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quarta-feira, junho 01, 2011

Aula 61 do Curso Intensivo de Rock: Kraftwerk


O rock alemão dos anos 70 foi uma das mais criativas músicas produzidas no século passado, porque fazia pop a partir de elementos que não descendiam do soul/ blues nem do folk/ country.

Grupos como Tangerine Dream, Neu!, Can e Faust nasceram acadêmicos como todo progressivo da época, mas pesquisaram a fundo o legado de compositores vanguardistas, como Karlheinz Stockhausen e Pierre Schaeffer, além de se inspirarem no espírito do manifesto italiano “A Arte dos Ruídos”, de 1913.

A eletrônica já estava invadindo a música alemã desde a década de 50, no centro de pesquisas eletrônicas de Darmstadt, fundado por Stockhausen.

Foi deste centro de pesquisas que saíram Holger Czukay e Schmidt para fundar o Can.

Ao lado do Kraftwerk, o Can foi a outra espinha dorsal do rock alemão da década de 70, embora os dois grupos propusessem utilizações diferentes da eletrônica.


O Tangerine Dream foi formado em 1967 por Edgar Froese, músico que tentava transmitir para a música o impressionismo da pintura de Salvador Dali, de quem era colaborador e amigo pessoal.

Começou como uma banda ao estilo Pink Floyd, pouco a pouco passando a se aventurar em esperimentalismo com a música eletrônica recém surgida (a partir da invenção dos sintetizadores Moog).

Obviamente estamos falando de música tocada por mãos humanas em instrumentos eletrônicos e não da atual música programada em computadores.

A música da banda era instrumental e ambiental, não tendo conseguido um sucesso comercial duradouro (embora tenham chegado ao top 10 na Inglaterra com o álbum Phaedra).

A música eletrônica inventada por eles rapidamente evoluiria para o estilo mais techno de bandas como Kraftwerk e Can.

Além de Froese, passaram pelo Tangerine Dream vários músicos talentosos como Klaus Schulze, Corad Schnitzler, Chris Franke, Peter Baumann e Jerome Froese, filho de Edgar Froese.

Os integrantes do Kraftwerk são de Düsseldorf e dentro de toda ebulição do “kraut rock” (o tal “progressivo germânico”), o Kraftewerk sempre foi o mais esquisito, imprevisível, atemporal e influente.


Nada do que se convencionou chamar de techno ou electro – de Prodigy a Chemical Brothers, de Aphex Twin a Stereolab – existiria se não fosse a trip iniciada em 1968 por Ralf Hütter e Florian Schneider, numa banda meio hippie, meio eletrônica, chamada Organisation.

Eles chegaram a lançar o disco “Tone Float”, em 1969, raríssimo.

Dois anos depois, o grupo não existia mais e a dupla de testa larga fundou o Kraftwerk (“Usina de Força”, em alemão), tendo como parceiros Conny Plank, Klaus Dinger e Michael Rother.

Todos os músicos se revezavam em instrumentos acústicos e enormes sintetizadores e drum-machines.

Lançaram dois álbuns bem bizarros, “Kraftwerk 1” (1971) e “Kraftwerk 2” (1972), antes de Klaus e Michael abandonarem o grupo para montar o Neu!.

O tecladista Conny Plank desistiu do projeto e foi estudar arquitetura.

Conformados com a condição de dupla, eles lançaram o disco “Ralf Und Florian” (73), depois de meses isolados em Düsseldorf montando aquele que seria quase que mais um membro do grupo, o estúdio Kling Klang, onde o Kraftwerk comporia e produziria todos os seus discos seguintes.


Em 1974, com a entrada de Klaus Roeder e Wolfgang Flur na percussão eletrônica, tornaram o Kraftwerk novamente um quarteto.

O primeiro disco com a nova formação foi o clássico “Autobahn” que, surpreendentemente, alcançou o quinto lugar da parada americana.

Sua faixa título é, literalmente, uma “viagem” de 22 minutos por meio das famosas auto-estradas alemãs.

Foi a única música na história do rock a ter tal duração e, mesmo assim, a tocar sem parar nas rádios, alcançando “as dez mais” do hit parade.

Depois dela, só a faixa “The Superman”, de Laurie Anderson, que tinha oito minutos de duração, repetiu o êxito.

Não demorou muito para as pessoas se deixarem cativar pelo som do Kraftwerk, mas ninguém naquela época poderia prever a extensão de sua influência sobre o futuro da música pop.

Surgidos no reinado de “cabelos compridos, calças bocas de sino, lamê e purpurina” do glam rock, eles apareceram de ternos, cabelos curtos e cara limpa para se tornar o grupo branco mais influente na história da dance music e precipitar uma revisão radical do status de popstar.

E não é de estranhar que todos aqueles heróis da guitarra dos anos 70, destruidores de hotéis e colecionadores de mulheres, que riam da visão Kraftwerkiana de músicos robóticos – trabalhadores livres do ego na fábrica do som – se sintam absolutamente estupidificados ao observar que as paradas musicais do novo milênio estão cheias de músicos anônimos, cujas roupas e opiniões importam muito menos para o público do que os ritmos e texturas martelados pelos equipamentos eletrônicos (Fatboy Slim e Carl Cox que o digam...).

Se a música do Kraftwerk era composta de poemas tonais inspirados pelos sons ambientes do parque industrial de Düsseldorf, a faixa “Autobahn” fundia ruídos de carros tratados eletronicamente, uma melodia clássica e o ritmo mecânico formado por barulho de tráfego sintetizado para criar uma nova música folclórica industrial.

“Autobahn” foi um hit nas discotecas americanas e o Kraftwerk se tornou objeto de culto do próprio David Bowie, que mais tarde incorporou elementos do visual e da iluminação do grupo.

O problema é que se a aparência robótica do grupo e o fato de cantarem em alemão (80% do material executado na rádio alemã era cantado em inglês) já eram esquisitos, seus temas soavam ainda mais deslocados na Alemanha dos anos 70.

No momento em que nascia o Partido Verde, eles celebravam a rede de autopistas com que Hitler havia desfigurado o campo.

Quando todo alemão pensante estava paranóico sobre as carteiras de identidade controladas pelo computador central da polícia, em Plenzdorf, eles estavam abraçando e festejando o mundo computadorizado.

Eram gestos radicais dentro da Alemanha, mas sem nenhum sentido fora dela.


O mundo, nos últimos 100 anos, mudou mais rápido e irreversivelmente do que em qualquer outro período da História.

A música no século 20 também sofreu esse processo de mudança.

Os instrumentos acústicos, que nos acompanham durante séculos, evocam associações com uma realidade que era relativamente estável.

No século passado, a progressiva substituição do mundo natural pelas criações do homem provocou rupturas na concepção da realidade, que passou a ser vista como “construção do homem”.

É interessante notar que os integrantes do Kraftwerk se consideram tanto músicos quanto técnicos – capazes, portanto de inventar e/ou alterar a realidade.

A simples eletrificação dos instrumentos produziu alterações radicais em nosso ambiente sonoro, mas a ruptura efetiva com o passado só foi ocorrer com o aparecimento do som eletrônico.

O Kraftwerk realizou essa ruptura no campo da música pop.

O quinto álbum da banda foi batizado de “Radio-Activy”.

A faixa-título começa com uma pulsação. Entra um coro celestial. Começa a melodia e declara-se que estamos num mundo transformado.

Nos intervalos da música, um código Morse.

As melodias e letras são simples e se repetem muito. Vão se insinuando na cabeça e ficam lá.

“Radioland”, com sua batida que lembra um ritual, liga esse novo mundo às nossas origens.

Cada faixa tem um papel e uma função acabada.

“Airwaves” é uma celebração de potencial, de parâmetros alargados. Tem um pique meio de rock, com efeito hilariante.

Do lado B, “Antenna” é uma amostra linda da originalidade dos sons produzidos por instrumentos eletrônicos, sons que derretem, arranham e viram do avesso, mil coisas que não caberiam na música até então.

“Radio Stars” é penetrante. Dois anéis de som, fora de sincronia, são revolvidos na mixagem e se repetem infinitamente. Duas vozes o acompanham. Uma é praticamente um zumbido. A outra declama em cima, fortemente distorcida e ligada a um recado.

O disco seguinte, “Trans-Europe Express”, de 1977, passa a influenciar outros artistas, como David Bowie e Afrika Bambaataa.

“The Man Machine” (1978) leva às últimas conseqüências a interação homem-máquina.


A partir desse álbum, eles suspendem as entrevistas e, para as sessões de fotos, passam a construir bonecos para posarem em seus lugares.

Quanto mais influentes eles se tornam, mais frios e distantes eles se apresentam.

Na década de 80, somente três discos seriam lançados: “Computer World” (1981), “Tour De France” (1983) e “Electric Cafe” (1986), quando param de se apresentar ao vivo.

Depois de cinco anos adaptando o Kling Klang à tecnologia digital, o grupo lançou “The Mix”, em 1991, com novas e sensacionais versões para clássicos como “The Robots”, “Pocket Calculator” e “Musique Non Stop”.

O primeiro show da banda desde 1986 rolou em 1997, no festival tecno inglês Tribal Gathering. Como sempre, no bis, saíram os humanos e entraram os robôs.

Em junho do mesmo ano, fizeram seu primeiro show americano em 17 anos. Em ambos, incluíram duas longas e sombrias canções, talvez material para o próximo disco de estúdio, que sai só eles sabem quando.

O Kraftwerk foi o primeiro grupo no contexto pop a tomar consciência do problema do “pós-moderno”, da contemporaneidade e o primeiro a descobrir a solução.

Das experiências de grupos como Human League (primeira formação) à técnica perfeita do Ultravox, do punch dançante do Information Society às brincadeiras inteligentes do Devo, tudo teve como ponto de partida as fórmulas deixadas pelo Kraftwerk.

Dezenas de bandas de funk eletrônicos usaram (e usam) a base das músicas do Kraftwerk para criar hip hops de rachar concreto.

Um dos segredos do som do grupo é que eles costumavam se infiltrar nas maiores companhias de computadores do planeta e estimular seus pesquisadores com o desafio criativo de conceber e adaptar equipamento especialmente para o Kraftwerk – aparelho em que, obviamente, ninguém mais podia pôr as mãos.

Seus ritmos e texturas únicos, combinados a melodias eternas que embalavam uma ideologia realmente radical, acabaram reaparecendo desmembrados e fora de contexto como tema recorrente em cada cenário hip hop dos negros americanos nos anos 80.

E quem, em sã consciência, poderia supor que um dia os gélidos robôs alemãs forneceriam munição para o som mais quente do planeta?


O certo é que a partir do acordes dissonantes ministrados com maestria pelo Kraftwerk surgiu o estilo chamado “noise”, um termo genérico para as bandas barulhentas que fazem uso de guitarras distorcidas e microfonia, e o “tecnopop”, muito mais comercial.

“Continuamos interessados em todos os campos de arte eletrônica, em vídeos, em filmes, em vozes sintéticas e instrumentos digitais”, disse o músico Ralf Hutter, durante uma das poucas entrevistas que já concedeu. “Fazemos isso numa perspectiva multicultural, algo que suplante barreiras culturais e de linguagem, algo que não esteja restrito ao tradicional universo da música”.

Apesar de sua importância, o Kraftwerk só esteve no centro das atenções da música pop nos anos 70, quando suas composições robóticas despertaram a curiosidade de um leque amplo de artistas, do grupo de vanguarda Fluxus (ao qual pertenciam John Cage e Yoko Ono) ao pop massivo de David Bowie, que ouvia “Autobahn” andando de carro pela Inglaterra e chegou a homenagear o grupo com a música “V2 Schneider”.

Filho de Paul Schneider, um dos mais famosos arquitetos alemães, Florian Schneider conheceu Ralf Hutter na Academia de Artes de Dusseldorf, em 1968, onde os dois estudavam música erudita.

Fortemente influenciados pelo disco “A Saucerful Of Secrets”, do Pink Floyd, eles criaram juntos a banda Organisation e chegaram a tentar uma carreira internacional com o grupo, mas não deu certo.

De volta a Dusseldorf, resolveram voltar-se para a especificidade alemã.

Vivendo no vale do Ruhr, cercados de indústrias pesadas, de carvão e substâncias químicas, influenciados ou dialogando com o som de bandas de som sintético como Can e Tangerine Dream e cercados pela tensão política entre as Alemanhas oriental e ocidental, eles chegaram à sua tese.

“Existem novas coisas no ar, coisas muito rápidas, elétricas”, disse Schneider certa feita. “O mais grave nessa história é que as palavras funcionam, atualmente, como barreiras em nossos cérebros, um software anestesiante com o qual somos alimentados por nossos pais, pelos sistemas educacionais e talvez seja necessário que alguém invente uma nova linguagem sintética”.


O Kraftwerk foi uma resposta para esse problema.

O “pop robótico”, que é como Hutter define o som do Kraftwerk, também foi fundamental no estabelecimento de um pop de origem branca e não anglo-saxônica no mundo musical.

Sua influência pode ser sentida no som de bandas como New Order, Pet Shop Boys, Prodigy, Goldie, Afrika Bambataa, Massive Attack, do cantor David Byrne e muitos outros.

Cantando inicialmente em alemão, o Kraftwerk impôs seu estilo e sua lenda.

Avessos a entrevistas e usando como anteparo visual figuras antropomórficas neo-mitológicas, misturando homens e robôs, eles passaram todos esses anos evitando o circo do show business.

Com o passar do tempo, colocaram “clones” no seu lugar para comunicar-se com o mundo, antecipando em muitos anos a ovelha Dolly.

O mais interessante para os fãs do Kraftwerk é que nos shows eles mostram toda a parafernália eletrônica do grupo, se apresentando com a versão portátil do estúdio Kling Klang e com vídeos dignos de festivais alternativos.


É parte da tradição kraftwerkiana: em 1979, quando eles apresentaram o espetáculo “The Man Machine” ao vivo, em Paris, Londres e Nova York, o grupo montou um dos mais elaborados espetáculos de luz e som do universo pop em todos os tempos.

Para quem não era nascido quando eles começaram a lançar seus primeiros discos e hoje tem a idéia de que foi o Prodigy que inventou a música eletrônica, há um aprendizado a ser feito.

“The Man Machine” pode ser o início, com os efeitos hoje canhestros do vocoder (um sintetizador vocal) utilizado em clássicos como “The Robots”.

“Autobahn” é indispensável, embora seja uma aula um tanto longa: a composição tem 22 minutos, narrando uma viagem num Volkswagen por 800 quilômetros de estrada cibernética.

E a ousadia pode ser conferida em “Trans-Europe Express”, na faixa “Franz Schubert”, o diálogo definitivo com a matriz erudita européia.

O Kraftwerk até hoje mantém a formação de quarteto, talvez por algum motivo quase religioso, porque não faz a mínima diferença: Schneider e Hutter são o Kraftwerk, e são as suas pesquisas incessantes que fornecem elementos para a elaboração sonora do grupo.

Um comentário:

Graziela Sousa disse...

eu amo as musicas dessa banda!!! é fora de serio! as musicas tem letras impressionantes, com a Radio-activity!
sempre me arrepio vendo o video deles em um show ao vivo!
pena que nunca irei poder ve-los!!
tomara que eles venham ao Brasil em 2012