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sábado, janeiro 29, 2011

Neuber Uchoa e Zeca Preto no restaurante Adega de Pedra


Quem me tirou da cama nesta manhã de sábado, via o impertinente e invasivo celular, foi o cantor e compositor Célio Cruz. Ainda bem que era uma boa notícia.

Negócio seguinte. Os nossos brothers roraimenses Neuber Uchoa e Zeca Preto estão na cidade para fazer uma única apresentação, que rola neste sábado, a partir das 22h, no restaurante Adega de Pedra (Av. do Turismo, ao lado do restaurante El Toro Loco, do Ury Bordin).

No ano passado, a dupla voltou a se reencontrar depois de um hiato de quase dez anos - Neuber Uchoa estava morando no Rio de Janeiro, enquanto Zeca Preto continuou em Boa Vista, administrando o Centro Cultural Antonio Ferreira de Souza – e resolveu lançar um novo disco intitulado "A Nata Musical de Zeca Preto e Neuber Uchôa".

"A gente realizou um antigo pedido dos fãs e fez um disco com aquilo que todos pediam nas rádios", diz Zeca Preto.

Músicas como Roraimeira e Cruviana estão no repertório. O disco, claro, vai estar à venda na Adega de Pedra.

E o cantor e compositor Célio Cruz, cicerone da dupla na terra de Ajuricaba, também vai fazer uma pequena participação no show. Imperdível.

Neuber Uchoa aprendendo a ser pop


Gilvan Costa

O estilo é diferente, mas a batida é inconfundível. Em seu mais novo trabalho, o roraimense Neuber Uchôa envereda por novos caminhos musicais, “pero sin perder las orígenes jamás”.

Em “Eu preciso aprender a ser pop”, Neuber aposta numa linguagem universal, fugindo do estereótipo amazônico que sempre permeou suas letras e melodias.

O CD de linguagem universal, conta Neuber, é fruto de seu trabalho nos últimos anos vividos no Rio de Janeiro, em que se dispôs a ouvir muita música para poder também fazer MPB e entrar nesse mercado.

“Isso é resultado desse tempo, que me colocou de maneira mais universal, junto com todas as tribos, já que o Rio é uma coisa mais ou menos assim, uma esquina do mundo”, afirma.

Para ele, essa nova fase procura traduzir esse novo tempo, onde o elemento regional se funde ao beat universal, de forma a ser compreendido em Tóquio ou Paris, tanto quanto em Buritis (bairro de Boa Vista)”, explica.

Sobre o título do CD, Neuber diz que a frase surgiu no meio de uma discussão, logo que ele chegou no Rio de Janeiro, “como uma maneira de me auto-justificar que eu tenho de aprender a ouvir, que eu tenho que ser mais popular”.

Pop ai, segundo Neuber, é no sentido de ter mais atitude, ter algo mais além de talento. “Ser popular é isso também, é te colocar à disposição do público que tu queres atingir. No meu caso é fácil porque eu sou um poeta popular. Eu procuro traduzir o sentimento desse povo que eu represento. A minha maior batalha é essa, ser compreendido pelo meu povo, de uma maneira fácil, singular”.

A frase também remete a uma música famosa da MPB que é “Eu preciso aprender a ser só”, de Marcos e Paulo Sérgio Valle, lembra o artista.

O trabalho de capa do CD também foi feliz. O designer Ed Andrade Júnior se inspirou num célebre trabalho de Andy Warhol, o norte-americano que criou a arte pop. E a foto de Neuber é embasada num dos quadros mais famosos dele que é a atriz Marilyn Monroe com fundo de várias cores, que dão essa tonalidade à obra.

“Pelo pouco que eu tenho visto o disco está tendo uma aceitação legal, porque está sendo visto como um trabalho popular, que se mistura às demais músicas que tocam nesse universo pop”, comemora.

Raízes regionalistas


Neuber Uchôa nasceu em Boa Vista, capital de Roraima e, ainda criança, começou a cantar em programas de auditório. Na adolescência, descobre o violão e passa a compor as primeiras canções, mas somente aos 21 anos de idade, em 1980, nasce a música que seria um dos seus maiores hits: Ave, 3º lugar no I Festival de MPB de Roraima. A canção foi gravada cinco anos depois, num compacto simples, produzido em junho daquele ano no Rio de Janeiro.

Daí em diante, shows e discos são produzidos pelo artista que, juntamente com Eliakin Rufino e Zeca Preto formam a “Regionalíssima Trindade” do movimento cultural Roraimeira, que se propõe a traduzir Roraima em sua estética artística e cultural.

Dessa fase regionalista, destaque para as músicas Cruviana, Nossa Bossa, além de Makunaimando (parceria com Zeca Preto), verdadeiros hinos de Roraima.

Outro momento marcante foi a produção do programa Roraimeira na TV, dirigido e apresentado pelo grupo em 1992, na TVE (TV Educativa) e reapresentado em rede nacional naquele mesmo ano, além dos espetáculos realizados na cidade do Rio de Janeiro, durante o projeto “Cantorias Amazônicas”, no CCBB, em janeiro e fevereiro de 2000.

Destacam-se ainda os discos e shows produzidos em parceria com Zeca Preto, entre os quais uma pequena turnê pelo Norte e Distrito Federal, além de shows na Suíça e Venezuela.

Já nessa fase pós-regionalista, vale lembrar as apresentações no Centro Cultural Carioca e na Lona Cultural de Campo Grande, ambas no Rio de Janeiro, durante o lançamento do CD Muito Prazer (2002). Na mesma época, Neuber divide o palco do Olímpia com Sandra de Sá e Elba Ramalho, entre outros, no show de 85 anos do Retiro dos Artistas. Também fez shows em Niteroi e Cabo Frio, no Rio de Janeiro.

Ouvindo e compondo muito, Neuber acumulou repertório e experiência que se somaram ao swingue forjado na mistura de ritmos afro-latinos com a brasilidade amazônica, nascendo daí uma batida própria.

Discografia

Compacto simples AVE – solo (RJ-1985)
LP Caimbé – parceria com Zeca Preto (RJ-1988)
LP Roraima – parceria com Zeca Preto e Eliakin Rufino (PA-1992)
CD Makunaimeira – parceria com Zeca Preto (PA-1994)
CD Amazon Music – parceria com Zeca Preto (PA-1997)
CD O Canto de Roraima - parceria com Zeca Preto e Eliakin Rufino (RR-2000)
CD Muito Prazer – solo (RJ-2002)
CD Eu Preciso Aprender a Ser Pop – solo (SP-2006)

sexta-feira, janeiro 28, 2011

Um sábado de muita bossa


Nesse sábado, Simone Ávila & Kokó Rodrigues se apresentam no Fino da Bossa (Rua São Judas Tadeu, 3 – Cidade Nova) para reprisar alguns dos melhores clássicos da MPB. O couvert custará a bagatela de R$ 10. Agende, porque vale a pena.

A gata Simone Ávila, vocês já sabem, é uma das principais intérpretes da cena musical amazonense e vem ganhando destaque a cada ano que passa com seus shows e parcerias com os bambas do instrumental manauara.

Nascida em Campo Grande (MS), a moleca começou a cantar aos oito anos de idade, época em que conquistou seus primeiros prêmios.

Ela se mudou para Manaus em 1999, para cursar a faculdade de Comunicação Social e deu continuidade ao seu trabalho com a música.

Reconhecida como um novo talento, Simone Ávila cantou em bares, fez “jingles” e participou da gravação da trilha sonora musical da minissérie “O Auto do Boi Bumbá”, realizada pela Rede Amazônica de Televisão, em 2002.

Ela também atuou com sucesso na peça teatral “Romeu e Julieta na Amazônia”, considerada uma ópera cabocla, escrita por Liduína Mendes e dirigida por Chico Cardoso.

Se não bastasse isso, Simone Ávila venceu o Festival da Canção de Itacoatiara (Fecani), em 2003, interpretando a canção “Ciranda do Sonho”, de Torrinho e Aníbal Beça.


Meu brother Kokó Rodrigues, que tem uma coleção de uirapurus na garganta, é outra figurinha carimbada das noites manauaras.

Nascido em Santarém (PA), ele se mudou para Manaus no início dos anos 80 e começou a cantar na noite fazendo shows para turistas na pérgula do Hotel Tropical, sendo acompanhado pelo violonista Carlito, que apesar de ser deficiente visual (ou por isso mesmo) é outro fora de série da nossa cena musical.

Empolgados com aquele rapaz boa pinta, cuja musicalidade parecia uma feliz combinação de Chico Buarque, Milton Nascimento e Noel Rosa, um dos diretores da Enasa, empresa de navegação de transporte de cargas e passageiros da rota Manaus-Belém, contratou o músico para animar as noitadas de um catamarã dedicado exclusivamente ao transporte de turistas estrangeiros.

Na primeira noite em que se apresentou a bordo do catamarã, Kokó Rodrigues foi literalmente hipnotizado por uma potranca norte-americana, que não parava de olhar embevecida para o cantor.

Resultado: mesmo sem falar uma única palavra em inglês, Kokó Rodrigues acabou no quarto da gringa e deixou a Natureza seguir seu curso.

Fez barba, cabelo, bigode, cavanhaque e sobrancelha, of course.

No dia seguinte, ele já começava a dominar os rudimentos da língua inglesa por meio de uma frase que a gringa não parou de gritar a noite toda: “Oh, my God! Oh, my God! Oh, my God!”.

Kokó Rodrigues passou seis meses fazendo a rota Manaus-Belém a bordo do catamarã da Enasa e prestando assistência sexual às solitárias turistas estrangeiras.

Só não se transformou em um poliglota porque suas parceiras se limitavam a dizer sempre, invariavelmente, a mesma frase: “Oh, Dios mio!”, “Oh, mon Dieu!”, “Oh, mein Gott!”, “Oh, mijn God!”, “O mój Boże” e assim por diante...

De volta a Manaus, Kokó Rodrigues se apresentou em todos os palcos de bares onde valesse a pena: Opção, Consciente, Galvez, Refúgio, Madrigal, Paulo’s Bar, Porão da Bossa, TapereBar, Amore, Barraka’s Drinks, Messejana, Xorimã, Clube do Samba, Nostalgia, Orvalho da Noite, Casinha Branca e tutti quantti.

Num dos porres que tomamos juntos (e foram vários), eu fiz o sacana cantar 37 vezes seguidas o empolgante “Fado Tropical”, porque o Mário Adolfo havia cismado de aprender a letra.

Porre do jeito que estava, claro, Mário Adolfo não conseguia passar do “Quando me encontro no calor da luta / Ostento a aguda empunhadura à proa, / Mas meu peito se desabotoa”, de forma que até hoje, sempre que localiza eu e Mário Adolfo na platéia do seus shows, Kokó Rodrigues começa a suar frio.


Como o Mário Adolfo está no Rio de Janeiro, a serviço do Tribunal de Justiça, e só retorna pra taba na próxima segunda-feira, eu deverei ir ao show de amanhã em companhia do José Roberto Pinheiro (aka “Mestre Pinheiro”), o que significa que Kokó Rodrigues não vai precisar fingir que está com malária...

Aliás, as fotos que ilustram o post foram feitas por Mestre Pinheiro durante uma apresentação de Kokó na quadra dos Ciganos, durante o Pagode do Cria Samba, do Zé Mário, que rola todo sábado a partir das 20h.

A poesia é necessária


Nesta sexta-feira, 28, a partir das 18h30, no Vanilla Café (Rua Acre, no Vieiralves, próximo do Açaí & Cia.), os poetas Celestino Neto (aka “Lé”) e Marcileudo Barros farão um recital de poesia e o lançamento de 18 postais poéticos, ilustrados por Marcel dos Anjos.

Cada mimo custará R$ 2 (uma pechincha!) e, palavra de especialista, os postais são verdadeiras obras de arte.

Atualmente dirigindo o sebo O Alienista, que funciona nas proximidades do Palacete Imperial, na Praça da Polícia, Celestino Neto foi um dos fundadores do grupo Cio da Terra, uma das sensações de Manaus no início dos anos 80.

o grupo tinha no frontside o vocalista Val, com uma voz de tenor estilo Billy Paul, e a vocalista Dorinha, que tinha a sensualidade bluesística da Janis Joplin no corpo da Madonna “pré-Like A Virgin”.

O violão era conduzido com rara eficiência pelo Pond, cuja palhetada lembrava um Toquinho ultrainspirado.

Completavam a formação matadora o flautista Cezinha, mostrando que era possível transpor os acordes do chorinho para o forró sem perder a ternura, Celestino Neto, tocando escaleta com a fúria do jamaicano Augustus Pablo, e Iran e Berg, uma dupla de percussionistas que lembrava uma bateria de escola de samba em ação.

Na percussão também se revezavam Gilma, um dos melhores tocadores de atabaque da história, e Sid Almeida, na época um moleque de 15 anos que depois se transformaria no Mestre Pajé, diretor de bateria do GRES Andanças de Ciganos e do GRES Vitória Régia.


O sucesso do “Cio da Terra” foi avassalador. A novidade não estava apenas em aposentar a sanfona e utilizar a invocada escaleta – uma espécie de acordeom movido a sopro – para costurar as canções, mas no repertório que os moleques tiravam da cartola.

De Ednardo a Vital Farias, do Pessoal do Ceará aos Novos Baianos, de Elomar a Jackson do Pandeiro, de Paulinho Pedra Azul a Xangai, tudo era reciclado e passado a limpo.

Os sacanas eram tão bons que uma outra banda surgida na mesma época (“Carrapicho”, tendo como vocalista Renier, nome artístico do meu contemporâneo de ETFA, Paulinho Cão, falecido precocemente) era convidada para abrir seus shows.


O “Cio da Terra” teve uma carreira curta, mas gloriosa (pouco mais de um ano).

A briga de egos na divisão dos cachês contribuiu para a implosão do grupo.

Celestino Neto assumiu sua porção de poeta marginal e se mandou para Arembepe, na Bahia, onde morou dez anos. De volta a Manaus, ele mantém o sebo O Alienista na praça da Polícia.

Berg virou jornalista e atualmente trabalha na ALE. Iran virou empresário. Val virou professor e hoje trabalha na Petrobras, em Urucum. Cezinha entrou para a Aeronáutica, onde hoje é sargento.

Pond sofreu um estúpido acidente de carro, perdeu os movimentos de uma das mãos e praticamente encerrou sua carreira (em termos de violão ele se igualava ao fantástico Beto Beiçola).

Depois de muita fisioterapia, ele voltou a tocar novamente. Ano passado, tomamos um porre juntos no Bar Boto Vermelho, do Lé, e Pond relembrou várias músicas da época do Cio da Terra.

Gilma se aposentou pela CCE da Amazônia e abandonou a carreira musical.

Somente a Dorinha Alves (hoje um mulherão) continuou na estrada, se apresentando nos bares da cidade com um repertório calcado no “brega paraense”, aquela agradável mistura de calipso com jovem-guarda.

Nos anos 90, ela assumiu os vocais da banda de forró Rabo de Vaca. Atualmente, uma de suas filhas é vocalista da banda.

Dorinha está se formando este ano em Serviço Social pela Esbam.

Mestre Pajé também é outro que continua na ativa, fazendo a percussão para vários músicos da noite.


O poeta e escritor Marcileudo Barros é meu amigo de infância.

Nos conhecemos quando eu morava na rua Waupés (atual Castelo Branco), nos anos 60, e depois de um longo tempo sem notícias um do outro, voltamos a nos encontrar nos anos 90, durante a fundação do Sindicato de Escritores do Amazonas.

Autor do imperdível “O Boteco”, onde ele narra histórias acontecidas no “Boteco da Zeza”, que resiste bravamente até hoje, Marcileudo Barros já publicou dez livros de poesia e possui mais de 5 mil poemas inéditos.


Parte deste material está sendo musicado pelo seu filho, Marcel Barros, um talentosíssimo instrumentista e também artista plástico.

Marcileudo Barros também é um exímio contador de causos hilariantes, mas tem se negado a participar de um show no Teatro Amazonas, que pretendo produzir, colocando em cena ele, Paulo Paixão (um fantástico imitador do sotaque interiorano) e João Rodrigues (outro excelente imitador de vozes, além de artista plástico de alto calibre).

Bom, o encontro imperdível dessa sexta-feira, insisto, será no Vanilla Café.

Outros poetas da cidade que quiserem apresentar seus trabalhos serão bem vindos.

A gente se encontra lá a partir das 18h. Agende.

Princesinha do Solimõe vai cair no samba


Presidente da Liga das Escolas de Samba de Manaus, o advogado Vilson Benayon esteve nessa quinta-feira em Manacapuru para convidar oficialmente o prefeito Angelus Figueira a participar do desfile do GRES Andanças de Ciganos.

A simpática escola de samba da Cachoeirinha homenageia a Princesinha do Solimões com o enredo “A Lenda da Flor Matizada que deu origem a Manacapuru”.

O samba enredo é fruto de uma parceria entre o músico Junior Rodrigues, ex-Ases do Pagode, e o jornalista Mário Adolfo.

Ex-vereador de Manaus, Vilson Benayon foi o primeiro presidente da escola de samba, no início dos anos 80, e ainda hoje presta assessoria jurídica à agremiação.

O atual presidente da escola, depois de mais de 20 anos da gestão de seu pai, é o também advogado Vilson Benayon Jr., o “Vilsinho”.

