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quinta-feira, agosto 20, 2009

Três dias de paz e amor, bicho!


Se nunca mais você saiu à rua em grupo reunido, o dedo em V, cabelo ao vento, amor e flor, como dizia a música “Velha roupa colorida”, de Belchior, não se avexe: para celebrar os 40 anos do Festival de Woodstock, o Galvez Botequim vai exibir nesta quinta-feira, a partir das 20h, o filme “Woodstock – 3 Days of Peace & Music (The Director’s Cut)” de Michael Wadleigh, uma nova versão do documentário que ganhou o Oscar em 1994.

Durante cerca de quatro horas, vão desfilar no telão do botequim as principais atrações musicais do festival que marcou a história do rock & roll e reuniu mais de 500 mil pessoas em uma fazenda na cidade rural de Bethel, Nova York, Estados Unidos, entre 15 e 18 de agosto de 1969. O Galvez Botequim fica na Rua Aldair Severiano Nunes, 8, Conjunto Eldorado, em frente à Utam. Não será cobrado couvert.

O advogado H. Dias se lembra bem daquele ano que marcou o apogeu da contracultura. “Eu tinha 23 anos, morava em Belém, era pobre, pobre, pobre, de marré, marré, marré, mas sonhava com o que estava acontecendo em Nova York”, diz ele. “Pra mim, aquilo foi um divisor de águas, tanto para a música pop, como para a mudança dos costumes, do comportamento. Tudo que veio depois – movimento ecológico, revolução sexual, luta pelos direitos civis – teve seu marco zero em Woodstock.”


O jornalista e agitador cultural Joaquim Marinho, um dos pioneiros da geração roqueira em Manaus, também acompanhou a efervescência a distância. “Os maiores artistas daquela época morreram uns dois ou três anos depois – Janis Joplin, Jimi Hendrix, Jim Morrison. Em compensação, outros, como Sly Stone, Carlos Santana, Joe Cocker, Joan Baez e Country Joe saíram de Woodstock consagrados”, relembra. “Em termos de comportamento, se a doutrina americana ainda pregava o prende e arrebenta, a partir da geração Woodstock começou o liberou geral, em todos os níveis.”

Pra Joaquim Marinho, a grande sensação do festival foi a interpretação de Joe Cocker no hit “With a little help from my friends”, dos Beatles. “Pouca gente sabe que o baterista daquela apresentação era o Richard Bryant, que depois veio morar em Manaus, casou com a Ana Amélia Omena e é pai do Ricardo Bryant, dono do Empório da Pizza”, diz ele. “E apesar das dezenas de regravações da música ao longo das décadas seguintes, nenhuma delas chegou aos pés daquela apresentação sublime do Joe Cocker”.

Na época Chefe de Reportagem de A Crítica, o poeta Aldisio Filgueiras solicitou (e conseguiu) do saudoso Umberto Calderaro uma semana de licença para organizar, na Ponta Negra, uma versão tupiniquim do fuzuê, que entrou para a história como “Festival do Lixo” (v. box). “O Festival de Woodstock foi decorrência do ressentimento da classe média americana com aquela educação extremamente puritana da sociedade de consumo”, explica Aldisio. “Como basta ser jovem para ser do contra, a geração paz & amor deu uma chacoalhada no estilo de vida ianque, que repercutiu em escala planetária. Foi o primeiro sinal de que o mundo acabaria mesmo globalizado”.

Os quatro cavaleiros do Apocalipse

O Festival de Woodstock surgiu dos esforços de Michael Lang, John P. Roberts, Joel Rosenman e Artie Kornfeld. Roberts e Rosenman, que entrariam com o dinheiro, colocaram um anúncio sob o nome de Challenge International, Ltd., no New York Times e no Wall Street Journal (“Jovens com capital ilimitado buscam oportunidades de investimento legítimas e interessantes e propostas de negócios”). Lang e Kornfeld responderam o anúncio, e os quatro reuniram-se inicialmente para discutir a criação de um estúdio em Woodstock, mas a idéia evoluiu para um festival.

Mesmo considerado um investimento arriscado, o projeto foi montado tendo em vista possibilitar um bom retorno financeiro. Os ingressos passaram a ser vendidos em lojas de discos na área metropolitana de Nova York, ou via correio, pelo preço de 18 dólares (aproximadamente 75 dólares em valores atuais). No dia do evento, eles custariam 24 dólares.

Aproximadamente 186 mil ingressos foram vendidos antecipadamente, e os organizadores estimaram um público de aproximadamente 200 mil pessoas. Não foi isso que aconteceu. Mais de 500 mil pessoas atenderam ao convite, derrubando cercas e tornando o festival um evento gratuito. O resultado? Enormes engarrafamentos que transformaram Bethel em “área de calamidade pública”. As instalações do festival não haviam sido equipadas para providenciar saneamento ou primeiros-socorros para tal multidão, e centenas de pessoas tiveram que lutar contra o mau tempo, o racionamento de comida e as condições mínimas de higiene.

Embora o festival tenha sido reconhecidamente pacífico, dado o número de pessoas e as condições envolvidas, houve duas fatalidades registradas: a primeira, resultado de uma provável overdose de heroína, e a outra, após um atropelamento por um trator. Houve também dois partos registrados (um dentro de um carro preso no trânsito e outro num helicóptero) além de quatro abortos. Ainda assim, em sintonia com as esperanças idealistas dos anos 60, Woodstock satisfez a maioria das pessoas que compareceram ao evento. Mesmo contando com uma qualidade musical excepcional, o destaque do festival ficou por conta do comportamento harmonioso e da atitude solidária de seu imenso público jovem, naquele que foi considerado o “canto de cisne” do movimento hippie.

