Pesquisar este blog

quinta-feira, outubro 18, 2012

Lição de tolerância para stalinistas desmemoriados



O então deputado federal Artur Virgílio Filho (PTB) discursa na escada de um avião no aeroporto de Ponta Pelada. À sua frente, o governador Gilberto Mestrinho e a primeira-dama Maria Antonieta.

Mário Adolfo

Chovia naquela manhã do dia 19 de fevereiro de 1984.

Mesmo assim, a Praça do Congresso, no centro de Manaus, era uma festa.

Começando a respirar, ainda que em doses homeopáticas, o tão sonhado oxigênio da democracia, estudantes coloriam a manhã cinza com faixas coloridas de suas facções e partidos, preparando o palco para o comício das “Diretas Já!”, sentimento cívico que tomara conta de todo o país, ávido por eleger seu presidente depois de um jejum de 20 anos.

Manaus seria a primeira parada da caravana comandada pelo “Senhor Diretas” – como o repórter Ricardo Kotscho, à época na Folha de S. Paulo, batizou o deputado Ulysses Guimarães (PMDB) –, Tancredo Neves (PP) e o então líder metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva.

Estes três traduziam o sentimento que tomava conta do Brasil, mas outras estrelas do mundo artístico e político integravam a caravana das Diretas.

Ruth Escobar, Raul Cortez, Mario Juruna, Almino Affonso, Doutel de Andrade e Márcio Moreira Alves integravam essa constelação que desembarcou em Manaus no dia 17 de fevereiro.

Estavam sendo aguardados para o dia 18, o presidente nacional do PMDB, Ulysses Guimarães, o secretário-geral do partido, senador Afonso Camargo, e o deputado federal Freitas Nobre.

De acordo com a programação previamente divulgada, o comício seria aberto pelas entidades de classe, prosseguiria com os políticos amazonenses, entre eles o deputado federal Arthur Virgílio Neto – um dos mais engajados na campanha pela aprovação da Emenda Dante de Oliveira –, alguns convidados e, por último, encerrando o ato público, falaria o governador Gilberto Mestrinho.
Os estudantes do Amazonas pós-anistia eram como colegiais liberados para a hora do recreio.

Há anos sem poder se manifestar politicamente foram com demasiada sede ao pote e acabaram carregando nas tintas, expondo frases que tiravam da escuridão o Partido Comunista e batia no que restavam da ditadura militar, sobrando também para o governo do Estado, comandado por Gilberto Mestrinho que, apesar de pertencer ao PMDB, não era dos mais entusiasmados com o comício das Diretas.


O governador Gilberto Mestrinho discursa no Ideal Clube. Ao seu lado, o deputado federal Artur Virgílio Filho

No mesmo dia, quase no mesmo instante em que os estudantes esticavam suas faixas, um homem de cabelos crespos, oleosos, impecavelmente penteados para trás, olhar firme e rosto marcado por traços duros deixava o edifício Maximino Corrêa, na avenida Eduardo Ribeiro, onde morava no 15º andar, e caminhava pausadamente em direção à praça sob a proteção de um velho companheiro, o guarda-chuva.

O local do comício ficava a poucos metros do edifício, tempo suficiente para o destino dar um jeito de sincronizar os passos do homem de guarda-chuva com o ataque raivoso de um velho aliado de Mestrinho, o protético Mirabeau dos Santos.

Trazendo na alma algum resquício do entulho autoritário, Mirabeau protagonizou uma cena que envergonharia Manaus.

Numa atitude que revoltou políticos, intelectuais e militares dos partidos presentes à Praça do Congresso, o secretário-geral da Executiva Municipal do PMDB comandou a blitz que rasgou todas as faixas do PCdoB que estavam expostas no local do comício desde a sexta-feira à noite.

Os quatro homens que o auxiliaram o secretário da Executiva chegaram à praça às 10h.

Usando escadas, eles subiram nos postes e rasgaram as faixas, atirando os pedaços na pista.

Perguntado qual o motivo da atitude considerada “antidemocrática” pelos militantes do PCdoB, Mirabeau informou que “esse é um partido proscrito”.

– A manifestação é do PMDB e não do PCdoB.

A chuva não impediu que a blitz comandada por Mirabeau executasse a operação.

Em poucos minutos não existia mais uma faixa do PCdoB, com exceção da bandeirinha colocada na cabeça do mastro da praça.