Durante o encontro com Angelus Figueira, Vilson Benayon ofertou 50 CDs do samba enredo dos Ciganos para serem distribuídos na cidade.

A música já está tocando nas rádios da Princesinha e fazendo muito sucesso.

O presidente Vilson Benayon Jr. pretende levar para o Sambódromo 50 pares de cada Ciranda de Manacapuru (Guerreiros Mura, Flor Matizada e Tradicional), com as roupas tradicionais de cirandeiros, para abrilhantarem o desfile da escola de samba.

O artista parintinense Jair Mendes está confeccionando as alegorias e as fantasias dos Ciganos.


Curta abaixo o samba enredo da escola:

quarta-feira, janeiro 26, 2011

Tudo pronto para o melhor festival de música do planeta


Coachella é um festival de música que acontece na Califórnia uma vez por ano. E para muitas celebridades é também a chance de usar umas roupas mega esquisitas enquanto curtem um som hype.


O Coachella Valley Music and Arts Festival, mais conhecido como Coachella Fest, é um evento de três dias, surgido em 1999, que reúne, em cada edição na cidade de Indio, Califórnia, mais de cem shows de artistas da cena alternativa, do hip hop e da musica eletrônica, no meio do Coachella Valley, no deserto do Colorado.


O festival conta com cinco palcos e acampamentos nas redondezas. Em termos de sexo, ninguém é de ninguém.


Há duas semanas, os organizadores do festival divulgaram o cartaz da edição deste ano, que ocorre entre os dias 15 e 17 de abril.

Como sempre, é um line up extenso e que conta com Kings of Leon, Arcade Fire e Kanye West encabeçando os três dias do evento.


A exemplo dos anos anteriores, já começaram a pipocar na internet vários cartazes alternativos do evento, cada um mais engraçado do que o outro.

Pra quem gosta de forró, essa aí é a edição “bate coxa” do evento. A sexta é o dia do hype, com Calcinha Preta e DJavú puxando a fila...


Pra quem gosta de música ruim, o Brochella não poderia ter melhores headliners do que Nickelback e Dave Matthews Band, né não?

Aliás, o Jack Johnson bem que poderia fechar o último dia, para todo mundo ir embora na paz, na felicidade de espírito, nessa coisa bonita que é a vida...


Este é genial. Um Coachella só com bandas gaúchas, tchê. Quê que tu aaaaachas?


A mineirada não quis ficar atrás e também vai realizar seu own private Coachella, em Varginha, California, uai, sô!


A versão fakechella do evento, como o nome diz, é um Coachella de bandas fictícias.

Eu abriria com Hannah Montana em um dos três dias, para ter um apelo mais pop.

Porra, Simas, colocaram a tua banda favorita, o Gorillaz, na lista... Sacanagem!

Mas foi genial escalar o Spinal Tap para abrir o segundo dia. O Liam Gallagher até pouco tempo achava que a banda existia de verdade. Papo sério!


O Coachella de 1969 é para os sobreviventes da era de Aquarius, ou seja, os cinquentões da minha laia.

Fiquei espantado ao descobrir que tenho todos, absolutamente todos, os discos dessa moçada e que ainda curto até hoje. Devo estar ficando velho...


Pensando nos amantes da música brega e na imensa confraria da Irmandade de São Cornélio, sugeri ao cartunista Sergio Figueiredo Jr. que fizesse o Cornochella, mas ele deve estar muito ocupado aplicando multa em fraudadores lá na Secretaria de Fazenda.

De qualquer forma, segue o line up dos meus escolhidos para o Cornochella, incluindo os headliners de cada noite:


Wando
Teixeira de Manaus - Almir Rogério - Carlos Alexandre - Sidney Magal – Agnaldo Timotéo – Nino Gato – Beto Barbosa – Roberto Villar – Jorginho Bártholo – Américo Madrugada – Bartô Galeno – Bruno & Marrone – Cláudio Fontana – Evaldo Braga – José Augusto – Gretchen – Claudia Barroso – Agepê


Odair José
Nunes Filho - Fernando Mendes - Amado Batista – Wanderley Andrade – Edilson Moreno – Jessé – Adilson Ribeiro – Rubens Mota – Carlos da Luz – Nelson Ned – Falcão – Nilton César – Márcio José – Dom & Ravel – Nahim – Paulo Sérgio – Ovelha - Lindomar Castilho


Reginaldo Rossi
Abílio Farias – Moacyr Franco – Rosana – Jane & Herondy – Zezinho Corrêa – Kim Marques – Aluisio Aguiar – Sandro Aragão – Johnny Souza – Robson Prado – Mika de Manaus – Kim Marques – Perla – Benito di Paula – Nalva Aguiar – Marcio Greick – Luiz Ayrão – Trio Los Angeles

terça-feira, janeiro 25, 2011

Dia do Quadrinho Nacional em Fortaleza (CE)


No próximo sábado, dia 29 de janeiro, acontecerá na Gibiteca de Fortaleza a comemoração do Dia do Quadrinho Nacional.

Em sua segunda edição, o evento irá reunir artistas de diversas regiões do estado do Ceará convidados especialmente para celebrar a data.

Quem aparecer na Gibiteca poderá curtir os lançamentos de publicações independentes, palestras e oficinas.

Uma atração especial abrirá a manhã do sábado: o GIBIARTE, um encontro onde os artistas (e interessados) farão quadrinhos e cartuns ao vivo com o mesmo tema da exposição: ARTE & INVENÇÃO.

A exposição ficará aberta durante todo o dia.

O Dia do Quadrinho Nacional em Fortaleza é uma realização conjunta dos artistas que integram o Fórum de Quadrinhos do Ceará.

Quadrinistas, amadores ou profissionais, e amantes das histórias em quadrinhos de todo o país estão convidados para o evento que tem entrada gratuita.


Confira abaixo a programação completa:

9h: Abertura do evento

9h às 12h:
Gibiarte – Produção de quadrinhos, tiras, cartuns e ilustrações com o tema ARTE & INVENÇÃO.
Local: Sala Gibiteca

12h às 12h 30h:
Lançamento OIGO – Diego José
Local: Sala Gibiteca

12h 30min às 13h;
Lançamento ZINÓIA – Alunos do Estúdio Daniel Brandão
Local: Sala Gibiteca

14h
MINI-OFICINA: Como elaborar testes para o mercado americano, ministrada pelo artista Walter Giovani

15h
DEBATE-PAPO: O método de trabalho e a emoção de trabalhar com quadrinhos.
Convidados: Di Amorim e Alex Lei (Limoeiro do Norte), Zé Wellington (Grupo Gattai, Sobral), Walber Feijó (Armagem.com).
Apresentação: Guilardo Branco (HCast)

17h
ENCERRAMENTO

Ao longo do dia:
Banca de Quadrinhos Nacionais
Exibição de Vídeos
Exposição ARTE & INVENÇÃO
Exposição permanente: Painel 80 anos de Histórias em Quadrinhos do Ceará

Dia do Quadrinho Nacional em Fortaleza (CE)
29 de Janeiro, sábado, das 9h às 17h
Gibiteca de Fortaleza, Biblioteca Dolor Barreira
Av. da Universidade, 2572 – Benfica – Fortaleza/CE
(85) 3105.1299

Uma Temporada no Inferno (Parte 1)


No dia 28 de outubro de 1637, o português Pedro Teixeira deixou o porto de Cametá, perto de Belém, no Pará, com 45 embarcações, 87 soldados e 1.200 índios remadores, para uma viagem de dois anos e 44 dias, até Quito, no Equador.

Em Quito, foi recebido pelos espanhóis do governo local “com simpatias ostensivas e desconfiança disfarçada”, conforme relatos da época.

No regresso, confirmaria as suspeitas: no encontro dos rios Aguarico e Napo, ponto da atual fronteira Brasil-Peru, colocou marco de posse em nome do governo português, num gesto que deslocava o meridiano de Tordesilhas para milhões de quilômetros quadrados a oeste e depois significaria a incorporação ao território brasileiro de quase metade de sua área atual.

Em julho de 1993, o ex-deputado federal Océlio de Medeiros resolveu fazer a mesma rota de Pedro Teixeira.

Ele construiu uma réplica da nau capitânia de Pedro Álvares Cabral, equipou-a com os mais modernos sistemas de navegação e, na companhia de 14 tripulantes, saiu de Belém com destino a Quito, no Equador.

A única mulher a bordo da caravela era uma ninfeta de formas esculturais, Elizabeth Skyarnaviciyz, que o setentão Océlio apresentava como se fosse sua filha.

Nas internas, a tripulação desconfiava estar rolando um romance “incestuoso” entre os dois.

A pequena caravela fez uma pequena parada na ilha de Parintins, para um encontro informal entre o navegante e o clã dos Medeiros, que vive no município.


O folclorista Tonzinho Saunier (foto) encontrou casualmente o compositor Carlos Paulain em um boteco e foi logo dando a boa-nova:

– Rapaz, vai ter um almoço com os Medeiros lá na caravela e eles me convidaram. Vamos lá, que só de tartarugas eles mataram cinco...

Paulain, que não tinha mesmo nada pra fazer, resolveu acompanhar o amigo na condição de “convidado do convidado”.

Tonzinho, que sabia do ímpeto polemista do compositor, deu outra dica:

– Rapaz, tu fica na tua, que nós só vamos observar o ambiente. Em festa de macuco, jacu não pia!...

Os dois tomaram assento na imensa mesa situada no convés, sentando-se lado a lado.

Na mesa, já estavam os irmãos Marco Aurélio, Toni e Inaldo Medeiros, o tio de ambos e ex-deputado estadual, Geraldo Medeiros, e o primogênito de Geraldo, o adolescente Henrique.

A tripulação providenciou copos de cristal, baldes de gelo, potinhos de caviar, camarões cozidos no vapor e três garrafas de Johnnie Walker Black. A tertúlia prometia.

Depois de algum tempo, Océlio surgiu no convés abraçado com a ninfeta, e apresentou-a como sendo sua filha para cada um dos presentes.

Observando o short minúsculo da menina e os peitinhos querendo sair da miniblusa, Tonzinho sussurrou pra Paulain:

– Ele pensa que a gente somos besta, mas fica na tua, não te mete! Tá na cara que ele tá comendo a fruta... Mas fica na tua, não te mete! Barata que tem juízo não atravessa galinheiro...

Océlio e Elizabeth tomaram assento à mesa. O escritor começou a explicar para os presentes o motivo da viagem, enquanto a turma começava a encher a cara de uísque.


Meia hora de conversa e duas garrafas de uísque depois, Toni Medeiros (foto) apertou o parente:

– Ô Océlio e a nossa família, rapaz? Fala um pouco das nossas origens...

– Olha, Toni, nós somos todos de uma mesma raiz europeia, que se espalhou pelo Brasil inteiro. Em todo canto que a gente anda, a gente topa com um Medeiros. É engraçado isso, né, não?...

Antes que Toni respondesse, Océlio fez um sinal e a tripulação começou a servir os acepipes: sarapatel de tartaruga, paca no leite da castanha, galinha à cabidela, pirarucu de casaca, refogado de frutos do mar, pato no tucupi, camarão à baiana, moqueca de caranguejo, arroz de puçá, mixira de peixe-boi e tambaqui na brasa. Era comida para um batalhão.

Durante o almoço, Toni continuou insistindo:

– Ô Océlio e a nossa família, rapaz? Deixa de ser escroto e fala um pouco das nossas origens... Quer dizer que nós viemos da Europa, é? Pô, de repente a gente tem sangue de cavaleiro templário e nem está sabendo... Vamos lá, parente, mata essa nossa curiosidade...

– Olha, Toni, é melhor nós não falarmos sobre isso, que não é muito legal, não... – desconversou Océlio.

– Não, parente, deixa de onda e fala um pouco das nossas raízes – continuou Toni Medeiros. “Eu sei que você é um pesquisador sério e que tem muitas informações pra passar pra gente. Desembucha, parente, diz aí como foi que a nossa família surgiu... Explica como foi que nós saímos do Velho Continente e viemos parar aqui nesse fim de mundo...”.

Tonzinho Saunier, com aquele risinho sarcástico que o transfigurava em Macunaíma, limitava-se a sussurrar pra Paulain:

– Tu não te mete! Tu não te mete! Macaco que muito pula tá querendo levar chumbo...

– Olha, gente, eu não gostaria de tocar nesse assunto porque a nossa história não é muito bonita não! – Océlio tentou sair pela tangente mais uma vez.

– Porra, parente, não tem nada a ver! Deixa de subterfúgios e conta logo essa história! – disparou Toni Medeiros, já demonstrando irritação.

– Bom, sendo assim... Olha, então é o seguinte... Eu vou contar, mas não vão ficar brabos comigo, hein?... Nada disso foi inventado... É tudo fruto de pesquisa nas principais bibliotecas do planeta...


Tonzinho Saunier, cada vez mais transfigurado em Macunaíma, voltou a sussurrar pra Carlos Paulain (aí na foto, ao meu lado):

– Te aprepara! Te aprepara! É agora que a jiripoca vai piar...

Océlio tomou uma dose de uísque puro, limpou os óculos na miniblusa da ninfeta, examinou as lentes contra o sol, recolocou no rosto e começou:

– Bom, como todos vocês devem saber, nós viemos da Europa na mesma época em que a Família Real fugiu para o Brasil. O nosso sobrenome não existia na Europa, ele surgiu aqui mesmo e é fruto da junção de dois outros nomes. Quando os nossos parentes chegaram aqui, uma parte se estabeleceu no Nordeste e outra parte na capital do Império, no Rio de Janeiro. A parte da nossa família que ficou no Nordeste, como tinha baixa instrução, foi trabalhar na fazenda dos portugueses ricos. Eles passavam o dia carregando merda de gado para adubar as hortas das fazendas. Então, essa parte da nossa família recebeu o nome de “merdeiros”, porque carregavam merda...

Fingindo que estava se abaixando pra pegar uma colher no chão, Tonzinho sussurrou mais uma vez pra Paulain:

– Eu num te falei?... Eu num te falei?...

Océlio tomou uma nova dose de uísque puro e retomou a conversa sobre a saga da família.

– Aqueles nossos parentes que foram para o Rio de Janeiro eram eméritos espertalhões, que não queriam nem ouvir falar em trabalho. Na Europa, eles viviam de pequenos golpes, trambiques, jogos de azar, apostas arranjadas, estelionato e outras vigarices. No Brasil, eles logo entraram no ramo de falsificação de moedas e, por causa disso, foram apelidados de “moedeiros”. Aí, da união dos “merdeiros” com os “moedeiros”, nasceram os Medeiros.

O ex-amo do boi Garantido estava lívido. Os demais Medeiros não sabiam onde esconder a cara.

Fingindo que estava se abaixando pra pegar outra colher no chão, Tonzinho sussurrou mais uma vez pra Paulain, fazendo força para não cair numa gargalhada desmoralizante:

– Só deu pro cu dele! Só deu pro cu dele!...

A continuação do almoço transcorreu num autêntico clima de velório.

Na mesma noite, talvez temendo uma represália dos Medeiros, Océlio abriu as velas, levantou âncora e abandonou a ilha de Parintins em direção a Manaus.

Uma Temporada no Inferno (Parte 2)


Falecido em Brasília, em março de 2008, aos 91 anos, o escritor, poeta, professor universitário, advogado e ex-deputado federal Océlio de Medeiros foi um homem que viveu além de seu tempo.

Segundo o jornalista Élson Martins, um de seus amigos mais chegados, ele era neto de Benedito Monteiro, um dos coronéis da Revolução Acreana de 1903, e dedicou mais de 50 anos à pesquisa sobre Plácido de Castro.

Tendo nascido em 1917, Océlio foi contemporâneo de Jarbas Passarinho, Armando Nogueira e Jorge Kalume, na Xapuri dos anos 20.

O pai, Felipe Medeiros, exerceu a função de juiz de Direito no tempo em que ser juiz chamava atenção, mais pela dignidade e sabedoria jurídica que pelo salário que recebia ou por exercer o poder de mandar cidadãos pobres para a cadeia.

Menino “levado” da época, ele foi entregue aos padres, que prometeram salvar sua alma através da fé religiosa (falharam, claro!).

Depois, os pais o mandaram de navio gaiola para um colégio em Belém, que formava professores normalistas.

Dali, freqüentando aulas no meio de um monte de mulheres bonitas, saiu mais assanhado do que nunca para o Rio de Janeiro, onde cursou direito e trabalhou como repórter em vários jornais cariocas.

Pedagogo, foi professor no Pará e, no retorno ao Acre, foi diretor de Educação, na década de 40, quando também ocupou o cargo de diretor da Imprensa Oficial do Estado.

Océlio também prestou serviço como auxiliar de Gabinete Civil dos presidentes Eurico Dutra, Café Filho, Nereu Ramos e Juscelino Kubitscheck.

Ele foi delegado do Tesouro Nacional em Nova York, de 1950 a 1955, e consultor jurídico da extinta Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA).

Océlio de Medeiros publicou vários livros, primeiro nas áreas de Direito e Economia: “Governo Federal no Brasil”, “Reorganização Municipal”, “A Organização e Administração dos Territórios Federais”, “Problemas Fundamentais dos Municípios Brasileiros” e “The Brazilian Plan for the Economic Development of the Amazon Region”.

Nesse contexto, ele era considerado uma referência nacional em Direito Municipal, citado em várias obras jurídicas sobre o tema.

Professor da Universidade de Brasília (UnB), Océlio lecionou ao lado de Aliomar Balieiro, especialista em Direito Tributário.

Mais tarde, começou a publicar livros de crônicas, romances e poesias: “Jamaxi, a Poesia do Acre”, “Desde Quando o Verde era Mais Verde”, “Ante o Conflito de Culturas e o Confronto das Estruturas”, “Bolpebra (Opereta Bagunçada)”, “Mirações Acre, na Gleba de Oração da Ayuasca” e “Só Sonetos”, entre outros.

Eleito duas vezes deputado federal pelo Pará, foi cassado no começo do segundo mandato, pelo Ato Institucional nº 1, de 1964, e se exilou nos Estados Unidos, onde obteve os títulos de Master e PhD em Ciências Jurídicas.

O item mais destacado de seu currículo, no entanto, foi o que marcou sua passagem de volta ao Acre no final dos anos 30 e começo dos 40, como delegado do Ministério da Educação.

Ele procurou revolucionar o ensino mexendo num ninho de vespas da administração do então Território Federal do Acre.

Caluniado, acusado de taras sexuais e de outras modas estranhas (ou exclusivas) do meio, foi expulso da terra e como vingança escreveu o romance “A Represa” (1942), que o tornou eternamente maldito para as elites acreanas de todos os tempos.


Sempre apoiado numa muleta com cabeça de onça, mas incansável e exibindo energia incomum em quem se aproximava dos cem anos de idade, o escritor e jurista sempre dava um jeito de visitar Rio Branco, onde fuçava a cidade inteira revendo pessoas, falando de seus livros e poemas, propondo novos desafios para quem admirasse o que fez e ainda fazia em sua vida belicosa.

Aqui e ali, ele voltava a um tema muito recorrente em sua imaginação fértil, ou seja, a revolucionária conquista do Acre no começo do século passado.

Embora repetisse sempre que convém respeitar os mitos, chamava a atenção para a cintura fina e para o uniforme extremamente justo do herói Plácido de Castro...

E como experiente criminalista, explicava os detalhes da emboscada que o fulminou em agosto de 1908, a tiros de fuzil.

Océlio era um intelectual diferente. “O perfil dele era o de um anarquista”, diz o jornalista Élson Martins sobre o homem que não se enquadrava nas codificações ideológicas vigentes, mas assustava o regime da época, que o cassou e o perseguiu.

O coração solidário acabaria por gerar tantos desafetos que houve tempo em que só andava acompanhado de seguranças.


Ele foi o primeiro advogado a encarar os paulistas, os fazendeiros migrantes que deram início à substituição da floresta por pastagem no Vale do Acre.

Chegou a ser indicado como candidato a governador pelo PT na década de 1980, no auge dos embates com os paulistas.

No início de agosto de 1993, durante sua viagem de Cametá, no Pará, a Quito, no Equador, Océlio Medeiros fez uma escala técnica em Manaus.

Ele aproveitou a pausa para tentar encenar na cidade uma peça teatral de sua autoria, “A Amazônia Não É Exceção”, um drama satírico-ecológico sobre a saga dos “uasqueiros”, como ele chamava os adeptos da seita que cultua o “uasca” (ayahuasca), bebida também conhecida como “cipó das almas”, “mariri”, “vegetal” e “santo daime”.

Desde o cenário, reproduzindo uma clareira em meio à floresta, até o hinário original da seita, “A Amazônia Não É Exceção” expunha com todas as cores e sons o mundo parcialmente inexpugnável dos uasqueiros.

Um mundo que Océlio Medeiros, quando menino, em 1927, viu o seu próprio pai, que era juiz, mandar fechar por ordem do Governo Federal.

Por uma dessas ironias do destino, Océlio, quando exercia regularmente a advocacia, foi procurado pelos praticantes do ritual para que impetrasse um mandado de segurança que retirasse o “uasca” da clandestinidade, o que de fato, acabou acontecendo.


- Sempre mantive meu escritório na beira do rio, advogando posseiros e seringueiros em todos esses conflitos de estrutura que ocorrem na região! – costumava dizer.

A peça “A Amazônia Não É Exceção” era identificada pelo autor como sendo um auto para ser apresentado em praça pública, em todas as cidades por onde a caravela tinha passado e por onde ainda ia passar, de preferência com a população local atuando como figurante.

Até a chegada a Manaus, a tripulação-elenco se dividia em dois grupos, um folclórico, que nos espetáculos representava o passado, e um de rock, representando o futuro.

Os problemas decorrentes da estada do grupo na cidade fizeram com que o grupo de rock pegasse o primeiro barco de volta a Belém.

Segundo Océlio, esse grupo, que nos espetáculos apresentava o cancioneiro da descoberta da América (com uma visão meio punk de Cristovão Colombo e sua trupe), era formado por quatro profissionais.

Sem os roqueiros, Océlio Medeiros (cujos longos cabelos brancos, amarrado em rabo-de-cavalo, lembravam, ele próprio, um velho roqueiro aposentado) estava a procura de novos músicos.

Não era necessário que eles fossem cabeludos ou tatuados – a imagem de metaleiros que os outros músicos tinham –, mas era imprescindível que quisessem ensaiar e seguir em direção ao rio Napo.

Sonhando alto, Océlio Medeiros pretendia turbinar a tripulação da caravela para a segunda etapa da viagem com um etnólogo, um arqueólogo, um artista plástico, um analista político, um historiador e um sociólogo – ou, pelo menos, com estudantes universitários dessas áreas.


A caravela iria ficar na cidade durante três meses, para passar por reparos e novas adaptações para a viagem, que também dependia das condições de navegabilidade dos rios da Amazônia.

Algum engraçadinho passou o telefone da G&F Comunicações para o Océlio Medeiros, onde eu trabalhava, e ele me ligou numa tarde de sexta-feira.

Conversamos sobre a questão dos roqueiros.

Sugeri o nome do pessoal da banda Wause! Wause!, que tinha como guitarrista Ricardo Beça, filho do poeta Anibal Beça.

Conversamos sobre a nova equipe técnica da caravela.

Sugeri o nome do artista plástico Jorge Palheta, que era um ilustrador perfeito para o tipo de trabalho que ele pretendia.

Combinamos de nos encontrar na manhã do outro dia, sábado, no Bar Ecológico, da Ana Domingues e Álvaro Bandeira, que funcionava no Dom Pedro II.

Lá da agência mesmo telefonei pro Jorge Palheta, expliquei a situação e ele concordou em se encontrar com o advogado, no dia seguinte, para discutir melhor o assunto.

Uma Temporada no Inferno (Final)


Março de 1966. Conheci o artista plástico Jorge Palheta no grupo escolar Getúlio Vargas, onde começamos a estudar na mesma classe fazendo o quarto ano primário.

Com apenas 12 anos de idade, Palheta já era o melhor desenhista de histórias em quadrinhos que conheci até hoje.

Seu talento natural depois foi aprimorado mediante diversos cursos de pintura realizados na Pinacoteca Estadual e ministrados por Moacir Andrade, Van Pereira e Manuel Borges, entre outros.

Na época, eu morava na rua Waupés, quase no canto da rua Barcelos.

Quando, alguns meses depois, nos mudamos para a Cachoeirinha, soube que o Jorge Palheta morava na mesma rua (Parintins) que eu, só que no canto com a rua Maués, dois quarteirões acima, já na vizinhança do Bodozal da Maués.

A partir daí, ele descia a ladeira da Parintins, a gente se encontrava no cruzamento da rua Borba, e íamos conversando até o grupo.

Na volta, repetíamos o mesmo trajeto. Pra gente virar amigos de sangue era conta de multiplicar.


No segundo semestre daquele ano, eu e Mário Adolfo já havíamos decidido que iríamos ser desenhistas de HQ.

Nosso acordo era produzir até o Dia de Natal, no mínimo, cinco gibis cada um. Os livros seriam feitos no formato folha A4 dobrada ao meio, seis quadrinhos por página, 16 páginas e grampeadas com um único grampo.

Desenhos e argumentos feitos com caneta BIC escrita fina.

Ninguém podia “colar” desenhos ou argumentos dos gibis tradicionais. Tudo tinha que ser original.

A gente se encontrava para realizar essa façanha nas tardes de sábado, por volta das 13h, na cozinha da minha casa.

Minha mãe, Celeste, era a maior incentivadora da presepada. A cada duas horas, ela nos presenteava com copos de guaraná gelado e pães quentinhos com a manteiga ainda derretendo. Uma farra!

Desenhávamos um de frente pro outro, mas sem nenhum dos dois dar pitaco no que o outro estava fazendo.

Por volta das 15h, encerrávamos o expediente e íamos vender gibis na feira livre da Cachoeirinha.

Em comum acordo, decidimos fazer gibis dos cinco melhores gêneros que curtíamos.

No quesito faroeste, Mário Adolfo criou o Kid Comanche e eu, o Kid Gatilho.

