Pesquisar este blog

sexta-feira, agosto 21, 2009

Paulo José Cunha lança suas epopéias em poesia


Além de primo do saudoso poeta Torquato Neto, o também poeta PJC é autor dos livros “Vermelho, um Pessoal Garantido” e “Caprichoso, a Terra é Azul”, sobre a Festa dos Bumbás de Parintins e, quando está em Manaus, sempre bate o ponto no Bar do Armando


Por Eugenio Rego

Para publicar suas memórias - em poesia, frize-se - o jornalista e escritor piauiense Paulo José Cunha levou uma rasteira de um objeto que é sinônimo dos tempos atuais: o computador. Depois de ter escrito páginas e páginas de “O Perfume de Resedá”, um bug levou todas as suas lembranças de infância, registradas na memória virtual da máquina. Depois de uma saga tecnológica, PJC conseguiu recuper as linhas do seu passado. O jornalista, radicado em Brasília, esteve em Teresina no final do mês passado para lançar o livro. Confira rápida entrevista exclusiva para o blog.

Por que escrever memórias em forma de poema? Não seria mais fácil fazê-lo em prosa mesmo?

Sim, poderia escrever em prosa, mas sempre me pareceu que infância e memória são dois substantivos que pertencem à natureza da poesia. Preferi escrever dessa forma, aliás numa tradição de contar histórias em versos que remonta aos clássicos como Homero com sua Ilíada e sua Odisseia; Camões com Os Lusíadas; e mais recentemente, por aqui, Melo Mourão com O País dos Mourões e nosso Ferreira Gullar com seu Poema Sujo. O livro nasceu assim, espontaneamente. Se poderia sair em prosa? Sim, poderia. Mas não saiu.

A resedá é conhecida também com suspiro. Tudo a ver com seu livro, né?

Não sabia que resedá também se é conhecida como suspiro. Belo nome, ótima descoberta. Sim, tudo a ver com meu livro, na verdade cada linha dele é um suspioro de saudade de um tempo em que os meninos tinham asas e caminhavam sobre as nuvens. Todos os meninos daquele tempo - e eu fui um deles - sabe do que estou falando, e se identifica com o livro por causa disso. A recuperação das memórias se situa na linha do resgate presente em obras clássicas como “À la recherche du temps perdu” (Em Busca do Tempo Perdido), de Proust. O que fiz foi apenas registrar, como fez Proust, para não perder para sempre, alguma lembrança da infância perdida. Clarice Lispector dizia que escrevia pra não morrer. Eu digo que escrevo para não deixar a minha memória morrer. Com um detalhe: pouco me incomoda a edição (meu editor, Cineas, sabe disso, e a responsabilidade pelas edições de meus livros é dele. Por mim, não lançar ia livro algum). O que gosto mesmo é de escrever, de registrar. Imprimir, botar na rua, fazer lançamentos é a parte chata do ofício. Escrevo para que as memórias não se percam. Publico porque dizem que se tem de partilhar a produção. E lanço em noites de autógrafos para rever os amigos e permitir que eles tomem conhecimento do que ando fazendo. Mas bom mesmo, cachaça mesmo - é escrever.

Que período cronológico de sua vida o livro cobre?

Não seu precisar, até porque são memórias reais e memórias inventadas, além das memórias que me foram relatadas ou de que me apropriei lendo os livros de história, como as aventuras e atrocidades de bandeirantes, entre eles Domingos Jorge Velho, o desbravador das terras do Piauhy. Há coisas no livro que ouvi de minha avó. Há outras que nunca ouvi, apenas imaginei (e quem disse que as coisas imaginadas, principalmente as coisas inventadas, também não constituem parte importante da s nossas memórias? Federico Fellini, em Amarcord, faz exatamente isso).

Depois de recuperar os arquivos do livro de memórias, quando achou que era hora de publicá-los? Não é ainda um homem jovem para publicar memórias?

Só depois de recuperar os arquivos percebi sua importância para mim, para o resgate da minha infância, da minha vida. Não sabia a hora de publicá-lo. Até mostrar os originais ao Cineas, que o levou ao Dobal (que se adiantou e escreveu o prefácio, talvez o último texto que tenha escrito na vida), eu não pensava em publicar nada. Sempre achei (ainda acho) que o texto está incompleto, carecendo de revisão. Já o revisei umas trezentas vezes, conforme os registros do computador, mas toda vez que releio acho que o texto poderia ficar melhor, aí acrescento uma coisinha aqui, um detalhe ali e assim vai. Sim, talvez seja muito jovem para publicar memórias. Melhor assim. Pelo menos, se morrer muito jovem as terei deixado prontas (nem sei bem pra quê, mas já que escrevi, que fiquem aí). Esperar a velhice para publicá-las não me parece o melhor conselho. E não sou tão jovem assim, estou com 58, já venci mais de meio século. Hora de abrir o embornal e ver o que se guardou lá dentro, durante a caminhada...

Acredita que, do jeito como as coisas vão, as próximas gerações de escritores ainda publicarão suas memórias em livros?

Não posso prever. Talvez terminem fazendo-o no cyberespaço. Mas ainda acredito muito na permanência do objeto-livro. É plástico, bonito, prático, agradável ao tato, portátil, não consome energia, é biodegradável e - o que é melhor - permite uma série de intervenções visuais que a telinha do computador jamais conseguirá registrar. E tem cheiro, cheiro de tinta, cheiro de papel novo. Isso é insubstituível. Se pegar o meu livro, com a bela arte do Antonio Amaral, vai confirmar o que estou falando. Da capa às ilustrações do miolo, passando pelas páginas de guarda das duas contracapas, o livro inteiro é uma pequena obra de arte. O Amaral é foda, um dos maiores e mais completos artistas do Brasil.

Ainda guarda suas memórias recentes no computador?

Não. Não confio nele. Imprimo tudo, principalmente os poemas. Papel pode sofrer com traças, não com vírus. Na dúvida, guardo vários back-ups em disquetes e pen-drives. E imprimo em papel. Se perder um, tenho o outro. Se perder o outro, tenho o outro-outro. Se quer saber, acho que estou ficando velho (portanto na hora de escrever memórias). Velho e... desconfiado.

Nenhum comentário: