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quarta-feira, maio 18, 2011

Aula 65 do Curso Intensivo de Rock: O tal de Hardcore


Nos anos 80, as bandas punks americanas como Hüsker Dü, Dead Kennedys, Social Distortion, Sonic Youth e Bad Religion passaram a ser chamadas de “hardcore bands”.

O que fazia uma banda hardcore ser diferente de uma banda punk tradicional era principalmente a velocidade do som.

Enquanto o punk inglês soava bem mais próximo do rock’n’roll clássico, o hardcore era uma espécie de heavy metal tocado em alta velocidade e que acabou gerando o thrash metal.

Devido ao fato de circularem exclusivamente no meio alternativo, a maioria das bandas hardcores cultivou uma certa originalidade musical bastante estranha para os ouvidos desacostumados dos metaleiros da velha guarda.

Foram elas que construíram os alicerces que depois seriam utilizados fartamente pelo movimento grunge e pelas bandas de thrash metal mais expressivas surgidas no mesmo período.

Imagine uma grande banda que acaba antes da decadência e ainda faz uma obra-prima no último disco.

Sonho de roqueiro obsessivo? Não, existiu o Hüsker Dü.

O álbum “Warehouse: Songs And Histories” saiu em 1987.

O Dü foi para turnê, o empresário (David Savoy, um daqueles caras que colocam a tranqueira no furgão) se matou, o trio de Saint Paul, Estados Unidos, descobriu que não se topava mais e o óbito chegou.

Mas em “Warehouse”, eles mandam bala naquilo que os Pixies souberam trabalhar depois – e que o Nirvana mais tarde incorporou para se tornar a maior banda do mundo (em 1991, Bob Mould recusou o convite do então verdinho Kurt Cobain para produzir “Nevermind”. Sobrou para Butch Vig).

Desde 1979, o Hüsker Dü capitaneava a legião “vamos-lá-na-raça” do rock independente.

O nome da banda é uma expressão sueca que significa “você se lembra?”.

Os primeiros discos do trio formado por Bob Mould (guitarra, vocais), Grant Hart (bateria, vocais) e Greg Norton (baixo) não passavan de coices hardcores – em “Land Speed Record” (1981), seu álbum de estréia, eles executam dezessete canções em meros 26 minutos.

Um dia, o trio estalou que podia juntar barulho com sacada pop, coisa que outros nem sabiam (por preconceito, rebeldia ou falta de talento) que era possível.

E acabou por entrar definitivamente na história do punk americano.

O Hüsker Dü foi uma das primeiras bandas pós-punk americanas dos anos 80 a assinar com uma grande gravadora – o império Warner o capturou em 1986.

Depois de soltarem o belo e surpreendentemente otimista “Candy Apple Grey”, Mould e Hart abriram o registro para jorrar “Warehouse”.

O som do LP, segundo álbum duplo da carreira do Hüsker Dü (o primeiro foi a obra de barulheira conceitual “Zen Arcade”), é de chorar.

Paredes de guitarra mouldiana como reboco da cozinha firme de Norton e Hart, vocais humanos (de urros a sussurros) com harmonia bastarda dos Beatles.

E coloridos de ritmo em que convivem valsa-punk (“She Floated Away”), 1-2-3-4 ramonesístico (a suprema “Could You Be The One”) e rockabilly desnorteado (“Actual Condiction”).

As letras seguram ainda mais.

O Dü montou um mosaico da vida corriqueira: ansiedades, paixões em desenvolvimento e/ou mal resolvidas (“Could You Be The One”, “Standing In The Rain”, “Ice Cold Ice”), responsabilidades assumidas (“Charity, Chastity, Prudence And Hope”), desmoronamentos emocionais (“She Floated Away”) e pequenas alegrias (“These Important Years”).

Homossexual discreto que se recusava a levantar bandeiras, Mould tinha sensibilidade para escrever sobre feridas abertas na alma, que se aplicam a heteros, homos, bissexuais e pessoas que assistem aos comerciais de facas Ginsu de madrugada.

Basta prestar atenção no cenário descrito em “Standing In The Rain”, que narra o fora levado por Mould num encontro – quem não passou por uma situação dessas?

Hart também não fica atrás.

E a pergunta que não quer calar é esta: com compositores desse nível, como foi que a banda acabou?

Como? Não sei. Acabou.

Mould formou e separou o Sugar no meio de sua carreira-solo.

Hart montou uma banda, Nova Mob, que entrou em parafuso e está só também.

O bigodudo Greg Norton hoje é um mero chefe de cozinha depois que o Hüsker Dü passou a ter começo, meio e fim.

“O Hüsker Dü foi uma das maiores bandas da história, um grande incentivo para o Green Day”, derrete-se Billie Joe. “Eu só decidi montar um grupo punk depois de ouvir bastante ‘Warehouse’”.

As gravações de “Warehouse” rolaram entre agosto e novembro de 1986, no Nicollet Studios, em Minneapolis.

O original saiu em vinil duplo pela Warner Bros.

Todo o material foi afundado para caber em um único CD.

Coisas do capitalismo selvagem.


E já que falamos no “você se lembra”, você ainda se lembra daquele ator canastrão que chegou a presidente da maior potência industrial do planeta?

Pois bem, nos EUA de Ronald Reagan, era preciso ter muito peito para batizar uma banda de Kennedys Mortos.

Imagine alguém entrar numa loja no Brasil e dar de cara com um disco da banda Lulas Esquartejados ou Algozes do Frei Damião.

O choque seria o mesmo.

E Jello Biafra queria mesmo chocar.

Quando era conhecido por Eric Boucher, o rapaz já era revoltado: contra o governo, contra os direitistas, os militares, os yuppies, a sociedade de consumo, o rock.

Depois que se mudou para a liberal São Francisco, no fim dos anos 70, Eric resolveu expelir todo esse ódio em forma de música.

O resultado foi o Dead Kennedys.

Seu primeiro LP, “Fresh Fruits For Rotting Vegetables”, caiu na cena californiana como uma bomba atômica.

Até então o punk americano tinha tradição de bandas festeiras, tipo Circle Jacks e Ramones.

Política não era o forte.

Não havia um Clash ou um Sham 69 na terra do Tio Sam.

Mas Jello e seus colegas, o guitarrista East Bay Ray e o baixista Klaus Flouride mudaram tudo isso.

“Fresh Fruit...” foi o primeiro manifesto anarquista punk americano.

Com a sua voz de personagem de desenho animado, Jello conclamava o povo a matar os pobres (“Kill The Poor”), linchar os síndicos (“Let’s Lynch The Landlord”), tomar drogas (“Drug Me”), roubar correspondência (“Stealing People’s Mail”), exterminar crianças (“I Kill Children”) e visitar o Cambodja (“Holyday In Cambodja”).

Falava também de guerra química, golpes militares e conspirações direitistas.

Tudo isso embalado por uma ironia corrosiva e por uma explosiva combinação de punk, surf music e experimentalismo.

O Dead Kennedys nunca se encaixou na teoria simplista de que punk se faz só com dois acordes e um pulmão forte.

Suas músicas têm arranjos elaborados e mudanças inesperadas de ritmo e andamento.

Jello colheu exatamente o que plantou: discórdia, ódio e incompreensão.

Foi processado por obscenidade, teve discos recolhidos, brigou na Justiça e incomodou muita gente.

Era uma mosca na sopa da sociedade americana, um tumor maligno necessário.

Como líder do DK, Biafra sempre externou suas polêmicas opiniões com máxima franqueza, algo pelo qual veio a pagar um preço bem alto.

Em 87, ele e o grupo viram-se acusados pelo governo de expor adolescentes a material pornográfico (o encarte do LP “Frankenchrist” mostrava a obra “Pênis Landscape”, de R. H. Giger).

Ao fim do processo, todos foram inocentados, mas o DK ruiu definitivamente.

Tal golpe foi duro, mas não o bastante para calar Biafra.

A partir dali, ele começou a fazer palestras – em nome da entidade No More Censorship – em colégios e universidades, nas quais abordava as circunstâncias de seu julgamento e o recrudescimento do puritanismo.

Simultaneamente ele começou a gravar discos sobre os mesmos temas, como “No More Cocoons” e “High Priest Of Harmful Matter”, ambos – pasmem! – totalmente falados.

Num esquema similar, mas tendo música como moldura, os registros de dois grupos canadenses de hardcore acabaram plasmando-se com o verbo corrosivo do artista: “The Last Scream Of The Missing Neighbors”, com o D.O.A., e “The Sky Is Falling & I Want My Mommy”, com o Nomeansno.

