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quarta-feira, março 16, 2011

Junior Rodrigues revisa o samba sincopado


No próximo domingo, dia 20, a partir das 20h, no Largo de São Sebastião, o cantor e compositor Junior Rodrigues vai apresentar o show Samba Sincopado, onde homenageia o hoje esquecido Geraldo Pereira, considerado o inventor do gênero.

O músico deve mostrar cerca de 30 músicas entre as melhores feitas pelo compositor mineiro, incluindo os verdadeiros clássicos “Acertei no Milhar”, “Escurinha”, “Quando Ela Samba”, “Falsa Baiana” e “Bolinha de Papel”.

Como o talentoso Junior Rodrigues já é figurinha carimbada aqui no mocó, vamos relembrar um pouco quem foi Geraldo Pereira. Curtam.

A batida diferente dos sambas “Escurinha” e “Falsa Baiana” é obra de um mineiro de Juiz de Fora.

Geraldo Teodoro Pereira, nascido no dia 23 de abril de 1918, é considerado o criador do estilo que passou a se chamar samba sincopado ou samba do telecoteco.

Em 1938, oito anos depois de chegar ao Rio para trabalhar com o irmão mais velho, no morro de Santo Antônio, próximo à Mangueira, Geraldo Pereira compôs seu primeiro samba, “Farei Tudo”, que foi barrado pela censura.

O ocorrido adiou a primeira gravação de uma de suas músicas para o ano seguinte, quando o cantor Roberto Paiva gravou “Se Você Sair Chorando”.

A convivência com os sambistas da Mangueira foi decisiva para a incursão do mineiro no mundo da música.

Frequentava a casa de Alfredo Português, onde se reuniam sambistas mangueirenses como Carlos Cachaça, Nelson Cavaquinho, Nelson Sargento e Cartola. Este último foi um de seus professores de violão, ao lado de Aloísio Dias.

Em 17 anos de carreira, finda com a morte precoce em 8 de maio de 1955, estima-se que Geraldo Pereira compôs cerca de 300 músicas, a maioria delas não gravadas, cujos temas preferidos eram o cotidiano do Rio, a boemia, as mulheres e até a política.

É o caso de “Ministério da Economia”, de 1951, samba no qual aborda a criação de um novo Ministério, o problema da inflação e a volta de Getúlio Vargas à Presidência.


Geraldo Pereira conciliava a música com o emprego de motorista de caminhões da limpeza urbana do Rio, que manteve até morrer.

“Acertei no Milhar”, parceria com Wilson Batista, foi seu primeiro sucesso na voz de Moreira da Silva, em 1940.

O cantor Cyro Monteiro, que acabou virando seu amigo e um dos maiores divulgadores de seus sambas, também gravou nesse mesmo ano “Acabou a Sopa”.

Nos anos seguintes, o intérprete gravou ainda “Ela Não Teve Paciência”, “Quando Ela Samba”, “Até Quarta-Feira”, “Você Está Sumindo”, “Voltei Mas Era Tarde” e “Falsa Baiana”.

Este último, em 1944, consolidou o nome de Geraldo Pereira como compositor de sucesso.

O jornalista Okky de Souza, em artigo publicado no Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira afirma: “Dois são os motivos que fazem de Geraldo Pereira um dos maiores sambistas de todos tempos. Primeiro: ele foi o mais brilhante cultor do samba sincopado. Segundo: em suas letras, atuou como um atilado cronista do Rio de Janeiro de sua época”.

Sua primeira apresentação no rádio ocorreu também em 1944, na Rádio Tamoio do Rio de Janeiro, experiência que repetiu outras vezes na Rádio Nacional.

Dois grandes sucessos de Pereira foram gravados na década de 40: “Bolinha de Papel”, pelos Anjos do Inferno, em 1945; e “Pisei Num Despacho”, em 1947, por Cyro Monteiro.

Cantores do porte de Aracy de Almeida, Patrício Teixeira, Isaura Garcia, Dircinha Batista, Déo, Odete Amaral, Alcides Gerardi, Roberto Silva, Heleninha Costa e Marlene também descobriram o talento do compositor.

Como cantor, a primeira experiência de Geraldo Pereira ocorreu em 1945 quando gravou “Mais Um Milagre” e “Bonde Piedade”, ambas de sua autoria.

Voltou a atuar como intérprete cinco anos mais tarde, com “Pedro Pedregulho”.

Ao todo, foram cerca de 30 gravações em sua voz. A música “Eu Vou Partir”, de sua autoria, gravada em 1954, profetizava a morte precoce meses depois.


Da mesma forma que lançou o primeiro grande sucesso de Geraldo Pereira, “Falsa Baiana”, em 1944, o cantor Cyro Monteiro gravou, 11 anos mais tarde, o último sucesso do compositor: “Escurinho”.

Três meses depois, Pereira faleceu no Hospital dos Servidores, para onde foi levado após uma briga com o boêmio Madame Satã (João Francisco dos Santos), num bar da Lapa. A causa da morte até hoje não foi explicada de forma definitiva.

Durante a briga, as testemunhas contam que Pereira caiu e bateu a cabeça no meio-fio depois de ter levado um soco de Satã. Outra versão para sua morte é a de que, há alguns meses, vinha padecendo de problemas intestinais, o que pode ter se agravado.