Em termos de super-heróis, Mário Adolfo criou o Supremo e eu, o Raio.

Em termos de Idade Média, ele foi de York Tell e eu, de Sir John, o Magnífico.

Na ambientação estilo homem-macaco, eu fui de Hur e ele foi de Tabu, depois de ter colocado o olho em uma lata de cera de mesmo nome utilizada lá em casa.

O quinto gibi seria uma surpresa: cada qual faria o que lhe desse na telha. Era o único que a gente fazia solitariamente.

Convencemos Tião e Negão (aka Francisco Silva) a fazerem o mesmo.

Os dois toparam, mas empacaram nos dois primeiros gêneros (faroeste e super-heróis) e acabaram desistindo.

Como meu colega de classe no grupo escolar era o melhor desenhista da turma, tentei, inutilmente, fazer Jorge Palheta embarcar na viagem. Ele não topou.

O máximo que fazia era desenhar as capas dos meus livros – o que deixava o Mário Adolfo visivelmente enfurecido. Eram verdadeiras obras de arte!

– Porra, assim não vale! – esperneava Mário Adolfo, quando me via exibir as capas coloridas desenhadas pelo Palheta. “Se for assim, vou pedir para o Moacir Andrade fazer as minhas...”.

Algumas vezes, na véspera de Natal, eu ia na casa do Mário Adolfo. Ele estava meio encrencado para finalizar um dos livros. Eu nem discutia:

– Mete um anúncio aí, porra!

Na mesma hora, ele desenhava uma propaganda do chiclete Ploc e ficava livre de desenhar seis quadrinhos. Uma zona!

No Dia de Natal, a gente passava os cinco gibis um pro outro, lia, discutia e depois passávamos para os outros amigos da turma lerem e darem suas opiniões.

Termos feito isso durante quatro anos seguidos e não ter nenhum exemplar desses trecos é uma coisa que às vezes me tira do sério.

Os duendes devem ter guardado tudo dentro do pote de ouro que existe no final do arco-íris. É no que acredito.

Américo Madrugada, Salignac e Jorge Palheta no desfile da BICA

Quando o Palheta pegava alguns desses nossos gibis artesanais, ele apontava detalhes desenhados errados que a gente nem percebia.

É evidente que ele seria capaz de fazer gibis artesanais no mesmo nível dos gibis tradicionais.

Descobri, casualmente, que ele nunca havia tentado fazer uma HQ porque simplesmente não tinha argumentos.

Era incapaz de pensar uma história original, com diálogos, ambientação e tudo, e depois colocar no papel. Precisava do concurso de um roteirista.

Seu destino seria mesmo ser um brilhante artista plástico. Um dos melhores que conheci, por sinal.

Em dezembro daquele ano, durante a nossa conclusão do 4º ano primário, expliquei pra ele os meus planos futuros:

– Vou tentar o exame de admissão para o colégio Ida Nelson. Você devia fazer o mesmo para o colégio Márcio Nery. Se quiser, a gente pode estudar as matérias juntos lá em casa!

Palheta desconversou. Falou que iria fazer o quinto ano primário e depois estudaria o ginasial no colégio Ruy Araújo.

Foi nossa última conversa. Depois disso, cada qual montou em seu alazão e partiu em direção à linha do horizonte.

Só voltei a revê-lo 20 anos depois, no Bar do Armando, quando a gente (eu, Mário Adolfo e Jorge Estevão) estávamos lançando o jornal satírico Candiru.

Na época, eu já estava formado em engenharia eletrônica e cursava Administração e Direito na Universidade do Amazonas.

Jorge Palheta havia terminado o colegial e trabalhava como desenhista do Inpa, além de ser ilustrador oficial dos livros do professor Samuel Benchimol.

No início dos anos 90, ele passou a ser um freqüentador assíduo do Bar Ecológico, no D. Pedro II, onde costumava desenhar caricaturas dos presentes em troca de alguns trocados.

Praticamente a gente se encontrava todo sábado no boteco, para degustar a fabulosa feijoada servida pela Ana Domingues e saborear os sons que só o Álvaro Bandeira colocava pra tocar. Uma zoeira que só terminava por volta da meia noite.

Numa bela manhã de sábado, o ex-deputado federal Océlio Medeiros apareceu no boteco, acompanhado de sua filha Elizabeth, o que provocou um princípio de histeria coletiva entre os machos presentes no covil (Antonio Paulo Graça, Ricardo Maia, Dori Carvalho, Carlos Dias, Zemaria Pinto, Carlos Castro, Inácio Oliveira, Armando de Paula, Célio Cruz, etc), todos bastante interessados em obter favores sexuais da ninfeta.

Océlio me explicou que o pessoal da banda Wause! Wause! não tinha topado a parada e me indagou se eu conhecia outros grupos de rock.

Passei o telefone de contato das bandas punk que eu conhecia: Homicide, Jack Daniel’s, Skarecroy, Mentes Poluídas, Atecubanos (“Só na buceta”, de trás pra frente), Elemento Neutro, Lectos, Ciclo Norte, Insistência, Self Defense, Epidemia, Agony Stages e Anti-Corpos Sociais.

Já com Jorge Palheta, foi amor à primeira vista. Océlio ficou visivelmente impressionado com os desenhos do artista plástico e o contratou na mesma hora.

No dia 5 de setembro, durante a comemoração da elevação do Amazonas a categoria de Província, Océlio comandou uma apresentação teatral noturna do “Descobrimento da América”, no Teatro Chaminé, em que a caravela vinha singrando pelo rio Negro, entrava no igarapé de Educandos, e estacionava na frente do teatro – as águas estavam quase alcançando a pista da Manaus-Moderna.


O artista plástico Jorge Palheta, fantasiado de capelão, parecia o mais entusiasmado da turma.

Em novembro, a caravela partiu de Manaus em direção a Quito, com novos músicos a bordo.

Palheta, com seu talento de desenhista naturalista desenvolvido no Inpa, seria o responsável por documentar a viagem.

Fiquei sem notícias da expedição até o segundo semestre do ano seguinte.

Foi quando, em agosto de 1994, uma matéria publicada no jornal A Crítica, assinada pelo Serginho Bártholo (atual diretor de Redação do Diário do Amazonas), que estava cobrindo um comício do candidato a governador Amazonino Mendes, em Tabatinga, deixou o Bar do Armando em polvorosa: “Artista plástico amazonense é violentado por policiais equatorianos”.

Lendo a matéria, fiquei sabendo que Jorge Palheta e mais três membros da tripulação de Océlio Medeiros haviam sido espancados violentamente por policiais da Guarda Nacional do Equador e estavam presos em Tabatinga.

A manchete, entretanto, dava a entender outra coisa: que o artista plástico havia sido currado pelos meganhas.

Desafeto voluntário de Jorge Palheta, o compositor Américo Madrugada aproveitou a “barrigada” do jornal para criar alguns sambas demolidores sobre a masculinidade do meu homeboy.

Umas duas semanas depois, eu estava no Bar do Armando, numa tarde de sábado, conversando com o Engels Medeiros, quando toca o telefone do boteco.

Era uma ligação a cobrar do Jorge Palheta, querendo falar comigo.

Ele me contou rapidamente o que estava acontecendo: estava detido na Delegacia de Tabatinga e só poderia ser solto mediante o pagamento de uma fiança.

Estava liso, confiado e só com a roupa do corpo.

Me informou o número de uma conta bancária para onde eu deveria enviar a grana.

Pediu que eu avisasse a sua (dele) mãe, que não se preocupasse com ele porque estava tudo bem. Quase chorando, me implorou para ajudá-lo.

Depois que desliguei o telefone, expliquei a situação pros demais “biqueiros” presentes no boteco (Jomar Fernandes, Chicão Cruz, José Klein, José Anchieta, Rogelio Casado, Durango Duarte, Pedro Mário, Jorge Álvaro, Armando Loureiro, etc) que se prontificaram em colaborar.

Consegui levantar o dinheiro do pagamento da fiança e mais uma merreca suficiente para ele pegar um barco de linha, comprar roupas novas e não morrer de fome durante a viagem de volta.

Aí, na segunda-feira, depositei a grana na conta bancária por ele informada.

Uma semana depois, Jorge Palheta estava de volta a Manaus. Só então fui saber o que havia acontecido.

Segundo ele, a viagem correu bem até eles subirem o rio Napo, já depois de São Francisco de Quito, a capital equatoriana, em junho daquele ano.


De repente, a ninfeta Elizabeth começou a dar mole pro artista plástico e ele não perdoou: meteu-lhe o bico de urubu.

O colóquio amoroso estava indo de vento em popa, às escondidas, evidentemente, quando Océlio Medeiros o pegou, literalmente, com a boca na botija.

Discutem pra cá, discutem pra lá, o ex-deputado federal resolveu desembarcar o artista plástico em uma daquelas comunidades perdidas do rio Napo.

Houve um princípio de motim a bordo.

A caravela retornou pra Quito com aquele pesado clima de rebelião a bordo.

Assim que Océlio desembarcou na cidade, ele foi até a Chefatura de Polícia, deu uma “carteirada” e registrou uma queixa de tentativa de homicídio.

Uma meia dúzia de meganhas da Guarda Nacional foi até a caravela, encheram os “amotinados” de porrada, e eles foram enviados, algemados, para Tabatinga, onde Océlio Medeiros registrou uma nova queixa.

De lá mesmo, Océlio e Elizabeth pegaram um avião e se mandaram pra Belém.

A caravela fez a viagem de volta sem o seu capitão.

Os quatro tripulantes amotinados ficaram presos em Tabatinga, em regime semi aberto.

Eles podiam passar o dia zanzando pela cidade, mas tinham que dormir no xadrez até pagarem a fiança por supostos prejuízos patrimoniais causados à caravela.

Em agosto, durante o comício de Amazonino Mendes na cidade, Jorge Palheta localizou o jornalista Mário Adolfo no palanque, mas este não lhe deu a mínima.

Ele então resolveu contar seu drama ao jornalista Sergio Bártholo, que transformou o pedido de ajuda em uma pequena notícia sensacionalista.

Em pé: Saleh, Palheta, Armando Loureiro, Jomar Fernandes, Rogelio Casado, José Klein e Durango Duarte. Sentados: Pedro Mário, Jackson Chaves, Jorge Álvaro, eu, Dinari, Feitosa, Sandrinha e Badiba, no Bar Cinco Estrelas.

Jorge Palheta contabilizava um prejuízo alarmante.

Ele havia feito mais de 1.200 ilustrações em tinta guache e bico de pena, e não havia ganho um tostão pelo trabalho.

O acerto financeiro seria feito quando eles retornassem a Manaus.

Ou seja, ele havia trabalhado oito meses como um verdadeiro escravo, desenhando 12 horas por dia apenas em troca da péssima comida servida a bordo.

Pior. Além de ter ficado com todos os seus pertences, Océlio também havia confiscado uma pasta contendo cerca de 400 poemas que ele havia escrito durante a viagem.

Aquele seria o seu primeiro livro de poemas a ser publicado.

Palheta estava disposto a ir a Belém para estripar o abusado advogado.

Uns dois meses depois de seu retorno a Manaus, Palheta recebeu pelo correio a referida pasta com os poemas, acompanhada de um irônico bilhete de Océlio Medeiros: “Como você é um poeta de merda, estou devolvendo esses seus poemas de bunda!”.

Quando abriu a pasta, uma nova surpresa: Océlio tinha limpado a bunda com todos os 400 poemas. Eram rabiscos de merda pra tudo quanto é lado.

Diante daquela situação surrealista, Palheta fez a única coisa possível: queimou aquele monte de bosta seca no quintal de casa.

Seu ódio por Océlio Medeiros começou a crescer em progressão geométrica: ele agora não queria mais apenas estripá-lo, mas tirar seu couro e colocar pra secar no varal até se encher de moscas varejeiras.

O ex-deputado federal nunca mais colocou os pés na cidade.

segunda-feira, janeiro 24, 2011

As andanças de Mouzar Benedito pelo Brasil adentro


Em junho de 2005, o escritor e jornalista Mouzar Benedito esteve em Manaus a meu convite, para lançar uma série de livros no Espaço Cultural Valer e depois viajou comigo pra Parintins, na “Caravana de Sambistas do Morro da Liberdade”, para conhecer o Festival dos Bumbás.

Depois que retornou a São Paulo, ele me enviou um novo livro inédito, chamado “Trem Doido”, ainda em arquivo word, para que eu tentasse publicar aqui em Manaus.

Como havia vários causos do escritor passados na região amazônica (ele foi o primeiro jornalista do Sul a entrevistar o seringueiro Chico Mendes, no final dos anos 70, quando editava o jornal Versus junto com o saudoso Marcos Faerman e Chico Mendes ainda não era conhecido mundialmente), enviei o material para o Tenório Telles, da Editora Valer.

Tenório gostou muito do livro, programou sua publicação para os futuros lançamentos da editora, mas o tempo foi passando e ficou o dito pelo não dito.

Hoje, Mouzar Benedito me mandou o recado abaixo.

Em 24 de janeiro de 2011 12:20, mouzarbenedito@yahoo.com.br benedito escreveu:

Oi, Simão,
Tudo bem?
Lembra-se daquele livro de causos (mais de cem - o primeiro deles, "Trem doido")?
Inscrevi num concurso de contos da Secretaria da Cultura e ganhei. Vai sair em fevereiro.
Abraços.
Mouzar



Abaixo, em primeira mão, três causos do novo livro:


1. Trem doido

Mineiro gosta mesmo de trem. Não tem jeito. Inclusive chama tudo de trem: refere-se a panelas e pratos como trens de cozinha, doença é um trem e o remédio também é (um deles piorava de saúde e me dizia que teve um trem esquisito, mas depois tomou um trem que o farmacêutico receitou e ficou bom). Já vi gente comprar trem de escritório, trem de matar mosquito, trem de tudo quanto é tipo. Mulher bonita é trem bão, ou trem doido. Como diz a piada, mineiro só não chama uma coisa de trem: o trem, quer dizer, o trem-de-ferro. Contam que uma família esperava o trem numa estação mineira e, quando ele apontou se aproximando da estação o homem falou pra mulher:

— Mulher, pega os trens que lá vem o baita.

Eu sou mineiro de uma cidade que nunca teve trem, quer dizer, trem-de-ferro. Porque outros trens tinha aos montes, já que a gente também chamava tudo de trem. Então tinha muito trem. E quando vim para São Paulo, foi de trem da Mogiana, que peguei em Guaxupé.

Já em São Paulo, sempre que podia, viajava de trem. Quando vi que acabavam com as ferrovias no Brasil, viajei de trem o máximo que pude. Mas às vezes era difícil. Muitos dos próprios ferroviários, ou melhor, dos burocratas das ferrovias, contribuíram pra extinção desse meio de transporte. Lembro-me de uma vez que estava em Teresina e resolvi ir de trem para São Luís. Fui comprar passagem pro dia seguinte, o homem do guichê falou:

— De ônibus, você gasta seis horas daqui lá, por que quer ir de trem que gasta mais que o dobro?

— Por que eu gosto de andar de trem.

— Mas vai demorar muito.

— Não tem importância, eu tô à toa. Quero uma passagem pra amanhã às oito da manhã.

— O trem de amanhã tá atrasado, não vai sair nesse horário.

— Eu espero.

— Não sei nem se sai amanhã.

Nisso entrava um trem tipo maria-fumaça na estação. Falei:

— Olha ele aí. Tá chegando, então vai poder sair amanhã mesmo.

Ele não se deu por achado:

— Esse é o que devia ter chegado ontem e vai sair só depois de amanhã. O de amanhã, que devia ter chegado anteontem, ainda não chegou.

Não sei se era verdade, mas desisti. O certo era que o burocrata não queria me vender passagem, de jeito nenhum. E venceu!


2. A história dos baitolas

Ricardinho, Marinho e eu estávamos indo de trem de Fortaleza para o Crato, no Cariri cearense, e como eu sempre carregava uma garrafa de cachaça para puxar conversa nessas ocasiões, logo estava conversando com uns velhos, bebericando uma pinguinha razoável para os padrões nordestinos, pois as pingas da região são, na maioria das vezes, adocicadas.

Um dos velhos era aposentado como ferroviário, mas garantia que trabalhou também na própria construção da ferrovia. E me matou uma curiosidade.

— Os operários eram todos brasileiros, cearenses, mas os engenheiros eram todos ingleses — começou sua história.

Segundo disse, boa parte dos engenheiros eram homossexuais. E tinham dificuldade para aprender o português, o que não tem nada a ver uma coisa com outra.

O que os cearenses mais achavam gozado era que os ingleses não conseguiam pronunciar bitola, falavam baitola (com acento circunflexo no ô — baitôla).

Daí, os ingleses eram chamados de baitolas e quando algum operário brasileiro fazia qualquer coisa que os cearenses consideravam “coisa de viado”, o chamavam de baitola. E foi assim que surgiu esse sinônimo de homossexual.


3. Rumo aos certinhos do Sul

Tinha um mês de férias pela frente e decidi: “Vou até Buenos Aires de trem”. Só iria entrar num ônibus de Pinheiros até a Estação Sorocabana, no centro de São Paulo, de onde saíam os trens rumo ao Sul. Seria a primeira vez que viajaria para a região Sul.

Nos tempos de estudante, o que a gente gostava mesmo era do Nordeste, mas esticava às vezes para a Amazônia e pro Centro-Oeste.

