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sexta-feira, dezembro 30, 2011

Curso Intensivo de Black Music? No, thanks!


Via e-mail, o cangaceiro potiguar Ronilson Linhares, de Caicó (RN), me paga a seguinte sugesta:

Ilustre Simão Pessoa

Antes de mais nada, quero dizer que gostei muito do Curso Intensivo de Rock que você publicou no seu blog.

Foi uma verdadeira viagem musical através dos tempos.

Que tal você repetir a dose com um Curso Intensivo de Black Music?

Seus muitos fãs iriam curtir de montão, principalmente depois daquele show de bola que foi a postagem sobre o lendário Studio 54.

Fico no aguardo e lhe desejo um ano novo de muitas realizações!

MC Ronil Crazy Horse


NOTA DO EDITOR DO MOCÓ

Meu caríssimo Cavalo Louco, eu não sei se terei disponibilidade para a tarefa já que se a profecia maia vingar terá sido um esforço absolutamente inútil.

De qualquer forma, tentarei postar os textos do livro “Funk: a música que bate”, publicado em 1998, cujo prefácio transcrevo abaixo:

Nascido em 1956 e criado no bairro da Cachoeirinha, em Manaus, confesso que tive muita sorte de pertencer à geração que acompanhou, mesmo a distância, todas as mudanças que ocorreram no cenário musical do planeta.

Com cerca de dez anos, assisti ao filme “Os Reis Do Iê-Iê-Iê”, no Cine Ipiranga, e fui contagiado pela beatlemania.

Para gostar dos Rolling Stones, bastou ouvir “Satisfaction” pela primeira vez.

Em 1970, com 14 anos, terminando o ginásio no Colégio Batista Ida Nelson, me apaixonei pelo heavy metal de Led Zeppelin, Deep Purple e Black Sabath.

Continuo apaixonado por estas bandas até hoje.


Aos 17 anos, terminando o curso de Eletrotécnica na ETFA, era um compulsivo dançarino de funk, que havia descoberto na casa de um amigo do bairro, Luiz Lobão, através dos discos de James Brown, George Clinton e Sly Stone.

Aos 18, já fazendo Engenharia Eletrônica na UTAM, enlouqueci por uma música do Eric Clapton (“I Shot The Sheriff”), descobri o reggae e fiquei fissurado por um sujeito chamado Bob Marley.

Comprei quase todos os seus discos.

Um ano depois, era DJ residente de uma boate no bairro da Raiz (“Privé”), DJ regra-três da boate Danilo’s, na Silva Ramos, e frequentador ocasional da Boate dos Ingleses (“The In Crowd Club”, hoje “Turbo Seven Club”, ou simplesmente “TS”), que funciona há quarenta anos ali perto do Cais do Porto.

Acabei contaminado pela dance music de Donna Summer, Gloria Gaynor e Barry White.


Aos 20, morando com três malucos (Jaques Castro, César Abu e Rui Johnny Mathis), já gostava de música eletrônica (Kraftwerk, Roxy Music, Emerson, Lake & Palmer) e do glam rock de Kiss, Sweet e Slade.

Quando, em 77, os requebrados do John Travolta incendiaram as multidões no frenético filme “Os Embalos De Sábado À Noite”, aquela cena, pra mim, não era mais novidade.

Há pelo menos cinco anos, a nossa turma já fazia aquelas estrepolias, participando das extintas “brincadeiras” (as festinhas particulares da época) com uma coragem de pilotos kamikazes.

O ritual era sempre o mesmo.

A cachorrada (eu, Luiz Lobão, Renato Doido, Carlinhos, Gilmar, Louro, Kepelé, Gilson Cabocão, Betinho, Paulo César Dó, Heraldo Cacau, Airton Caju, Chico Porrada, Nonato Índio, Áureo Petita e Marcos Pombão) se reunia na tarde de sábado no Top Bar, do “seo” Aristides, e, depois de muita “meia de seda” (meia garrafa de cachaça, meia lata de leite condensado e meio pacote de ki-suco de groselha), analisava as opções.


