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domingo, fevereiro 24, 2013

Louro do Pezão strikes again



Janeiro de 1987. Um cearense abusado estava fazendo a feira na mesa de sinuca no Bar do Aristides, deixando os jogadores locais à beira de um ataque de nervos.

Ele já havia derrotado Nei Parada Dura, Baixinho, Lúcio Preto, Frank Cavalcante, Odivaldo Guerra, Petrobinha, Mestre Louro, Chico Cavalinho, Nonato Índio, Edward Favela, Nego Walter, Luiz Lobão, Jones Cunha, Chico Porrada e estava com os bolsos cheios de grana ainda recendendo a leite de pato.

De repente, como quem não quer nada, Marco Aurélio se aproximou da mesa e ficou observando as firulas do jogador, que tanto detonava seus adversários como também tripudiava.

– Você não é cabra de enfrentar um homem como eu, seu baitinga. Vai amunhecar e é ligeiro! – dizia o cearense abusado, enquanto metia bolas de trivela, de puxeta, em diagonal, de tabela e casadinha.

Frank Cavalcante entregou um taco de sinuca a Marco Aurélio e anunciou:

– Pois agora eu vou apostar no taco do meu amigo e quero dobrar a aposta.

O cearense olhou para Marco Aurélio, fez uma cara de muxoxo, arriou seu taco em cima da mesa e explicou:

– Rapaz, o negócio aí é a maior brabeira... Com esse eu não jogo não... Ele já deu porrada até no Carne Frita...

– Eu não quero nem saber disso! – devolveu Frankinho. “Eu quero ver você tinir com o meu amigo! Mostre que é homem e tina a parada, seu baitola!”

– E se não tinir, vai ter que devolver todo o dinheiro que ganhou da rapaziada ou levar muita porrada! – advertiu Nei Parada Dura.

– Esse aí é o Louro do Pezão, porra. Com ele, eu não tino não! – avisou o cearense. “E taqui essa apostema de vocês, bando de mequetrefes...”

Dito isso, ele meteu as mãos nos bolsos, tirou toda a grana apurada e jogou as cédulas amarfalhadas em cima da mesa de sinuca.

Antes de ir embora, ele se virou para Marco Aurélio e avisou:

– Tu vai humilhar o caralho, mas não eu, Louro do Pezão! Tu vai humilhar o caralho!

Aí, foi embora do boteco sem um puto no bolso, mas com a autoestima ainda intacta.

O Louro do Pezão era foda!

sexta-feira, fevereiro 22, 2013

Por que os machos brasileiros gostam tanto de bundas femininas?



Essa parece ser uma questão meio óbvia, mas o óbvio precisa ser dito: por que as bundas provocam tanto fascínio (para não dizer tesão) em nós, brasileiros?

Sabemos, por exemplo, que os americanos não se ligam tanto nas rechonchudas, arredondadas e proeminentes partes do corpo feminino.

Eles preferem os peitos.

Grandes, de preferência.

Uma das explicações é que a mulher americana não tem bunda.

São planas, “flats”, na retaguarda.

Assim, na ausência, prefere-se o que existe e está disponível.

Pode fazer sentido.


Já aqui no Brasil somos abundantes em bundas, sem intenção de trocadilhos.

Essa característica pode ser atribuída à miscigenação inigualável que tivemos com os africanos, normalmente bem dotados dessa qualidade única — e tão aproveitável.

Azar dos americanos.

A bunda é atraente porque é graciosa, feminina e dá uma “quebra”, um suave desequilíbrio sensual à mulher.

Daí é que surge o rebolado, aquele movimento natural, despreocupado e altamente eletrizante que tanto nos enlouquece.

E como não enlouquecer?


Mas não só isso: bundas oferecem um contato físico insuperável por qualquer parte do corpo.

Sentir aquela massa uniforme, rígida e generosa em contato com o seu corpo é uma dádiva da natureza do sexo.

É uma questão de consistência e forma.

Por outro lado, nada é mais broxante do que uma bunda murcha.

