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terça-feira, outubro 18, 2011

Biscoitos finos para as massas


O poeta curitibano Helio Leites continua sendo uma grata caixinha de surpresas.

Há alguns meses, para ser exato no Dia de Santo Antônio, ele escreveu uma carta a mão e me enviou, junto com seu novo livro, “Mínimos”.

A missiva dizia o seguinte:

Simão, querido compadre, recebi seu blog “feitiço do tempo” via carta por meio de Comadre Rita e, como sempre, fico feliz quando consigo recontatar uma pessoa amiga e especial como o Sr.

Recebi seus livros e, por falar em livros, aí vai mais um.

Não sou ativista, mas sou atirado, não por acaso sou tímido feito uma fimose, mas se for preciso arregaço.

O guarda da Câmara Municipal não queria deixar eu entrar na solenidade de homenagem do Carlos Careqa, só porque eu estava com o boné do Diógenes, o do barril, o pai da honestidade, só porque tem uma lamparina de verdade na aba.

Fez não com o dedo na altura da cintura pra ninguém notar, só eu.

Não aguentei e chamei o Careqa em tom de socorro.

O Careqa levantou e todo mundo olhou a nossa psicoluta.

Quando todo mundo olhou, ele fez com a mão sinal pra mim entrar.

Na hora nem lembrei do Diógenes, mas depois ficou tudo explicado: o pai da honestidade não pode entrar na Câmara Política por incompatibilidade moral.

Na página 6 do “Mínimo”, São Sebastião, tem uma curiosidade.

Ele se desenvolveu naquela viagem que fiz a Manaus, acho que é Igreja de São Sebastião aquela que falta uma torre.

Lá ganhei um livrinho com a história do Santo que trago até hoje, contando a história do Santo e seu sofrimento.



O escritor Domingos Pellegrini escreveu uma crônica intitulada “Hélio Leites, um gracioso demolidor de preconceitos”, que transcrevo em seguida:

Seu nome é de grande astro, Hélio, que em grego é sol.

Mas, superando preconceitos e desconcertando rotuladores, Hélio Leites tornou-se reconhecido como grande artista lidando com pequenices: botões, palitos, confetes, caixas de fósforos, alfinetes, recolhidos da rua e até do lixo.

Agora, o livro “Mínimos” preserva em fotos as delicadas obras de Hélio, permitindo visão ampla, em painel, e visão miúda, em detalhes, de sua arte única.

Cada uma de suas mini-esculturas é uma construção de molequice e ternura, e uma demolição de preconceitos, como se dizendo:

– Grande arte não precisa ser de grande tamanho! Não precisa ser de material “nobre”, não pode é ser pobre de espírito... e tudo que parece facilmente descartável, pode ser artisticamente reciclável.



Hélio chega, assim, à excelência do reciclável, transformando em arte o que seria lixo.

Palitos tornam-se asas, caixas de fósforos fazem-se palcos, uma lasca de vidro vira uma estrela.

Mas o melhor é que Hélio nem precisou morrer, como Leonilson, ou enlouquecer como Bispo do Rosário, para ver sua arte reconhecida pelas pessoas de mente e coração abertos.

Um crótico – um crítico escroto – tentou espinafrar Hélio num jornal, e eu defendi “com unhas e dentes”, como disse depois a ele, que disse apenas:

– Nem precisava os dentes, pra piolhos bastam as unhas...


Com seu fino humor, Hélio é também anarcartista, através de criações como a Associação Internacional de Colecionadores de Botão, ou seu clube dos assobiadores, ou seu desfile de mini-escolas de samba, assim satirizando com graça as grandezas institucionais.

Talvez seja melhor dizer que Hélio é anarco-minimalista, mas também esse conceito parece pífio para definir quem é mestre em desconceituar, quebrar fórmulas mentais, dessacralizar com graça o sagrado.


Ele terminou recentemente o curso de Artes, mas o certo mesmo é que passe a fazer parte do currículo, para ser estudado, se é que estudar Hélio não será uma forma de trair sua arte, em vez de apenas se engraçar com ela.


