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quarta-feira, fevereiro 29, 2012

Manés brazucas em uma freeway yankee


Janeiro de 1994. O publicitário Renato Pitanga estava em Las Vegas, nos EUA, acompanhando seu irmão, o empresário Edson Souza, dono da empresa carioca Apoio Técnico, numa visita a “International Consumer Electronics Show” (CES), considerada a maior feira de produtos eletrônicos do mundo.

Para quem não sabe, a empresa Apoio Técnico nasceu em 1986 por iniciativa de seu fundador, o radialista Edson Souza ou “Edson Pitulino”, como era comumente conhecido no mercado de radiodifusão, onde trabalhou por 18 anos como operador de áudio e sonoplasta.

Nascido em Manaus, Edson trabalhou na Rádio Baré e na TV Educativa, se transferindo, em 1974, para o Rio de Janeiro, tendo trabalhando nas rádios Tupi FM, Nacional e Jornal do Brasil, saindo desta última para fundar sua própria empresa.

Participando da CES desde 1992, Edson Pitulino costuma levar cerca de oito funcionários em regime de boca livre total para travarem conhecimento sobre os últimos avanços tecnológicos no campo da radiodifusão.

Os números da CES impressionavam qualquer um: mais de 500 mil m² em quatro pavilhões de exposições, distribuídos pelo Las Vegas Convention Center e pelos hotéis Hilton, Riviera e Alexis Park, 30 salas de conferência, um gigantesco auditório e média de 110 mil visitantes e 4 mil jornalistas especializados do mundo inteiro.


O publicitário Renato Pitanga ficou zonzo com tantos expositores, desde gigantes tipo Hewlett-Packard, Intel, Epson, Logitech, Microsoft, National Semiconductor, Panasonic, Pioneer, Samsung, Sony, Texas Instruments e Toshiba a semidesconhecidos como XM Satellite Radio, Kyocera, Palm, Harman, Sirius Satellite Radio e Zenith.

Quatro dias depois, tendo conseguido visitar apenas metade dos expositores, a turma do Apoio Técnico resolveu voltar para sua base operacional, em Los Angeles, e de lá retornar para o Brasil.

Edson Pitulino alugou dois sedans médios de luxo (modelo Buick Park Avenue) e dividiu a turma em duas equipes.

Um dos carros, guiado por ele, levaria quatro funcionários.

Renato Pitanga assumiria o volante do outro e também levaria quatro ocupantes.

Os dois irmãos se despediram e caíram na estrada.

Assim que entraram na primeira freeway, Edson Pitulino, dirigindo a 200 km/h logo sumiu na estrada.

Como a distância entre as duas cidades é de 400 km, ele pretendia fazer a viagem em duas horas.


Renato Pitanga, a 150 km/h, estava na dele, mas logo deu um toque pra rapaziada:

– Eu só vou dirigir até ali perto de Victorville. De lá em diante, alguém assume a direção, porque eu estou muito cansado e morrendo de sono!

– Nós também! – repetiram em uníssono os demais ocupantes do carro.

– Além disso, nenhum de nós sabe dirigir! – avisou um outro sujeito.

Renato Pitanga não disse nada.

Meia hora depois, os passageiros do carro estavam dormindo que roncavam.

No meio daquele retão infinito da freeway, o publicitário deu uma freada espetacular de fritar pneu e depois voltou a acelerar.

Com o solavanco do carro, os quatro sujeitos acordaram assustados.

O que estava no banco do carona era o mais nervoso.

– Que porra foi essa? – indagou.

Passando as mãos nos olhos, Pitanga explicou calmamente.

– Sei lá! Eu acho que passei uns cinco minutos dormindo aqui na direção e o carro quase saiu da estrada...

O sujeito olhou o mostrador.

Pitanga estava a 180 km/h.

O sujeito ficou apavorado:

– Puta que pariu, Pitanga! Você passou cinco minutos de olhos fechados com essa merda a 180 km/h?


Pitanga confirmou com a cabeça.

Os três sujeitos do banco de trás estavam perplexos.

– Caralho, você está querendo nos matar? – perguntou o sujeito do banco de carona.

Pitanga assentiu negativamente com a cabeça, enquanto continuava coçando os olhos para espantar o sono.