Muitos homens se apaixonam por mulheres com doces e graciosas bundas e, ás vezes, só por isso.

Proliferam-se as Raimundas, feias de rosto e boas de bunda, satisfeitas por serem tão procuradas apesar de suas poucas qualidades a não ser essa.


E como evitar aquela conferida básica, fundamental, na franga que veio e agora vai, exibindo seus atributos posteriores.

Quem não confere a bunda da gostosa, levanta a mão.

Bundas são poemas sem palavras, arte sem cores e telas, música sem sons.

E, além de tudo tem esse nome, de poderosa sonoridade, evocando sonhos e ideias de noites profundas de prazer.

Bunda é a melhor coisa do mundo.


Afinal, quem é que não gosta de comer uma bunda fornida?

Vai me dizer que tem um tipo de homem, lá do Manchúria ou das ilhas da Polinésia, que não gosta tanto assim?

A bunda é a suprema manifestação da sexualidade.

Na sua forma perfeitamente arredondada e na sua projeção sútil e arrebitada estão guardados os melhores sonhos masculinos.

O prazer de possuir aquele pedaço de carne, em toda a sua plenitude, é o ponto mais alto do desejo masculino.

Não apenas de possuir.

De ver, admirar, observar e tocar.


Por que tanto assim?, me indaga a garota, ela mesma com caprichosos e suculentos glúteos.

Ora, por que?

A pergunta não é boa e a resposta não pode ser melhor.

Porque sim.

Mas, por mais tivesse explicações inteligentes, a garota não mudaria o seu comportamento.

Sim, ela sabe que os homens enlouquecem com bundas em geral e, particularmente, a dela, já que a tem bela e bem dotada.

Por isso, todos os dias, sem exceção, a garota se veste pensando em valorizar seus mais valioso pertence.

A calça jeans dá formato arrebitado e consistente.

Boa para situações diurnas, incluindo o trabalho.

A saia curta revela formas e inspira a imaginação.

Boa para as baladas.

O shortinho promete surpresas e gestos ousados.

Bom para os passeios no parque e na praça.


E assim a garota vai tecendo sua própria política do bumbum, como safadamente denomina e me revela.

Não, ela não está se oferecendo.

Ela não precisa expor suas qualidades para ganhar adeptos.

Mas ela quer, sim, enlouquecer os homens, atiçar a imaginação dos incautos que observam aquele pedaço de pecado requebrar quando passa.

“Ela mexe com as cadeiras pra cá, ela mexe com as cadeiras pra lá. Ela mexe com o juízo do homem que vai trabalhar”, cantou Dorival Caymmi, explicando, com maestria essa questão.

Eu canto o trecho da música e a garota encerra o assunto, como se já tivesse revelado mais segredos do que deveria.

E se afasta, mantendo longamente, em meu campo de visão, aquele pequeno, harmonioso e delicioso pedaço de puro tesão.

quarta-feira, fevereiro 20, 2013

Recordando Orlando Farias ou terça-feira não é um bom dia pra morrer!



Conheci o futuro jornalista Orlando Farias no campus do Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL), ali na Rua Major Gabriel, no primeiro semestre de 1978.

Eu tinha 21 anos, estava cursando Administração e havia me formado no ano anterior em Engenharia Eletrônica pela Utam.

Ele tinha 20 anos, estava cursando Filosofia e tinha um grupo de teatro amador no bairro de Santo Antônio.

Não recordo quem nos apresentou.

Ele era marxista-leninista e militava no então proscrito Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Eu era um roqueiro de viés anarquista interessado em escrever poesia marginal e tinha um não dissimulado desprezo pelos comunistas.

O fato é que nos tornamos bons amigos, apesar da visível discrepância política e ideológica entre nós dois.

Em 35 anos de convivência, encerrada abruptamente nesta terça-feira, 19, dia de São Conrado, que não é um bom dia para morrer, nunca sequer discutimos uma única vez.

Isso deve dizer um pouco sobre o caráter dele e o meu.

No começo dos anos 80, depois que ele se mudou para São Paulo, para trabalhar na Editora Alfa Ômega, fui visita-lo uma vez, sem avisar, e ele ficou surpreso pela visita.

– Camarada, os anarquistas não visitam marxistas-leninistas! – ironizou, com aquela sua meia risada que sempre me lembrava o Muttley, o cachorro do Dick Vigarista.

– Eu vim visitar o caboco Orlando Farias, que conheci em Manaus long time ago e ainda não era viado! – devolvi. “Se quisesse visitar marxistas-leninistas e viados, estaria no Mausoléu do Lênin, em Moscou, não aqui nesse fim de mundo...”

O Muttley riu que se engasgou.

Acabamos tomando um porre federal em um boteco da Vila Madalena, onde ele me apresentou para os cartunistas Angeli, Glauco e Laerte, que pareciam ser seus chapas há muito tempo.


Quando fundamos a Banda Independente Confraria do Armando (BICA), no começo de 1987, ele já estava de volta a Manaus e foi o jornalista que mais divulgou a presepada no jornal A Crítica.

Os créditos foram dados no livro “Amor de BICA”, feito a quatro mãos (ele, eu, Mário Adolfo e Marco Gomes), que teve duas edições e hoje é item de colecionador.

Nos anos 90 e 2000, continuamos nos vendo com frequência e dividindo as mesmas neuroses.

Em novembro de 1991, eu havia sido demitido do cargo pomposo de “Gerente de Engenharia de Qualidade”, da Philco da Amazônia, e, no começo do ano seguinte, estava trabalhando como um reles redator publicitário da G&F Comunicações (de Goreth e Francivaldo Garcia, esposa e cunhado do atual prefeito Artur Neto).

Na época, eu estava casado com a Jane Jatobá, que também conhecia o Orlando Farias da época do ICHL.

Ele começou a frequentar a nossa casa esporadicamente.

Orlando Farias insistia que eu devia largar a redação publicitária e me dedicar ao jornalismo.

Eu queria mesmo era ser escritor.

Quando saí da G&F, uns três anos depois, o jornalista Mário Adolfo me levou para ser editor de Cultura do jornal Amazonas Em Tempo, onde permaneci por dois anos.

Daí em diante, sempre que eu e Orlando Farias nos encontrávamos no Bar do Armando, a conversa girava em torno do jornalismo de resultados e da conveniência ou não de ser escritor.

Eu acabei escrevendo mais de 20 livros.

Ele publicou apenas um (“A Dança dos Botos”, em que faz uma análise da política amazonense de 1982 até hoje).


Orlando queria aprender inglês e ganhar o mundo, ser correspondente internacional no Afeganistão, onde “as coisas estavam acontecendo”.

Eu queria apenas um emprego razoável, onde pudesse colocar minhas contas em dia sem depender de agiotas.

Sempre estive mais com os pés na lama do que com a cabeça nas estrelas.

Invejava sua utopia, mas, decididamente, aquela não era a minha praia.

Isso também nunca nos distanciou.

Trabalhamos juntos, pela primeira e última vez, no jornal Correio Amazonense.

A convite do jornalista Paulo Castro (que havia sido editor de Economia no Em Tempo quando eu era editor de Cultura), eu havia saído da VT 4 Comunicações, onde também era um reles redator publicitário, para assinar a coluna “Boca do Inferno” no referido jornal.

Orlando Farias havia deixado o jornal A Crítica para assinar a coluna “Encontro das Águas”, no mesmo jornal.

Durante dois anos, nos víamos diariamente e conversávamos diariamente, dividindo as mesmas neuroses.


Em 2006, quando percebi que o barco estava adernando (não havia a menor hipótese de o candidato Amazonino Mendes derrotar o então governador Eduardo Braga e dar uma sobrevida ao jornal), lhe dei um toque:

– Meu caboco, está na hora de cair fora! Pedindo a conta hoje, a gente recebe o que é nosso de direito e vamos tocar a vida. O futuro, a Deus pertence!

O marxista-leninista preferiu acreditar em Deus e resolveu ficar no jornal até o fim.

