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sexta-feira, julho 08, 2011

Aula 25 do Curso Intensivo de Rock: Rolling Stones (Parte 1)


Enquanto os Beatles seduziram o mundo pela via da inocência, com suas vozes angelicais e seus rostos de sacristãos, os Rolling Stones surgiram como uma nova horda de bárbaros do rock britânico.

Musicalmente, a linguagem da rebelião para a juventude inglesa no início dos anos 60 era o rock’n’roll de Elvis Presley, Chuck Berry e Little Richard, só que ainda havia uma parcela de jovens mais interessados no jazz tradicional e nos blues negros de raízes.

Agora tente imaginar Keith Richards novinho, por volta dos 15, 16 anos, sem aquela cara de “maracujá de gaveta” atual.

Você tem grandes chances de vislumbrar um garoto inglês tímido e franzino, que costumava arranhar uma guitarra e era absolutamente fissurado por rock’n’ roll e rhythm’n’blues americano no começo dos anos 60.

O moleque tornou-se amigo íntimo de um tal de Michael Phillip Jagger nos arredores de um colégio de Dartford (Inglaterra), onde ambos nasceram, em 1943.

Como reza a lenda, Mick Jagger - então um estudante de economia - encontrou Richards em um trem, com um monte de discos de Muddy Waters, John Lee Hooker, Chuck Berry, Little Richard e outros patronos do blues e do rock americano debaixo do braço.

Como o cara tocava guitarra e Jagger estava tentando ser vocalista de uma banda, a partir desse encontro os dois resolveram unir as forças.

Estava formada a segunda maior parceria da história do rock’n’roll, só aquém de John Lennon & Paul McCartney.

Uma noite, Mick e Keith foram a um clube de blues e ouviram um garoto louro estraçalhando uma slide guitar, tocando um blues de Elmore James como se fosse o próprio.


Era Brian Jones, que deixara o colégio para tocar sax e clarineta, trocara o jazz pelo blues e os sopros pela guitarra e que, aos 16 anos, já tinha três filhos ilegítimos com três mulheres diferentes.

Mick, Keith e Brian ficaram tão amigos que passaram a morar juntos num pequeno apartamento em Hammersmith.

Três jovens esfarrapados, de aparência suja e jeito de marginal – ninguém imaginaria que em dois anos eles seriam a nova sensação da música pop.

O baixo calão das letras, a linguagem metafórica, a sucessão inevitável de figuras rítmicas e a sensualidade latente que caracterizava o blues e seus derivados convenceram o trio de que nenhum outro idioma musical lhes permitiria exprimirem-se com tanta veracidade quanto o blues.

E para batizar o nome da banda que criaram, os três se inspiraram na letra de um velho blues de Muddy Waters, que diz: “rolling stones gather no moss” (“pedras que rolam não criam musgo”).

No imaginário do blues, era uma apologia do músico nômade, da vida na estrada, do típico mochileiro sem eira nem beira.


Em junho de 62, Brian Jones e Mick Jagger & The Rolling Stones (Keith Richards, Bill Wyman, Charlie Watts e o pianista Ian Stewart, que depois abandonaria a banda) faziam uma temporada no famoso clube londrino de rock, o Marquee, e começavam a atrair seu próprio público.

Tanto os Beatles como os Stones afastaram-se do estilo instrumental divulgado pelos Shadows, responsáveis pela popularização da guitarra elétrica e cuja gama de efeitos sonoros inscreviam no quadro de uma simples expressão instrumental.

Sem renegar totalmente as fontes de inspiração dos Shadows (o rockabilly americano), os Beatles conceberam uma forma de harmonização vocal completamente desbundada, introduzindo um elemento original na mesmice da música pop.

Quanto aos Stones, eles pareciam vir de um país completamente diferente dos Shadows.

Em vez de, como eles, fazerem um uso técnico-melódico da guitarra amplificada, lhe impuseram a função paravocal que existia originalmente na música negra.

