Pesquisar este blog

sexta-feira, julho 08, 2011

Aula 26 do Curso Intensivo de Rock: Rolling Stones (Parte 2)


No início dos anos 70, os Rolling Stones já carregavam o título de “A Maior Banda de Rock’n’Roll do Mundo” como um peso-pesado que exibe seu cinto de campeão.

Não havia mais Beatles, não havia mais Jim Morrison, não havia mais Hendrix.

A única competição real era o rock operístico do Who e o então ascendente Led Zeppelin.

E, mesmo assim, ao vivo, os Stones eram imbatíveis – Jagger piruetando pelo palco, comandando um rugido-rock que era afiado e perigoso como o fio de uma navalha.

Em disco, passavam por seu melhor período, parindo clássico após clássico – de “Brown Sugar” a “Street Fighting Man”, de “Let It Bleed” a “Simpathy For The Devil”.

Embora a dama de negro tivesse levado Brian Jones – que, enamorado demais pelas possibilidades “místicas” das drogas, já se mostrava incapaz de produzir um décimo de seu input habitual na banda –, os Stones da virada dos anos 60 para 70 progrediam, artística e popularmente, como uam bola de neve.

Agora, sob o comando de Mick Jagger e Keith Richards, mais do que nunca os Stones mereciam o título de “A Maior”.

Com a entrada do lírico Mick Taylor no lugar de Brian Jones, os Stones saíam de uma trilogia de álbuns absolutamente brilhantes – “Beggar’s Banquet” (ainda com Brian), “Lei It Bleed” e “Sticky Fingers” –, mas enfrentavam um novo/velho problema: drogas.

Desta vez era Keith quem flertava com a morte, via heroína.

Escondera-se numa villa no sul da França, Nellcote, para poder injetar um pouco de sanidade em sua vida.

Mas sanidade era difícil de achar numa atmosfera rock e, ao invés dela, Keith acabou encontrando mais rock. E mais heroína.

Como Keith não saísse de Nellcote para coisa alguma, os Stones mudaram-se para lá para poder gravar seu novo disco, cujo título balançava entre “Eat It” e “Jungle Disease”.

Chamaram o saxofonista Bobby Keyes, o trompetista Jim Price e os tecladistas Nicky Hopkins, Billy Preston e Dr. John.

Ficaram trancados em Nellcote de julho a novembro de 1971.

Quando saíram de lá para Hollywood, onde complementaram e mixaram o disco, os Stones traziam nos braços material para preencher três álbuns.

Acabaram optando por um álbum duplo e por um terceiro título – “Exile On Main Street” – e ofereceram ao mundo o disco mais denso, mais pessoal, mais intrigante e mais controverso de sua carreira.

Quem ouviu “Exile” em 72 amou ou odiou o disco imediatamente.

A maioria odiou, reclamou de “falta de foco”, “mixagem lamacenta” e “encheção de lingüiça”. Erraram e acertaram.

Primeiro, porque tudo isso era intencional – a massa sonora de “Exile” só podia ser penetrada por facão.

Os vocais de Jagger foram enterrados mais do que de costume. Os agudos foram saturados.

E, segundo, porque a maioria das músicas era uma sucessão de Polaroids rocks – imagens de decadência, dor, perigo, desilusão. E de sobrevivência.

Acima de tudo, “Exile” era um retrato dos Stones no topo de sua forma – faixas como “Tumbling Dice”, “Rock Off”, “Soul Survivor” e “Rip This Joint” eram o testemunho de que, quando os Stones resolviam se reunir para fazer rock’n’roll, faziam “O Melhor Rock’n’Roll” do mundo.

Jagger explodia suas tripas em vocais insuperáveis até mesmo por ele.

Richards e Taylor trocavam riffs como guerrilheiros na selva.

Bill Wyman e Charlie Watts sedimentavam uma construção crazy com uma argamassa indestrutível.

Mais tarde, Mick Taylor deixaria a banda e seria substituido por Ron Wood, ex-Faces (a primeira banda de Rod Stewart, antes de seguir carreira-solo).

