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quinta-feira, dezembro 13, 2012

A Paixão de Ajuricaba



Maio de 1997. Poucos meses depois de fazer bonito na reeleição, em que entregou dezenove votos para ajudar o governo a aprovar a emenda que permitiu a Fernando Henrique Cardoso disputar um segundo mandato em 1998, o governador Amazonino Mendes viajou para a Ucrânia.

Oficialmente, ele ia observar de perto as usinas movidas a gás existentes naquele país para, posteriormente, fazer um acordo de tecnologia visando à reconversão das usinas termelétricas de Manaus para aproveitamento do gás de Urucum.

Na realidade, Amazonino estava fugindo dos holofotes da mídia depois de ter aparecido como homem da mala no balcão da reeleição, apontado por dois deputados acreanos (João Maia e Ronivon Santiago) que venderam seus votos por R$ 200 mil, conforme matéria publicada no jornal Folha de S. Paulo.

Durante uma parada técnica em Estocolmo, na Suécia, o governador ficou impressionado com a versatilidade de um militar aposentado chamado Climério Johansson, encarregado pela embaixada brasileira de ser o intérprete da delegação amazonense na terra dos vikings.

Quando partiu para a Ucrânia, Climério já havia sido incorporado à comitiva do governador como Assessor Estratégico de Assuntos Internacionais, em virtude de falar fluentemente inglês, francês, alemão, espanhol, eslavo, sueco, finlandês, russo, mandarim, japonês e javanês.

De volta a Manaus, o versátil Climério Johansson se transformou no assessor mais poderoso do governador Amazonino Mendes, despertando uma ciumeira geral no resto do secretariado (aliás, o Negão sempre incentivou alegremente esse fogo amigo em todas as suas administrações).


Um dia, Climério chamou a Manaus o artista plástico parintinense Jair Mendes e lhe incumbiu de fazer o projeto de uma estátua gigantesca do índio Ajuricaba, para ser erguida exatamente no Encontro das Águas.

Única exigência de Climério: a estátua teria que ser vista tanto da frente da Ponta Negra quanto da frente do Careiro da Várzea.

Jair Mendes e mais seis artesãos parintinenses passaram um mês fazendo cálculos de todo tipo até concluírem que, para cobrir aquele imenso campo visual, o Ajuricaba precisaria ter uma altura mínima de 48 metros (para simples comparação, o Cristo Redentor tem 28 m).

Eles levaram dois meses para esculpir em madeira uma belíssima réplica da estátua com 1,60 m (na proporção 30 pra 1) e mostraram o trabalho para Climério.

O Assessor Estratégico de Assuntos Internacionais vibrou como um menino: aquele era o mais fabuloso Ajuricaba que ele já havia visto ao longo dos seus 65 anos de existência.

Climério, Jair Mendes e os demais artesãos cobriram a réplica com tecido negro e resolveram fazer uma surpresa para o governador Amazonino Mendes.

Na época, o governador morava na mansão do empresário Otávio Raman, na estrada do Cetur, lá pras bandas do Tarumã.

Quando chegaram a casa, perceberam que Amazonino Mendes estava fazendo a sesta pós-almoço, deitado confortavelmente em uma rede de casal.

Meia dúzia de aspones se distraía espantando os insetos voadores que teimavam em atrapalhar o merecido descanso do Negão.

Pacientemente, Climério e sua turma esperaram o governador acordar.

Duas horas depois, Amazonino abriu os olhos e não entendeu que diabos estava fazendo ali ao lado aquele bizarro embrulho de tecido negro.

Climério entrou macio:

– Meu governador, o senhor se lembra daquele seu sonho recorrente de fazer um monumento ao índio Ajuricaba exatamente no Encontro das Águas?...

Antes que o governador abrisse a boca, Climério já foi dando o cheque mate:

– Pois graças ao talento desses artistas parintinenses, o seu sonho está muito perto de se transformar em realidade! Isso aqui é uma amostra proporcional da futura obra-prima!

Aí, descobriu a escultura.

O governador tomou um susto.

Nos seus 57 anos de existência, Amazonino nunca tinha visto um índio tão fabuloso e imponente quanto aquele Ajuricaba.


A escultura dos parintinenses rivalizava, em beleza, realismo e harmonia, com a famosa estátua do rei Davi prestes a lutar contra Golias, esculpida por Michelangelo.

Havia apenas uma pequena diferença: enquanto a escultura do mestre florentino possui um sexo de dimensões modestas, o Ajuricaba possuía uma jeba imensa, grossa, cabeçuda, quase alcançando os joelhos.

Detalhe: a sucuriju do tuxaua estava no modo “descanso”.

Amazonino se ajeitou melhor na rede para apreciar a escultura e fez um único questionamento:

– Ô, Jair Mendes! O Climério disse que isso aí está na proporção. Quando a estátua original estiver pronta de que tamanho vai ficar essa jeba?...

– Do tamanho de um poste de cimento de alta tensão, governador! – explicou o parintinense. “Só que com o dobro da grossura...”

O governador quase caiu da rede.

– Olha, meus amigos, não me levem a mal, mas se a gente colocar um troço desses no Encontro das Águas, a gente vai virar motivo de gozação no planeta inteiro...

O sonho recorrente do governador foi sepultado no mesmo dia e, provavelmente, para sempre.

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