Mais tarde, após selecionar alguns discos dançantes que levávamos a tiracolo, íamos batalhar o dinheiro da condução, da birita e do cigarro, nessa ordem de importância.

O que nós roubamos de cobre e alumínio dos quintais da vizinhança para vender no “Médico das Bonecas”, ali na Curva da Morte, daria para privatizar a Eletrobrás.

Voltávamos a nos reunir às oito da noite, para pegar o ônibus e sair em busca do Paraíso, que tanto podia estar no Cafundó de São Francisco como na longínqua (na época) Cohab-AM do Parque Dez.

Freqüentar esses locais ermos e pouco habitados, para nós, tinha a mesma sensação de aventura quanto caçar rinocerontes brancos em um safári africano.


Havia uma explicação lógica.

Éramos espadas-matadores da maior competência e, depois de termos esgotado todas as possibilidades femininas no nosso bairro, decidimos invadir as searas alheias.

Quando retornávamos pra casa, de madrugada, completamente bêbados (mas felizes), parecíamos os Warriors, aquela gangue do filme “Os Selvagens Da Noite”.

Bons tempos, zifio, bons tempos...


Com os três cachorros citados anteriormente, o buraco era mais embaixo.

Eu, Jaques e César trabalhávamos na Sharp (na época, a maior fábrica do Distrito Industrial, com cerca de 5 mil fêmeas disponíveis) e nosso único trabalho era rebocar meia dúzia de vadias, toda sexta-feira, para os embalos frenéticos no nosso “apertamento”, lá no bairro da Glória.

A ferveção era total porque o minúsculo apartamento estava localizado exatamente sobre o forno de uma padaria, nas proximidades do Matadouro Municipal.

Resultado: só dava pra dançar no nosso matadouro particular se todo mundo ficasse pelado, o que quase sempre acontecia.

A lembrança daquelas orgias faraônicas ainda me deixa completamente arrepiado.

Bons tempos, mainha, bons tempos...


Mas já que falei no continente africano, não custa lembrar que praticamente toda a MPP (Música Popular Planetária) tem um pé (às vezes os dois) na África, apesar do continente-mãe continuar vivendo à margem econômica de sua descendência cultural.

Mesmo que devotos das origens, como o jamaicano Peter Tosh, tenham pregado em versos como o de “African” que “não importa de onde você venha, se você é negro, é africano”, o real é que a música oriunda da matriz sempre recebeu um tratamento periférico das filiais onde se desenvolveu.

Com o funk (a música negra dançante por excelência) não foi diferente.

Este livro procura mapear como se deu a inserção do funk dentro da indústria fonográfica mundial e o seu desdobramento posterior, fragmentando-se em vários ritmos aparentados entre si, mas apreciados por pessoas de contextos sócio-econômicos extremamente diferenciados.


Do hip hop, que embalava os crioulos do South Bronx nova-iorquino ao big beat, que agita a juventude branca nas raves inglesas, passando pelo gangsta rap, o lado mais barra pesada do hip hop, até o guitar dance, que juntou guitarras elétricas a baterias eletrônicas, tudo foi abordado, contextualizado e passado a limpo.

A exemplo do livro “Rock: a música que toca”, de 1996, sobre a história do rock, os textos aqui presentes também são fruto de uma nova pirataria jornalística, desta vez vitaminada pelas novas tecnologias emergentes.

Explico melhor.

Além dos suplementos culturais dos jornais, das revistas especializadas, de livros importados e dos fanzines, também utilizei a Web como fonte de pesquisa, invadindo sites alheios e me apropriando de informações que julgava serem pertinentes ao tema.


Três anos foram consumidos na garimpagem e remasterização do presente material.

Espero que o esforço tenha valido a pena.

