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quinta-feira, novembro 01, 2012

O medalhão de filé do Professor Zé



Setembro de 1983. Depois de passar vinte anos trabalhando como cozinheiro do cargueiro Cabo Orange, nas viagens internacionais do Lloyd brasileiro, o Professor Zé (seu nome original era Joseph Thomas Smith), um barbadiano divertidíssimo, foi contratado para ser o cozinheiro oficial do Barraka’s Drinks.

Além de falar inglês e francês fluentemente, o Professor Zé gostava de animar as rodas de birita contando suas inacreditáveis aventuras d’além mar e fazia alguns dos melhores pratos da culinária internacional, como o pato ao molho de laranja e o coq au vin.

Seu prato favorito de carne, entretanto, era o steak au poivre, uma receita francesa deliciosa de filé com pimenta aromática, que logo se tornou o hype do boteco.

Todo sábado, Frank Cavalcante e Nei Parada Dura, entre outros, almoçavam a iguaria.

Para fazer o prato, de acordo com o Professor Zé, era necessário 4 steaks chateubriand de filé-mignon de 200 gramas cada um, 600 ml de caldo de carne, 60 gramas de manteiga, 30 gramas de pimenta-preta (já moída), 8 gramas de pimenta-verde em conserva, 8 gramas de pimenta-vermelha, 15 gramas de maizena e sal a gosto.

A preparação não era complicada e passo pra vocês a receita que ele me ensinou: em uma panela, em fogo baixo, aqueça o caldo de carne e adicione aos poucos a maizena batendo sempre com um batedor de maneira a manter uma consistência homogênea. Deixe engrossar. Reserve.

Tempere a carne com a pimenta-preta e sal a gosto. 

Em uma frigideira de aproximadamente 40 cm de diâmetro, deixe a manteiga derreter e aquecer bem. 

Frite primeiro dois steaks, deixando-os mal passados. 

Repita a mesma operação para os outros dois. Reserve a carne.

Despreze a manteiga em que foram fritos e use a mesma frigideira para acrescentar o molho feito com o caldo de carne. 

Deixe engrossar mais um pouco e tempere com sal a gosto.

Para finalizar, coloque os steaks novamente no molho, incorpore a pimenta-verde.

Sirva um chateaubriand por pessoa com molho.

Decore cada prato com um pouco de pimenta-vermelha e sirva com arroz branco.

O sucesso do prato despertou a atenção de Kleber Luiz, um dos donos do Barraka’s.

Ele não entendia como um simples filé metido a besta recebia de acompanhamento um pirex com quase um quilo de arroz branco.

Alguma coisa estava fora de ordem.

Um dia, aproveitando o pouco movimento do bar em uma manhã de sábado, Kleber Luiz resolveu conferir de perto o steak au poivre pedido pela enésima vez pelo empresário Frank Cavalcante.

Sentados ao lado do empresário, para dividir a bóia, estavam Lucio Preto, Mestre Carioca, Rubens Patinete, Chico Porrada, Antídio Weil, Sadok Pirangy e mais meia dúzia de pessoas, cada um deles portando prato e talheres.

Estava na cara que aquele único medalhão de filé não ia dar pro começo.

De repente, o Professor Zé deposita na mesa um pirex com quase um quilo de arroz branco e vai embora.

Kleber Luiz pegou um dos garfos que estavam sobre a mesa e, instintivamente, cravou na montanha de arroz branco.

Quando levantou o garfo, havia fisgado um portentoso medalhão de filé.

Nenhum dos cachorros presentes na mesa deu um pio.

Imediatamente, Kleber Luiz apanhou uma colher sobre a mesa e começou a retirar a camada superior do arroz.

Mocozados no fundo do pirex e encobertos pelo arroz estavam mais cinco medalhões de filé. Sem perder a calma, ele deu um grito em direção à cozinha:

– Professor Zé, venha aqui fora um momento, que dessa vez a casa caiu...

Enxugando as mãos no avental, o cozinheiro se aproximou da mesa da discórdia e percebeu que seu truque havia sido descoberto.

– Porra, Professor Zé, o senhor está jogando do lado dos bandidos e fodendo eu e meu irmão, que lhe pagamos o salário... Assim não dá...

O cozinheiro não disse nada.

Os cachorros presentes também não deram um pio.

O steak au poivre foi suspenso definitivamente do cardápio do Barraka’s Drinks.

E, a partir daquele dia, as poções de arroz passaram a ser servidas em minúsculas terrinas de barro.

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