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quarta-feira, setembro 09, 2009

Aniversário da Karlinha no outro lado do mundo


Eu e Karlinha, durante sua feijoada de despedida de Manaus, na Vivenda Verde, no início do ano

Hoje é dia do aniversário da jornalista Karla Costa, filha da quituteira Maria Costa e sobrinha do publicitário Renato Pitanga. Se ela ainda estivesse em Manaus, a gente iria começar com um happy hour no Galvez Botequim, depois fechar o trânsito no Bar Snoopy e, finalmente, esticar até de manhã na boate Les Gens ou no Café Cancun.

Como ela está morando em Trípoli, capital da Líbia (onde o álcool é expressamente proibido), vai se contentar em dividir um pote de coalhada azeda de leite de cabra com seu marido Ricardone Ricardini, engenheiro da Odebrecht, e depois varrer a casa. Bem feito.

Leio que os italianos derrotaram os turcos otomanos na região de Trípoli em 1911 e permaneceram na Líbia até 1943, quando se deram mal na II Guerra Mundial. A Líbia, então, foi administrada pela Organização das Nações Unidas até 1951, quando se tornou independente.


Em 1969, o coronel Muammar Abu Minyar al-Kadhafi assume o poder depois de um golpe de estado que derrubou o rei Idris I. Torna-se presidente do Conselho Revolucionário, comandante do Exército e este ano completa 40 anos no poder.

Kadhafi implanta um sistema político próprio. Em “O Livro Verde”, escrito em 1973, descreve a Terceira Teoria Universal, uma combinação do socialismo com o islamismo, derivado em parte de práticas tribais. Para o coronel, tal sistema político deve ser implementado pelo próprio povo líbio, numa forma única de “democracia direta”.

No início do ano, ao assumir a presidência da União Africana, Kadhafi disse que o melhor sistema político é o da Líbia, onde não são permitidos os partidos de oposição. O presidente Lula adorou a idéia. O coronel Chavez já está tentando implantar o sistema na Venezuela. O cocalero Evo Morales pretende ir pelo mesmo caminho.


De qualquer forma, como verdadeira jornalista militante e pessoa antenada com o que acontece no resto do mundo, a Karla deu um bocado de sorte: desde fevereiro deste ano, dezenas de jornais e de publicações estrangeiras estão legalmente à venda na Líbia, depois de mais de 25 anos de proibição.

Basta lembrar que na sequência do golpe de Estado do coronel Kadhafi contra o rei Idriss, a paisagem midiática foi dominada pelo gabinete geral da imprensa líbia, que administra três jornais diários, e todos os valores ocidentais (imprensa livre, entre eles) jogados no lixo da história.

Somente em 2007, a editora Al-Ghad, uma empresa privada de jornalismo pertencente a Seif Al-Islam, um dos filhos de Muammar Kadhafi, lançou dois diários independentes, que quebraram os tabus tradicionais publicando críticas ao governo e defendendo os opositores exilados, assim como a primeira cadeia de televisão privada do país.

Mas, ainda hoje, pra uma mulher acessar a internet é necessária uma autorização expressa do coronel Kadhafi, referendada pelo tutor legal da infeliz – no caso o marido, o pai, o avô, o tio mais velho ou um dos irmãos. Como a Karla já consegue surfar na rede (durante meia-hora, sempre entre as duas e as quatro horas da madrugada, em dias alternados), desconfio que esse pequeno problema já foi sanado.


Nos últimos três meses, a Karla tem ligado pra Maria aos prantos porque é obrigada a ficar trancada na cozinha toda vez que algum cidadão líbio entra na sua (dela, Karla) própria casa. E porque tem que caminhar nas ruas sempre atrás, mantendo uma respeitosa distância de dois metros do marido, como um cãozinho ensinado. E porque não pode abrir a boca em lugares públicos. E porque se, ao sair de casa, esquecer de colocar um véu ou uma máscara cirúrgica corre o risco de ser currada à luz do dia (à noite ela não pode sair nem comboiada pelas forças de segurança da ONU). E porque só pode ir pra praia se estiver de burca. Enfim, a Karla chora por pequenas bobagens.

Ora, ora, ora, eu falei a respeito disso tudo durante uma feijoada de despedida da jornalista, antes de ela se mandar da taba, mas a Karlinha pensou que eu estivesse de sacanagem. Bem feito.

Entre outras coisas, avisei: as empresas estrangeiras que atuam na Líbia precisam importar mão-de-obra. O cidadão líbio médio não se sujeita ao trabalho braçal. Quer um cargo de chefia, mas não possui qualificação.

A maioria dos trabalhadores vêm da Ásia e de outros países africanos. Algumas empresas chegam a administrar empregados de mais de 20 nacionalidades em seus canteiros de obras. Ocidentais não-muçulmanos que trabalham nas obras locais lamentam a proibição de consumir bebidas alcoólicas. Também sofrem com as barreiras culturais.

Olhar para uma mulher líbia na rua é praticamente pedir para ser degolado a golpes de cimitarra. Pornografia também é proibida no país. Contrabandear uma revista Playboy dá expulsão por justa causa. Apesar das proibições, consegue-se comprar cerveja, uísque e outras coisas no mercado negro, mas você tem que se embriagar escondido dentro do banheiro.

De qualquer forma, desejo a Karla Costa um feliz aniversário. Noblesse oblige.

E pra quem quiser conhecer mais um pouco sobre a Líbia recomendo clicar aqui, e conferir esse texto escrito por um companheiro de infortúnio, digo, de trabalho do marido da Karlinha.

Um comentário:

Karla Costa disse...

Simon meu amigo/guru...hoje nao eh tao "punk" desse jeito aqui na Libya, mas voce captou corretamente parte do que acontece aqui.

Precisamos trocar mais ideias...

Mas agradeco-lhe imensamente pela lembranca!!!

Te respeito e te admiro muito, saiba disso.

Beijao para todos os amigos amazonenses que estao no meu coracao!

Bjao amigo...