiro Celestino Neto, o “Lé”, que vai ganhar um presente especial (o reencontro do grupo Cio da Terra, quase trinta anos depois) e amanhã vou conferir a festa do Difusão Cultural, capitaneada pelo brother Marcos Tubarão.

Do hepteto original do Cio da Terra (Pondes, Dorinha, Val, Berg, Cezinha, Iran e Lé), o vocalista Val será o único ausente na noite de hoje porque se encontra trabalhando na base petrolífera de Urucum, em Coari, e só retorna pra Manaus daqui a dez dias. Mas o resto da cachorrada já confirmou presença no fuzuê. Será uma sessão nostalgia do tipo “e éramos todos jovens!”. Ou seja, absolutamente imperdível!

Bom, mas não era sobre isso que eu ia falar. É que quando o Mário Adolfo começou a relembrar de suas primeiras andanças por Parintins, na companhia do fotógrafo Isaac Amorim, eu acabei recordando de uma presepada federal em que envolvi indiretamente o meu brother Marcos Santos.


Negócio seguinte. Em junho de 1990, o jornalista Marcos Santos era apresentador oficial do bumbá Caprichoso e editor de Cultura do jornal Amazonas em Tempo, onde eu era um dos colaboradores mais assíduos, publicando meus artigos na edição de domingo.

Na época, eu era Gerente da Engenharia de Qualidade da Philco da Amazônia e não tinha tempo – nem vontade – de redescobrir a “oitava maravilha do mundo”, que já havia conhecido em 1979. Também não entendia a importância que o jornal dava ao evento, cobrindo aquela festa interiorana com seus melhores profissionais.

Duas semanas antes do festival, o Marcos Santos viajou para Parintins, para participar dos ensaios do bumbá Caprichoso, e eu, sem maldade nenhuma, resolvi fazer uma brincadeira meio calhorda (confesso que não fazia a menor idéia da rivalidade entre os bumbás): inventei uma suposta carta enviada pelo jornalista pra redação do jornal, sendo que eu próprio me encarreguei de responder.

Era um texto de humor, of course, intitulado “Notícias de Parintins”, que abria com a seguinte pérola: “Caríssimo Simão Pessoa. Fale com a nossa querida Hermengarda Junqueira pra ela providenciar um novo depósito bancário na minha conta, que estou matando cachorro a grito. Quando me disseram que as cunhans de Parintins eram umas pessoas muito dadas, eu estava pensando em outra coisa. Resultado: a grana acabou mais cedo do que eu esperava porque, além de elas serem muito dadas, também bebem pra caramba. Um forte abraço do amigo Marcos Santos.”

Não lembro direito, mas na resposta da carta eu dava alguns conselhos bem humorados pro Marcos Santos e, no final, pedia encarecidamente que, no seu retorno a Manaus, ele trouxesse uma camisinha do boi Caprichoso para eu presentear um afilhado de dois anos. Pra mim, era apenas um texto irônico, cheio de frases de duplo sentido, mas sem nenhuma maldade ulterior. Pro pessoal do boi Garantido, aquilo era uma declaração de guerra.

O artigo saiu no domingo. Assim que o primeiro jornal chegou à ilha, eles recortaram a carta, colaram em uma folha de papel ofício e acrescentaram o seguinte título: “Apresentador do Boi Caprichoso diz que em Parintins só tem putas!”. Aí, tiraram 10 mil cópias xerox e saíram distribuindo de casa em casa. A merda começou a feder.

O jornalista Marcos Santos, que até então não sabia de nada, quase enfartou quando uns 50 sujeitos tentaram invadir o hotel onde ele estava hospedado para lhe darem uma surra com galho de cuieira. No meio da confusão, ele conseguiu acionar a polícia. Uma tropa de choque da PM ficou de prontidão na porta do hotel para evitar a tragédia.

Na seqüência, Marcos Santos foi excomungado em todas as missas pelos padres da ilha e detonado em todas as rádios pelos radialistas locais. No começo da tarde, ele conseguiu telefonar pra Menga, relatando o que estava acontecendo, que imediatamente entrou em contato com o governador, o secretário de Segurança e o prefeito de Parintins para garantirem a integridade física do jornalista. Uma zorra surrealista!

Na segunda-feira, por meio do Mário Adolfo, soube do que estava acontecendo em Parintins – e, evidentemente, fui devidamente chamado no saco. Argumentei que faria um novo artigo, pedindo desculpas dos parintinenses e inocentando o Marcos Santos, mas ele estava tão enfurecido, furibundo e transtornado, que bateu o telefone na minha cara, tão logo terminou de me xingar (desconfio que sua cabeça estava a prêmio já que havia sido ele quem me levara pra escrever no jornal).

No mesmo dia, a Menga conseguiu entrar ao vivo no programa de maior audiência da rádio Alvorada, de Parintins, para pedir desculpas à população e explicar que o Marcos Santos não tinha nada a ver com aquilo, que a carta tinha sido inventada por um irresponsável que sequer pertencia aos quadros dos jornais, que providências jurídicas estavam sendo tomadas para me processar, aquelas coisas todas, mas nem assim a poeira baixou.

Como a equipe oficail de cobertura do jornal (Menga, Mário Adolfo, Eduardo Gomes, Carlos Dias, Elaine Ramos, Carlos Aguiar, etc) iria desembarcar na ilha na quarta-feira, algum radialista gaiato convocou a população para “dar as boas-vindas ao jornalista Simão Pessoa, do jornal Amazonas em Tempo, que estava chegando com o resto da equipe a bordo do navio Dona Carlota”.

Umas 500 pessoas, armadas de paus, pedras, tacos de beisebol e correntes com cadeado na ponta atenderam a convocação do radialista e foram aguardar a chegada da delegação do jornal no Cais do Porto. O pior é que ninguém me conhecia nem de fotografia. Quer dizer, qualquer profissional do sexo masculino estava sujeito a levar uns catiripapos em meu nome, pela honra das mulheres ultrajadas do município.

Assim que desembarcou do navio, a delegação do Amazonas em Tempo foi escoltada pela polícia de choque da PM até o hotel, onde Marcos Santos se encontrava em prisão domiciliar. Impedido de participar dos ensaios do Caprichoso (se colocasse os pés fora do hotel seria linchado), Marcos Santos estava praticamente na marca do pênalti para ser detonado da função de apresentador oficial.

De quarta-feira a domingo, último dia do festival dos bumbás, a conversa nos quatro cantos da ilha era uma só: “cadê aquele filho da puta do Simão Pessoa, que desrespeitou as nossas mulheres?”. Sim, minha cabeça estava a prêmio, com os “headhunters” cada vez mais indignados e enfurecidos. Em parte porque os radialistas locais, na falta de outro assunto, requentavam a história 24 horas por dia.

O jornalista Beto Azedo, que também estava na cidade, me encontrou alguns meses depois no Bar Calígula, ali na Aparecida, e não se conteve:

– Caralho, bicho, o que qui tu andou aprontando em Parintins?... Eu estava com uns amigos no Bar Chapão, quando um sujeito, espumando de ódio, falou pra outro: se eu encontrar aquele tal de Simão Pessoa aqui na cidade, ele vai ser devolvido pra Manaus aos pedaços... Vou esquartejar aquele filho da puta!... Aí, tirou da cintura uma faca de sete polegadas e colocou em cima da mesa... Porra, bicho, eu fiquei tão nervoso com aquilo, que saí do bar...

Tive que repetir a história do mal entendido pela milionésima vez.

Por conta do escarcéu, passei uns seis meses sem escrever no jornal e com um puta sentimento de culpa de ter contribuído involuntariamente para o afastamento do Marcos Santos da função de apresentador oficial do touro negro, ocorrida no ano seguinte (até hoje, ele jura que saiu voluntariamente e que o fuzuê não teve nada a ver com a sua decisão).

De qualquer maneira, fiquei tão irritado com o golpe baixo do boi Garantido que me converti automaticamente em fervoroso torcedor do boi Caprichoso que, aliás, ganhou o festival daquele ano. E, de quebra, ainda tendo o Marcos Santos como apresentador. Só voltei a colocar os pés na ilha em 1995. Mas isso é outra história.

2 comentários:

Astrid disse...

Simão, meu querido, duas observações:
1 - O boi de Parintins é... ahnn deixa pra lá, melhor tentar ser feliz

2 - O texto humorístico é muito difícil, muito mais do que aquele dramático. Considero você é um dos melhores autores brasileiros, sem nenhuma dúvida.

aline maia disse...

eu amo de paixão este livro s