Dos jornalistas que tiveram seus textos sampleados na maior cara-de-pau, estes são os verdadeiros bichos da goiaba verde: Marcel Plasse, Pepe Escobar, Roberto Muggiati, Pedro Alexandre Sanches, Rui Castro, Erika Palomino, Guto Barra, Leandro Fortino, Marcelo Negromonte, Camilo Rocha, Paulo Vieira, Katia Zero, Marcelo Rezende, Patricia Decia, Silvio Essinger, Tom Leão, Antonio Carlos Miguel, Jamari França, Carlos Calado, Sérgio Martins, Celso Pucci, Rodrigo Brandão, José Augusto Lemos, Rogério de Campos, Andrea Estevam, Carlos Albuquerque, Greg Kot e Christopher John Farley.

Os textos estão dispostos em uma seqüência natural, o que facilita a percepção de como a música negra foi evoluindo ao longo do tempo.

Mas nada impede que você pule os textos que julgar desinteressantes e ir direto ao que lhe interessa.

No mais, boa viagem, “brothers and sisters”!

MC Simão Pessoa

quinta-feira, dezembro 29, 2011

Chegou a Turma do Funil...


Como manda a tradição, os filhos se reúnem na casa do velho Simão durante a ceia de Natal e no Solarium Eventos para curtir o réveillon.

Mas, conforme se sabe, as tradições existem para serem quebradas.

Este ano, pai Simão resolveu passar o Natal na Princesinha do Solimões, em companhia da família da Dulce, nossa madrasta.

Estive com o casal na noite da última sexta-feira, em Manacapuru, onde fui agraciado com um estiloso óculo de presente.

Conversamos sobre isso e aquilo outro e depois voltei pra Manaus.


Por decisão unânime, resolvemos celebrar o Natal na casa da Silane.

Como manda a tradição, a Silene e o Antonio Diniz não deram as caras mais uma vez e perderam outro regabofe memorável.

Na divisão das tarefas, as meninas (Simone, Silane e Selane) ficaram responsáveis pelo rango e capricharam: strogonoff de filé, pirarucu a baiana, vatapá, caruru, tender, pernil, arroz a grega, salpicão de frango e o diabo a quatro.

Eu e o Simas ficamos responsáveis pelas biritas e também não fizemos feio: três garrafas de uísque, seis garrafas de vinho tinto, dez caixas de cerveja em lata e 24 garrafas pet de refrigerantes de dois litros.


O time dos biriteiros, entretanto, sofreu um baque pela ausência do meu primo Cazuza e pela súbita conversão do meu sobrinho João Ricardo, que resolveu virar gay evangélico e se afastar do álcool.

Seu péssimo exemplo acabou sendo seguido por seu amigo de infância Raoni, que também virou gay evangélico.


Resultado: pra detonar os birinaites, sobraram apenas eu, o Careca Selvagem e meus primos Gigio Bandeira e Rubem Pessoa.


Selane, Rossicler e Rossinara bem que deram uma mãozinha, mandando ver nos vinhos.

Mas só conseguiram detonar quatro garrafas, antes de começarem a chamar jesus de genésio.


O Gigio correu do pau por volta da meia-noite, quando a gente estava na metade da segunda garrafa de uísque, disse que ia voltar por volta das 2h e sumiu no mundo.

Resultado: eu e Simas, em solidariedade ao Rubilota, resolvemos mudar para a cerveja em lata e a fuzarca só acabou quando o domingo amanheceu.

Eu passei o dia dormindo, mais morto do que vivo.


Não faço a menor ideia de como o Rubem foi pra casa – provavelmente em uma ambulância do Samu.

O Simas ainda foi visto no Bar do Manuel , em São Francisco, por volta das 18h de domingo, completamente alucinado.


Quando eu achava que o figueiredo ia ganhar uma folga, o Jaques Castro apareceu em casa, na noite de segunda-feira, para irmos a uma festa surpresa para a Ângela Castro, que estava aniversariando naquele dia.

Como presente de aniversário, ensinei ela a fazer perfis fakes no facebook para azucrinar a galera.

Dessa vez, o prato de sustentação era pato no tucupi, um santo remédio para fígados estropiados.


Limitei-me a encarar duas caixas de cerveja em lata e detonar uns dois quilos de camarão sete barbas no vapor de cerveja, feitos a partir de uma receita secreta da avó da Eliana.