Estas parcerias foram a seqüência de um trabalho iniciado na trilha sonora do filme “Terminal City Ricochet”, no qual Biafra interpreta o corrupto assessor de um apresentador de TV que envereda pela política.

Jello levou o lema “faça você mesmo” ao extremo: montou a própria gravadora, Alternative Tentacles, e lançou todas as bandas de que gostava.

Chegou a candidatar-se a prefeito de São Francisco, propondo que os policiais usassem nariz de palhaço, mas como já dizia a física clássica, “a toda ação corresponde uma reação”.

Nos EUA, no início dos anos 90, esta lei universal revelava-se na luta entre dois blocos antagônicos.

De um lado estavam os neoconservadores, escudados pelos atos da famigerada dupla Ronald Reagan-George Bush.

De outro, aqueles que resistiam à implantação da censura às artes, caso da Lard – uma anárquica coalisão hardcore-noise-thrash-industrialista, que se transformou no maior trunfo do cantor contra a hipocrisia oficial.

Com um EP (“The Power Of Lard”) e um LP (“The Last Temptation Of Reid”) para a Alternative Tentacles, o projeto unia a iconoclastia de Biafra ao som pulverizante de Al Jourgensen, Paul Barker e Jeff Ward, todos militantes do Ministry – um grupo cujos membros também atuam em diversos fronts.

O Revolting Cocks (com Luc van Acker), o Acid Horse (ao lado do Cabaret Voltaire) e o WELT (junto a Nivek Ogre, do Skinny Puppy) são alguns dos filhotes do Lard.

A idéia do Lard surgiu em 88, quando Jello Biafra e Al Jourgesen geraram a bomba atômica “Christian Lunch”.

Dispostos a enfrentar os inimigos com todas as armas disponíveis, o grupo nunca se esquivou sequer dos tópicos mais abjetos.

Exemplos? As faixas “Pineapple Face”, que liga o ex-general Noriega à CIA, e “Sylvestre Matuschka”, que fala de um boneco que dinamitava trens para poder se masturbar.

Em se tratando de Jello Biafra, a censura ianque achou um osso duro de roer.


Jogando de ponta esquerda avançado, o Bad Religion mantém a cena punk sul-californiana respirando desde 1980.

Se Green Day e Offspring agora são caras conhecidas na MTV, seu estilo foi aprimorado tirando covers do velho grupo.

Bad Religion fez mais até do que influenciar a nova geração.

Por meio da gravadora Epitaph, montada por seu ex-guitarrista, Brett Gurewitz, bancou literalmente o revival punk dos anos 90.

Hoje, a banda está na Sony e Greg Graffin não conta mais com o ex-parceiro Brett Gurewitz para dividir a autoria das faixas de seus novos discos.

“Componho todo dia”, o cantor revela, acrescentando que sente a falta do antigo parceiro, apesar de se estar saindo bem sozinho já há vários discos.
No álbum “No Substance”, as músicas de Greg Graffin tomaram uma sonoridade melódica que chega a remeter à new wave do início dos anos 80.

“Não esqueça que o Bad Religion é dessa época”, ele repara. “Em 1980 não havia diferenças tão distintas assim entre punk e new wave, entre a gente e o X, por exemplo”.

Coincidência ou não, os últimos álbuns de Offspring e Green Day também estão com uma pegada new wave.

“É um som clássico”, ele prefere chamar.

Para um grupo punk californiano dos anos 80, Bad Religion chegou muito longe.

A maioria de seus contemporâneos – X, Black Flag, Circle Jerks, Fear e Dead Kennedys – deixou de gravar há mais de uma década.

Formado por John Doe e Exene Cervenka (baixista e vocalista, os dois casados na vida real), mais o veterano guitarrista de rockabilly Billi Zoom e o baterista D.J. Bonebrake, o X lançou seu primeiro álbum, “Los Angeles”, em 1980, com produção de Ray Manzarek (ex-Doors).

Numa época em que os punks ainda odiavam os hippies, era uma grande ironia que uma das melhores bandas punk da Califórnia fosse produzida por um ex-hippie.

A longevidade e o alcance do Bad Religion chega a surpreender o próprio grupo, que há pouco tempo descobriu um fã-clube na Indonésia.

