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sexta-feira, setembro 09, 2011

Recordando os velhos tempos da Utam (Final)


Certa vez, na matéria de “Circuitos Elétricos”, ministrada por um professor e engenheiro da Embratel, Sebastião Peixoto atingiu os píncaros da glória.

O sujeito entrou na sala e começou a desenhar na lousa o circuito elétrico de um amplificador.

Levou meia hora para concluir a lambança, a despeito de estar tão somente copiando o desenho de um de seus livros “secretos”.

Aí, numa linguagem confusa, começou a mostrar o funcionamento do circuito amplificador sobre uma onda senoidal.

Levou uns 15 minutos explicando passo a passo o comportamento da onda diante de transformadores, diodos, resistores, capacitores cerâmicos, capacitores eletrolíticos, bobinas e transistores até mostrar como ela havia sido amplificada na saída do circuito.

Quando ele terminou sua explicação, o Peixoto levantou a mão, pedindo a palavra.

O professor concedeu.

– O senhor passou esse tempo todo falando merda! – disparou o abusado Peixoto.

Aí, se levantando da cadeira, foi até a lousa e apontou para o desenho:

– Esse fio aqui na entrada do circuito está em curto com esse outro, logo não tem onda senoidal nenhuma saindo do amplificador!

O professor ficou pálido.

O pior é que o Peixoto tinha razão.

Seguiu-se um duro bate boca entre os dois.

Peixoto deu um cheque mate:

– Se o senhor me garantir presença na sua disciplina, eu nunca mais assisto uma aula sua. Só entro na sala em dia de prova. Eu entendo dez vezes mais de circuitos elétricos do que o senhor. Vá enganar o caralho!

Pálido que nem um defunto, o professor teve que aceitar as condições impostas pelo abusado aluno.


A partir daquele dia, quando o professor entrava na sala de aula, o Peixoto ia embora e se refugiava na biblioteca.

Nas provas, ele não levava mais de 15 minutos para entregar as respostas.

Tirou dez nas três provas sem ter assistido uma única aula.

Era abusado, mas também era inteligente pra carálio.

Peixoto se sentava na primeira cadeira da primeira fila à esquerda, encostado na parede.

Atrás dele se sentava o Paulo Saraiva e atrás deste o Joãozinho.


O Engels se sentava na primeira cadeira da segunda fila, eu ficava atrás dele e o Melo Franco logo atrás de mim.

O Carlos Alberto se sentava na primeira cadeira da terceira fila, o Geraldo Nogueira atrás dele e o Pauderley atrás do Geraldo.

O Aldenir se sentava na primeira cadeira da quarta fila, o Reinildo atrás dele e o José Paulino atrás do Reinildo.

O Lean Cláudio se sentava na primeira cadeira da quinta fila, o Rui Palmeira atrás dele e o Cyro atrás do Rui.

A nossa turma monopolizava as três primeiras fileiras da sala na maior cara de pau.

Os demais alunos ficavam putos, mas não reclamavam.

Durante as provas, os professores militares liberavam livros e cadernos para consultas, mas proibiam qualquer tipo de “cola”.

O professor de Cálculo 1, o afável capitão Almir Paz de Lima, do ITA, tinha uma explicação lógica:

– No mundo real, vocês vão ter que saber buscar as respostas certas para os problemas e é isso que nós queremos ensinar. Encontrando a resposta certa no trabalho alheio, você pode até passar de ano, mas não terá nenhuma garantia de que vai poder consultar esse seu amigo no dia em que precisar, quando estiver às voltas com um problema concreto no ambiente de fábrica, por exemplo.

Paulo Saraiva, que nunca levou muito a sério essa conversa, era um dos poucos cachorros da nossa matilha que ainda se utilizava daquele baixo expediente de “colar” dos outros.

O Peixoto fazia sua prova com o corpo recurvado sobre o papel almaço.

Para “colar” dele, só tendo visão de raio xis.


Inspirado na atuação da possuída Linda Blair, no filme “O Exorcista”, o Paulo Saraiva desenvolveu uma técnica de girar a cabeça totalmente para trás, mantendo o corpo virado para a frente, para poder “colar” do Joãozinho, que nunca fez um único gesto para desestimular o “colão”.

Desconfio até que ele chegava mesmo a incentivá-lo, já que ficava a uma boa distância da sua própria prova.

