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terça-feira, junho 02, 2009

Feitiço do tempo (parte 1)


Helio trajando seu parangolé de presidente perpétuo da Assintão

Há duas semanas, em meio a um “goró” doméstico na base do velho escocês, liguei pro mais famoso apartamento de Pilarzinho, em Curitiba. Dona Maria Emília atendeu. Pedi pra falar com o Hélio. Depois de alguns minutos, ele atendeu. A gente não se falava há 10 anos, mas foi como se eu tivesse falado com ele na semana passada:

– Ô, rapaz, que grande prazer! Quanto tempo... Como foi que você me achou?...

– Vi uma entrevista sua no YouTube e bateu saudade. Aí, bastou dar uma zapiada pelo santo Google...

– Porra, essa internet é foda...

– Vem cá, você ainda não tem um blog não?...

– Pára com isso, Simão! Não mexo com essas coisas de alta tecnologia não. Nem computador eu tenho. Sou artesão, cara!

- Também não tem e-mail?

- Que e-mail o quê, sô! Sou das antigas. Ainda escrevo cartas na velha Remington, escrevo a mão o endereço e posto no correio. Quero saber dessas coisas de internet, não!

– Soube que lançaram um livro a teu respeito, aí em Curitiba...

– Pois é. Já ouviu falar do Sertanejo Universitário, Country Universitário, Forró Universitário? Pois agora o meu é Artesanato Universitário e tem até monografia. Me fala teu endereço, que te envio um exemplar.

– Mudando de pau pra piroca, como é que estão as coisas aí na velha Cu... ritiba?

– Olha, aqui, estamos bem, graças a Deus. Meu irmão agora tá mais firmadão, acho que mora em Porto Velho. Foi uma luta. Obrigado pela sua inestimável força na ocasião, sou-lhe grato for ever.

– Quando é que você vem em Manaus?

– Ah, depois daquele sufoco todo... Sei não... Acho que é mais fácil você vir a Curitiba... Falando nisso, como é que estão as suas canalhices? Quantas lebres você já abateu depois do nosso último encontro? (risos)

– Não lembro qual era o placar na época, mas pela minha contagem geral acabo de empalhar a 1.201ª lebre que, por sinal, era acreana. (risos) Vou te mandar o livro “Alô, Doçura!”, que publiquei no ano passado. Abracadabraços.

- Grande abraço e que Deus te ilumine. Mas não manda a conta pra mim. (risos)


Ontem, assim que o carteiro me entregou um envelopão já intui que era coisa do Hélio. Ele é o único sujeito do mundo que transforma envelopes de cartas em obras de arte, fazendo belíssimas interferências visuais com pincel atômico, nanquim e tinta guache. O pessoal dos Correios deve ficar pirado!


Ah, sim, e os indefectíveis “botões de papel” (confete) também estavam lá. Por mais incrível que pareça, Hélio consegue manter uma disciplina interior digna de um monge zen, repetindo suas pequenas manias há mais de três décadas, como se o tempo tivesse parado. Parece até aquele personagem do filme "Feitiço do Tempo".


Se não bastasse isso, o livro da Rita de Cássia Baduy Pires é uma pequena obra prima, com centenas de fotografias, textos-cabeça de Paulo Leminski, Millor Fernandes, Domingos Pellegrini e outros, diagramação moderna, totalmente em policromia, feito em papel couchê brilhante, luxo total.

A Rita fez uma autêntica dissecação cadavérica da trajetória do Hélio, desde a fundação da Assintão, em Campinas, no início dos anos 80, até seus trabalhos mais recentes, comercializados aos domingos na Feira de Artesanato do Largo da Ordem, em Curitiba. Obra pra colecionador.


Olha só o que ela diz na apresentação do livro:

Certa vez Hélio Leites comentou que a poetisa curitibana Helena Kolody havia lhe sugerido escrever um livro. Mas escrever um livro é para quem está parado, disse ele, e eu ainda estou caminhando. Isso foi há mais de cinco anos, enquanto eu preparava uma monografia de graduação cujo tema também era ele. De lá pra cá nossos caminhos poucos se cruzaram em virtude das andanças de cada um.

A idéia de sentar por ele sempre me deixou em desassossego, até que resolvi enviar o projeto para a Lei Municipal de Incentivo à Cultura. Demorei a encontrar uma cadeira para sentar. Aquietar-se frente a livros e textos e ao inevitável computador é uma tarefa difícil para quem está acostumado a ficar em movimento.

Dia 7 de agosto de 2007. essa foi a data, incrivelmente atrasada segundo os cronogramas oficiais, em que me sentei e comecei a materializar no teclado a colorida trajetória de Hélio. Qual será o enfoque do livro? O Hélio é muitos! Há inclusive um artigo sobre ele que se inicia da seguinte forma: É um só, mas pode ser uns 300. É múltiplo em si mesmo... Por onde começar então?

Abri a caixa onde havia guardado todos os papéis e cartas trocados com ele naquela época, e uma alegria tomou conta de mim. Vou começar, não importa por onde. Hélio Leites é multifacetado. Assim, como meu trabalho também engloba o mundo do pequeno, optei por enfocar a miniatura, que no caso de Hélio vai para além da materialidade.


Abaixo, três ready-mades do Hélio, na linha "terapia", uma deliciosa brincadeira que resolve problemas diversos. O primeiro é o São Francisco feito de pau de canela dentro da seringa para dar "injeção de ânimo". O segundo é um "remédio para doença inventada" - um palhaço construído a partir de um tubo de cola super-bonder e colocado dentro da seringa acompanhado do texto "conta outra que essa não cola!". O terceiro, São Longuinho, aquele que nos ajuda a procurar objetos perdidos, repousa na ponta do batedor de claras de ovo e já vem com os três pulinhos. Fala sério, mas o filho da puta tem ou não tem criatividade?

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