A obra de Pereira seguiu sendo gravada por gerações de artistas da MPB nas décadas seguintes, como Roberto Silva, que regravou “Pisei Num Despacho”, em 1963; Paulinho da Viola, Com “Você Está Sumindo”, em 1971; e João Gilberto, que regravou “Bolinha de Papel”, nesse mesmo ano. Gal Costa regravou “Falsa Baiana”, em 1974.

No início da década de 80, Pedrinho Rodrigues e Bebel Gilberto lançaram um disco só com músicas de Geraldo Pereira. Mais tarde, já nos anos 90, artistas como Chico Buarque e Zizi Possi também regravaram sucessos do compositor.

Em depoimento publicado no livro “Um Certo Geraldo Pereira”, da escritora Alice Duarte Silva, João Gilberto afirmou: “O samba dele era leve e cheio de divisões rítmicas, isso sempre me chamou atenção. Ele não tinha consciência disso, mas foi um inovador na música popular brasileira na década de 1940”.

No mesmo livro, o compositor Cyro de Souza observa que a batida da bossa nova de João Gilberto pode ser encontrada nas síncopes do samba de Geraldo Pereira, criado duas décadas antes.

Contexto histórico


Quando Geraldo Pereira chegou ao Rio, em 1930, então com apenas 12 anos, o samba vivia seu auge na música popular brasileira.

O início da carreira de compositor coincidiu com o período de maior produtividade do samba, alavancada pelo sucesso até o fim da década de 50.

Já chegou inovando com a criação do chamado samba sincopado, ritmo que mais tarde influenciaria os músicos da Bossa Nova.

Pereira conviveu, desde as primeiras composições, com a política governamental que ao mesmo tempo em que valorizava a cultura nacional, censurava o que era considerado “ofensivo”.

Sua primeira composição, “Farei Tudo”, de 1938, foi barrada pela censura por ter uma letra “ousada demais” para a época.

Logo depois veio “Se Você Sair Chorando”, que, ao contrário da primeira, chegou a ficar entre as finalistas de um concurso de músicas promovido pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) do governo federal.

“Ministério da Economia”, composta em 1951, retrata a volta de Getúlio Vargas ao poder, que contava com o apoio dos artistas da época, incluindo Pereira.

Vinte e oito anos depois, a tentativa da cantora Leci Brandão de gravar a mesma música foi censurada.

Pereira também contrariou a tendência machista que permeava as letras de sambas da época. Mesmo falando da boemia, dos amores, das mulheres, a postura “anti-machista” pode ser vista em sambas como “Pedro Pedregulho”, “Onde Está a Florisbela” e “Ainda Sou Seu Amigo”.

Curiosidades

Versão de Satã


Em entrevista ao jornal O Pasquim, em 1971, Madame Satã contou sua versão sobre a briga com Geraldo Pereira: “Eu entrei no Capela (Bar Capela) e estava sentado tomando um chope. Ele chegou com uma amante dele, pediu dois chopes e sentou ao meu lado. Aí tomou uns goles do chope dele e cismou que eu tinha que tomar o chope dele e ele tinha que tomar o meu. Ele pegou o meu copo e eu disse pra ele: olha, esse copo é meu. Aí ele achou que aquele copo era dele e não era o meu. Então eu peguei meu copo e levei para a minha mesa. Aí ele levantou e chamou pra briga. Disse uma porção de desaforos, uma porção de palavras obscenas, eu não sei nem dizer essas coisas. Aí eu perdi a paciência, dei um soco nele, ele caiu com a cabeça no meio-fio e morreu. Mas ele morreu por desleixo do médico, porque foi para a assistência vivo.”

Trabalho e música

Tendo cursado apenas o primário, antes se tornar motorista de caminhão da limpeza urbana do Rio, Pereira trabalhou numa fábrica de cerâmica, onde sofreu um acidente que quase esmagou sua mão. Também foi soprador de vidro na fábrica José Scaroni. Na música, começou compondo para a escola de samba Unidos de Mangueira.

Mania de brigão

Em 1954, quando participou de um show em comemoração ao quarto centenário da Cidade de São Paulo, foi protagonista de mais uma briga. Ao lado dos músicos Buci Moreira, Raul Marques, Arnô Carnegal e Barão, Geraldo Pereira liderou um quebra-quebra na boate Esplanada porque o empresário que os contratou não queria pagar o que era devido.

Saúde debilitada

Pouco antes de morrer, o compositor já vinha sofrendo com problemas de saúde. Perdeu muito peso e, durante sua festa de aniversário, em 1955, passou mal com crises de vômito e suores. Também já apresentava problemas no fígado e estava evacuando sangue. O laudo do Hospital dos Servidores afirma que ele morreu por causa de uma hemorragia intestinal.

Casamento e amor

Casou, em 1938, com Eulíria Salustiano, a Nininha. Teve um filho com ela, Celso Salustiano. No entanto, seu grande amor foi a mulata Isabel Mendes da Silva, que trabalhava como pastora em programas de rádio. Viveu com ela até sua morte precoce. Para Isabel dedicou alguns de seus sambas como “Escurinha”.

O lado ator

Geraldo Pereira chegou a fazer pontas como ator em filmes da época. O primeiro foi em 1942, gravado pelo diretor norte-americano Orson Wells no Brasil, que nunca foi finalizado. Depois participou de “Berlim na Batucada”, dirigido por Luiz de Barros, em 1944. E, em 1952, atuou em “O Rei do Samba”, também com direção de Luiz de Barros.

(fonte: Coleção Folha "Raízes da MPB")

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