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segunda-feira, julho 11, 2011

Aula 11 do Curso Intensivo de Rock: Robert Johnson


Entre os blueseiros de primeira linha, Robert Johnson merece destaque especial pela total subversão da linha melódica tradicional e pela sua postura ousada, cheia de simbolismo caótico, sexualidade à flor da pele, arrogância calculada e expressão cinicamente irada.

Ele era um garoto de vinte e um anos quando saiu de uma plantação de tabaco para tocar blues, gravou dois discos num quarto de hotel, e compôs os versos mais apaixonados e tristes e belos, tocou dobro (violão característico do blues acústico, com cordas obrigatoriamente de aço) como também ninguém ainda conseguiu tocar, amou muito, bebeu muito, trepou muito, e morreu assassinado aos vinte e sete anos, por causa de uma mulher apaixonada.

Por décadas a fio, músicos, estudiosos e curiosos em geral vêm tentando desencavar tudo que for possível sobre Johnson, nascido Robert Spencer, no Mississipi, em 1911, e morto em 1938, envenenado por um marido ciumento.

Ninguém sabe para onde ele foi durante um ano de sumiço, de onde voltou tocando violão como o diabo gosta.

Teria sido uma troca de favores com o coisa ruim? Não se sabe.

O mito de Robert Johnson é somente um adendo dentro de uma obra musical fundamental para a compreensão da música negra americana e da evolução do rock & roll.

Em vida, ele gravou somente 29 canções, lançadas alternadamente em discos de 78 rotações e em dois LPs: “the King Of delta Blues Singers Volume 1 & 2”.


Essas gravações não apenas apresentam-se como o único documento do talento de Johnson como se tornaram a base para a formação de sucessivas gerações de músicos de rock.

Imagine a seguinte cena.

Faz frio, é uma fria noite de novembro de 1936.

No quarto de um hotel de segunda categoria, em San Antonio, Texas, um garoto negro, alto, magro e elegante senta-se voltado para a parede, um enorme microfone à sua frente, o violão de aço National-Steel sobre o joelho.

Um fio corre pelo chão de madeira até o outro quartinho, onde, concentrados, atentos, maravilhados, dois homens brancos de meia-idade manipulam pesados gravadores de rolo.

Olhos fechados, o garoto toca – alguém na sala de controle comenta que não é possível: deve haver mais alguém com ele no quarto. Como é que estamos ouvindo acompanhamento e solo ao mesmo tempo?

Mais que isso – que tristeza, que tristeza infinita, que doçura angustiada nessas cordas.

O garoto canta, uma voz aguda e ligeiramente fanhosa, e a primeira impressão é de transe, trânsito, fuga, como capturar vento.

Depois, abre-se um universo escuro, um poço das mais absolutas paixões – cada blues é curto, curto, dois minutos e pouco, cantado como quem fugisse, cantado como quem perseguisse ou fosse perseguido.

Nem amor, nem desejo, nem desespero: um pouco de cada uma dessas emoções e mais alguma coisa que remonta à mais básica humanidade, fatalidade, destino, morte.

O garoto é Robert Johnson, 25 anos, nascido (presumivelmente) no vilarejo de Hazelhürst, Mississipi.


Os homens são o pesquisador John Hammond e o então diretor artístico da gravadora Columbia, Don Law.

O que eles estão gravando é a primeira parte do único registro da obra do virtual cristalizador do blues moderno.

Um ano depois, num “estúdio” improvisado no galpão de um prédio em Dallas, Texas, Hammond e Law fariam uma segunda sessão.

Quando, cinco meses depois, Hammond desceu de Nova York ao Sul em busca de Johnson para um grande concerto de blues programado para o Carnegie Hall, voltou apenas com a notícia: ele morrera em circunstâncias misteriosas, aos 27 anos, possivelmente assassinado por veneno, por alguma amante vingativa ou por algum marido ciumento.

Isso é blues, baby!

Os dois LPs obtidos dessas sessões são, até hoje, os mais importantes discos de blues que existem, álbuns de cabeceira de Eric Clapton, Jimmy Page, Jeff Beck, John Mayall, Pete Townshend, Ron Wood, Keith Richards, Mick Jagger, Elvis Costello, Nick Cave.

Neles estão blues gravados infinitas vezes por artistas contemporâneos – “Love In Vain”, “Crossroad Blues”, “Terraplane Blues”, “Me And The Devil Blues”, “Ramblin’on My Mind”, “Stop Breaking Down”.

Estão neles, também, dezenas de licks (fraseados solistas de guitarras) e riffs (série de compassos rítmicos), copiados nota a nota, milhares de vezes, por dúzias de músicos de blues, de jazz, de heavy metal, de rhythm’n’blues, de rock de todas as tendências.

E está nesses discos, sobretudo, uma das poesias mais intensas e ousadas da cultura popular internacional.


Clichê algum descreve a negra lira de Robert Johnson: não se trata de “lamento de raça”, não se trata de “hino da salvação”, não se trata de “lirismo popular”.

Trata-se de um mergulho sem amarras nos mais escuros desvãos da alma humana, lá onde mora o verdadeiro “devil” (“demônio”), o que comercia com as paixões, propõe negócios irremediáveis e não aceita tréguas.

Dominando diferentes linguagens e arrebentando o seu slide guitar com desencanados apelos rítmicos, frenéticos, fluentes e inventivos, Robert Johnson era uma espécie de vício sagrado, a própria hóstia negra no abismo de cada noite branca.

Garoto bonito, alto, charmoso, que gostava de boas roupas, lenços de seda e chapéus transados, ele gastava tudo o que ganhava em bebida, roupa e mulher.

É dele: “Quando eu morrer / Enterrem meu coração na beira da estrada / Pra minha alma pegar um ônibus/ E viajar, aaa, oooh, oooh,” o slide gemendo doce no braço da guitarra.

Havia uma lenda, já durante o tempo em que Johnson andava pelas quebradas, de que ele teria feito um “pacto com o diabo” em troca de seu notável talento com a música e sucesso com as mulheres.

Elas simplesmente se atiravam aos pés do negão, o que despertava a ira de muitos gigolôs.

Vista de outro ângulo, a lenda vive: era com seu mais íntimo diabo, aquele que o mundo branco das leis e das normas trata de suprimir, que ele dialogava em seus blues.

E em seus blues resume-se sua biografia.

Robert Johnson nasceu, amou, tocou, morreu.

No espaço de 27 anos.

Nos dois minutos e pouco de um blues.

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