“Uma coisa é ser reconhecido na América do Sul, que tem uma cultura similar à da América do Norte”, pondera Graffin. “Ter um fã-clube do outro lado do planeta, numa cultura tão diferente, significa que nossa ideologia não é limitada somente ao modo de vida americano”.

Com mais de 30 anos, cabelos ralos, barriga sedentária, descasado, pai solteiro, Greg Graffin considera-se um “símbolo de integridade do punk”.

“Bad Religion prova que é possível transformar uma geração e tornar a ideologia punk parte integral de sua vida”.

O cantor diz que nunca pensou no punk como modismo ou fase que um dia viria a superar.

“Não virei punk porque achava que os punks pareciam cool, mas porque sempre questionei as regras e as pessoas que teimam em nos controlar”, explica. “Não importa sua idade ou sua aparência, você não precisa ter 20 anos e cabelo verde para entender esse sentimento.”

Quando assinou com a Sony, muitos punks que se diziam radicais passaram a malhar o grupo.

A polêmica acabou esquecida – afinal, Sex Pistols e The Clash nunca foram independentes.

Hoje, não há nenhuma dúvida sobre de que lado a banda se encontra.

Em uma das edições do festival de novas tendências CMJ, em Nova York, Greg Graffin lançou um manifesto contra o estado atual da indústria fonográfica.

“Foi um alerta sobre a previsibilidade que a música está tomando na mão das grandes gravadoras”, ele conta. “Uma indústria que opera assim vai se extinguir muito rapidamente, porque não consegue formar identidades marcantes na música, apenas clones de carreira fugaz.”

O prognóstico do cantor soou pessimista: “Pode ser a morte do rock.”

Poucas semanas antes de fazer um show no Brasil, Bad Religion envolveu-se em um debate ainda mais polêmico, ao participar com os grupos Rage Against the Machine e Beastie Boys de um show para chamar atenção sobre um homem condenado à morte: o jornalista, militante e ex-Pantera Negra Mumia Abu-Jamal.

“Ele vai ser executado por um crime que pode não ter cometido”, diz Graffin.

Abu-Jamal está no corredor da morte, condenado pelo assassinato de um policial em 1981, num processo controvertido que, há alguns anos, tem sido questionado por sua motivação política.

“É um dos raros presos políticos americanos reconhecido pela Anistia Internacional”, alertou o cantor.

Ainda relevante na cena rock, o Bad Religion continua a seguir a ideologia que inspirou seus integrantes a formar a banda na distante adolescência.

“Nunca tivemos respostas e não queremos que as pessoas se voltem para nós atrás de respostas”, diz, lembrando a letra de uma música de sua autoria, que diz: “Uma canção do Bad Religion não vai completar sua vida.”

O que o grupo ensina, ele avalia, com a paciência acadêmica de um biólogo graduado (o que ele de fato é), é “questionar tudo, questionar sempre”.

“Punk rock é uma coisa emocional”, ele tenta definir. “Quando surgimos, todos os tipos de música – até o heavy metal – eram populares, menos o punk.”

Graffin olha para si mesmo com orgulho: “Sobrevivemos ao ceticismo da indústria e da mídia sem nunca abandonar nossos ideais”.

Apesar de ter surgido nos anos 80, somente na metade dos anos 90 o Bad Religion experimentou o seu maior momento de popularidade.

Todo por causa do álbum “Recipe For Hate”, lançado no final de 93, e considerado o melhor trabalho da banda em quase 15 anos de intensa atividade.

De “Recipe For Hate” saíram dois bons videoclipes, “Struck On Nerve” e “American Jesus”, ambos com imagens fortes (o primeiro fala dos desesperados).

Mas foi o de “American Jesus” que mais chamou a atenção por mostrar uma multidão carregando cruzes nas costas em pleno centro de Los Angeles.

Exibidos exaustivamente na MTV, os clipes fizeram uma nova geração descobrir o potencial sonoro da banda, numa conversão quase religiosa.

Religião, aliás, é uma constante na banda, a começar pelo nome.

Greg Hetson, o principal guitarrista do grupo, explicou que o nome surgiu quando assistiam a esses programas televangelistas, muito comuns na América dos anos 80.

“Aquilo era má religião, gente que usa o nome de Deus para pedir dinheiro, sob ameaça de mandar para o inferno os que não colaborarem”, diz Hetson.

Mas apesar da fúria ser a palavra de ordem na geração hardcore, uma das características no som do Bad Religion é o estilo suave de seu vocalista.

Não se trata de nenhuma tática para diferenciar a banda.

“É a voz natural de Greg Graffin. Ele realmente não consegue gritar ou berrar, nem forçando”, explica Hetson, divertido.

Da mesma geração de bandas como X, Circle Jerks, Black Flag e outros grupos punks da Califórnia, Hetson não sabe explicar como eles sobreviveram, principalmente por sempre terem gravado pela independente Epitaph Records.

Na realidade, a Epitaph, uma gravadora de fundo de quintal, surgiu apenas para gravar e lançar os discos do Bad Religion.

Quem bancou o projeto foi um dos guitarristas da banda, Brett Gurewitz (ou, Mr. Brett).

De 1980 até hoje, a banda lançou “Bad Religion” (81), “How Could Hell Be Any Worse” (82), “Back To The Known” (85), “No Control” (89), “Against The Grain” (90), “Generator” (92), “Recipe For Hate” (93) “Tested” (95) e “No Substance” (98), além de algumas coletâneas seminais.

A música “American Jesus”, cuja letra diz coisas como “Levante-se, Jesus americano/ Está na hora de vir nos salvar outra vez/ Nossa pátria está perdida/ Nós achávamos que éramos uma nação protegida por Deus/ Afinal nós somos os Estados Unidos da América”, certamente já é um dos clássicos dos anos 90 e uma das mais belas letras de protesto social já feitas.

Também não custa nada lembrar que a música foi lançada uma década antes dos fundamentalistas árabes do Osama Bin Laden derrubarem o World Trade Center usando boeings cheios de passageiros como se fossem mísseis...


Felizmente, os anos 90 serviram para rachar os muros preconceituosos que a década de 80 carinhosamente erigiu.

E foi entre julho e agosto de 1988 que uma banda nova-iorquina iniciou o terremoto, capaz de chacoalhar os alicerces da música pop, convergindo rap, pop inglês e rock underground americano para um mesmo objetivo (em 1991, “Nevermind”, do Nirvana, selaria o fenômeno).

Depois que o Sonic Youth derrubou todas as barreiras entre as diversas vertentes do rock, usando a microfonia como aríete, ele nunca mais foi o mesmo.

Antes disso, o Sonic Youth era apenas um dos principais representantes da cena pós-punk novaiorquina, uma geração com mais de um rótulo – pigfuck, noise, no wave, hardcore – que primava pelo barulho fora de controle como principal idioma.

Ao lado do Big Black, Minutemen, Pussy Galore e Butthole Surfers, o Sonic Youth tinha uma grande reputação entre os seguidores daquela geração.

Mas foi a partir da entrada do baterista Steve Shelley, que completou para sempre o trio formado pelo casal Thurston Moore e Kim Gordon (marido e mulher na vida real), mais o guitarrista Lee Ranaldo, que o grupo começou a equilibrar.

Discos como “Evol” e “Sister” antecipavam um grande abalo sísmico, capaz de destruir todas as noções atuais dos limites da guitarra – sempre um tabu na história do rock.

Com o álbum duplo “Daydream Nation”, o quarteto nova-iorquino atingiu o rock como uma bomba atômica subterrânea sob os pilares do que conhecíamos por rock.

Os três vocalistas cuspiam letras como palavras de ordem, misturando literatura marginal e rock’n’roll primitivo, preocupados mais em atingir seu alvo do que com a sujeira que o tiro poderia causar.

Mas o centro do álbum são as guitarras: um enxame de microfonia que consegue soar caótico, melódico, bucólico, aterrador e brutal – muitas vezes em poucos minutos, como na introdução de “Cross The Breeze” e no meio de “The Wonder”.

Propulsionado por um dos mais subestimados bateristas pós-punk, o trio central do grupo (que se identificava com símbolos no rótulo do disco, à Led Zeppelin) atravessava terrenos tão diferentes quanto hardcore, vanguarda, heavy metal, folk, pós-punk inglês, progressivo, psicodelia e punk rock, com suas guitarras e baixo citando referências sonoras como se contassem a sua versão da história do rock, abrangendo todos os gêneros como frutos do mesmo som.

Um ruído incômodo, que incomoda e, ao mesmo tempo, provoca, do tipo que está no centro do melhor rock, seja de que tipo for.

Com quase 20 anos de estrada, o Sonic Youth imprimiu sua marca, definindo uma geração marginal, que sonhou, com o Nirvana, sair do underground.

Mais do que qualquer outra banda, ela vestiu a camiseta imunda e distribuiu porradas pra todo lado (“Goo”, 90, “Dirty”, 92, “Experimental Jet Set, Trash & no Star”, 94, “Washing Machine”, 95).

O grunge com que o grupo foi identificado, no papel de padrinho, acabou feito o “sonho” de outra geração.

Dez anos depois, com o álbum “A Thousand Leaves” (98), o Sonic Youth se via compelido a justificar sua condição de vanguarda num mercado que não o via mais desse jeito.

Era quase um novo começo.

“A Thousand Leaves”, o 14º disco, mostrava fôlego para manter os abutres à distância, destacando-se como o mais suave do grupo.

Claro que suavidade, nos termos dessa banda cacofônica, significa que a dissonância, dessa vez, não leva a colapsos de distorção.

Thurston Moore dá o tom na faixa de trabalho, “Sunday”: “O domingo chega de novo, um dia perfeito para um amigo quieto”.

A quietude domina o CD.

“Contre Le Sexisme”, de título invocado, abre o álbum sem conclamar a guerra dos sexos, mas falando sobre Alice no País das Maravilhas.

O tema é uma continuação do disco anterior.

Se Alice aparecia atordoada por ondas de fuzz (distorção) na última faixa de “Washing Machine”, na primeira do novo CD ela volta aos contos de fadas, nos murmúrios da baixista Kim Gordon.

Não é a única referência infantil do CD.

“Wildflower Soul” traz Thurston Moore declamando: “Cante sua canção infantil, cante seu aniversário, seu blues de aniversário”, em ritmo de cantiga de ninar.

Mas o restante do disco fica mais para Chapeleiro Louco.

Entre os destaques estão “Hits Of Sunshine”, uma elegia de 11 minutos ao poeta beat Allen Ginsberg, e a pesada “The Ineffable Me”.

O ponto fraco fica por conta da duração das faixas.

Sete das 11 músicas passam dos cinco minutos.

Às microfonias, microtons e voz claudicante, que o grupo transformou em rock alternativo americano, sobrepõe-se o espírito do acid rock de improvisos intermináveis, cuja matriz é o Grateful Dead.

Ou, na melhor das hipóteses, o Velvet Underground da quilométrica “Sister Ray”.

Apenas uma faixa se converte ao padrão agitado da escola grunge.

Não por acaso, “Sunday”, que apareceu, em outra versão, na trilha punk rock do filme “Suburbia”, foi escolhida como primeiro single.

Apesar de representar a parcela pop do CD, também soa como Velvet Underground – mais precisamente a música “What Goes On”.

A metade do disco cantada por Kim Gordon aprofunda a lentidão morfética, frustrando os fãs do som mais acessível do Sonic Youth.

O radicalismo de “Contre Le Sexisme” pode ser considerado o epicentro de um movimento anticanção.

Gordon fornece chibatadas feministas sem abandonar a sensualidade.

Em “Female Mechanic Now On Duty”, por exemplo, ataca a tendência de agrupar artistas femininas como Mulheres no Rock – veja-se o festival Lillith Fair, que faz referência ao “Mulheres na Música”.

O álbum “A Thousand Leaves” não promete gratificação instantânea.

É preciso rodá-lo muitas vezes no CD-Player antes de as músicas fazerem o efeito hipnótico que Kim Gordon propõe.

A fragilidade dos acordes substitui os redemoinhos de distorção, que são a marca registrada de Thurston Moore.

O álbum é quase bucólico, comparado aos discos mais recentes.

Mas não representa um rompimento.

Ao contrário, estabelece uma ponte com o experimentalismo raivoso da época de “Bad Moon Rising” (85) e “Evol” (86), substituindo volume por delicadeza.

A abordagem relaxada foi amadurecida em três EPs instrumentais, verdadeiras experiências abstratas, lançados pelo selo independente da banda, SYR (Sonic Youth Records).

A gravação de “A Thousand Leaves” deu-se nas mesmas sessões e usa os esboços dos EPs como base.

Partes de “The Ineffable Me”, por exemplo, foram extraídas de “Slaapkamers Met Slagroom”, do EP SYR2.

A força do grupo ainda está nas guitarras, mas o barulho surge mais refinado.

Por isso, “A Thousand Leaves” revela-se um dos álbuns mais coesivos do Sonic Youth.

Mais um disco instrumental – com palavras incidentais – do que qualquer outra coisa, ele encontra um atalho entre o experimentalismo das gravações independentes e a rota do mercado de consumo.


De qualquer forma, o grande nome do hardcore americano pertence a um sujeito careca cheio de tatuagens que começou a carreira no final dos anos 70 e estava predestinado a morrer de uma forma estúpida.

Para quem não sabe, G.G. Allin era o roqueiro mais escroto, porco e engraçado que pintou no planeta.

Sua música não interessava muito: um punk hardcore pesadão e muito rápido.

O interessante em G.G. era sua presença de palco, digna de um festival de horrores.

Ele tomava drogas como se toma café da manhã, subia no palco invariavelmente pelado ou de cuecas slip e batia com o microfone na própria cabeça, jogando jatos de sangue na platéia.

Depois procedia com a tradicional introdução do microfone no seu próprio ânus.

Não contente, escolhia um infeliz no público e cobria o cara de porrada.

Pior: quando estava inspirado, dava um show de escatologia, defecando no palco e comendo as próprias fezes.

As sobras ele jogava na plateia, que adorava!

Mas dava para sacar que por trás de toda escatalogia existia um cara inteligente, autor de frases lapidares do tipo “Me considero um deus do rock’n’roll. Por isso meus fluidos e excrementos também são sagrados. Como minhas fezes porque não quero deixar fluidos sagrados perdidos por aí, em qualquer lugar”.

O deus também vivia pessimista.

“Não posso tocar em lugar nenhum que a polícia está sempre atrás de mim. Tenho convites para shows no Canadá, mas não me deixam passar na fronteira. E, se eu por acaso passar, os Estados Unidos não me aceitam de volta!”, reclamava.

Em 1990, o cantor foi condenado a dois anos de cadeia depois que tacou fogo na sua mulher em frente do sogro.

Era, obviamente, um louco de pedra.

Suas apresentações estavam sempre lotadas de curiosos.

Todo mundo queria ver G.G. em ação.

Em um show em Seattle, depois de fazer seu banquete fisiológico, G.G. pegou um litro de álcool e tacou fogo no palco.

Tudo terminou com os bombeiros em desespero tentando apagar as chamas enquanto ele, pelado, continuava a cantar mesmo depois que todos os outros membros de sua banda haviam fugido, com medo de se queimarem.

O episódio da morte de G.G. Allin, em 93, não ficou atrás.

O cantor havia saído da cadeia há seis meses e começou a excursionar em pequenos clubes na companhia de duas bandas: “Lesbian Muff Divers” (“Lésbicas Chupadoras de Boceta”) e “The Sound of Fuck” (“O Som da Foda”).

Em um show em Nova York, com apenas dez minutos de zoeira, G.G. esmurrou um cara na platéia e uma briga violenta degenerou por todo o clube.

A polícia chegou e prendeu um monte de gente.


Mesmo pelado, o cantor saiu pela porta da frente do clube e andou quatro quarteirões até a casa de Jimmi Puke (“Jimmy Vômito”), líder da banda Genocide.

Quatro horas depois estava morto, vítima de uma overdose de cocaína e heroína aplicada nos canos.

Sua morte foi chorada por amigos e fãs (e ele tinha muitos!).

G.G. foi velado em caixão aberto, semi-pelado, com uma garrafa de uísque na mão e botas de motoqueiro.


Todos lamentavam o fato dele ter morrido sem cumprir a promessa: suicidar-se no palco, em nome do rock’n’roll, no dia do Halloween.

Quem quiser conhecer mais sobre a vida desta figura, pode encontrar nos EUA o vídeo “America’s Most Hated”, documentário de uma hora sobre o cantor, e seus dois únicos álbuns, “Eat My Fuck” e “Freaks, Faggots, Drunks & Junkies”.

Outras bandas hardcores que fazem parte da história do rock são as seguintes:

Black Flag – Banda de Los Angeles inspirada nos Dead Kennedys e que revelou o vocalista Henry Rolling, um fã da banda que tomou o lugar do vocalista Dez Cadena. Lançou os seguintes discos: “Damaged” (81), “Family Man” (84), “My War” (84), “Slipn It In” (84), “In My Head” (85), “Loose Nut” (85) e “Who’s Got The 10 ½ ?” (86).