– Esse cara é maluco, porra! Esse cara é maluco! Como é que alguém passa cinco minutos de olhos fechados dirigindo a 180 km/h? Só se o cara for maluco, porra! – reclamou outro sujeito.

Foi quando Pitanga resolveu dar o cheque mate:

– Acho bom vocês deixarem de frescura, meu caralho, porque vocês quatro também estavam dormindo. Eu simplesmente apaguei. Ou vocês acham que Deus fez o sono só pra vocês? Quando o sono chega, a gente simplesmente apaga. Vou fazer o que?...

Os sujeitos ficaram mais nervosos ainda.

Além de maluco, o motorista estava disposto a repetir a experiência de novo porque se achava coberto de razão.

– Para essa porra aí, Pitanga, para essa porra aí, que eu tenho carteira internacional e sei dirigir. Vai matar o caralho! – berrou um dos sujeitos do banco de trás.

Pitanga não se fez de rogado.

Trocou de lugar com o sujeito e foi dormindo o sono dos justos até Los Angeles.

Nenhum dos outros quatro ocupantes do carro quis pregar os olhos de novo.

Era um bando de manés.

terça-feira, fevereiro 28, 2012

Mamonas Assassinas 4Ever


Março de 1996. Por volta das 9h da manhã de um domingo, o jornalista Augusto Banega telefona para minha casa e canta a pedra:

– Meu chapa, eu preciso que você venha agora mesmo aqui pra redação do Amazonas em Tempo, que os Mamonas Assassinas acabaram de se foder em um acidente de avião!

Naquele domingo ensolarado, Augusto Banega, que era editor de Cidades, estava como editor geral plantonista da edição de segunda-feira.

Na redação, somente os jornalistas da editoria de Esportes.

Assim que entrei na redação, Banega foi avisando:

– Já convoquei o Mário Adolfo. A gente vai sair com uma edição especial sobre os Mamonas na edição de amanhã e preciso de matérias sobre eles, porque as agências nacionais ainda não mandaram porra nenhuma! Como vocês dois são os únicos humoristas da redação, se virem pra fazer um bom trabalho!

– Bicho, eu só conheço os Mamonas Assassinas de escutar “Pelados em Santos”, no rádio, todo santo dia. Não sei nem o nome dos músicos! – tentei explicar. “Nunca publiquei uma linha sobre a banda no caderno de Cultura do jornal. Aliás, nós não temos nem fotos deles nos arquivos...”

Ao ouvir aquilo, Augusto Banega ficou simplesmente puto.

Ele acendeu um cigarro e ficou fumando furiosamente na sacada da redação, no mais profundo silêncio, pensando sabe-se lá em quê.

Talvez em me esganar ou em me dar um tiro no quengo, quem sabe.


Tentei desanuviar o clima.

– Eu ontem fui comprar uma revista Bizz na banca da Drogaria Avenida e vi um pôster dos Mamonas Assassinas pendurado do lado de fora da banca! – avisei. “Vamos voltar lá e dar uma garimpada no local que é bem capaz de encontrarmos alguma coisa interessante!”

Ouvindo aquilo, Augusto Banega apagou o cigarro na mesma hora e, me puxando pelo braço, desceu a escada do prédio quase correndo.

Assim que embarcamos em seu carro, nos mandamos para a banca de revistas.

Escarafunchando o estoque de material antigo e em vias de ser descartado, encontramos três revistas diferentes contando a história da banda.

O primeiro problema estava resolvido: a gente agora tinha uma bússola para se orientar.

Banega comprou as revistas e voltamos pra redação quase na mesma hora em que o Mário Adolfo também estava chegando.

Nós três entramos na sala de reuniões e Banega nos colocou a par do seu plano diabólico:

– Eu falei com a Menga e ela autorizou a gente sair com um tabloide de 16 páginas sobre a banda. O Simão, que é editor de Cultura, vai explorar o lado satírico dos Mamonas, comparando, por exemplo, com o grupo “Casseta & Planeta”. Preciso de umas quatro matérias a respeito. Tu, Mário Adolfo, que é editor do suplemento infantil Curumim, vai explorar a empatia da banda com a criançada. Preciso de quatro matérias a respeito. Eu vou fazer duas matérias mostrando a opinião de artistas locais sobre a importância da banda e vocês dois precisam fazer mais duas matérias sobre a carreira musical do grupo. Nós vamos reservar três páginas para as matérias “frias” enviadas pelas agências porque é isso que todo mundo vai dar. O importante é a gente sair com 12 páginas “quentes”, produzidas aqui na redação.