Demitido sem nenhum direito trabalhista, ele procurou a Justiça.

Nos últimos anos, fui à meia dúzia de audiência na Justiça do Trabalho para depor a seu favor, como principal testemunha.

Nunca fui ouvido porque o suposto dono do jornal, o empresário Carlos Edson, tomou rumo ignorado e não sabido.

O ex-prefeito Amazonino Mendes, verdadeiro dono do jornal, ficou devendo essa pra o jornalista.

Espero que a grana devida seja devolvida aos cinco filhos do Orlando, privados agora de ter um bom provedor.


Há alguns anos, quando ele e Mário Dantas me procuraram para ser sócio no Blog da Floresta, abri mão da oferta:

– Meu caboco, eu vou estar na luta com vocês dois, mas não quero um tostão. Vou mandar matérias, fazer colunismo, lavar o chão, passar roupa e ir pra porrada, se for preciso. A grana que vocês receberem, dividam com quem merece, ou seja, com os jornalistas que vocês contratarem. Eu não quero um centavo de vocês dois, além da nossa amizade.

(O jornalista e cinegrafista Mário Dantas, sócio do Orlando, é meu amigo de adolescência e casado com a Maria José, irmã gêmea do centroavante Zeca Boy, do meu imbatível Setembro Negro)

Fui colaborador do Blog da Floresta durante esse tempo todo, sem jamais pedir que o Orlando me pagasse uma mísera coca cola.

O Mário Dantas está vivo e pode testemunhar sobre isso.

Seria uma bobagem eu não falar que a morte prematura do Orlando Farias me abalou profundamente.

O que me atraía no sacana era sua capacidade de trabalho.

Ele era um batalhador incansável, sempre procurando pautas que fugissem do rame rame tradicional das redações.

Nesse particular, nunca fui seu irmãozinho – mas também não me queixo.


Infelizmente, toda a minha vida foi uma insana batalha contra o jornalismo – e o mais risível disso é que hoje vivo disso.

Talvez, devido ao excesso de jornalistas na minha frente – tentando pegar o ônibus, receber do guichê no caixa do jornal, conversando a morena que me espera no banco da praça, pegando o meio quilo de açúcar na mercearia, perguntando ao atropelado como é que ele está se sentindo –, eu tenha procurado sempre estar à frente e acima da manada.

Não consegui, claro.

Mas sempre achei que os jornalistas deveriam parar com essas besteiras e escrever de uma vez o grande romance da geração deles.

De jornal, bom mesmo são as notícias das agências, porque invariavelmente mal traduzidas e curtas, e os anúncios dos cinemas, quando dão a hora certa que começa o filme.

O famigerado Lord Beaverbrook, magnata da imprensa britânica, descreveu à perfeição o jornalismo: “Jornalismo é tudo aquilo que eu consigo encaixar entre um anúncio e outro”.

O pior jornalismo é aquele que se diz dinâmico e moderno.

Vem pouco abaixo do jornalismo construtivo e responsável.

O jornalismo objetivo empata, em matéria de bobagem, com o jornalismo investigativo.


E o jornalismo do correspondente estrangeiro, sonho recorrente dos profissionais da minha geração, inclusive do Orlando Farias?

Escória da escória.

Principalmente se dinâmico, moderno, construtivo, responsável, objetivo e investigativo.

Tem toda razão as redações com seu ódio feroz ao correspondente estrangeiro.

O que faz o correspondente estrangeiro?

Acorda tarde, marca almoço com alguém da embaixada (em geral, segundo secretário), passa na agência do Banco do Brasil, pega malote na TAM ou na Gol, dá uma capotada, lê por alto jornais e revistas via Web, depois despacha a matéria.

A matéria é sempre contra o pobre do leitor.

Que ele é ignorante porque não leu tal livro, não viu tal peça ou filme, não sabe quem é fulano nem conhece o pensamento de sicrano.

O leitor é tratado aos pontapés porque não saiu do Brasil e, com boa vontade, só deu uma chegadinha, faz tempo, a Orlando, na Flórida, ou Paris, sempre “uma festa”, no linguajar rasteiro da profissão.