Em compensação, Lourencinho e Nelson caíram de com força no pato no tucupi, não deixando pedra sobre pedra.


Lá pelas tantas, surgiu um carro volante na rua fazendo um escarcéu medonho, quase fazendo a Ângela enfartar.

Era o famoso serviço de “telemensagem de aniversário”, com queima de fogos de artifícios, balões coloridos, recados no estilo locução FM e o famoso “Parabéns pra você” em ritmo de pagode.


Coube ao Jaques Castro saudar a aniversariante em nome dos presentes, dando início a uma zoeira que só terminou de madrugada.

A Ângela, acompanhada da filha Bárbara, quase caiu no choro.


Curtam abaixo outras fotos da gandaia, cortesia do Mestre Pinheiro, nosso homem do tripé.











O fígado, claro, acusou o golpe, já que não tenho mais vinte anos.

Nesta quinta-feira, o publicitário Renato Pitanga já me intimou a ir com ele ao Bar Snoopy detonar umas ampolas de JW Red, tendo em vista que na sexta-feira ele volta pra Benjamin Constant.

E no sábado, além do primeiro esquenta da Banda do Caxuxa, no Bar do Jacó, na Cachoeirinha, ainda tenho que estar inteiro para o grande revéillon do Solarium Eventos.

Eita nós!

Maravilhas do Admirável Mundo Novo


Junho de 1971. Eu estava participando de uma “brincadeira” na casa do motoqueiro Alcides Hell Angel, na rua Maués, na Cachoeirinha, quando começou a tocar uma música fantástica, que eu nunca tinha ouvido antes.

Era uma espécie de soul proto-metal, porque tinha muito mais balanço que a soul music tradicional, mas não chegava a ser um funk.

Tirei para dançar uma garota chamada Elisângela, que morava na Cohab-Am da Raiz, e, talvez porque a música fosse mesmo muito bonita, começamos a namorar ouvindo aquela canção.

Quando a música terminou, perguntei do Alcides qual era o nome da banda.

– Three Dog Night! – avisou.

Eu também não conhecia a banda, mas como costumávamos intercambiar discos não me preocupei muito com o assunto.

Uns três meses depois, fui a casa do Alcides em busca do referido disco para gravar em fita K7.

Reviramos sua coleção inteira de compactos (mais de 800) e nem sombra da música.

Os acordes da canção, entretanto, continuavam na minha cabeça, assim como o sorriso cativante da Elisângela naquela noite em que a conheci.


Uns 20 anos depois, conversando com o saudoso DJ Ernesto Coelho, relembrei a história e tentei, na medida do possível, solfejar a música.

Escutamos uns três LPs do Three Dog Night que ele possuía, mas nem sombra da música.

Na medida em que eu ia me esquecendo dos acordes e do sorriso cativante da Elisângela, também aumentava a minha angústia por não reencontrar logo a tal música antes de ser traído pela memória.

Há dois anos, entrei no Pirate Bay e baixei todos os 10 discos do Three Dog Night, do período 1969-1976.

Passei um dia inteiro ouvindo faixa por faixa e nada.


Na manhã desta quarta-feira, quando me dirigia a Manacapuru em companhia da publicitária Cinthia Jimenez, escutei o finalzinho da música tocando no rádio de sua pick-up S10.

Aquilo devia ser alguma brincadeira do Papai Noel.

– Que emissora é essa? – indaguei.

– A Tiradentes FM! – devolveu a Cinthia.

Conferi o horário: 7h30.

No começo da tarde, liguei para o Ricardo, filho do publicitário Renato Pitanga, que trabalha na emissora do Ronaldo Tiradentes.

– Bicho, me manda a programação musical que rolou essa manhã, entre 7 e 8h, que preciso localizar uma música.

Em dez minutos, Ricardo me enviou por e-mail um arquivo jpeg com a programação da rádio no horário solicitado.

Bastou eu colocar os olhos na programação para identificar a música: “Everything You’ll Ever Need”, do Swamp Dogg.