Após “Exile” tornou-se impossível reunir todos os Stones num mesmo estúdio, ao mesmo tempo. E os álbuns subseqüentes retratavam esse insidioso fracionamento.

Depois de “Exile”, salvo faixas excepcionais, como “Star Me Up”, “Angie” e “Undercover”, os Stones eram um arremedo dos Stones.

“Exile” era seu melhor testamento. E o derradeiro epitáfio.


Assim, quando duas décadas depois, no segundo semestre de 1994, os Rolling Stones lançaram o álbum “Voodoo lounge”, muita gente ficou ressabiada.

Mas já na faixa de abertura era possível escutar o andamento sensual da guitarra que tem sido a marca registrada dos Stones por 30 anos.

Mesmo o tema da canção “Love Is Strong” é o essencial e requintado flerte da banda.

Como canta Mick Jagger: “A glimpse of you is all it took / A stranger’s glance got me hooked” (“Foi preciso apenas um olhar seu / O olhar de uma estranha me fisgou”).

O ritmo galopante conduzido pela bateria também é rapidamente percebido nas duas faixas seguintes – ambas têm títulos com imagens convidativas e que chamam à ação, há muito estimados pela banda: “You Got Me Rocking” e “Sparks Will Fly”.

Não restavam dúvidas: os Stones – com quase duas dúzias de discos e o baixista Darryl Jones substituindo Bill Wyman – ainda faziam o som dos Stones melhor do que qualquer um.

Nada no álbum vai dar aos fãs que cresceram com a banda nos anos 60 e 70 o mesmo tipo de agitação emocional duradoura das velhas gravações, de “Satisfaction” a “Honky Tonk Women”, que definiram o lado renegado do rock temperado com blues.

Os Stones tampouco procuram competir com Pearl Jam ou Nine Inch Nails, tentando examinar a alienação e a raiva dos adolescentes dos dias de hoje.

Mas a introspecção social nunca foi o principal interesse ou arma da banda.

Desde os anos 60, o debate sobre se os Stones são realmente a maior banda de rock de todos os tempos dependeu muito de saber se as pessoas querem música como selo da ambição e da manifestação artística (The Beatles) ou apenas diversão, como no caso dos Stones.

Para os velhos fãs que optaram pelo último critério, a nova abordagem básica e direta do disco deverá despertar memórias dos dias clássicos da banda mais facilmente do que tudo o que os Stones fizeram desde “Tatoo You”, em 81.

Para o público atual da MTV, que pode ter uma imagem vaga da história dos Stones, o disco tem uma autenticidade blues-rock mais convidativa do que qualquer coisa que tenham realizado nos últimos anos as diversas bandas influenciadas pelos Stones, como Aerosmith, The Black Crowes ou Primal Scream.

Há ecos, na faixa “Out Of Tear”, da velha paixão dos Stones por canções de R&B, como “Time Is On My Side”, enquanto o sombreado da espineta de “Lady Jane” é saudado em “New Faces”, a história de uma mulher tentada por um jovem, o contrário da habitual obsessão masculina do rock.

O fio do olhar masculino acaba aflorando em “Brand New Car”, que apresenta um vocal malvado e lascivo de Jagger.

Na faixa com sabor country “The Worst”, Richards canta num tom sombrio e ameaçador que é igualmente instigante.

“Sweethearts Forever” sugere a inocência blues de uma era despreocupada, enquanto “Blinded My Rainbows” é uma reflexão sobre o terrorismo, o mais ambicioso momento do disco: “Do you ever touch the night? / Did you ever count the cost? / Do you hide away the fear? / Put down paradise as lost?”.

Na maior parte dos 62 minutos dessa viagem (suficientes para um álbum duplo nos velhos tempos do vinil), a banda soa mais confortável do que nos últimos anos.

É um sentido de vitalidade musical que esteve ausente em grande parte da produção dos Stones depois dos anos 70.

Todo superastro, de Michael Jackson a Prince (especialmente esses dois), chega a um ponto em que sua energia é menos direcionada para fazer uma música criadora do que para continuar faturando rios de dinheiro.