Após essa pequena preleção, cada qual foi para o seu computador escrever as matérias.

Senti que meu domingo tinha ido pras picas, mas não disse nada.


Em pouco mais de meia hora, eu li as três revistas compradas na banca, anotei alguns dados técnicos e comecei a viajar.

Mostrei que o avô ancestral da banda era o jornalista e humorista Sergio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, que inaugurara a sátira musical à base do escracho com “Samba do Crioulo Doido”, gravado por Wilson Simonal, nos longínquos anos 60.

Falei de grupos e cantores que haviam aprofundado essa vereda – Língua de Trapo, Velhas Virgens, Casseta & Planeta, Falcão, Ultraje a Rigor, Eduardo Dusek e Joelho de Porco.

Relembrei outros músicos que, como eles, haviam morrido no auge da popularidade (Buddy Holly, Ritchie Vallens, Jim Morrison, Jimi Hendrix, Otis Redding, Marvin Gaye).

Analisei as principais letras do disco (“Pelados em Santos”, “Vira Vira”, “Robocop Gay”, “Chopis Centis”, “Uma Arlinda Mulher”) mostrando a crítica social subjacente ao texto de escracho e vaticinei: suas músicas são perenes e, a exemplo dos Beatles, ainda serão ouvidas daqui a 20 anos.

Augusto Banega e Mário Adolfo também viajaram pelas esferas celestiais, produzindo textos emocionantes, brilhantes, primorosos.

O suplemento ficou absolutamente fantástico e deu um banho na concorrência.


Na segunda-feira, o Amazonas em Tempo esgotou sua edição antes das 8h da manhã e o telefone da administração não parou mais de tocar, com leitores aflitos querendo comprar o “suplemento dos Mamonas”.

Foi preciso rodar às pressas mais de 15 mil exemplares do tabloide para serem distribuídos graciosamente aos interessados.

A Menga Junqueira fez questão de parabenizar a nossa pequena equipe diante da redação, elogiando bastante o nosso profissionalismo.

Eu e Mário Adolfo devolvemos todos os elogios a quem de direito: ao jornalista Augusto Banega.

Só mesmo um sujeito antenado como ele para intuir o fenômeno de massas em que a banda se converteria a partir daquele acidente fatal e transformar sua intuição em uma impressionante, maravilhosa, soberba edição histórica.

O grupo Mamonas Assassinas foi o maior sucesso de toda história do pop brasileiro.

Suas letras sacanas e escrachadas, seus arranjos criativos e a presença brincalhona do vocalista Dinho garantiram ao grupo espaço junto ao público adolescente e, para a própria surpresa deles, infantil.

Tanto que foi o primeiro grupo brasileiro cujo disco de estreia vendeu mais de um milhão de cópias em menos de seis meses, recorde jamais batido desde então.

O badalado RPM, do vocalista e sex-symbol Paulo Ricardo, levou o dobro do tempo para alcançar essa marca com seu histórico disco ao vivo.


Grande parte do sucesso da banda pode ser creditada ao vocalista Dinho, o mais palhaço dos cinco e, ainda assim, capaz de arrancar suspiros românticos das meninas apaixonadas.

O guitarrista Bento Hinoto, um japonês que se apresentava usando o cabelo no estilo rastafári, era o responsável pela mistura de estilos musicais da banda, que incluía brega, pagode, sertanejo, baião e outros ritmos cafonas com pitadas de rock & roll bem pesado.

O tecladista Júlio Rasec – o sobrenome artístico era, na verdade, seu segundo nome, César, escrito ao contrário – ficou conhecido pelo desempenho da portuguesa Maria, na música “Vira-Vira”.

Os irmãos Reoli, Samuel (baixo) e Sérgio (bateria), usavam uma corruptela do verdadeiro nome da família, Reis de Oliveira, como nome artístico.

No começo era o Utopia, uma banda especializada em covers de grupos como Rush e Legião Urbana.