Mais cinco minutos de busca no Google, e eu baixava o disco “Total Destruction To Your Mind” (1970), em que a “perseguida” ocupa a 10ª faixa.

O Alcides ter confundido o Swamp Dogg com o Three Dog Night me provocou 40 anos de angústia existencial.

Que motoqueiro filho da puta!

Mas Elisângela, prenda minha, essa música vai pra você, onde e com quem estiver:

domingo, dezembro 25, 2011

Notícias de Milão


Via e-mail, o designer Marcus Vinicius Pessoa me mandou esse pequeno bilhete, que reparto com vosmecês:

Gostaria de desejar a todos um Feliz Natal com muita paz em nossos corações e dizer que sou muito feliz e que muito me orgulho por pertencer a esta família chamada Pessoa!

E por aqui está tudo bem.

Ontem foi bem corrido, pois tive que ir buscar a Juliana no aeroporto, trazê-la pra casa, e depois fomos à casa de uma minha amiga brasileira para comemorarmos o natal com outros amigos brasileiros e estrangeiros.

Desejo a todos nós um Natal de muita paz, muita luz e muita saúde!

Beijos, abraços e bença, pai!



NOTA DO EDITOR DO MOCÓ:

Não sei se isso é desvio de personalidade exclusivo dos caçulas, mas o Marcus Vinicius é o único filho que ainda me pede benção, inclusive por e-mail.

Acho que o moleque está precisando conversar urgentemente com um analista lacaniano, já que um pouco de “lacanagens” na sua vida não faria mal.

E a minha nora Juliana bem que poderia dar uma forcinha...

Feliz Natal, cachorrada!


Para os queridos frequentadores do mocó, um Natal de muita abundância, traduzido em paz, saúde e prosperidade.


E, depois do dia 31, que venha a profecia maia!

sábado, dezembro 24, 2011

Na farra com o Ivan Chibata (1)


Abril de 1986. Durante uma cachaçada no Bar Popeye, na estrada dos Franceses, o bicheiro Ivan Chibata conheceu o violonista Dino Sarará.

Foi amor a primeira vista.

O exímio violonista conhecia todo tipo de música de seresta.

Ivan Chibata queria ser um novo seresteiro.

O bicheiro contratou o violonista a peso de ouro para acompanhá-lo em suas noitadas de boemia pelos bares da cidade.

O violonista, entretanto, era manhoso: quando queria encerrar a esbórnia, ele dava uma lapingochada tão violenta no violão que, invariavelmente, quebrava uma das cordas.

Fingindo consternação, ele dava o bote final:

– Olha, Ivan, você me desculpa, mas não sei tocar violão faltando uma das cordas...

Aí, chamava um táxi e se mandava.

Nas duas primeiras vezes em que aconteceu a presepada, o bicheiro, claro, ficou puto.

A noite estava apenas começando.

Na terceira vez, quando o violinista se preparava para ir embora, o bicheiro puxou da cintura um Colt 44 com cabo de madrepérola, apontou pra cabeça do sujeito e pediu pra ele ficar na mesa.

Aí, chamou Vladimir Teixeira, o “Brother”, seu secretário informal, lhe entregou a chave do carro e cantou a pedra:

– Me traz aquele presente que comprei pro Dino!

Brother voltou com uma caixa de papelão.

Dentro da caixa, 100 jogos de cordas pra violão, 50 de cordas de aço, 50 de cordas de nylon.

A caixa foi colocada em cima da mesa.

– Dino, meu filho, você pode quebrar quantas cordas quiser que agora nós temos peças de reposição! – avisou Ivan Chibata, em tom paternal, com o revólver ainda apontado pra cabeça do violonista. “Eu sei que a mudança de corda vai modificar a afinação original, mas você pode afinar em ré, em mi, em sol, pode afinar na puta que pariu, que eu não estou nem aí. A única coisa que você não pode fazer, meu filho, é se levantar da mesa e ir embora. Você está sendo pago pra me acompanhar, entendeu?...”