O propósito não é mais fazer música com objetivo ou sentimento, mas criar o que vai funcionar no mercado.

Através dos anos, os Stones foram culpados por lançarem álbuns que podem mais facilmente ser descritos como “produtos” do que como paixão.

Alguns puristas do rock chegaram a argumentar que a banda deveria ter jogado a toalha ainda em 1970, quando os Beatles acabaram.

Mas a história dos Stones despreza essa sugestão.

Três dos mais fortes trabalhos da banda foram produzidos nos anos 70: “Sticky Fingers”, “Some Girls” e o marco “Exile On Main Street”.

Mesmo que em alguns momentos de “Voodoo Lounge” a banda caia no previsível, entre seus limites há muito estabelecidos, o grupo mostra que ainda deseja e tem a habilidade de desarmar seu público de maneira às vezes sutis e surpreendentes.


Três anos depois, os Stones entortariam de novo a crítica com o maquiavélico CD “Bridges To Babylon”.

Para a maioria dos críticos, havia vários discos contidos naquele trabalho.

Como se estivessem fazendo um inventário dos estilos de música de origem negra mais populares depois dos anos 60, os astros aproximaram-se explicitamente – sem abandonar o rock feérico de sua marca registrada – de batidas dançantes, do reggae, do blues e dos spirituals.

As duas últimas faixas, cantadas por Keith Richards (e sem qualquer participação de Mick Jagger, que reina absoluto nas outras 11 músicas), são exemplares das duas últimas modalidades citadas.

O disco é bom como um disco dos Stones é sempre bom.

Começa com um rock furioso, com guitarras distorcidas à moda dos anos 60 (em verdade à moda que era moda antes dos Stones aparecerem) e parece ter sido composto especialmente para que Mick Jagger brilhe com ela em palcos.

Como “Bridges To Babylon” é um composto disco-turnê, não é improvável que isso tenha sido pensado.

Jagger canta a linha melódica da densa faixa seguinte, “Anybody Seen My Baby?”, num uníssono com o baixo. Um coro quase solene (e cordas sintetizadas) definem o refrão. Jagger cita alguns tiques vocais do beatle John Lennon.

“Already Over Me” lembra David Bowie. “Low Down” é um rock tipicamente stoniano, “Gunface” remete a Michael Jackson, no tônus picado, canto soluçado.

“You Don’t Have To Mean It” é reggae com metais cucarachos de anedota. Jagger canta como Bob Marley, ou Jimmy Cliff.

No baladão pesado “Out Of Control”, a linha percussiva remete às experiências de fusão latino-roqueira levadas a cabo por Carlos Santana, no fim dos anos 60.

A profana “Saint Of Me” não poderia ser mais Rolling Stones. Remete, pela temática e também por certas características melódicas e rítmicas, à grande obra profana deles mesmos, “Simpathy For The Devil”, sem a mesma pompa, entretanto.

Um pouco de batida de dança imiscui-se no pulso de “Might As Well Get Juiced” e “Always Suffering” faz lembrar Lou Reed, na música, no acompanhamento instrumental, na maneira de cantar e até na poética.

“Too Tight” é como um rock dos Stones do início de carreira, simples, direto, radical.

Ao final, Keith Richards abraça o blues com sua voz cava de fumante – curiosamente, faz lembrar Ray Charles, em algumas aberturas de frase melódica, e na utilização do coro de extração gospel – em “Thief In The Night” e “How Can I Stop”.

O título “Bridges To Babylon” refere-se à ponte que leva até Manhattan, coração de Nova York, apelidada Babilônia, Babylon, o que justificaria a diversidade (há outras citações e aproximações, de Bowie a Dylan e Prince e Tom Waits e muitos mais).

Nem precisaria, entretanto. Afinal, toda essa música a que chamamos rock’n’roll tem seu ponto de concentração e expansão nos Rolling Stones.

O disco é uma justa auto-homenagem.

Ou, como eles já disseram há muito tempo: “It’s only rock’n’roll, but I like it…”

Nenhum comentário: