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sexta-feira, fevereiro 24, 2012

Sobre meninos e lobos, ou melhor, sobre criativos e anunciantes


Sábado gordo, na semana passada.

O dia está amanhecendo e ainda não consegui finalizar um anúncio de oportunidade para um filho da puta cliente especial que espera a peça em Recife (PE).

O texto de sustentação foi aprovado na hora, mas ele encasquetou com a chamada do anúncio porque não coloquei a palavra “frevo”.

Pelos xingamentos que recebi via Skype, ele devia estar cada vez mais nervoso.

Minha princesinha desistiu de avaliar as frases por volta das 23h30 de sexta-feira e, com aquela cara safada que só uma mulher apaixonada costuma exibir, foi dormir o sono dos anjos.


Tecnicamente, eu estava sozinho no mocó.

Pras ideias ficarem mais claras, experimentei tomar uísque sem gelo.

Aí, mudei pra cerveja em lata.

Aí, voltei ao uísque, dessa vez com gelo.

Aí, voltei pra cerveja em lata com limão e sal.

Por último, resolvi encarar vodka com limão, fanta uva e guaraná em pó.


Sei lá, mas de repente deu um toooiiimm no meio do cerebelo e me descobri diante da criação primordial.

Eu estou em uma savana no cu da África e vejo o primeiro macaco descer da árvore e ficar em pé.

Ele tem a cara do Barack Obama.

O raciocínio está cada vez mais rápido, uma ideia atrás da outra, as frases que digito na tela do computador são criativas, avançadas, arrojadas, debochadas, incríveis, ultra-hiper-realistas.

Eu agora sou o Paulo Barros da publicidade amazonense.


A merda é que quando tento explicar pro viado campeiro cliente especial pelo Skype o gancho de cada nova frase – porque as ideias continuam vindo aos borbotões, uma atrás da outra, cada uma mais criativa do que a anterior – ele se limita a perguntar: “Você está fumando maconha?...”

O dia amanheceu.

Garanti ao corno manso cliente preferencial que a frase definitiva da peça estaria no seu iPad antes do meio-dia, desliguei o Skype e fui dormir.

Não consegui.

O que consegui foi acordar a Maria Cristina, que dormia o sono dos anjos.

Eu estava endiabrado.


Dividimos um lauto café da manhã (ela foi de suco de laranja, melancia, mamão-papaya, chocolate e misto-quente, eu fui de cerveja em lata e azeitona verde).

Dançamos (ou tentamos dançar) meio abraçados meia-dúzia de músicas, de frevo rasgado a brega-fim-de linha, de forró original a rock pesado, quando cantei a pedra:

– Meu doce de coco, liga pro meu cunhado vir te pegar e vai comprar tua fantasia pra Banda do Caxuxa, que ainda preciso matar um rinoceronte branco!

Enquanto a gente esperava pelo motoqueiro-fantasma, coloquei pra rolar “Pedaço de Mau Caminho”, na versão do Lula Queiroga, que tem uma pegada hard rock.

Fiz questão de declamar a letra pra Maria Cristina:

“Antigamente / Eu era triste e não sabia / Que no amor sempre existia / Um alguém pra outro alguém / Você chegou / Eu mudei completamente / Sou igual a tanta gente / Hoje sou feliz também / Porque / Você é o meu pedaço de mau caminho / A medida certa para o meu carinho / A coisa mais linda que eu já conheci / Você é o meu sonho bom que virou verdade / Que me trouxe paz, felicidade / É a emoção mais pura / Que eu senti / Você pra mim / Já é fato consumado / Meu presente, meu passado / O futuro / Que sonhei / Você pra mim / Representa a própria vida / Minha musa preferida / A canção que cantarei / Porque / Você é o meu pedaço de mau caminho / A medida certa para o meu carinho / A coisa mais linda que eu já conheci / Você é o sonho bom que virou verdade / Que me trouxe paz, felicidade / É a emoção mais pura que eu senti.”


Ela riu pra caralho do meu avançado estado de embriaguez alcóolica.

Sempre prestativo, meu cunhado chegou meia hora depois e levou a Maria Cristina embora.

Levei mais duas horas de esforço intelectual para enviar três frases definitivas para o paneleiro pernambucano cliente especial e aguardei torturantes dez minutos até chegar a carta de alforria em forma de torpedo: “Do caralho, sensacional, era isso mesmo. Você é foda, maconheiro!”

“Maconheiro é a puta que te pariu!”, tive vontade de digitar no celular.

Os dedos não obedeceram.

Estava próximo do meio-dia.

Sim, eu estava completamente de porre.


Bebi dois litros de água gelada, quase me afogando, porque recebi um e-mail dizendo que isso era bom para evitar doenças.

Deve ser bom pra evitar doenças, porque pra diminuir um porre não passa de um placebo sem-vergonha.

Fiquei ouvindo o Bob Marley em estado de catalepsia durante duas horas.

Três passarinhos garantiam que eu não devia me preocupar com porra nenhuma porque no final tudo daria certo.

Aí, comi meia-dúzia de bananas-prata e fui me encontrar com os bandidos que estavam organizando a Banda do Caxuxa.


Estava todo mundo lá no Bar do Jacó: Arlindo Jorge, Marlon, Vladimir Brother, Iran, Mário Caçapava, Nilson, Luiz Lobão, Selmo Nogueira, Mika, Val, Hilário, Edlúcio, Nelsinho, Paulo César Dó, etc.

O Simas havia comprado dois litros de Red.

Eu mal conseguia beber Pepsi-cola para repor o açúcar perdido nos três dias de esbórnia anteriores.

Só comecei a beber uísque com Pepsi-cola por volta das 18h, depois que todas as pendências da banda estavam devidamente resolvidas.

O Simas já estava trilouco.


Pro sacana ficar tetralouco, bastava eu pedir pra ele maneirar na bebida – o que acabou acontecendo.

Irmãos mais novos adoram contrariar irmãos mais velhos.

Faz parte do lado escuro da força.

A um passo de ficar hexalouco, Simas se levantou abruptamente da mesa e saiu a pé em direção da sua casa, como se fosse um zombie haitiano.

Até os cachorros da vizinhança estranhavam e saíam correndo, ganindo assustados, com os rabos entre as pernas, diante daquela estranha aparição.

Por volta da meia-noite, Arlindo Jorge me deixou no mocó.


Passei o domingo submerso.

E a segunda-feira também.

Por volta das 11h da manhã da terça-feira gorda, Arlindo Jorge e Vladimir Brother apareceram no mocó para me sequestrar.

Argumentei que a Maria Cristina ainda estava realizando os prosaicos serviços de lavar os pratos sujos da casa (o que era meia verdade, já que ela estava apenas lavando os pratos que sujara. Nessas coisas somos um casal democrático: cada um lava o seu.).

A Maria Cristina me ajudou a vestir minha futurista fantasia de “puta punk grávida de oito meses”, depois a ajudei a vestir sua fantasia de “Jeannie é um gênio” – e quase que desisto de ir pro Caxuxa de vez quando ela ficou pelada porque minha gata está cada dia mais exuberante – e nos mandamos pro frege, a bordo do carro do Simas.

Devia ser meio-dia e uma chuvinha chata continuava a encher o saco.


Eu e Maria Cristina, fantasiada de odalisca ultra-hot-sexy, fomos para uma cobertura ao lado do Bar do Jacó, onde Mika de Manaus e Maestro Malheiro acertavam a aparelhagem.

Percebi logo o tamanho da encrenca.

A Maria Cristina era a única figura feminina em uma alcateia de uns 30 lobos famintos.

Fantasiada de odalisca ultra-hot-sexy, ela se credenciava naturalmente a ser a cereja de cobertura do bolo.

Eu conheço a minha turma da Cachoeirinha.

Morei no bairro quase 20 anos.