Pois bem, esta semana o Hélio me enviou pelo correio um espetacular livro do cartunista Solda, com dupla dedicatória: “Simão Pessoa, um grande abraço! Se não for divertido não tem graça. Solda.” e “Um grande abraço de novo, do Solda e do Helio Leites.”

Quer dizer, fiquei duplamente emocionado.


Luiz Solda é paulista de Itararé, onde nasceu em 1952, mas foi em Curitiba que iniciou sua carreira como cartunista.

Com passagens pelos principais jornais do Paraná, colaborou com O Pasquim, revista Bundas e o jornal A Raposa, entre outros.

Premiado em vários salões de humor do país, o cartunista lançou o livro “Solda”, prefaciado por Jaguar, com o apoio cultural do banco HSBC.

A obra traz um resumo de sua carreira, com cartuns de várias épocas.


Vejamos o que diz o cartunista Jaguar no seu prefácio:

Quem tem currículo tem medo; Solda não, é uma das poucas exceções.

Nasceu em 52, em Itararé, interior de São Paulo, onde, segundo o Barão do mesmo nome, travou-se a maior batalha que não houve da História.

Por razões ainda obscuras mudou-se com mala e cuia de chimarrão para a capital do Paraná quando tinha 13 anos.

Não esperou a maioridade para entrar em cena no primeiro teatro que lhe apareceu pela frente, onde fez de tudo: foi autor, ator, sonoplasta, músico, cenógrafo, faxineiro, bilheteiro e cartazista, tendo inventado o teatro do eu sozinho.

Mas como esqueceu de ser também espectador, foi à falência por falta de público.


A gente se conheceu em 74, no Primeiro Salão de Humor de Piracicaba, eu como jurado, ele como um dos concorrentes premiados.

Daí pra frente dedicou-se a atividades subversivas e anti-sociais, cartum, literatura e propaganda, não necessariamente nesta ordem.

Voltou em 92 ao seu torrão natal, para a mostra “100 anos de Itararé” e constatou que Aparício Torelly, o Barão de Itararé, estava certo: a tal famosa batalha não houve mesmo.

Na verdade o fato mais importante que aconteceu na cidade foi ele, Solda, ter nascido lá.

Voltou à base e só não se naturalizou curitibano para não magoar sua avó.


Sempre pensei que Solda era codinome e não sobrenome.

Só agora fiquei sabendo que se chama, na carteira de identidade, Luiz Antonio Solda.

“Solda”, ensina o dicionário, “significa ligar, unir com solda, por fusão parcial obtida por maçarico”.

Pois é, pensei que era a solda das múltiplas coisas que ele faz.

Seu cartum fatalmente teria que desaguar nas letras.

Ele é um cartunista de letras.


Nuvens de letras pairam sobre os calungas que desenha, jorram da telinha da tevê, se derramam dos chapéus, das gavetas, dos livros entreabertos, de todas as fendas, buracos e orifícios.

Seus textos são cáusticos e certeiros como o de outro grande cartunista que também escrevia primorosamente, o Fortuna.

São ao mesmo tempo absurdos e lógicos. E vice-versa.

E não me pergunte por que, leia o Solda que você vai saber do que estou falando.

Quer que eu mostre o pau depois de matar a cobra?

Segure este hai-kai: “é só entrar no banheiro / levar um choque no chuveiro/ e sair limpo/ pra se sujar o dia inteiro”.


Foi amigo e parceiro – de trabalho e mesa de bar – do maior poeta do Paraná, quiçá do Brasil, Paulo Leminski, invejado por todos os alcoólicos anônimos por ser notório.

Quando Leminski morreu de cirrose Solda parou de beber quando, muito pelo contrário, deveria estar bebendo em dobro, por ele e pelo Leminski.

Mas ainda pode se redimir.

Estou guardando o seu lugar na turma do funil.



NOTA DO EDITOR DO MOCÓ

O Solda mantem um site ducaraálio, chamado “Solda Cáustico”, que já está aí na minha lista de blogs favoritos. Curtam.

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