Certo dia, eles faziam um show num ginásio na cidade de Guarulhos quando o público pediu para que cantassem uma música do Guns N’Roses.

Como nenhum dos integrantes do Utopia sabia a letra, convidaram alguém da plateia para assumir o vocal.

Foi aí que Dinho se apresentou.

Ele também não sabia a letra, mas provocou tantas gargalhadas no público com as palhaçadas que fez no palco, que acabou sendo convidado a fazer parte da banda.

Com um novo integrante, o grupo começou a percorrer a periferia de São Paulo.

Gravaram inclusive um disco, que não chegou a vender mais de 100 cópias.

Tentavam se impor pela seriedade, mas acabavam sempre caindo no escracho.

“Mesmo cantando músicas sérias, já tínhamos a mania de passar a mão na bunda um do outro no palco”, explicava Dinho.

Além disso, era comum fazerem músicas com letras engraçadas, brincando com a cara de amigos e parentes.

Tão engraçadas que resolveram arriscar uma mudança de rumo.


Para começar, mudaram o nome da banda, já que não ficava legal uma banda com o nome de Utopia cantando aquele tipo de música.

Entre as muitas ideias que apareceram pode-se destacar Os Cangaceiros De Teu Pai, Coraçõezinhos Apertados, Uma Rapa de Zé e Tangas Vermelhas.

Mamonas Assassinas foi o escolhido porque, segundo Dinho, “foi o nome que mais fez a gente rir”.

Hilária também era a versão em inglês do nome do grupo, indicando que na verdade as “mamonas” não eram as tão inocentes frutinhas que as crianças pensavam: The Killer Big Breastes ou “Peitões Assassinos”.

Com a fita-demo pronta, agora era com as gravadoras.

E foi a EMI que acabou lançando os Mamonas Assassinas.

Nessa contratação há o papel decisivo de Rafael, o filho do diretor artístico da EMI-Odeon João Augusto Soares e baterista do grupo Baba Cósmica, que tanto encheu o saco do pai que este foi conferir uma apresentação da banda e gostou do que viu.

Dessa forma, em abril de 1995, foi assinado o pedaço de papel mais importante da vida dos “Fabs Five” de Guarulhos.


Além disso, em maio de 1995, os Mamonas Assassinas, graças ao trabalho de uma assessora de imprensa contratada pelo empresário do grupo (e praticamente o sexto “mamona”), Rick Bonadio (aka “Creuzebek”), faziam sua estreia nacional em grande estilo: no programa Jô Soares Onze e Meia.

Estava aberta a porta para o sucesso.

Sucesso este que se refletiu em uma média de cinco shows por semana, em milhões de cópias vendidas, em centenas de milhares de fãs espalhados pelo Brasil e pelo mundo.

Pois foi assim, no sucesso, que eles se foram, no dia 2 de março de 1996, quando o avião onde eles viajavam se chocou com a Serra da Cantareira, em São Paulo.

Ou, como diria a rapaziada em sua tão conhecida irreverência e alegria: “O piloto deu sinal de luz, mas o morro não saiu da frente.”

Seu único álbum oficial, que conseguiu vender – num período forte da pirataria de CDs no Brasil – mais de 2,8 milhões de cópias em menos de um ano, continua sendo um marco histórico até hoje.

Não é pouca porcaria.

domingo, fevereiro 26, 2012

Rescaldo do carnaval


Na última sexta-feira, o empresário Sici Pirangy resolveu celebrar seu aniversário no Botequim do Solarium, no velho e conhecido esquema de boca-livre total.

Apesar dos pouquíssimos convidados, foram consumidas três garrafas de uísque (Red, Green e White Horse), duas grades de cerveja, três garrafas de vinho e um litro de batida de taperebá (cortesia do Caxuxa), o que mostra que, em termos de birita, a velha guarda dos Ciganos ainda está com força total.

Na trilha sonora, somente músicas que tocaram nas “brincadeiras” de nossa adolescência.

Abaixo, algumas fotos da fuzarca que só terminou na madrugada de sábado.












sexta-feira, fevereiro 24, 2012

Sobre meninos e lobos, ou melhor, sobre criativos e anunciantes


Sábado gordo, na semana passada.

O dia está amanhecendo e ainda não consegui finalizar um anúncio de oportunidade para um filho da puta cliente especial que espera a peça em Recife (PE).

O texto de sustentação foi aprovado na hora, mas ele encasquetou com a chamada do anúncio porque não coloquei a palavra “frevo”.

Pelos xingamentos que recebi via Skype, ele devia estar cada vez mais nervoso.

Minha princesinha desistiu de avaliar as frases por volta das 23h30 de sexta-feira e, com aquela cara safada que só uma mulher apaixonada costuma exibir, foi dormir o sono dos anjos.


Tecnicamente, eu estava sozinho no mocó.

Pras ideias ficarem mais claras, experimentei tomar uísque sem gelo.

Aí, mudei pra cerveja em lata.

Aí, voltei ao uísque, dessa vez com gelo.

Aí, voltei pra cerveja em lata com limão e sal.

Por último, resolvi encarar vodka com limão, fanta uva e guaraná em pó.


Sei lá, mas de repente deu um toooiiimm no meio do cerebelo e me descobri diante da criação primordial.

Eu estou em uma savana no cu da África e vejo o primeiro macaco descer da árvore e ficar em pé.

Ele tem a cara do Barack Obama.

O raciocínio está cada vez mais rápido, uma ideia atrás da outra, as frases que digito na tela do computador são criativas, avançadas, arrojadas, debochadas, incríveis, ultra-hiper-realistas.

Eu agora sou o Paulo Barros da publicidade amazonense.


A merda é que quando tento explicar pro viado campeiro cliente especial pelo Skype o gancho de cada nova frase – porque as ideias continuam vindo aos borbotões, uma atrás da outra, cada uma mais criativa do que a anterior – ele se limita a perguntar: “Você está fumando maconha?...”

O dia amanheceu.

Garanti ao corno manso cliente preferencial que a frase definitiva da peça estaria no seu iPad antes do meio-dia, desliguei o Skype e fui dormir.

Não consegui.

O que consegui foi acordar a Maria Cristina, que dormia o sono dos anjos.

Eu estava endiabrado.


Dividimos um lauto café da manhã (ela foi de suco de laranja, melancia, mamão-papaya, chocolate e misto-quente, eu fui de cerveja em lata e azeitona verde).

Dançamos (ou tentamos dançar) meio abraçados meia-dúzia de músicas, de frevo rasgado a brega-fim-de linha, de forró original a rock pesado, quando cantei a pedra:

– Meu doce de coco, liga pro meu cunhado vir te pegar e vai comprar tua fantasia pra Banda do Caxuxa, que ainda preciso matar um rinoceronte branco!

Enquanto a gente esperava pelo motoqueiro-fantasma, coloquei pra rolar “Pedaço de Mau Caminho”, na versão do Lula Queiroga, que tem uma pegada hard rock.

Fiz questão de declamar a letra pra Maria Cristina:

“Antigamente / Eu era triste e não sabia / Que no amor sempre existia / Um alguém pra outro alguém / Você chegou / Eu mudei completamente / Sou igual a tanta gente / Hoje sou feliz também / Porque / Você é o meu pedaço de mau caminho / A medida certa para o meu carinho / A coisa mais linda que eu já conheci / Você é o meu sonho bom que virou verdade / Que me trouxe paz, felicidade / É a emoção mais pura / Que eu senti / Você pra mim / Já é fato consumado / Meu presente, meu passado / O futuro / Que sonhei / Você pra mim / Representa a própria vida / Minha musa preferida / A canção que cantarei / Porque / Você é o meu pedaço de mau caminho / A medida certa para o meu carinho / A coisa mais linda que eu já conheci / Você é o sonho bom que virou verdade / Que me trouxe paz, felicidade / É a emoção mais pura que eu senti.”


Ela riu pra caralho do meu avançado estado de embriaguez alcóolica.

Sempre prestativo, meu cunhado chegou meia hora depois e levou a Maria Cristina embora.

Levei mais duas horas de esforço intelectual para enviar três frases definitivas para o paneleiro pernambucano cliente especial e aguardei torturantes dez minutos até chegar a carta de alforria em forma de torpedo: “Do caralho, sensacional, era isso mesmo. Você é foda, maconheiro!”

“Maconheiro é a puta que te pariu!”, tive vontade de digitar no celular.