Apesar disso, Mirabeau prometeu: “Ela vai sair, pode esperar que ela vai sair”.

Usando uma linguagem de ameaças, o secretário da Executiva Municipal do PMDB disse que “antes de mim já estiveram aqui alguns membros do Exército que fotografaram as faixas comunistas”.

Além do revólver, ele carregava também uma máquina fotográfica para documentar as mensagens comunistas.

– Essas fotos são muito importantes – afirmou Mirabeau.

Quando a chuva engrossou, os membros da operação se refugiaram no palanque para organizar as exposições das faixas do governo, como a de “Manuel Ribeiro pelas Diretas Já!”.

A viatura que estava ocupada pelos policiais por coincidência trazia o número de ordem PC 31-086.

– Isso é só um número, não tem nada a ver, é só uma coincidência – ironizou Mirabeau.

Expondo propositadamente o revólver 38 cano duplo à cintura, Mirabeau se negou a falar de onde partiram as ordens para o gesto tresloucado.

– São ordens superiores! – limitou-se a informar Mirabeau, com um dedo em riste sobre a cara de um militante do Diretório Universitário.

Foi nesse exato momento que o senhor do guarda-chuva chegou à praça, sendo atraído pelo princípio de tumulto.

De guarda-chuva em punho devido à chuva que engrossara, o homem investiu contra o secretário do PMDB.

– Onde o senhor pensa que está? A praça é livre e este é um país que está caminhando para a democracia. Deixe os meninos em paz. Os comunistas têm esse direito, sim! – disse o homem empunhando seu guarda-chuva como uma lança pronta para atacar.

Só na segunda investida do guarda-chuva, o repórter identificou quem era aquele defensor da liberdade de expressão.

Tratava-se do senador Arthur Virgílio Filho, que teve a voz e a carreira política silenciadas pelo golpe militar de 1964, pai do deputado federal Arthur Virgílio Neto.

O protesto contra a atitude repressora trazia o mesmo traço de indignação de seu discurso de 20 anos atrás, que culminou com a cassação.

– Ninguém pode impedir ninguém de ter idéia! – disse o ex-senador.

– Não sou do PCdoB e nunca serei, mas deve-se respeitar o direito às idéias. Se estiver uma faixa até do Partido Nazista deve-se respeitar, pois é um direito de pensar! – discursou, balançando seu guarda-chuva, o velho senador no meio de uma roda de estudantes maravilhados e sob os olhares estupefatos de Mirabeau e seus guarda-costas.

Em seguida, olhando para o repórter que presenciava a cena, proferiu a frase que o jornalista nunca mais esqueceria:

– Podem matar meu corpo, mas minhas idéias continuarão vivas! – disse Arthur Virgílio Filho para logo em seguida, com a roupa completamente ensopada, se retirar da praça e seguir seu destino.

O que ficou conhecido como o “protesto do guarda-chuva”, sintetiza o que foi a vida do senador Arthur Virgílio Filho.

Um homem que sacrificou sua carreira profissional e política, mas não vendeu suas idéias e muito menos a sua alma.


Da esquerda para a direita: Lena Sá, Celeste, Wilson, Socorro Papoula, Verenilde Pereira, Mara Rúbia, Ozi Cordeiro, Isa Kokay, Téo Corrêa e Polita Goncalves.



NOTA DO EDITOR DO MOCÓ

Esse texto faz parte de um livro sobre o senador Artur Virgílio Filho, escrito pelo jornalista Mário Adolfo e publicado pelo Senado Federal.

O livro deve ser lançado em Manaus, em dezembro.

Seria irônico, se não fosse trágico, o PCdoB, da candidata Vanessa Grazziotin, tentar hoje colar em Artur Neto uma face de político autoritário, antidemocrático e violento.

Mas quem conhece Artur Neto há mais de 40 anos, como eu e Mário Adolfo, está convencido de que ele herdou de seu pai, acima de tudo, o apreço pela liberdade.

E isso ele vai mostrar a partir de janeiro, quando assumir a prefeitura de Manaus.

O bom de ainda estar vivo é poder desmascarar esses stalinistas desmemoriados.

Um comentário:

Francenildo Lima disse...

Leia o livro "O Chefe" de IVO PATARRA leitura gratuita acessar o site: www.escandalodomensalao.com.br vale apena, fala da corrupção no governo Lula!