Fear – Outra banda de L. A. que ficou famosa pelas atitudes de seu vocalista, Lee Ving, um ex-fuzileiro naval que serviu no Vietnã e biriteiro de carteirinha, atualmente fazendo papel de vilões em filmes B americanos e comandando a Lee Ving’s Army (que às vezes grava como nova reencarnação do Fear). Lançou os seguinte álbuns: “The Record” (82), “More Beer” (85), “Have Another Beer With Fear” (95) e “American Beer” (2000).

Agent Orange – Primeira banda a mixar o hardcore com o surf-skate-rock, soando como uma espécie de Beach Boys reciclados pelos Ramones. Lançou os seguintes discos: “Living In Darkness” (81), “This Is The Voice” (86), “Real Live Sound” (90) e “Virtualy Indestructible” (96).

Circle Jerks – Seguidora do Agent Orange, mas que levou o lado mais urbano do punk para o hardcore. Lançou os seguintes discos: “Group Sex” (80), “Wild In The Streets” (82), “Wonderful” (85), “Gig” (92) e “Oditties, Abnormalities And Curiosities” (95).

Redd Kross – A banda que, mesmo antes de o assunto virar moda, já remexia na cultura pop dos anos 60, da música psicodélica e dos desenhos animados e séries de TV. Lançou os seguintes discos: “Born Innocent” (81), “Teen Babes From Monsanto” (84), “Neurotica” (87), “Phaseshifter” (93), “Switchblade Sister” (95), “Visonary” (95) e “Show World” (97).

T. S. O. L. – A True Sound Of Liberty foi a primeira banda americana da nova geração a reverenciar e tentar recuperar o espírito dos Doors, quando estes não passavam de banda cult. Depois, com a saída do vocalista original (Jack Grisham), se travestiram de banda glam metal, fracassaram e acabaram. Lançaram os seguintes discos: “Dance With Me” (81), “T.S.O.L.” (81), “Beneath The Shadows” (82), “Change Today” (84), “Revenge” (86), “Hit And Run” (87), “Live” (88), “Strange Love” (90) e “Live 1991” (91).

Suicidal Tendencies – Banda que fez o crossover entre hardcore e thrash metal e divulgou o visual de gangues, como camisetas xadrez e bandana na cabeça. Alguns de seus integrantes (o vocalista Mike Muir e o baixista Robert Trujillo) criaram o Infectious Groove, de funk-metal humorado, para dar uma folga no radicalismo. O Suicidal lançou os seguintes álbuns: “Suicidal tendencies” (83), “Join The Army” (87), “How Will I Laught Tomorrow When I Can’t Even...” (88), “Feel Like Shit Déjà Vu Controlled By Hatred” (89), “Lights… Camera… Revolution!” (90), “Possessed To Skate” (90), “The Art Of Rebellion” (92), “Styll Cyco After All These Years” (93), “Suicidal For Life” (94), “Six The Hard Way” (98), “Freedumb” (99) e “Free Your Soul And save My Mind” (2000). O Infectious gravou “The Plague That Makes Your Booty Move” (91), “Sarsippiu’s Ark” (93), “Groove Family Cyco” (94) e “Mas Borracho” (2000).

Biohazard – Formada no Brooklyn, em Nova York, foi a primeira banda de metal a mostrar competência na fusão de hardcore com hip hop, colocando nas letras a mesma fúria dos crioulões do South Bronx. Lançou os seguintes discos: “Urban Discipline” (92), “Biohazard” (92), “State Of The World Address” (94), “Mata Leao” (96), “No Hold’s Barret: Live In Europe” (97), “New world Disorder” (99) e “Uncivilization” (2001).

Mind Funk – Formado por Pat Dunbar (ex-vocalista do Uniform Choice), Louis J. Svitek e John Monte (ex-guitarrista e ex-baixista do M.O.D.) e Reed St. Mark (ex-baterista do Celtic Frost), foi o primeiro supergrupo a misturar metal, hardcore e funk com letras apocalípticas sobre o cotidiano das grandes cidades. Lançou os seguintes discos: “Mind Funk” (91), “Dropped” (93) e “People Who Fell From The Sky” (95).

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