Paulo Saraiva devia treinar em casa leitura com espelho, para conseguir “colar” de uma prova que, no seu campo visual, estava de cabeça pra baixo. Mas ele era bom na tarefa.

Naquela época, nos dias de prova, os professores davam uma única folha de papel almaço em branco, contendo o timbre Utam-Cetic e dois campos para serem preenchidos: o nome do aluno e o nome da disciplina.

A prova, normalmente apenas uma questão, era escrita na lousa.

Os cálculos deviam ser elaborados em cadernos para só então serem passados a limpo para o papel almaço, que devia conter apenas a resposta, sem o enunciado da pergunta.

No caso de alguém danificar o papel almaço timbrado, sua prova seria automaticamente anulada e ele ganharia zero.

Assim que terminavam de escrever o problema na lousa, os professores saíam de classe.

Alguns ficavam entrando e saindo da sala, a cada quinze minutos, tentando surpreender algum aluno “colão”.

Sujeito altamente meticuloso, Joãozinho era o único da turma que usava caneta grafite.

O resto da classe usava caneta esferográfica.


Numa prova de Física III, o professor colocou como problema a resolução de uma cabeluda oscilação eletromagnética a partir das equações de Maxwell.

Depois de consultar uns três livros diferentes, Joãozinho começou a escrever os cálculos na folha de papel almaço.

Paulo Saraiva começou a copiar.

Joãozinho encheu a primeira folha de equações de todos os tipos e continuou na segunda folha.

Paulo Saraiva fez o mesmo.

Joãozinho, cada vez mais empolgado com suas equações cabalísticas, encheu a terceira folha.

Paulo Saraiva fez o mesmo.

Joãozinho passou para a quarta folha, que também ficou inteiramente preenchida com equações de todos os tipos.

Com a competência de um copista monástico da Idade Média, Paulo Saraiva também havia conseguido transpor para a quarta página de sua prova aquela quantidade inenarrável de cálculos matemáticos.

Alegre que só mosca em tampa de xarope, Paulo Saraiva estava se preparando para entregar a prova quando Joãozinho consultou um quarto livro, olhou para a parte final da prova, aí sacou uma borracha do bolso e começou a apagar lentamente todos os cálculos efetuados, página por página, até o papel almaço ficar novamente em branco.

O desespero na cara do Paulo Saraiva quase me tirou do sério.

Primeiro, ele precisou encontrar entre os alunos uma borracha que apagasse tinta.

Encontrou uma daquelas bandas de asa, vermelha e azul.

A parte macia, vermelha, apaga grafite.

A parte dura, azul, apaga tinta, mas é preciso passar um pouco de cuspe.

Faltando apenas 15 minutos para terminar o horário de prova, Paulo Saraiva entregou-se ao meticuloso trabalho de apagar seus cálculos feitos com esferográfica tomando cuidado para não “furar” o papel almaço.

Foi salvo pelo Sebastião Peixoto que, penalizado, deixou que ele copiasse a resposta certa de sua própria prova – não mais que seis linhas de cálculos.

Nunca mais Paulo Saraiva quis colar do Joãozinho ou de qualquer outro aluno.

3 comentários:

Sebastião Peixoto disse...

Cara, quase me cago de rir, a Sonia não aguentou e saiu correndo...
Voce é um gigante tanto na memória quanto na criatividade, já que conseguiu contar flashs de verdade com sabedoria e muito humor, sem deixar de aumentar um ponto.
Obrigado por esse momento de alegria e distração.
Grande abraço do Tião.

Caio César disse...

Olá Simão,

Gostei muito do seu relato dos bons tempos da UTAM (hoje, UEA/EST) apenas uma dúvida: Joãozinho a quem você se refere é o João Batista? Se sim, é porque ele foi um dos meus professores de Eletrônica Digital no Instituto Federal (IFAM), uma honra.

caio césar disse...

Olá,
Gostei muito do relato...Assim como todos os textos escritos aqui no Blog...Uma dúvida: O Joãozinho a quem você se refere no relato seria João Batista? Se sim, porque ele foi um dos meus professores enquanto estudei no CEFET-AM, na matéria de Eletrônica Digital, um dos melhores. No mais, gostei muito gostaria até de mais relatos se fosse possível hehe...Obrigado pela atenção!

Att,
Caio César - Aluno de Engenharia Mecanica UEA/EST