A instrumentação que tinham adotado, semelhante à das blues bands de Chicago (guitarra solo, rítmica, baixo, harmônica, bateria e, ocasionalmente, órgão, piano e maracas) e o uso exacerbado da técnica do bottleneck (um tubo de aço enfiado num dedo da mão esquerda e que se faz deslizar ao longo do braço da guitarra para produzir uma vibração contínua), permitiram-lhes fazer experiências sonoras em que a guitarra funcionava como uma segunda voz.

O resultado era um ritmo desenfreado, fragmentado por breaks orquestrais, com a guitarra e a harmônica pontuando e estimulando o discurso vocal de Jagger, cujas entonações “cokney” (sotaque característico de certos bairros populares de Londres) levava a platéia ao delírio.

Aquilo não era música de brancos nem de negros, aquilo era uma completa sacanagem.

Começava o fenômeno da “devil music” (“música do demônio”) popularizada pelos Stones que lhes renderia fama, fortuna e uma sucessão de problemas.


Não inseridos no movimento rocker formado pelos seguidores dos Beatles, os Rolling Stones entraram em contato com o mundo dos discos pelo caminho dos pequenos clubes de blues de Londres e arredores.

O seu objetivo principal era divulgar o blues moderno, mas nada do que faziam parecia interessar às gravadoras: não faziam parte de nenhum dos estilos da música pop então na moda, visualmente tinham um aspecto inaceitável para os padrões vigentes e não eram sequer levados a sério pela corrente do jazz tradicional que tinha agitado o país algum tempo atrás.

O skiffle, versão sofrivelmente diluída do estilo New Orleans/Dixieland, tinham realmente certas relações com o blues tocado pelos Stones, na medida em que ambos buscavam o essencial de sua força em materiais estranhos à cultura da classe média branca, inspirando-se nos sons saídos diretamente dos guetos negros das grandes metrópoles americanas.

O diabo era o poder de insinuação das letras dos Stones, falando geralmente de sexo, que fazia com que cada palavra, cada artigo, cada vírgula, fossem esmiuçadas pelos guardiões da moral.

Pra complicar, o jogo de cena que Jagger fazia nos palcos como se fosse um velho sátiro faminto por sexo (e que faria o rebolado de Elvis Presley parecer o bailado de uma beata bem comportada) acelerou a fama de “terror das mães de família”, que a imprensa começou a divulgar.

No centro de tudo, a febre das drogas, que tomou conta do rock naqueles anos agitados.

Algumas pessoas se assustavam tanto com o visual meio “junkie” (“drogado”) dos Stones que eram levados à paranóia.

Por conta disso, os Stones sofreram várias batidas policiais, envolvendo principalmente Mick, Keith e Brian Jones.

Jagger e Richard chegaram a ser presos na penitenciária de Wormwood Strubs.

Uma noite, a casa de Keith Richard foi invadida por agentes federais e Marianne Faitfull, namorada de Jagger, que saía do banho enrolada numa toalha, deu o tom para que os jornais do dia seguinte saíssem falando de orgias demoníacas em suas manchetes de primeira página.

Muitos astros do rock, como os Beatles e o The Who, saíram em público denunciando um complô para fazer dos Stones o bode-expiatório em toda a questão das drogas.

De uma hora para outra, os Stones se transformaram nos bad boys, os meninos malvados e depravados que seduziam as garotinhas de família e desagregavam a sociedade britânica.

A intolerância em relação aos Stones era tão grande que até mesmo o conservador jornal londrino Times escreveu um editorial em favor deles, intitulado “Who brakes butterfly on a wheel?” (“Quem esmaga uma borboleta com um rolo compressor?”).

O primeiro single da banda, “Come On” (1963) era a versão de uma canção de Chuck Berry, talvez a maior influência da lendária guitarra “coaxante” de Keith Richards.

