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sábado, janeiro 23, 2010

Evocação nº 1


Os post seguintes - na lógica weberiana, aqueles que já foram postados – obedecem uma sequência lógica, apesar de não cronológica. Aqueles papos de salto quântico no espaço-tempo, manja?... Não?... Ainda bem.

Negócio seguinte: corretores da bolsa de valores, travestis aposentados, políticos ladrões (sei do pleonasmo), apontadores do jogo do bicho, socialites socialistas, garotos desempregados, meninas cobrando R$ 5 por um quete, padres católicos desconstruindo o aborto (a pedofilia, nas internas, continua liberada), flamenguistas querendo ser tratados como gente, bandas emo em fase terminal, em suma - ali no noroeste de Minas Gerais –, o mundo é um grande circo místico e quem não acreditar vai mofar no inferno. Ou em uma fila de aposentadoria do Inamps, que é quase a mesma coisa.

Se você não for idiota (nem ter sido idiotizado pela televisão nos últimos 30 anos), com certeza vai se lembrar dessa música: Filinto, Pedro Salgado / Guilherme, Fenelon / Cadê teus blocos famosos? / Bloco das Flores, Andaluzas, / Pirilampos, Após-Fum / Dos carnavais saudosos / Na alta madrugada / O coro entoava / Do bloco a Marcha regresso / Que era o sucesso dos tempos ideais / Do velho Raul Morais: / "Adeus, adeus minha gente / Que já cantamos bastante" / E Recife adormecia / Ficava a sonhar / Ao som da triste melodia.

O que você vai ler a partir de agora, são as lembranças de um sujeito feito você que amava os Beatles, os Stones e os lança-perfumes. Não ria. Trés décadas depois, nem eu mesmo sei como foi que aconteceu.


Fevereiro de 1974. Numa reunião de cúpula dos abatedores de lebres de classe mundial que trabalhavam na Sharp do Brasil (João Carlos D’Antona, Gatinho, Salgado, Ivaldo, Edílson Papagaio, Jaci, Nego Alexandre e eu), no Bar do Costa, no Japiim, nós discutimos exaustivamente o motivo de uma crescente angústia existencial que estava nos incomodando.

Ali havia cerca de 3 mil meninas dando sopa. Se um de nós resolvesse comer uma garota por dia, sem repetir – e isso era a parte mais fácil do problema –, o cabra só iria conseguir dar conta de todas as cabritas em 10 anos. Só que nesse meio tempo, o seu salário teria sido transferido integralmente para os donos de motéis.

Naqueles tempos pré-aids, os garanhões mais abonados possuíam garçonieres particulares, transformadas em tugúrios do amor e velhacoutos de luxúria, porque o preço dos poucos motéis existentes na cidade era verdadeiramente extorsivo.

Resolvemos pegar o pião na unha. O Ivaldo Gama Barros (aka “Frank Seixas Dumont”) descobriu que na rua Silves, a uns dois quarteirões da Bola da Suframa, havia um edifício de cinco andares alugando quitinetes a preços populares.

Eu, D’Antona, Gatinho e Salgado alugamos uma delas no segundo andar. Ivaldo, Jaci, Edílson e Nego Alexandre alugaram outra no terceiro andar.

O aluguel, rateado por quatro, era mais barato do que passar uma única noite no motel Rip, o melhor da cidade naquela época. As cabritinhas que se preparassem para a guerra.

Eu nunca entrei no covil da outra turma, mas nós equipamos a nossa quitinete com cama de casal, frigobar, estofados, aparelho de som três-em-um, ventilador de pé, tapete persa, pôsteres de mulher nua e uma espécie de penteadeira, que funcionava como barzinho de bebidas destiladas e depósito de copos, talheres, toalhas, lençóis e artigos de limpeza.

Uma vez por semana, uma senhora ia lá limpar a bagunça. Como a maioria dos ônibus da Sharp passava naquela rua, virou uma mão na roda.

Era só combinar antes com os outros três cachorros (cada um tinha uma chave) para alguém se tornar o dono exclusivo da quitinete em determinado dia da semana e fazer da noite – ou da tarde ou da manhã – uma criança. Começamos a detonar as cabritinhas, sem pena.


Um dia, ao entrar no ônibus que me levava pro trabalho, dei de cara com uma morena de bumbum empinado que eu nunca havia visto antes em nossa área. Ela estava usando uma calça jeans de cor laranja que, de tão justa, imaginei ter sido costurada em suas próprias pernas.

Como se fosse um ratinho hipnotizado pelo flautista de Hamelin, desci do ônibus sem desgrudar os olhos daquela abóbada celestial, mas a garota logo se perdeu no meio da multidão.

Só voltei a revê-la um mês depois, quando ela entrou em minha sala para me entregar os relatórios de defeitos do Setor de Acabamento, onde estava trabalhando.

Ela se chamava Jaqueline, tinha 20 anos e estava cursando o último ano de Eletrotécnica na ETFA. Nosso relacionamento era apenas formal.

O diabo é que em junho daquele ano, depois que atingimos a cota prevista de televisores para a Copa do Mundo, na Alemanha, a Sharp alugou um “banho” dos padres, lá pelo Km 30 da rodovia Manaus-Itacoatiara, e levou os melhores funcionários da empresa pra comemorar o feito no balneário, em regime de boca livre total.

O critério da escolha? Quem não tivesse tido uma única falta desde o começo do ano.

Pelo que constatei logo de cara, os padres católicos sabiam se divertir.

O balneário possuía piscina natural, piscina artificial, uma ampla área verde bosqueada, quadra de vôlei, campos de futebol gramados, salão de jogos, amplos alojamentos, refeitório para 300 pessoas, churrasqueira, dezenas de chapéus de palha, enfim, era um negócio de cinema.


Quando a Jaqueline, bronzeadíssima, passou por mim, conversando alegremente com uma amiga e exibindo um sumário biquíni rubro-negro, senti que ela me falava ao pau. Mesmo eu sendo um empedernido vascaíno.

A Jaqueline tinha um tipo físico que me lembrava a atriz Helena Ramos, do clássico filme “Mulher Objeto”. Pra me aproximar das duas amigas e puxar uma conversa-cabeça na maior cara de pau foi conta de multiplicar. Eu e a Jaqueline começamos a namorar no próprio balneário.

Depois de penosas negociações que se estenderam até o começo de agosto, a Jaqueline, cada vez mais bronzeada, concordou em fazer uma visita de cortesia ao famoso “abatedouro dos garanhões de bata branca”, que era como os operários, de bata amarela, se referiam ao nosso tugúrio, provavelmente putos da vida.

Não sei se ela já imaginava o que poderia rolar dentro do covil, mas o certo é que foi devidamente prevenida: quando finalmente a convenci a tirar o vestido, ela estava trajando por baixo um brochante maiô de lycra. E se recusou peremptoriamente a retirar a peça.

Pô, aquilo era hora para alguém brincar de miss Brasil?

Fiquei tão puto que quase lhe botei pra correr na mesma hora.

Nervosíssima, ela explicou que ainda era virgem, que nunca tinha transado antes, que era a primeira vez que ficava sozinha com um homem em um quarto, essas coisas. Terminamos o namoro ali mesmo.

Nesses quase 40 dias – o tempo de provação de Jesus no deserto! –, por uma falha indesculpável de caráter, eu havia me convertido aos prazeres indescritíveis – please, não riam! – da monogamia. Só queria saber da Jaqueline.

Com aquele rompimento intempestivo, voltei à minha galinhagem de sempre. O demônio havia derrotado o senhor dos judeus. E haja cabritinhas freqüentando o covil.

Não conseguia dar conta de todas elas por absoluta falta de tempo: trabalhava o dia inteiro, estudava na Utam à noite e só me sobravam os fins de semana (mas eu também tinha aulas na faculdade nas tardes de sábado).

Aí, tinha que arranjar tempo pra abater as cabritinhas, pra jogar futebol pelo Murrinhas, pra freqüentar as brincadeiras nas noites de sábado, pra se embriagar no Bar do Caxuxa, pra ir ao Bancrévea nas noites de domingos, pra ler dois livros por semana, pra jogar dominó no Top Bar, enfim, nem sei direito como sobrevivi.

Um mês depois, em setembro, a Jaqueline me telefonou. Queria uma nova chance. Relutei. Eu ia perder quatro tempos de aula numa noite de sexta-feira a troco de que? Só pra ver uma miss Brasil desfilando no apartamento e ficar puto da vida?


Enrolei, embromei, desconversei, mas, sei lá, acho que ela me venceu pela insistência. Ou porque ela realmente tinha um "sei-lá-o-que"...

Desmarquei um encontro previamente agendado com a Nega Aline e agendei a visita da Jaqueline.

A virgem dos lábios de mel chegou no horário combinado, por volta das 19h. Não levou dez minutos para tirar a roupa.

Dessa vez, em vez de maiô de lycra, ela estava usando um provocante lingerie vermelho. Levei uma eternidade (umas três horas) para conseguir transpor a cidadela e quebrar o selo de Salomão.

A partir desse dia, a Jaqueline iria se encarregar de fazer o meu mundo virar de ponta-cabeça. Mas isso eu ainda não sabia.

Sabia apenas que nós dois estávamos irremedialmente apaixonados um pelo outro.

Mas isso é muito pouco quando se tem apenas 18 anos e um mundo todo a ser conquistado pela frente.

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