O correspondente no estrangeiro só tem um problema: catar material em publicação que não tenha chegado ao conhecimento do chefe de redação.

Se o leitor assina a revista onde saiu a publicação, dane-se o leitor.

Ainda bem que o Orlando Farias fugiu dessa armadilha.

O que não diminui um milímetro essa dor de nunca mais voltar a conversar com ele.

Estou triste pra caralho.

terça-feira, fevereiro 19, 2013

O mocó está de luto: meu mano Orlando Farias acaba de falecer!



Eu, o ex-vereador Jorge Maia e Orlando Farias, no Balneário do Maia

O jornalista Orlando Farias, que trabalhou nos jornais A Crítica, Jornal do Comércio e Correio Amazonense, em Manaus, além de ter sido correspondente do Jornal do Brasil e do Estado de S. Paulo no Amazonas, faleceu hoje à tarde, por volta das 15h10, no hospital 28 de Agosto.

Orlando foi o fundador do Blog da Floresta.

A direção do Pronto-Socorro 28 de Agosto, onde ele chegou por volta das 10h40, levado pelo amigo e cinegrafista Mário Dantas, ex-sócio no Blog da Floresta, disse que o jornalista estava na “janela de protocolo” do atendimento para infartados.

Ele sofreu um “choque séptico”, que foi a “causa mortis” atribuída no atestado de óbito, que levou à parada cardíaca.

Os médicos ainda fizeram diversas manobras para tentar reanimá-lo, mas não conseguiram.

Se conseguisse superar o problema na fase emergencial, o jornalista seria removido para o hospital Francisca Mendes, que é o centro de referência em coração no Amazonas.

Orlando editou, durante muitos anos, as colunas de opinião dos jornais em que trabalhou, como o Sim & Não, de A Crítica.


Em mais de 30 anos de jornalismo, Orlando Farias atuou com brilhantismo como correspondente do Jornal do Brasil e nos principais jornais de Manaus.

Ator, compositor e teatrólogo, ele foi um dos fundadores da Banda Independente Confraria do Armando (BICA) e da Banda do Cinco Estrelas, e, em parceria com Simão Pessoa e David Almeida, escreveu algumas marchinhas de carnaval para as duas bandas.

Destacado como repórter investigativo dos mais competentes do país, Orlando foi vencedor de três prêmios Esso, além de ter recebido duas indicações em outras competições promovidas pela mesma instituição.

Em 2008 venceu com Castelo Branco o Prêmio de Jornalismo Embratel, como o trabalho “Delírio da morte”, um trabalho que custou aos dois repórteres dois anos de investigação.

A reportagem buscava entendimento do elevado índice de suicídio indígena nas regiões do Alto Rio Negro e Alto Solimões.

Ainda em 2008, também com Castelo Branco, ficou entre os 15 finalistas como concorrentes ao Prêmio de Jornalismo Ayrton Senna.

Repórter perspicaz, faro acurado e de sensibilidade jornalista, que lhe permitia ver de longe a notícia em todas as suas nuances, o garimpeiro da informação ajudou a fundar ao lado da jornalista Joaquina Marinho da Gama, falecida em 2009, e de Castelo Branco, o jornal Repórter, que funcionou de 2008 a 2010.

Em janeiro deste ano, Orlando Farias conversou com Castelo Branco por telefone (924041..), convidando-o para cobrir o Blog da Floresta na Assembleia Legislativa do Estado.

Alinhado e antenado 24 horas com a notícia, Orlando Farias foi, sem dúvida, o melhor repórter do Amazonas nos últimos 20 anos.

O velório do jornalista será na Funerária Almir Neves, da Av. Joaquim Nabuco.

segunda-feira, fevereiro 18, 2013

Uma permanente usina de criatividade



Juarez Machado nasceu em Joinville (SC) em 16 de março de 1941.

É pintor, escultor, desenhista, mímico, caricaturista, cenógrafo, escritor, fotógrafo, ator e designer.