Nervosíssimo, o violonista assentiu com a cabeça e começou a trocar a corda arrebentada do violão.

Passou 48 horas seguidas tocando para o bicheiro pelos botecos da cidade, sem quebrar uma única corda.

Na farra com o Ivan Chibata (2)


Julho de 1986. O violonista Dino Sarará estava acompanhando o bicheiro Ivan Chibata em mais uma maratona etílica pelos bares da cidade.

Tocando há 12 horas sem parar, seus dedos já estavam começando a minar sangue.

Assim que Dino Sarará encerrou a canção “O mundo é um moinho”, do Cartola (Ivan Chibata no vocal, claro), ele descansou o violão no colo e, olhando sério para o bicheiro, avisou:

– Chefia, eu só vou continuar tocando aqui contigo depois que fumar um charo! Eu tô fissurado por um charo! E se a fissura não passar, eu não acerto tocar uma nota! Se você não fizer uma presença, eu vou embora pra casa agora mesmo!

Ivan Chibata nem se aperreou.

Chamou Vladimir Teixeira, o “Brother”, seu secretário informal, lhe entregou a chave do carro, uma pacoteira de dinheiro e cantou a pedra:

– Vai numa boca de fumo e compra cinco charos pra esse vagabundo!

Brother voltou meia hora depois, de mãos abanando.

Estava faltando maconha na cidade por causa de uma blitz devastadora feita pela Polícia Civil no início da semana.

Metade dos traficantes estavam presos, a outra metade tinha fugido pro interior.

Não havia jererê nas bocas de fumo nem pra fazer remédio pra asma.

Ivan Chibata nem se aperreou.

Pegou a chave do carro, colocou o violonista dentro e se mandou para a Delegacia de Polícia Civil (1ª DP), que funcionava nas imediações do restaurante Gato Preto, na Cachoeirinha.

Lá chegando, ele foi conversar com o delegado plantonista, que estava lendo um livro da Agatha Christie:

– Meu querido, esse rapaz aqui é o meu violonista, o Dino Sarará, um músico da melhor qualidade! – explicou o bicheiro ao delegado. “Ocorre que esse cidadão, coitado, é dependente químico e está passando por uma crise de abstinência porque vocês aprenderam toda a maconha da cidade. Ele está tão fissurado, coitado, que pode sofrer um piripaque a qualquer momento e bater as botas. Será que vocês não podiam quebrar o galho dele?...

Sem se levantar da mesa, o delegado chamou um policial:

– Ô Zé Elias! Vai lá dentro, pega um daqueles pacotes de maconha que a gente confiscou ontem, na rua 13, e entrega aqui pro Ivan!

Dito isso, voltou a se concentrar na leitura do livro.

Ivan Chibata recebeu o pacote de 5kg de maconha prensada do tipo “manga rosa” legítima, importada do Maranhão, agradeceu rapidamente, colocou o violonista no carro e os dois voltaram para o bar.

A pacoteira foi colocada em cima da mesa.

O bicheiro tirou da cintura seu Colt 44 com cabo de madrepérola e colocou ao lado da pacoteira.

Aí, em tom paternal, ele deu a dica pro violonista:

– Dino, meu filho, você pode fumar quantos charos quiser, que a firma aguenta! Eu sei que você vai ficar muito doido, vai errar o andamento das músicas, vai esquecer as harmonias, vai fazer merda pra caralho, mas eu não estou nem aí. A única coisa que você não pode fazer, meu filho, é se levantar da mesa e ir embora. Você está sendo pago pra me acompanhar, entendeu?...

Nervosíssimo, o violonista assentiu com a cabeça, pediu licença e começou a enrolar um baseado.

Passou 72 horas seguidas tocando para o bicheiro pelos botecos da cidade, completamente chapado.

Mas não deu um pio.

sexta-feira, dezembro 23, 2011

Causos de Bambas: Odivaldo Guerra


Apesar de ter nascido numa família humilde da Cachoeirinha, o playboy Odivaldo Guerra sempre viveu enturmado com as elites de Manaus.