Além disso, o primeiro álbum do grupo era composto totalmente de covers de rhythm’n’blues e rock’n’roll americano, o que fez com que eles tivessem um enorme sucesso durante sua primeira excursão pelos Estados Unidos, principalmente em Chicago, onde chegaram a gravar.

Timidamente, os Stones passaram a trocar as interpretações de material alheio por composições próprias, criadas por Jagger e Richards.

No início, eles se escondiam sob a alcunha de Nanker Phelge para assinar as músicas, mas aos poucos foram se soltando e assumindo seus trabalhos.

As canções da dupla começaram a disparar nas paradas inglesas (“The Last Time” foi a primeira deles a atingir o topo em seu país natal) e americanas (“Tell Me” inaugurou a presença da banda na lista da Billboard, o que fez dos Stones ponta-de-lança da chamada “invasão britânica”).

Isso motivava viagens freqüentes para os Estados Unidos.

Em uma dessas excursões, em 1965, Keith Richards estava hospedado em um hotel na cidade de Clearwater (Flórida) e não conseguia dormir de jeito nenhum, porque estava entupido de anfetaminas.

Conformado, pegou a guitarra e começou a trabalhar em uma progressão melódica simples, com poucas notas, mas extremamente agressiva e pegajosa.

Assim foi criado “o maior riff de rock’n’roll da história depois de ‘Johny B. Goode’”, como escreveu certa vez o renomado crítico musical Davi Marsh.

Na manhã seguinte, o guitarrista mostrou a linha instrumental para Jagger, que começou a rabiscar uns versos. Logo “(I Can’t Get No) Satisfaction” – que seria apenas o título provisório da canção, por ser considerado anticomercial – estava pronta.

Na gravação, Richards plugou a guitarra a um pedal de distorção (que acabara de ser lançado no mercado), em um dos primeiros registros desse efeito em estúdio.

A letra tem tiradas brilhantes, ironizando a sociedade consumista sem ter abertamente teor político.

Como em “quando estou dirigindo meu carro / E o cara surge no rádio / Me falando mais e mais informações inúteis / Tentando incendiar minha imaginação”.

Ou no trecho em que ele diz que tal sujeito “Não pode ser homem / Pois ele não fuma o mesmo cigarro que eu”.

Além disso, os vocais rascantes de Jagger emprestam à música a dose exata de inconformismo.

Resultado: a canção foi o primeiro single dos Stones a chegar ao posto mais alto da Billboard, permanecendo lá por quatro semanas e repetindo a façanha na Inglaterra.

Tornou-se a música símbolo da banda e até hoje é repetida nos shows.

Curioso, pois certa vez Jagger declarou que não iria estar cantando coisas como “Satisfaction” aos 40 anos, o que já faz um bom tempo.

A música ganhou versões tão díspares quanto a soul de Otis Redding até a new wave eletrônica do Devo e se tornou um clássico indiscutível do rock.


Novamente com a palavra, Marsh: “Se Bob Dylan e Otis Redding tivessem escrito uma canção juntos, ela teria de competir com ‘(I Can’t Get No) Satisfaction’”.

Em 1966, saiu o pouco divulgado “Aftermath”, o primeiro álbum composto inteiramente por eles, estabelecendo definitivamente os Rolling Stones como uma banda de rock e não apenas de covers de R&B.

O disco foi obscurecido pelo “Revolver”, dos Beatles, e “Blonde On Blonde”, de Bob Dylan, editados na mesma época, mas agora o roll tinha dançado de vez.

Quando “Beggars’s Banquet”, considerado o melhor disco do grupo, saiu em 1968, Brian Jones estava com um problema sério de dependência de drogas (cocaína, anfetaminas e, principalmente, heroína), tendo sido internado num hospital após sobreviver milagrosamente a uma overdose.

Seu trabalho se deteriorava e, às vezes, ele ficava tão paranóico quando subia no palco que não conseguia tocar uma única nota.

Brian acabou deixando o grupo em junho de 1969, sendo substituído por Mick Taylor.

No mês seguinte, foi encontrado morto na piscina de sua casa.

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