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quinta-feira, dezembro 03, 2009

Jailson Gaguita em três tempos


Anos 70. O locutor Messias Augusto comandava o programa “Paradão da Saudade”, na rádio Alvorada, de Parintins, onde os ouvintes, por telefone, pediam as músicas que queriam escutar.

Graças a esse artifício, o programa havia se transformado em um grande campeão de audiência.

– Você agora está ouvindo o Paradão da Saudade... Esse é o programa dos apaixonados, o programa das pessoas que amam, o programa das pessoas que têm amor pra dar! – anunciava o locutor. “Ligue e participe do nosso programa... Você participa cantando ou oferecendo uma música para quem você gosta...”

Uma noite de sábado, Messias estava fazendo sua lambança habitual quando o telefone toca.

– Paredão da Saudade, boa noite!

Do outro lado da linha está Jailson Gaguita, a eterna Mãe Catirina do Boi Caprichoso, com a voz fanha meio embargada, que manda ver:

– Ôi, Menssias... Anqui é o Jainlson... Eu quenro partincipar do seu prongrama, mano... Eu estou anrassada... Bringuei com meu nanmorado... Estou anrrasada... Anrrasada...

– Sim, Jailson, você já está participando ao vivo do programa... Você vai cantar ou vai oferecer uma música pro seu ex-namorado?

– Eun voun cantar!

– E o quê que você vai cantar, Jailson?

– Eun voun cantar “Nengue”, da Manria Benthânia.

O locutor colocou o playback no ar, apenas com a parte instrumental, e Gaguita iniciou a cantoria:

– Nengue, o seu anmor o seu canrinho... (aí, começou a fungar, como se estivesse segurando o choro)... Dinga que voncê já me ensquenceu (os fungados foram aumentando)... Pinze manchuncando com jeintinho (os fungados se transformaram num choro convulso, sofrido)... Aiiiiiii.... Ensse.... Aiiiiii... conração... Aiiiiiii.... Que ainda é seun...

Gaguita interrompeu a cantoria e desabafou:

– Aiiiii, Messias, eun não angüento, mano... Enstou muinto enmoncionada.... Muinto enmoncionada...

O locutor chamou os comerciais.

A partir desse dia, a expressão “estou muito emocionado” virou sinônimo, na ilha, de sujeito com a cabeça cheio de truaca.

2.

Em 1986, o barco-recreio Transrégia, que fazia a linha Santarém-Manaus, afundou perto de Itacoatiara, quando transportava mais de 300 passageiros.

O cozinheiro da embarcação era o folclórico Jailson Gaguita, que fez esse relato da tragédia para o compositor Pedrinho Ribeiro, durante um encontro dos dois no QG do Caprichoso.

Numa homenagem póstuma ao produtor de cinema Herbert Richers, falecido no mês passado, a voz extremamente fanha do Gaguita foi dublada no Estúdio Álamo, em São Paulo, para possibilitar uma melhor compreensão do texto:

– Ah, Pedrinho, mano, foi um horror, foi um horror! Eram 5 horas da manhã, quase em frente de Itacoatiara. Ainda estava tudo escuro. Ocorreu um solavanco e alguém gritou que o barco estava afundando.

Muita gente acordou em pânico e correu para a amurada do barco que apressou o afundamento. O barco demorou uns 15 minutos pra ir pro fundo.

Eu distribuí salva-vidas pra todo mundo, mas esqueci de mim. Fiquei na mão, mano!

Mas como toda bicha é inteligente, me lembrei do botijão de gás. Aí me joguei no rio, abraçado com o botijão.

Naquele sufoco, ainda salvei uma mulher e uma criança que se agarraro em mim e eu fiquei nadando só com o braço direito porque com o esquerdo estava agarrado ao botijão.

E eu nadei, nadei, nadei...

Teve uma hora que eu pensei que ia morrer, porque já estava ficando sem forças...

Aí, eu me lembrei que viado é um bicho que sabe nadar bem e nadei, nadei, nadei...

Quando eu cheguei na praia e vi aquela macharada toda só de cuecas, me deu um ataque de frescura que só tu vendo, mano, só tu vendo!...

Dois dias depois do naufrágio, Jailson Gaguita foi recebido em Parintins como verdadeiro herói.

3.

Depois de muitas idas e vindas, o folclórico Gaguita aceitou Jesus e entrou para a Igreja Evangélica Pentecostal Chama Divina.

Alguns meses depois, sabe Deus como, operou-se um milagre e ele se casou com uma recatada fiel da igreja, sob as bênçãos do pastor.

Um determinado dia, trajando aquela roupa típica de mórmon (camisa branca, calça preta e gravata), Gaguita ia andando com o pastor de sua congregação em mais uma missão evangelizadora pela periferia de Parintins quando alguns moleques começaram a zoar:

– Êi, Gaguita, não adianta você ficar desfilando todo mauricinho com a Bíblia embaixo do braço porque tu é fresco e todo mundo sabe!

– Gaguita tu é um tremendo qualira!

– Gaguita, mana, não existe ex-viado!... Tu vai morrer viado, bicha velha!

– Vem chupar meu pau, Gaguita, que depois meto até os ovos no teu botão de couro!

Desconcertado, o pastor indagou o parceiro:

– Irmão Jailson o senhor ainda é homossexual?

– Claro que não, pastor! – garantiu Gaguita. “Desde que encontrei Jesus, eu parei de queimar a rosca. Antes, eu vivia num mundo de pecado, pastor! Só queria saber de levar pica o dia todo! Mas agora, não! Agora, eu estou curado e nunca mais dei meu rodisclei pra ninguém!”

– Pois então vá lá fazer aqueles curumins lhe respeitarem! – determinou o pastor. “Bata na cara de cada um deles, pra eles nunca mais ficarem fazendo mau juízo de você...”

Gaguita se aproximou da turma e começou a distribuir tabefes carinhosos nos braços, nos ombros e na barriga de um dos moleques.

O pastor, vendo a tibieza do discípulo, resolveu incendiar o circo:

– Bata na cara e com força, irmão! Bata na cara e com força, pra esse moleque aprender a lhe respeitar!

– Eu não posso, pastor! Eu não posso!... – devolveu Gaguita, nervosíssima.

O pastor, já ficando impaciente:

– Por que você não pode, irmão Jailson?

E Gaguita, entregando os pontos:

– Ah, pastor, é que ele é tão bonitinho...

O pastor expulsou Gaguita da igreja no mesmo dia.

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