Os dedos não obedeceram.

Estava próximo do meio-dia.

Sim, eu estava completamente de porre.


Bebi dois litros de água gelada, quase me afogando, porque recebi um e-mail dizendo que isso era bom para evitar doenças.

Deve ser bom pra evitar doenças, porque pra diminuir um porre não passa de um placebo sem-vergonha.

Fiquei ouvindo o Bob Marley em estado de catalepsia durante duas horas.

Três passarinhos garantiam que eu não devia me preocupar com porra nenhuma porque no final tudo daria certo.

Aí, comi meia-dúzia de bananas-prata e fui me encontrar com os bandidos que estavam organizando a Banda do Caxuxa.


Estava todo mundo lá no Bar do Jacó: Arlindo Jorge, Marlon, Vladimir Brother, Iran, Mário Caçapava, Nilson, Luiz Lobão, Selmo Nogueira, Mika, Val, Hilário, Edlúcio, Nelsinho, Paulo César Dó, etc.

O Simas havia comprado dois litros de Red.

Eu mal conseguia beber Pepsi-cola para repor o açúcar perdido nos três dias de esbórnia anteriores.

Só comecei a beber uísque com Pepsi-cola por volta das 18h, depois que todas as pendências da banda estavam devidamente resolvidas.

O Simas já estava trilouco.


Pro sacana ficar tetralouco, bastava eu pedir pra ele maneirar na bebida – o que acabou acontecendo.

Irmãos mais novos adoram contrariar irmãos mais velhos.

Faz parte do lado escuro da força.

A um passo de ficar hexalouco, Simas se levantou abruptamente da mesa e saiu a pé em direção da sua casa, como se fosse um zombie haitiano.

Até os cachorros da vizinhança estranhavam e saíam correndo, ganindo assustados, com os rabos entre as pernas, diante daquela estranha aparição.

Por volta da meia-noite, Arlindo Jorge me deixou no mocó.


Passei o domingo submerso.

E a segunda-feira também.

Por volta das 11h da manhã da terça-feira gorda, Arlindo Jorge e Vladimir Brother apareceram no mocó para me sequestrar.

Argumentei que a Maria Cristina ainda estava realizando os prosaicos serviços de lavar os pratos sujos da casa (o que era meia verdade, já que ela estava apenas lavando os pratos que sujara. Nessas coisas somos um casal democrático: cada um lava o seu.).

A Maria Cristina me ajudou a vestir minha futurista fantasia de “puta punk grávida de oito meses”, depois a ajudei a vestir sua fantasia de “Jeannie é um gênio” – e quase que desisto de ir pro Caxuxa de vez quando ela ficou pelada porque minha gata está cada dia mais exuberante – e nos mandamos pro frege, a bordo do carro do Simas.

Devia ser meio-dia e uma chuvinha chata continuava a encher o saco.


Eu e Maria Cristina, fantasiada de odalisca ultra-hot-sexy, fomos para uma cobertura ao lado do Bar do Jacó, onde Mika de Manaus e Maestro Malheiro acertavam a aparelhagem.

Percebi logo o tamanho da encrenca.

A Maria Cristina era a única figura feminina em uma alcateia de uns 30 lobos famintos.

Fantasiada de odalisca ultra-hot-sexy, ela se credenciava naturalmente a ser a cereja de cobertura do bolo.

Eu conheço a minha turma da Cachoeirinha.

Morei no bairro quase 20 anos.


Era questão de tempo um filho-da-puta vir tirar ela pra pular carnaval e levá-la pelo braço para o meio da rua meio na marra, mesmo que ela tentasse azunhar o vagabundo no rosto ou cortá-lo de navalha no pescoço (pois é, eu a presentei com uma Solinger para essas emergências).

O filho-da-puta ia fazer isso sabendo que pelo código de posturas do bairro qualquer reação minha seria um convite para uma guerra total.

O eterno playboy Odivaldo Guerra costumava fazer a presepada nas “brincadeiras” de antigamente e nunca deu bronca.

Aliás, ele tinha uma técnica infalível para beijar a mulherada na boca: prendia a base da garganta da garota com os dedos polegar e indicador e pressionava com força.

Se a menina não abrisse a boca, aquele golpe de jiu-jítsu a levaria ao nocaute por absoluta falta de oxigenação no cérebro.


Sim, sou lobo-alfa, e tenho como irmão um lobo-beta brigador, mas numa guerra daquelas a gente estaria fodido – mesmo mordendo na jugular e matando uns 15 lobos-zeta.

É verdade que o lobo-alfa cinzento (Selmo Nogueira) iria brigar do nosso lado, mas ele não tem mais os caninos selvagens de antigamente.

Fiz o que me pareceu mais razoável.

Pedi ao Simas para deixar a Maria Cristina em casa.

Quando o clima desanuviasse, eu telefonaria para ela e a chamaria de volta.

Mesmo protestando, minha odalisca foi pra casa.

Os filhos-da-puta que fossem arrumar uma cereja de bolo na casa do caralho.


Depois de detonar uma garrafa de Red, comecei a me emocionar com as músicas do grupo Cordas de Ouro, o que é perfeitamente normal.

Quando o Val começou a cantar “Marcha da Quarta Feira de Cinzas” (“Acabou nosso carnaval / Ninguém ouve cantar canções / Ninguém passa mais brincando feliz / E nos corações / Saudades e cinzas foi o que restou / Pelas ruas o que se vê / É uma gente que nem se vê / Que nem se sorri / Se beija e se abraça / E sai caminhando / Dançando e cantando cantigas de amor”), me deu um aperto no coração tão fodido que achei que estava enfartando.

Foi quando telefonei pra Maria Cristina, exigindo sua presença no fuzuê.

Se eu enfartasse mesmo, ela que depois me levasse ao necrotério e providenciasse o enterro.

Namoradas são pra essas coisas.


A minha odalisca chegou quando o Val estava cantando “São demais os perigos dessa vida”.

– Essa canção foi feita pra você... – expliquei candidamente.

A Maria Cristina é da novíssima geração, só conhece de Restart pra cá.

Escutando a música pela primeira vez, ela teve uma espécie de alumbramento.

– É você cantando pra mim? – questionou.

– Claro, minha deusa. Eu iria cantar isso pra mais quem?...


E comecei a acompanhar o Val na maior cara-de-pau, com os lábios quase colados no ouvido da Maria Cristina:

“São demais os perigos desta vida / Pra quem tem paixão / Principalmente / Quando uma lua chega de repente / E se deixa no céu, como esquecida / E se ao luar que atua desvairado / Vem se unir uma música qualquer / Aí então é preciso ter cuidado / Porque deve andar perto uma mulher / Deve andar perto uma mulher que é feita / De música, luar e sentimento / E que a vida não quer de tão perfeita / Uma mulher que é como a própria lua: / Tão linda que só espalha sofrimento / Tão cheia de pudor que vive nua”

– Eu espalho sofrimento, amor? – quis saber a minha odalisca, meio ingênua, meio nervosa.

– Espalha, minha filha, principalmente entre os teus fãs do Facebook...


Ela não entendeu a ironia, mas riu delicadamente, apertou minha mão com convicção, me deu um beijo no rosto e percebi que estava na hora de dar o fora.

Foi o que fizemos.

Estamos felizes até agora.

Em compensação, o corno leproso com a mãe na zona cliente especial ainda não depositou a grana do “frila” na minha conta bancária.

Win Wenders e aprendenders.

Caramuri, a bola da Copa


O projeto “Caramuri – a bola da Copa” continua dando muitos panos pra manga.

Ontem, no finalzinho da tarde, eu, Mestre Pinheiro, Edu do Banjo, Duduzinho do Samba e Beto Mafra fomos convocados pela TV Amazonas (leia-se rede Globo) para uma entrevista com o repórter Rafael e uma apresentação ao vivo da marchinha de sustentação da campanha.

O local escolhido para a lambança foi o imponente Salão dos Espelhos do Atlético Rio Negro Clube, ainda ricamente ornamentado por conta do último baile de carnaval.


Adolescente, tentei inutilmente furar o esquema de segurança do clube barriga-preta para entrar no carnaval sem pagar e nunca consegui.

Dessa vez, entrei pela porta da frente e fui recebido pelo presidente do clube.

Te mete!

A matéria deve ir ao ar no Globo Esportes desse sábado, se não chover.