Passou sua infância em Joinville na companhia da mãe Leonora e de seu irmão Edson.

Seu pai era caixeiro viajante, trabalho que o ausentava bastante do lar.

Aos 14 anos, Juarez Machado trabalhou em uma oficina gráfica, no setor de produções de rótulos de remédios, embalagens e cartazes para laboratórios.

Nesse processo de criação, entre pincéis, tintas e papéis, um profissional estava sendo formado.

Como sua cidade natal era muito pequena, com características do velho mundo (grande parte da população era de origem alemã sendo, consequentemente, sua arquitetura semelhante a da germânica), Juarez Machado resolveu explorar outras cidades, indo assim para Curitiba aos 18 anos.

Matriculou-se na Escola de Música e Belas Artes do Paraná.

Logo ao se formar, realizou sua primeira individual na Galeria Cocaco de Curitiba, dando início a sua carreira de contínuo sucesso.

Em 1965, mudou-se para o Rio de Janeiro – cidade que, como São Paulo, tinha maiores oportunidades e era onde tudo estava acontecendo – conseguindo, aos poucos, conquistar seu espaço.

Na Cidade Maravilhosa, se tornou amigo de Millôr Fernandes, Ziraldo, Fortuna, Jaguar, Claudius, Zélio e de toda a turma do Pasquim, do qual se tornou colaborador.

Mudou para Paris em 1978, onde fez seu terceiro ateliê – deixando o de Joinville e o do Rio de Janeiro (ambos em atividade) – mas antes, visitou Nova York, Londres, Itália, Dinamarca, Chipre, Israel e Grécia onde tomou partido dos acontecimentos do universo artístico de cada região.

Ganhou o prêmio da 5ª Bienal de Arte da Itália, prêmio Cenários em Televisão, o prêmio “Barriga Verde” de Artes Plásticas de Santa Catarina, o prêmio Nakamori (Japão) pelo melhor livro infantil, entre outros.

Sua cidade natal, deu-lhe o título de Cidadão Honorário em 1982, e o presidente da República concedeu-lhe a Ordem do Mérito de Rio Branco, em 1990.

Entre os sucessos de suas exposições, sua única reclamação é sobre o conservadorismo dos museus que, até hoje, não valorizam artistas do Novo Mundo provocando uma certa ausência de artistas da América do Sul.

Em relação a sua vida pessoal, Juarez Machado é orgulhoso em afirmar seu forte apego à família.

Seus filhos, influenciados pela profissão do pai, optaram por seguir áreas de comunicação como produção de vídeos, cinema e TV, computação gráfica e desenhos animados.


No texto “A arte de ser artista”, Juarez Machado conta um pouco de sua história. Curtam:

O primeiro foi Fritz Alt, o segundo Eugenio Colin, ambos mortos.

Portanto, hoje, sou o mais velho artista joinvilense vivo.

Título que não tem grande valor, também não quero que beijem o meu anel e nem se ajoelhem para pedir a benção.

Apenas me dou o direito de contar uma pequena história aos jovens artistas de Joinville.

Sentindo-se ameaçados, têm medo de fantasmas e não conseguem dormir.

Traumas antigos da história de nosso povo, colonizados versus colonizadores.

Aprendi vendo isto como uma grande avenida de duas mãos.

Os negros americanos fizeram da música dos brancos – Bach, Mozart, Schubert, e outros – a melhor música do mundo, o jazz.

Na América Central, da música africana misturada à dança de salão, entre a valsa e minueto, fizeram o melhor ritmo do mundo, a salsa.

No Brasil, os escravos, com os restos da comida dos brancos, fizeram o melhor prato do mundo, a feijoada.

Toda avenida também tem contramão.

Os ingleses no começo do século passado vieram ao Brasil trazendo o futebol.

Rapidamente aprendemos e jogamos ainda melhor.

Nos tornamos “O País do Futebol”.

Hoje perdemos até para os franceses, vergonha que ainda sinto.

Éramos o País do Café, considerado o melhor do mundo, desde o século 18.

