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quinta-feira, junho 23, 2011

Aula 30 do Curso Intensivo de Rock: Folk Rock


Quando Robert Allan Zimmerman, um judeu interiorano de Duluth, Minessota, pegou a primeira guitarra aos 12 anos, em 1953, ainda não tinha feito o bar-mitzvah e esse tal de rock’n’roll nem existia oficialmente.

Ele largou a Hibbing High School, em 1959, para seguir o profeta Little Richard.

E o obscuro rock baladista Bobby Vee foi o primeiro artista estabelecido a contratá-lo – como pianista de seu grupo.

Só então, já na pele de Bob Dylan (numa homenagem ao poeta galês Dylan Thomas), ele pegou a Highway 61 (mais tarde título de um de seus discos) e foi visitar o bardo folk Woody Guthrie, preso há oito anos numa cama de hospital com uma rara doença hereditária (mal de Huntington) que levaria 15 dolorosos anos para matá-lo.

Woody Guthrie era um cantor intinerante que sempre fez uma música de forte cunho social.

Os heróis de suas músicas eram sempre os camponeses pobres (como no álbum “Dust Bowl Ballads”) e as vítimas de injustiça, cantadas em “Sacco & Vanzetti” (os dois anarquistas italianos executados na cadeira elétrica).

Na maioria das vezes, eram canções recitadas falando de negros colhendo algodão, descrições da Conquista do Oeste, denúncias de fura-greves e capatazes filhos da puta, lembranças de velhas baladas inglesas e irlandesas.


Nascido no Okhaloma, em 1912, Guthrie for marinheiro mercante até a depressão americana, quando começou a cantar e compor.

Uma de suas característica era a capacidade de formular discursos políticos da maior complexidade em termos muito simples e acessíveis, enquadrados nos campassos da música folk.

Homem assumidamente de esquerda, Guthrie entalhou a canivete em seu violão a frase “isto é uma máquina de matar fascistas”.

Quando finalmente se conheceram, Guthrie tinha 49 anos, Dylan 19, mas a música os unia e se tornaram amigos.

O encontro lançou a âncora definitiva na carreira de um dos maiores poetas do rock, influência de John Lennon a Jimi Hendrix, mito radical que jogou a política na arena pop e eletrificou o folk ancestral.

Sua primeira turnê começou em abril de 1961 no Greenwich Village, abrindo shows do bluesman John Lee Hooker.

Naquele mesmo mês, ganharia US$ 50 tocando gaita no disco “Midnight Special”, de Harry Belafonte.

Um produtor nova-iorquino, John Hammond Sr., descobre Dylan tocando no Gerde’s Folk City do Greenwich Village e lhe oferece um contrato.


Em outubro de 1961, Dylan gravaria seu primeiro álbum, “Bob Dylan”, com versões cruas de canções tradicionais, como “House Of The Rising Sun”.

Não emplaca nas paradas, mas uma de suas mais conhecidas canções, “Blowin’ In The Wind” (“Quantos caminhos um homem deve seguir / Até ser aceito como um homem?”) é publicada pela revista Broadside e começa a ser forjada a lenda.

Inspirado em Richard Buckley (intelectual hipster dos anos 20), ligado em jazz e underground, Dylan a partir do Village fez a caipiragem folk virar hype e instalou o culto às raízes no cocoruto da mídia, auxiliado pela cantora Joan Baez, a Madonna dos oprimidos, com quem viveu alguns anos após um encontro no Newport Folk Festival, em 1963.

Joan Baez, nascida em Nova York, filha de um médico mexicano, tinha sido a grande sensação do Festival Folk de Newport em 59 e, já em 62, era capa do Time e vendia mais discos que Sinatra.

Dylan e Joan se conheceram quando ele ainda cantava no citado pub Gerde’s, fizeram sucessos juntos em Newport em 63 e acabaram rompendo em 65.


As rivalidades profissionais se tornaram insuportáveis na turnê inglesa de 65, quando Joan ficou reduzida a acompanhar passivamente Dylan, como uma espécie de tiete, sem que ele a convidasse a subir ao palco uma só vez.

Foi também em 65 que Dylan se tornou elétrico, como dizem.

Ou seja, trocou o violão acústico do folk pela guitarra elétrica do rock.

No ano anterior, excursionando pela Inglaterra, ele conheceu o trabalho dos Beatles, dos Rolling Stones, de Eric Burdon e os Animals e sentiu que o rock’n’roll ganhara vida nova nas mãos dos jovens músicos ingleses.

Partiu então para uma fusão muito louca entre o novo rock e a folk song tradicional e o resultado foi um monstrengo chamado de folk rock.

Quando se apresentou no Festival de Newport em 65, Dylan foi recebido com vaias.

Não era apenas o novo som que desagradava os puristas do folk, mas as letras que se tornaram mais densas e surrealistas, como na celebração psicodélica de “Mr. Tambourine Man”.


Dylan começara a falar de coisas como o drama do homem magro e culto que leu toda a obra de Scott Fitzgerald, mas não conseguia mais entender o mundo.

Falava da velha que morava num depósito de lixo e freqüentava os cemitérios, tinha a cara da morte e vinha puxar as cobertas das pessoas no meio da noite.

Descrevia a “Travessa da Desolação”, cheia de personagens grotescos, fazendo amor ou esperando a chuva passar.

Sua nova cruzada era promover a abertura das cucas das pessoas através do rock.

Suas músicas tornavam-se clássicos instantâneos cutucando a classe média acomodada e preparando o terreno ideológico da nação Woodstock.

“Masters Of War” lancetava no fígado a América belicista.

Escrita durante a crise dos mísseis de Cuba, “A Hard Rain Is Gonna Fall” profetizava pesadelos orwellianos para o american way of life e “Ballad Of A Thin Man” completava o serviço.

Acuava o zé-ninguém reichiano através da paranóia (“alguma coisa está acontecendo aqui, mas você não sabe o que é, sabe Mr. Jones?”) e definia o combate: “Você é uma vaca / Dê-me algum leite ou desapareça”.


O texto épico misturado ao pano de fundo urgente da mudança dos ventos transformou Dylan numa usina de idéias e canções capazes de digitar a época em poucos segundos.

“Mr. Tambourine Man” atingiu o primeiro lugar em 65 e virou emblema dos Byrds.

“All Allong The Watchtower” incorporou-se em definitivo ao repertório do xamã negro Jimi Hendrix.

Joan Baez constatara que “It’s All Over Now, Baby Blue”, e também caíra na estrada.

Manfred Mann detonava “If You Gotta Go, Go Now” e, saltando um pouco no espaço, até o recente metal caótico Guns N’Roses foi bater na antiga porta com “Knocking’on Heavens Door”.


Agora tente imaginar o seguinte quadro: você tem 25 anos e nos últimos cinco anos de sua vida se tornou, primeiro, um campeão dos direitos humanos, “herói” da política estudantil, trovador querido dos universitários e de todas as colorações da esquerda.

Depois, numa velocidade que lhe parece absolutamente alucinante, você se viu no trono do estrelato pop, adorado agora por multidões de jovens.

Só alguém foi tão famoso em seu país, os Estados Unidos: Elvis Presley.

Mas Presley era um bronco, um ingênuo, uma criatura de seu empresário.

E você não: você sofre de lucidez crônica, muitas vezes paranóica, um lirismo brotando por todos os poros, uma consciência crítica que não o deixa dormir.

Você leu bastante, foi ao cinema, gosta de poesia.

Mas, hoje, na América ninguém é mais famoso do que você.

Foi nesse contexto que Bob Dylan criou “Blonde On Blonde”, um álbum duplo vital, obsessivo e transformador, capítulo derradeiro no livro número um de sua biografia.

O disco foi lançado em maio de 66.


Em julho, Dylan foi cuspido fora de sua moto Triumph 500, nas cercanias de Woodstock e, com várias costelas quebradas, suspeita de fratura de crânio e lesão cerebral, viu-se confinado a uma cama de hospital por três meses, seguidos de mais um ano de afastamento da vida artística – começava aí o livro dois de sua vida.

Mas voltemos atrás.

Voltemos ao jovem Dylan popstar, recém-casado com Sarah Lowndes – artista plástica, poetisa, adepta do zen-budismo –, consumidor contumaz de anfetaminas, excursionando sem cessar de uma costa à outra da América e, nos intervalos, ainda achando tempo para sessões de gravações nos estúdios da Columbia, em Nashville.

O jovem Dylan que, no ano anterior, chocara o mundo careta e bem-pensante do festival folk de Newport, subindo ao palco com uma guitarra elétrica ao pescoço, e que, na seqüência, colocara no topo das paradas de sucesso uma longa diatribe sobre os rigores da vida errante, “Like A Rolling Stone”.

Todos e cada um desses elementos, características de um momento rico, mas tenso de sua vida, estão na música mercurial de “Blonde On Blonde”, um álbum duplo, mas não muito – o lado D é inteirinho ocupado por “Sad Eyed Lady Of The Lowlands”, uma pungente balada de adoração a Sarah onde Dylan atinge o auge de sua capacidade poética de expressar o amor.

“Sad Eyed” acaba sendo um dos raros momentos de serenidade num álbum que respira a energia nervosa da anfetamina.


Outro instante de doçura é também uma balada de amor – “Visions Of Johanna”, no caso, um adeus sentido, mas terno, a um grande ex-amor, Joan Baez.

Muitos vêem tanto em “Sad Eyed” quanto em “Johanna” as primeiras manifestações de um sentimento realmente religioso em Dylan, a busca de uma dimensão metafísica, espiritual, para a existência.

A maioria dos músicos de “Blonde On Blonde” é de feras de Nashville, do country & western, portanto.

Para afiar o gume cortante, ele acrescentou o grande guitarrista de blues, Al Kooper, e seus amigos canadenses, Levon Helm e Robbie Robertson, do grupo que viria a ser The Band.

Órgão, guitarra e harmônica formam o coração elétrico da sonoridade e o disco todo é puxado nos agudos, um som nervoso, quase diáfano.

Nos textos, atrás de uma bateria de metáforas, Dylan despeja rancores, paranóias e um insistente pedido de tréguas.

Ele tem raiva dos hipócritas em “Leopard-Skin Pillbox Hat”, das amantes mentirosas em “Just Like A Woman”, das situações irremediáveis em “Memphis Blues Again”.

Não há solução, diz a voz mercurial, ou melhor, a solução é “todo mundo ficar chapado” (ou “ser apedrejado”, os dois sentidos de “get stoned”, refrão crucial da faixa de abertura, “Rainy Day Women 12 & 35”).


Depois do terrível acidente de moto, ele ficou se recuperando numa casa de campo, que comprou em Woodstock, a uma hora de Nova York, colocando a cabeça pra trabalhar.

Seus 18 meses de silêncio só reforçavam a onda de boatos que falavam até de sua morte.

No começo de 68, Dylan voltou às raízes folk com o surpreendente lúcido “John Wesley Harding” em que, no auge da invasão hippie, falava parabolicamente de bandidos, vagabundos, santos e imigrantes.

Dylan tornou-se religioso extremista nos anos 70 e só voltou às paradas de sucesso com a canção “Hurricane”, um grande clássico de oito minutos e a primeira faixa do disco “Desire”, de 1975.

A música foi feita para o então presidiário Rubin Carter.

Como isso se deu?

Oito anos após sua prisão, Carter enviou uma cópia de sua autobiografia, “The Sixteenth Round: From Number 1 Contender to 45472”, a Dylan, que admirava e pontificava como um líder contracultural naqueles tempos.

Passados 30 dias, o cantor foi visitar Carter na cadeia.


“A primeira vez que o vi, eu compreendi uma coisa: a filosofia daquele homem estava correndo na mesma estrada que a minha e eu não encontrei muita gente como ele na vida”, disse Dylan, após o encontro.

Dylan então chamou o seu produtor, Jacques Levy, e os dois perpetraram esse que é um dos maiores clássicos do rock, metade canção de protesto e metade documento.

“Como pode a vida de um homem / Estar na palma da mão de um babaca?”, cantava Dylan.

Ele se declarava enojado de viver numa terra onde a Justiça era um simples jogo viciado.

O violino que se ouve na faixa é tocado por Scarlet Rivera (o restante da banda, no disco, tem o baixista Rob Stoner, o baterista Howard Wyeth e as vocalistas Emmylou Harris e Ronee Blakley).

Dylan, acompanhado da banda-projeto The Rolling Thunder Revue (que incluía convidados como Joan Baez, Joni Mitchell, Arlo Guthrie e o poeta Allen Ginsberg), chegou a fazer dois concertos na primavera de 1976 para arrecadar fundos para ajudar na defesa de Rubin Carter.


Foram tocar até na prisão – onde, segundo a revista Rolling Stone, Joni Mitchell foi vaiada.

O outro show, no Madison Square Garden, rendeu US$ 100 mil.

Mas Dylan também enfrentou problemas com uma das testemunhas do caso, Patty Valentine, que o processava por usar seu nome na letra da música.

Os advogados de Dylan na Columbia Records tiveram de pedir pequenas alterações na letra da canção para evitar possíveis novas ações.

O sucesso da música o livrou de grandes problemas, tendo sido muito bem tocada nas rádios americanas.

Um mês depois dos primeiros concertos, o Revue se reuniu novamente (desta vez com Isaac Hayes, Stevie Wonder, Carlos Santana, Richie Havens e Rick Danko) para um show para Carter no Astrodome de Houston, Texas.

Saber o momento certo de fazer as coisas é tudo na vida, como qualquer lutador de boxe sabe muito bem.

Por isso, o fato de dois livros lançados nos Estados Unidos – “Hurricane: The Miraculous Journey de Rubin Carter”, de James S. Hirsch, e “Lazarus and the Hurricane”, de Sam Chaiton e Terry Swinton – seguirem as pegadas do filme de Denzel Washington, “Hurricane – O Furacão”, não é nem coincidência nem falta de oportunismo.

Mas falta alguma coisa em ambos. Um nome. O mesmo nome.


Não importa que partido se tenha tomado ou se venha a tomar, não há como escapar da idéia de que Rubin “Hurricane” Carter – o peso médio injustamente condenado em 1966 por um triplo assassinato em Paterson, New Jersey – foi o padrinho em jurisprudência de O.J. Simpson.

Basta acreditar em um quarto das histórias que esses livros contam, falcatruas jurídicas, oportunismo político, veneno racista e provas forjadas pela polícia e pela promotoria, para imaginar um júri negro dizendo simplesmente: “Isso nunca mais vai acontecer”.

Também não é muito difícil visualizar observadores brancos pensando em quantos outros Carters existem abandonados no sistema penal americano sem que nenhum Bob Dylan escreva suas canções-tema.

Há bons motivos para que O.J. Simpson não apareça nas páginas desses dois livros.

James Hirsch, ex-repórter do New York Times e do Wall Street Journal, deixou de lado as maçantes elucubrações sociológicas para escrever um livro cheio de detalhes.

Factual ao extremo, sua obra contém uma raiva intrínseca que conquista a empatia do leitor – no fim, quando ele cita as carreiras de sucesso dos principais carrascos de Carter, dá vontade de atirar o livro longe.

Ausentando-se da narrativa, Hirsch faz um retrato extremamente pessoal de Carter e dos estranhos idealistas canadenses que, em 1988, o ajudaram a conquistar sua liberdade.

Sam Chaiton e Terry Swinton são dois desses canadenses que praticamente adotaram um jovem negro do Brooklyn chamado Lezra Martin, no início dos anos 80.


Lezra, de 16 anos, foi inspirado pela autobiografia de Carter, “The Sixteenth Round”, a corresponder-se com o condenado – que, por sua vez, inspirou os canadenses a se mobilizarem em sua defesa.

Os dois canadenses originalmente publicaram “Lazarus” no Canadá, em 1991 (dois anos antes do assassinato de Nicole Brown Simpson), e, como não são videntes, mantiveram-se fiéis a seu roteiro em que aparecem como seres afeitos aos auto-elogios.

A questão mais intrigante é por que omitiram a existência de Lisa Peters – a líder comunitária de rua de Toronto que se casou com Carter depois de sua libertação para que ele obtivesse cidadania canadense e que Hirsch transforma numa das personagens centrais de seu livro.

Lisa foi fundamental para que Carter rompesse seu silêncio depois de ter sua sentença confirmada em 1976 (uma acusação baseada em princípios racistas que mais tarde foi julgada inconstitucional) e Hirsch acredita que seu envolvimento romântico com Carter foi tão importante quanto a movimentação legal dos canadenses.


Uma reportagem publicada na revista McLean, de Toronto, diz que Lisa Peters, Sam Chaiton e Terry Swinton moram juntos, se dão bem e estariam chocados com a maneira como Hirsch os retratou em seu livro (como anti-semitas e xenófobos, algo corroborado por Selwyn Raab, repórter da revista Times).

Isso só torna mais estranha a ausência de Lisa do livro, um dos que serviu de base para o filme de Norman Jewison.

Não é segredo que esse grupo canadense tem uma agenda política.

Em sua opinião, o Lezra Martin que conheceram era o produto intelectualmente comprometido de um país corrupto e só sua intervenção o salvou.

Eles têm algumas idéias bastante estranhas, entre elas a de que há pouco metrô no Brooklyn (uma surpresa para os milhares de passageiros do trem F) e que os grandes júris dos EUA são compostos apenas por empresários.

O Canadá aparece como um paraíso virtual.

Mas aqueles interessados no caso Carter – que, é importante dizer, continua a fazer a Justiça do condado de Passaic parecer tão estúpida hoje como foi vingativa no passado – vão perceber que os dois livros se complementam, embora de maneira estranha.

Ambos concordam no que se refere aos fatos básicos, mas a história é inverossímil.


No dia 17 de junho de 66, dois homens e uma mulher foram assassinados no Lafayette Bar, na cidade de Paterson, por dois homens negros, cujas descrições iniciais em nada correspondiam a Carter e John Artis, o outro acusado.

Carter e Artis foram detidos para interrogatório e liberados na noite dos crimes e, mais tarde, a promotoria do condado de Passaic afirmou que os dois nunca tinham sido suspeitos do caso.

Em seguida, os dois foram presos e condenados com base em evidências e testemunhos de que a polícia de Paterson já dispunha na ocasião em que liberou os dois suspeitos.

Ao reagir ao filme de Norman Jewison, o xerife do condado de Passaic, Edwin Englehardt, declarou que Carter e Artis tinham sido soltos com base num “aspecto técnico constitucional”.

Bem, quem quiser acreditar nisso ainda terá de se perguntar por que o detetive Vincent DeSimone e os demais investigadores geniais de Paterson deixaram seus principais suspeitos em liberdade se, como disseram mais tarde, já “sabiam de tudo”.

A não ser, é claro, que ainda não tivessem tido tempo para armar todas as provas falsas, uma conclusão tirada por todos os autores e pelos que acompanharam o caso desde o início.

Ambos os livros têm suas falhas, sejam elas factuais ou filosóficas.


Hirsch, por exemplo, fala de um tiro disparado no Lafayette Bar que, na prática, ninguém ouviu.

Em várias ocasiões ele repete informações de uma forma que parece que ele esqueceu de já ter escrito aquilo.

Chaiton e Swinton, que usam apenas os primeiros nomes e escrevem na terceira pessoa, são mais que tendenciosos quando reconstroem longas conversações expositivas que envolvem Lezra, Carter e outros, especialmente porque recheiam esses diálogos com um suspeito “dialeto negro”.

Dos dois livros, o de Hirsch é o mais ponderado e justo.

O Carter de Hirsch não é nenhum santo.

Depois dos crimes de Lafayette até mesmo seus parentes disseram acreditar que o alcoólatra, mulherengo, lutador de boxe e ex-condenado seria capaz de matar.

A única coisa que estranhavam era o fato de ter usado uma arma, coisa que, diziam, ele não seria capaz de fazer.

A milagrosa jornada que Carter de Hirsch faz é, assim, mais digna de credibilidade, enquanto o livro “Lazarus” ainda nos faz perguntar onde Lisa Peters foi parar.

Mas que o caso rendeu uma música maravilhosa e um filme sensacional, isso rendeu.


Em 2002, o jornalista inglês Howard Sounes lançou o livro “Dylan: A biografia”, resultado de uma minuciosa e exaustiva pesquisa.

O grande diferencial do livro escrito por Sounes de todo e qualquer relato biográfico já feito sobre Dylan é a complexa teia de informações recolhidas acerca do mestre.

Em tentativas anteriores, jornalistas como Anthony Scaduto (autor da primeira biografia em 1971) deixaram de fora muitas pessoas envolvidas na carreira de Bob, desde amigos de infância até outras que hospedaram-no em tempos iniciais de carreira em Nova York, namoradas (muitas, é bom que se diga) e colegas de profissão.

Sounes procurou e achou todo e qualquer indivíduo ligado a Dylan em seus 42 anos de carreira, fazendo um retrato fiel e consistente de uma personalidade enigmática, rica de frases e situações, no mínimo, interessantes.

Tal fato é corroborado pelo próprio autor em texto introdutório do livro, dizendo que “embora um bom trabalho tenha sido feito (sobre os outros livros), o desafio de escrever uma biografia superior que transmita a inteira grandeza do feito artístico de Bob Dylan e que também revele a verdadeira vida desse homem esquivo e fascinante permanece.”

Permanecia.

Em tese, Howard Sounes traçou paralelos importantes, culminantes no Dylan compositor, dono de si e de uma carreira de altos e baixos.

Muito mais do primeiro, obviamente.

Como todo grande artista, Dylan fez álbuns fundamentais (“Blonde On Blonde”, “Blood On The Tracks”, “Desire”), mas também produziu música dispensável.

Nem todos podem ser perfeitos.


A gênese do trabalho de Dylan está diretamente ligada à vida no interior de Duluth, distrito cuja economia girava em torno da mineração de ferro, ouvindo no rádio o blues de Robert Johnson e o boogie de Little Richard.

Num canto do estado de Minnessota, Dylan desenvolveu o faro para a música folk de Leadbelly e Woodie Guthrie.

Firmou o pé nas work songs (música dos apanhadores de algodão do sul dos EUA), nos spirituals (música religiosa negra americana), mas, principalmente, na música folclórica americana, representada fortemente pela “Anthology of American Folk Music”, compêndio de seis discos organizado pelo pesquisador e etnomusicólogo Harry Smith que reunia gravações feitas por músicos nas décadas de 20 e 30, e que Dylan certa vez roubou do apartamento de um conhecido, como conta o livro.

Excêntrico, esquisitão, imitador de si mesmo.

As facetas de Bob Dylan descritas em sua mais completa biografia deixam reticências ricas, quase enigmáticas.

Contar, com a riqueza de detalhes e com a qualidade de texto feita por Howard Sounes, a vida e a obra de um sujeito tão pleno de estranhezas e melindres como era (e é) Bob Dylan, não deve ter sido tarefa das mais fáceis.

O próprio biografado não contribui para o relato, mas deu total aval ao trabalho, afinal de contas, deve ser muito engraçado ler a própria vida sob uma perspectiva diferente.

Enfim, ficam as histórias e toda a complexidade de um artista único, pensador original e poeta genial.

Para os velhos, “Dylan: A biografia” é uma revelação.

Para os mais novos, um farol.

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