Naquela época, também há 40 anos, quatro cabeludos de Liverpool finalizavam seu último trabalho juntos e atravessavam a rua para outra era. O álbum Abbey Road chegava às lojas no fechar das portas da criativa e revolucionária década de 60. E o Festival de Woodstock surgia, despretensiosamente, como um novo começo ou como a cara do novo mundo que se descortinaria pelo resto da década de 70. “O Woodstock foi muito mais importante que o Abbey Road porque mudou o modo do mundo pensar. Gerou uma cultura da cooperação e não mais da competição”, opina Aldisio Filgueiras. E conclui: “Infelizmente o capitalismo engoliu aquele sonho hippie”.


Curiosidades

A banda Grateful Dead tocou debaixo de chuva. Alguns membros da banda sofreram choques elétricos durante a sua apresentação. O baixista Phil Lesh captou o rádio de transmissão de um helicóptero através do amplificador de seu contrabaixo enquanto tocava.

The Doors inicialmente concordaram em tocar, achando que o festival fosse ocorrer no Central Park, mas cancelaram a apresentação em cima da hora quando souberam que o festival ocorreria na zona rural da cidade. Especula-se que o vocalista Jim Morrison estava com medo de que alguém o assassinasse a tiros quando pisasse no palco.

Jimi Hendrix estava agendado para tocar no domingo, mas, por ocorrências inesperadas, acabou por tocar na manhã de segunda-feira, quando restavam apenas 35 mil pessoas no evento. Mesmo assim fez história, ao incendiar o hino americano em sua guitarra dissonante.

Apesar de o festival ter abrangido uma multidão de 500 mil pessoas, com uma grande parte estando sob os efeitos das drogas recreativas (maconha e LSD), apenas 200 pessoas foram presas no local por ofensas ou badernas.

Apresentações canceladas

The Jeff Beck Group estava agendado para tocar no festival, mas seu show foi cancelado em virtude de a banda ter sido desfeita uma semana antes. O Iron Butterfly não compareceu ao evento porque ficou preso no aeroporto.

A banda canadense Lighthouse estava escalada para tocar no festival, mas acabou desistindo, temendo que aquela celebração hippie fosse criar uma imagem negativa para eles. Mais tarde, alguns membros do grupo disseram que se arrependeram amargamente da decisão.

O Led Zeppelin foi chamado para tocar no festival, mas o empresário da banda, Peter Grant, deu pra trás: “Eu vetei a apresentação porque em Woodstock nós seríamos apenas uma outra banda qualquer no meio de dezenas de bandas”.

Os promotores entraram em contato com John Lennon, pedindo para que os Beatles tocassem no festival. Lennon disse que os Beatles só tocariam se a Plastic Ono Band, de Yoko Ono, também pudesse tocar. Os promotores recusaram.


O Woodstock tupiniquim

Dois meses depois do festival ianque, os músicos locais resolveram dar uma resposta aos organizadores do Festival Universitário de Música, patrocinado pelo Governo do Estado, que havia limado dezenas de canções inscritas sob o argumento de que se tratava de “lixo subversivo”. “Resolvemos fazer um festival só com as músicas descartadas”, recorda Aldisio Filgueiras.

A escolha do local para o improvável festival foi a praia da Ponta Negra, que gozava de péssima reputação por ficar fora da zona urbana da cidade. Basta lembrar que, na época, a barreira rodoviária ficava em frente ao atual Cigs. Dali em diante, o acesso à praia era feito por uma estrada de piçarra no meio do mato.

“Diariamente, o editorialista do jornal A Notícia, Farias de Carvalho, dizia que aquilo seria um encontro de maconheiros para a prática do sexo livre e exigia providências urgentes das forças policiais para reprimir o evento. O tiro acabou saindo pela culatra”, diz Aldisio.

A Polícia Federal e o Dops vetaram o nome “Festival do Lixo”, por soar meio subversivo. A solução foi batizar o festival de 1ª ExposiSom de Manaus. O empresário José Azevedo, da Importadora TV Lar, emprestou os equipamentos de som. O arquiteto Mário Toledo desenvolveu um palco flutuante, que ficava a dez metros da praia. O hoje advogado Wanderlaine Caldas arranjou um gerador elétrico para suprir a falta de energia. Os músicos das bandas locais forneceram os instrumentos, incluindo um imponente e centenário piano de cauda, cujo transporte para o palco flutuante se transformou em uma aventura épica.

No domingo, sabe-se lá como, 20 mil pessoas se acotovelaram nas areias da Ponta Negra para escutar cerca de 80 músicas, numa maratona que se iniciou às 8h da manhã e terminou às 5h30 da tarde. Apesar do farto consumo de dirijo, cachaça e Ron Merino, não houve qualquer incidente. A “geração paz & amor” manauara fazia seu début em grande estilo. O resto, conforme se diz, é história.



Post Scriptum: eu havia enviado esta matéria ao Rodrigo Araújo, editor de A Crítica, na última terça-feira, para ser publicada no jornal, mas entre os 40 anos de Woodstock e os 20 anos de morte do Raul Seixas, ele preferiu a segunda opção. Deve ser aquilo que os teóricos descolados chamavam de “conflito de gerações”. Fazer o que?

2 comentários:

Anônimo disse...

Olá,

Parabéns pelo Blog...gostaria de convidá-lo a visitar o nosso...minervapop@blogspot.com

Valeu!

Anselmo

Anônimo disse...

Aeh Simão....

é um prazer receber mensagem de alguém de Manaus...lugar onde uma de minhas bandas favoritas fez um show histórico.....White Stripes!!!

Quando quiser divulgar temas da região....o Minerva Pop está a disposição.

Um grande Abraço!

Anselmo - SP