O Sul, muito organizado, não atraía. A palavra Sul, referindo-se à região, aparecia como um sinônimo de organização, tudo funcionando certinho, o que não nos agradava nem um pouco.

Havia estudado com cuidado todos as linhas que ainda funcionavam e planejei direitinho. De São Paulo a Uruguaiana, gastaria uma semana. No primeiro dia, iria de São Paulo a Itararé, cidade que queria conhecer por causa da famosa batalha que não houve, na Revolução de 30, quando jornais chegaram a dar detalhes da luta dos legalistas de São Paulo contra os gaúchos que se dirigiam ao Rio de Janeiro, e não houve batalha nenhuma.

Eu chegaria lá com tempo apenas para dar um passeio pelas ruas provavelmente desertas da cidade, já à noite. O trem saía de São Paulo, não me lembro bem, por volta das 9 horas da manhã e chegava a Itararé às 10 da noite.

Saiu tudo conforme planejei. No segundo dia, saí de Itararé cedo, rumo a Ponta Grossa, no Paraná, onde cheguei antes das cinco horas da tarde. Saí de Itararé pensando preconceituosamente que só encontraria dali pra frente gente quadrada, sem graça, nada de “anormal” aconteceria. Mas me surpreendi logo depois de entrar no estado do Paraná.

O trem parou num lugar ermo, sem estação, e logo pensei que, mesmo no Sul, os trens estavam sucateados e quebravam também. Depois de uns dez minutos parados, sem ninguém informar o que estava acontecendo, vi o maquinista e um outro funcionário da ferrovia chegarem correndo, alegres, entrando no trem com um monte de agrião nas mãos. Pararam o trem para roubar agrião.

— O Sul não é tão “Sul” assim — pensei.

Mas isso, claro era porque estávamos no Paraná, não eram ainda os estados cheios de alemães, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

No terceiro dia, fiz uma viagem curta, de Ponta Grossa a Irati. Uma amiga minha havia mudado há poucos meses para Irati e, como vi que a cidade ficava no caminho entre Ponta Grossa e União da Vitória, resolvi parar lá um dia.

A cidade ainda era pequena e pouco movimentada, mas num cruzamento ostentava um semáforo injustificável. Minha amiga contou que os moradores de cidades vizinhas faziam muitas gozações por causa disso. Diziam que na cidade havia só dois carros quando o semáforo foi instalado e os dois bateram naquela esquina... justamente por causa do semáforo. Os dois motoristas olhavam fascinados para os “faróis” — verde pra um e vermelho pro outro — e se distraíram.

No quarto dia, continuei de Irati a União da Vitória, na divisa com Santa Catarina. O interessante é que a estação servia (e serve ainda, o trem acabou mas a estação ainda está de pé) de divisa entre os dois estados. Se saísse por uma porta, era União da Vitória, no Paraná. Se saísse pela outra, era Porto União, já em Santa Catarina.

No quinto dia, aí sim, entraria no que esperava ser o Sul verdadeiro, organizado, tudo certinho. O trem saía cedo e atravessava o estado de Santa Catarina inteiro. Foi uma viagem bonita.

Primeiro o trem subiu uma serra durante horas, depois começou uma descida margeando o Rio do Peixe até entrar no Rio Grande do Sul, em Marcelino Ramos, cidade que fica no encontro dos rios do Peixe e Pelotas, que formam o Rio Uruguai. Era para chegar lá pouco depois das dez da noite, mas chegamos depois das onze. O motivo do atraso não combinava com minhas impressões do que seria viajar por Santa Catarina.

Numa das primeiras paradas, entrou um casal mais ou menos idoso, gordo e vermelho, com cara de gringos. Os dois pareciam ter bebido bastante e davam risadas o tempo todo. O homem acendeu um charuto, a mulher acendeu um também. Pegaram uma cerveja no bar do trem, trouxeram para o vagão, bebiam, davam baforadas nos charutos e riam.

Quando se aproximou o homem que picotava as passagens, o gordo o chamou e falou com um sotaque carregado. Ele e a mulher eram poloneses e, apesar de morar no Brasil desde jovens, falavam muito mal o português. Ele falou que tinha sido ferroviário também, trabalhado naquela ferrovia mesmo, estava aposentado e a mulher dele tinha uma amiga na próxima cidade, pertinho da estação. Eles iam fazer uma visitinha rápida à amiga e voltariam pra continuar a viagem. Que o trem não saísse sem eles. O sujeito concordou.

Quando o trem parou na estação, o casal saiu dando baforadas nos charutos e rindo. Passou o horário do trem sair e eles não voltavam. O maquinista apitava o trem, apitava mais e eles não voltavam. Demorou quase uma hora para os dois voltarem, um pouco mais calibrados no álcool, fumando e rindo. E assim continuou a viagem. Santa Catarina também não era tão “Sul” assim, apesar da presença de alemães, poloneses e outros europeus do norte.

No sexto dia, o trem foi direto de Marcelino Ramos a Santa Maria e aí deu pra ver a irracionalidade com que tratavam o transporte ferroviário. Em todo o trecho de Itararé até Marcelino Ramos, o trem ia com poucos passageiros e um monte de vagões. Houve lugares em que cada vagão tinha no máximo meia dúzia de pessoas. De Marcelino Ramos a Santa Maria, o trem era muito utilizado, mas tinha poucos vagões, todos superlotados, cheios de gente de pé.

Só parei em Santa Maria para jantar e peguei um trem luxuoso para Uruguaiana. Era um trem húngaro, com poltronas-leito que ia de Porto Alegre a Uruguaiana. Cheguei na manhã do sétimo dia de viagem e resolvi parar lá uns dois dias antes de atravessar a ponte para Paso de Los Libres, sobre o Rio Uruguai, e pegar um trem rumo a Buenos Aires. Perdi os documentos e não pude continuar. Tive que voltar. De ônibus.

Causos de Bambas: Mororó


À maneira da Feira da Providência, no Rio de Janeiro, a encenação da Paixão de Cristo no Teatro José Alencar, em Fortaleza, capital do Altissonante e Heróico Estado (sobretudo de espírito) do Ceará, reunia a fina flor dos socialites do povo dos Verdes mares do Nordeste Ocidental.

Ano após ano, o palco da famosa casa de espetáculos transcendia o espírito pagão do “Demônio Familiar”, de “Édipo-Rei”, de “A Megera Domada” e subia aos céus conduzindo a prece de dezenas de figurantes colhidos – como convém à fina flor – entre as melhores famílias da capital. Não fosse Fortaleza sede de Arcebispado.

E, ano após ano, quem vestia centuriões, filisteus, mercadores e o povo de Jerusalém Libertada era Mororó, o Clodovil de lá, só que, dizem, muito mais chic.

E de graça, claro. Dessa forma, expiavam-se culpas.

Governo, Virgílio Távora. Ano, 1962.

Sabedor que a primeira-dama, D. Luiza Távora, estaria presente na front row (fila do gargarejo) do teatro, Mororó exigiu:

– Quero um papel na Paixão de Cristo!

– Um papel, como assim? - indagaram os diretores da peça.

No meio do povo, o modista não queria. Entre os Filisteus, nem pensar. Centurião rebolando? Só se quisessem ser excomungados pelo arcebispo. Aquela era uma peça séria.

– Sinto muito, Mororó, mas sem chance... - avisaram

O modista ficou puto:

– Quer dizer que não tem um papel pra mim? Então, não tem roupa pra ninguém!

Confabulou-se e depois de serões e serões decidiu-se dar ao Mororó o pequeno – e rápido – papel de Pôncio Pilatos.

Uma só fala, mas a atenção geral voltada para o prefeito da província romana da Judéia.

Veriam que Pôncio Pilatos!

Mororó teceu sua toga à maneira de Clovis Bornay, o esplendoroso campeão mundial da fantasia carnavalesca.

Sedas de Ormuz, ourelas de puros fios de ouro, sandálias de couro de cabra do Mestre Carrapato, herdeiro das artes do ex-marido de Maria Bonita, e jarro e bacia cinzelados por Th. Germain em 1720, emprestados por uma avó, moradora no Rio de Janeiro.

Veriam o Pôncio Pilatos lavando a mão!

Vamos direto a tragédia:

Judas beijou o Nazareno, os centuriões encanaram-no, o prefeito foi procurado para ajuizar a questão.

O dia e a hora de Mororó!

Solene, ouviu as razões dos sacerdotes da situação, o coro “Barrabás! Barrabás!” gritado pela estudantada adrede preparada nas torrinhas da veneranda casa de dramaturgias e, com jarro e bacia Th. Germain ao alcance da mão, ergueu-se para concitar o ânimo da plebe:

– O que quereis de mim, ó Farisesu?

Os mesmos estudantes que defendiam – a soldo – Barrabás, berraram uníssonos:

– O cu, Mororó!