Era questão de tempo um filho-da-puta vir tirar ela pra pular carnaval e levá-la pelo braço para o meio da rua meio na marra, mesmo que ela tentasse azunhar o vagabundo no rosto ou cortá-lo de navalha no pescoço (pois é, eu a presentei com uma Solinger para essas emergências).

O filho-da-puta ia fazer isso sabendo que pelo código de posturas do bairro qualquer reação minha seria um convite para uma guerra total.

O eterno playboy Odivaldo Guerra costumava fazer a presepada nas “brincadeiras” de antigamente e nunca deu bronca.

Aliás, ele tinha uma técnica infalível para beijar a mulherada na boca: prendia a base da garganta da garota com os dedos polegar e indicador e pressionava com força.

Se a menina não abrisse a boca, aquele golpe de jiu-jítsu a levaria ao nocaute por absoluta falta de oxigenação no cérebro.


Sim, sou lobo-alfa, e tenho como irmão um lobo-beta brigador, mas numa guerra daquelas a gente estaria fodido – mesmo mordendo na jugular e matando uns 15 lobos-zeta.

É verdade que o lobo-alfa cinzento (Selmo Nogueira) iria brigar do nosso lado, mas ele não tem mais os caninos selvagens de antigamente.

Fiz o que me pareceu mais razoável.

Pedi ao Simas para deixar a Maria Cristina em casa.

Quando o clima desanuviasse, eu telefonaria para ela e a chamaria de volta.

Mesmo protestando, minha odalisca foi pra casa.

Os filhos-da-puta que fossem arrumar uma cereja de bolo na casa do caralho.


Depois de detonar uma garrafa de Red, comecei a me emocionar com as músicas do grupo Cordas de Ouro, o que é perfeitamente normal.

Quando o Val começou a cantar “Marcha da Quarta Feira de Cinzas” (“Acabou nosso carnaval / Ninguém ouve cantar canções / Ninguém passa mais brincando feliz / E nos corações / Saudades e cinzas foi o que restou / Pelas ruas o que se vê / É uma gente que nem se vê / Que nem se sorri / Se beija e se abraça / E sai caminhando / Dançando e cantando cantigas de amor”), me deu um aperto no coração tão fodido que achei que estava enfartando.

Foi quando telefonei pra Maria Cristina, exigindo sua presença no fuzuê.

Se eu enfartasse mesmo, ela que depois me levasse ao necrotério e providenciasse o enterro.

Namoradas são pra essas coisas.


A minha odalisca chegou quando o Val estava cantando “São demais os perigos dessa vida”.

– Essa canção foi feita pra você... – expliquei candidamente.

A Maria Cristina é da novíssima geração, só conhece de Restart pra cá.

Escutando a música pela primeira vez, ela teve uma espécie de alumbramento.

– É você cantando pra mim? – questionou.

– Claro, minha deusa. Eu iria cantar isso pra mais quem?...


E comecei a acompanhar o Val na maior cara-de-pau, com os lábios quase colados no ouvido da Maria Cristina:

“São demais os perigos desta vida / Pra quem tem paixão / Principalmente / Quando uma lua chega de repente / E se deixa no céu, como esquecida / E se ao luar que atua desvairado / Vem se unir uma música qualquer / Aí então é preciso ter cuidado / Porque deve andar perto uma mulher / Deve andar perto uma mulher que é feita / De música, luar e sentimento / E que a vida não quer de tão perfeita / Uma mulher que é como a própria lua: / Tão linda que só espalha sofrimento / Tão cheia de pudor que vive nua”

– Eu espalho sofrimento, amor? – quis saber a minha odalisca, meio ingênua, meio nervosa.

– Espalha, minha filha, principalmente entre os teus fãs do Facebook...


Ela não entendeu a ironia, mas riu delicadamente, apertou minha mão com convicção, me deu um beijo no rosto e percebi que estava na hora de dar o fora.

Foi o que fizemos.

Estamos felizes até agora.

Em compensação, o corno leproso com a mãe na zona cliente especial ainda não depositou a grana do “frila” na minha conta bancária.

Win Wenders e aprendenders.

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