Seus points favoritos eram a boate Moranguinho, do Ideal Clube, as manhãs de sol no Parque Aquático do Rio Negro e a quadra de tênis do Bosque Clube.

Vaidoso ao extremo e sempre preocupado com a aparência, Guerra, como era mais conhecido, seria uma espécie de metrossexual precoce dos anos 70.

O termo metrossexual foi usado pela primeira vez em 1994 pelo escritor gay Mark Simpson, no artigo “Lá vêm os homens do espelho”, publicado pelo jornal britânico The Independente.

Passou anos na gaveta para ganhar força total nos últimos anos. Os metrossexuais leem Vanity Fair, usam roupas de grife, discutem as novidades da linha masculina da Clinique e são capazes de fazer um ranking com os cinco melhores “day spas” de qualquer capital europeia em questão de segundos.

Segundo uma pesquisa, que ouviu 519 britânicos e o mesmo número de norte-americanos, 49% deles acham perfeitamente normal um homem fazer limpeza de pele e manicure e 39% aprovam a cirurgia plástica.


O representante supremo é o jogador de futebol britânico David Beckham, ex-Real Madrid, que pinta as unhas, muda o corte e a cor do cabelo como quem troca de camisa no final do jogo, gasta milhares de libras com produtos de beleza e confessou já ter usado algumas vezes as calcinhas da mulher, a ex-Spice Girl Victoria.

Seu equivalente norte-americano é o ator Brad Pitt, casado com a também atriz Angelina Jolie, que planeja por semanas a posição exata de cada fio de seu cabelo “despenteado” e é um dos maiores salários do cinema.

Bom, mas se o Guerra não era nenhum Brad Pitt em termos de beleza nem um David Beckham em termos de futebol, ainda assim era um exímio conquistador de mulheres.


Basta dizer que ele namorou com sete Miss Amazonas e com uma das três únicas adolescentes que conquistaram o título de “ Garota Acácia Dourada” de Manaus, um badalado evento promovido pelo Rotary Club.

Exigência para participar do concurso: ser loura natural, ter a pele branca e os olhos claros (verdes ou azuis).

Odivaldo Guerra e seu Maverick cupê, que, eventualmente, funcionava como motel sobre rodas, eram figurinhas carimbadas entre as popozudas “the in crowd”, as fêmeas que estavam por dentro das coisas, as gostosonas que contavam ponto na carreira de um disciplinado abatedor de lebres.

Numa dessas ocasiões, depois de ter finalizado uma lebre no carro logo após o Baile de Gala do Rio Negro, ele foi se encontrar com o resto da turma no restaurante Canto do Galeto, muito famoso entre os notívagos porque vendia uma excelente sopa de mocotó.

Segundo os frequentadores habituais do point, a tal sopa era capaz de cortar uma ressaca na hora – mesmo se o sujeito tivesse passado a noite praticando karatê boliviano.


Trajando um elegante smoking e ainda com um vidro de lança-perfume na mão, Guerra mal entrou no recinto já foi sendo saudado com palavrões pelos presentes e cercado pelos garçons, que tentavam impedir sua entrada no restaurante, cuja placa “ambiente familiar” estava sendo ultrajada pelo garanhão baré.

Depois de vê-lo distribuir e levar sopapos dos garçons (Guerra também era praticante de judô), Sérgio Litaiff partiu em socorro do amigo:

– Porra, Guerra, o que está havendo? Você só está com a parte superior do smoking. Onde foi que você deixou sua calça?...

Só então o playboy se deu conta da agressividade dos presentes.

Ele estava pelado da cintura pra baixo.

Foi um vexame.

Nem seus comoventes pedidos de desculpas sensibilizaram Cavalcante, o dono do restaurante.

Guerra passou dois anos sem poder colocar os pés no lugar.

Causos de Bambas: Kid Mahal


O rabugento Jamelão estava em Manaus para fazer um show no clube Nostalgia.

Para aproveitar a manhã de sábado, seus cicerones o convenceram a dar uma entrevista no programa da jornalista Baby Rizzato, um dos mais prestigiados e de maior audiência naquele horário na cidade.

Por volta do meio-dia, eles chegaram ao estúdio da TV A Crítica.

O produtor do programa, Kid Mahal, falou que a pauta já estava completa e que não tinha brecha para o mangueirense ser entrevistado.

A pauta era uma senhora ensinando a fazer flores com papel machê e um poeta de Alvarães falando sobre seu primeiro livro, custeado pela prefeitura do município.

– Porra, Kid Mahal, mas é o Jamelão, o maior sambista vivo de nossa história. Vai ser uma honra pra Baby entrevistar ele... –, explicaram os cicerones do cantor.


Kid Mahal, que é da geração que acha que o samba começou com os grupos Karametade e Molejão, nem deu bola.

Ele se comunicou pelo “ponto” com a apresentadora, que devolveu a bola pra ele.

O produtor foi enfático: se quisesse mesmo ser entrevistado pela Baby Rizzato o cantor deveria ter marcado a pauta uma semana antes, igual a todo mundo.

Não havia exceções.


Mais enfezado do que de costume, Jamelão ouvia aquela discussão inútil sem mover um músculo do rosto.

Os radialistas Walter Yalas e Carlos Caldas, da rádio A Crítica, fãs confessos do cantor, que iam passando casualmente pelo corredor da emissora, nem pensaram duas vezes: arrastaram Jamelão para o estúdio da rádio, entraram no meio do noticiário que estava rolando e conversaram quinze minutos com o sambista.

Saíram do estúdio de alma lavada.

Quando Baby Rizzato soube do ocorrido, quis pedir desculpas a Jamelão.

Até então, ela só sabia que “um sambista das antigas” estava querendo participar do seu programa porque tinha sido aquilo que Kid Mahal havia falado pelo “ponto”.

Jamelão estava irredutível:

– Me leva embora, porra, que eu não quero mais nem ouvir falar no nome dessa mulher...

Tratado a leite de pato onde quer que desse as caras, o grande Jamelão foi barrado no baile pelo internacionalmente conhecido Kid Mahal. Pode?

Causos de Bambas: José Lewgoy


Abril de 1963. José Lewgoy estava em Roma, na boutique Battistone, na via Condotti, quando entra luminosa, esfuziante, Elizabeth Taylor, que na época fazia o maior sucesso na Itália, filmando “Cleópatra”.

Ela – a própria glória – pega tudo, examina tudo, compra tudo, não repara em ninguém, só enxerga a si mesma, refletida nos espelhos, nos olhares, nos desejos, nos desígnios.

Lá fora, ofuscadas, pessoas se juntam para vê-la, admirá-la e, se possível, garimpar-lhe um pé de galinha.

Negligenciado pela rainha e pela corte de vendedoras, José Lewgoy se retira do recinto.

Ao sair, topa com uma retardatária, nervosíssima, morta de curiosidade:

– Quem está aí? Quem está aí? – pergunta aflita.

– Elizabeth Taylor – responde o ator. “E José Lewgoy”.

Causos de Bambas: Chico da Silva


O radialista Jurandir Vieira estava entrevistando o compositor Chico da Silva em seu programa na rádio Difusora e iniciou a rasgação de seda:

– Esse aqui todo mundo conhece. Além de meu amigo particular, Chico da Silva já foi um dos campeões de audiência do “Fantástico”, da rede Globo, já foi o maior compositor de jingles políticos de Manaus, já foi jogador de futebol profissional, já foi compositor da Alcione, já foi parceiro do Noca da Portela, já foi compositor do bumbá Caprichoso, já foi compositor do bumbá Garantido, já foi membro do Clube do Samba, já foi...

Tomando o microfone do radialista, Chico da Silva reagiu indignado:

– Porra, compadre, me enterra logo! Me manda logo pro cemitério São João Batista, porque pelo jeito esse seu amigo aqui já morreu e não sabe! Já foi, já foi, já foi... Já foi, um caralho!... Eu sou, porra, eu sou!!!

Jurandir Vieira não sabia onde esconder a cara.