Durante a entrevista, o Rafael me perguntou se eu já conhecia a fruta caramuri.

Ilustrei minha resposta com um resumo desse causo político abaixo, que teve como testemunha ocular o advogado Sergio Litaiff.

Junho de 1986.

Candidato a deputado federal, Carrel Benevides, que era vereador em Manaus, resolve garimpar votos no município de Parintins e embarca para lá, com uma comitiva de peso: Luiz Carlos Brandão, Messody Sabbá, Sérgio Litaiff e o ex-prefeito de Presidente Figueiredo, jornalista Mário Jorge.

A missão da comitiva era conquistar o apoio de uma matriarca do clã dos Assayag, a superbacana Pérola Assayag, na época responsável em Parintins pelo escritório da Taba (Transportes Aéreos da Bacia Amazônica).


Ao atingir o espaço aéreo da ilha de Tupinambarana, o pequeno bimotor que levava a comitiva do vereador começa a fazer uma série de voos rasantes, o que incluía descidas em parafusos, voos cegos e arremates de ponta-cabeça.

Os insulares, claro, ganham as ruas, não apenas para apreciar as acrobacias aéreas, mas, principalmente, para torcer secretamente por um erro do piloto, o que faria o bimotor se esborrachar no chão.

É voz corrente na ilha dos bumbás que o verdadeiro parintinense detesta pavulagem, principalmente durante o período eleitoral.

Depois de 15 minutos de acrobacias nos céus de Parintins, finalmente o bimotor pousa na pista do aeroporto local, sob os aplausos de milhares de pessoas.


Feliz da vida, o vereador Carrel Benevides desce do avião acenando para os milhares de eleitores em potencial, que acorreram ao local em busca do piloto-suicida.

Depois de distribuir autógrafos, como se fosse um cantor de rock, Carrel sobe na traseira de uma picape e inicia uma apoteótica carreata pelas ruas da cidade.

Sérgio Litaiff, Mário Jorge e Luiz Carlos Brandão, também aboletados na traseira da picape, providenciam uma queima de morteiros digna de uma milícia taleban.

Depois de azucrinarem a população com o estampido de dez mil tiros de morteiros naquela pachorrenta manhã de domingo, a comitiva para na frente da casa de dona Pérola Assayag.


Sem saber do que se tratava, ela, hospitaleira como sempre, pede pra turma entrar e serve limonada, refrigerante, cafezinho, bolo de milho, pudim de leite e tapioquinhas no coco.

Quando Carrel se apresenta e discorre sobre suas reais intenções, dona Pérola é de uma sinceridade genuinamente parintintim.

Limpando as mãos no avental imaculadamente branco, ela mira o vereador nos olhos e dispara um exocet de médio alcance:

– O senhor é caramuri!

Carrel Benevides entende “caramuru” e fica todo pimpão.


Caramuru, como todo mundo sabe, foi o apelido que os tupinambás da Bahia puseram no português Diogo Álvares – náufrago que teria atingido as costas baianas em 1510 – depois de ele ter dado uns tiros de bacamarte pra cima para assustar os nativos e que significa “filho do trovão”.

Os dez mil tiros de morteiros haviam servido para alguma coisa.

Com o ego mais inflado do que nunca, o vereador resolve mostrar que foi um bom aluno de História do Brasil:

– Obrigado pela comparação elogiosa, dona Pérola, mas o nome correto não é caramuri, é caramuru...


Aí foi a vez de dona Pérola chutar o pau da barraca:

– Não, meu filho, o nome certo é caramuri. Esse é o nome de uma frutinha que só dá aqui de quatro em quatro anos, igualzinho a um bocado de políticos...

O papo mixou na mesma hora.

Dez minutos depois, Carrel abandonava a ilha, sem fogos de morteiros ou aplausos apoteóticos, mas bastante injuriado com a história do caramuri.

Mesmo assim se elegeu deputado federal constituinte, atropelando na reta final um candidato-anta chamado Antar.

Mas isso é uma outra história.


NOTA DO EDITOR DO MOCÓ

Neste sábado, a partir das 18h, a marchinha Caramuri vai disputar a grande final do concurso de marchinhas do Manaus Plaza (ex-TVLândia Mall). Apareçam por lá para nos dar uma força.

Mas isso é outra história.