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quarta-feira, julho 25, 2012

Mantra Novo



por João Marcos Coelho

Não é exagero afirmar que o encontro do citarista indiano Ravi Shankar, em 1966, com o violinista norte-americano Yehudi Menuhin, no visionário LP West Meets East, alterou os rumos da história da música.

Naquele momento, duas tradições se colocavam frente a frente.

Num genial corte e costura, Shankar selecionou fragmentos da música clássica ocidental e os integrou a sua maneira. Menuhin fez o mesmo, do outro lado.

O resultado ficou orgânico, quebrou paradigmas e em nada lembra uma colcha de retalhos.

Shankar logo se tornou um guru para gente como o compositor norte-americano Philip Glass, que aos 28 anos estudava com a mítica professora Nadia Boulanger em Paris, o beatle George Harrison, que já era célebre, mas renasceu musicalmente aos 23 anos, depois do encontro com o indiano, em 1965, e o saxofonista de jazz John Coltrane.

Esse último se deixou mesmerizar pelos ragas de Shankar, os diversos tipos de escalas usados para compor e improvisar.

A Glass, o citarista mostrou os talas, estruturas de ritmo repetitivo que se tornariam uma das bases do minimalismo – o estilo erudito contemporâneo que privilegia a repetição hipnótica de melodias e acordes, com modificações quase imperceptíveis.

Para Harrison, o mestre abriu um novo mundo, e o legendário álbum dos Beatles Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band não existiria sem os ragas.

Coltrane morreu em 1967, Menuhin em 1999 e Harrison em 2001. Já Shankar, aos 92 anos, está em plena atividade.

Sua primogênita, a cantora Norah Jones, cresceu longe dele.


Mais próxima, Anoushka, a caçula, revelou-se uma virtuose da cítara.

É ela quem brilha na mais recente façanha do pai, Sinfonia, peça de 41 minutos gravada com a Filarmônica de Londres e lançada agora em CD.

O modelo formal remete ao da sinfonia clássica: allegro, lento scherzo e finale.

As semelhanças, no entanto, param por aí.

Os ritmos e as escalas modais comandam uma música orquestral envolvente.

Há afinidades com Glass, é verdade. Aqui e ali também se ouvem ecos da pegada sutil de Harrison, sobretudo nos momentos de destaque da cítara. Mas atenção: o guru é Shankar.

Sua criação soa incrivelmente interessante, mesmo sendo uma continuidade do movimento que iniciou há mais de meio século.

Ele diz que “o propósito da música indiana é levar o ouvinte a um reino de consciência, em que a revelação do verdadeiro sentido do universo pode ser vivida com alegria”.

Para o maestro David Murphy, que regeu a orquestra britânica nessa bela interpretação, a obra é “uma jubilosa experiência de som melodioso, ritmicamente marcado e multifacetado”.


João Marcos Coelho é crítico de música do jornal O Estado de S.Paulo

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