Hoje o mundo toma café no “Starbucks”, americano, com fama de ser o pior.

No período do cacau foi a mesma coisa.

Nossa música, a bossa nova, foi para os Estados Unidos e foi tomada pelos americanos.

Os músicos brasileiros estão procurando suas origens e esqueceram que já tínhamos encontrado a nossa identidade.

Perdemos mais um título.

É vendo os erros e as experiências alheias que se aprende.

Aproveitem a minha disponibilidade que é extremamente passageira.

Não vim ao mundo para impor, mas deixar transparecer.

Na beira dos meus 70 anos, com a cara cheia de rugas, cabelos ralos, barba branca, porém com todos os dentes numa boca bastante afiada, digo a frase inicial:

– A vida é um grande espetáculo, cheia de surpresas e muitas ironias.

Em 1960, lá longe na história de Joinville – e minha também –, a nossa querida cidade só tinha uma rua principal, uma igreja católica, outra protestante, dois cinemas, uma sorveteria, um bordel, dois times de futebol, alguns bares e um só hotel, sem nenhuma estrela.

O prédio mais alto da cidade era a torre do Corpo de Bombeiros, que é nosso orgulho até hoje. Duas rádios, um jornal...

Ah! sim, ia me esquecendo, um rio Bucarein, bonito e limpo, com três clubes de regatas, um movimentado porto com navios de bom calado e uma pequena praia.

Três escolas públicas e um único colégio, o Bom Jesus, somente até a oitava série e nada mais.

Universidade? Ninguém sabia o que era. Museus?... Nem pensar. Teatro?... Muito menos.

Recém-inaugurada, uma biblioteca, e na fachada, um painel do nosso primeiro artista, Fritz Alt.

Menino, fui um dos primeiros associados para ver figuras, ler e emprestar livros.

Nas prateleiras, não havia um só livro de história da arte, biografia de artista ou museus do mundo.

Nas paredes das casas dos moradores de Joinville, nenhum quadro.

Salvo uma reprodução da “Santa Ceia” de Michelângelo na sala de jantar e outra reprodução sobre a cama do dono da casa, “Jesus refletindo solitário no Monte das Oliveiras”, e na cozinha, um calendário do Laboratório Catarinense com as fotos dos Alpes Suíços.

A cidade era feita apenas de fábricas e operários, e o tempo era medido pelo apito de cada fábrica.

A palavra arte era sinônimo de “peraltice de criança”.

Cultura era confundida com tradição.

Da festa da cerveja com música tirolesa até a quermesse da igreja nos dias santos, ao som de músicas religiosas e sertanejas no serviço de autofalantes, nada de mais emocionante acontecia.

Tainha no inverno, caranguejo no verão e goiaba no pé o ano todo, e assim o tempo ia passando.

Os eventos mais próximos da cultura eram a Festa das Flores uma vez ao ano, nos salões da Sociedade Harmonia-Lyra.

Aos domingos a banda do 13° BC (Batalhão de Caçadores), tocando marchas militares e até mesmo algumas músicas clássicas no coreto da Praça Lauro Müller.

Aos 19 anos, eu já estava de malas prontas para partir em busca do meu sonho maior...

Ser um artista completo.

Pintor, escritor, poeta, escultor, desenhista, ator.

Conhecer museus, catedrais e monumentos.

Caminhar por cidades, vilas e países.

Conversar com pessoas – amigas, estranhas, professores, curiosos, poetas, sábios e loucos.

Navegar em palácios, castelos e avenidas.

Ir além da linha do horizonte e atravessar mares, rios e montanhas.

Descobrir novos paladares além da torta de banana da padaria Brunkow.

Escutar sons mais melodiosos do que o apito das fábricas.

Sentir refinados perfumes, além do Leite de Rosas que minhas primas usavam.

Ser alguém bem informado e um aluno genial da mais reputada escola de arte do mundo: a Escola de Florença.

Com uma mala de papelão, uma pasta com alguns desenhos e oito dinheiros no bolso, em pé, dentro de um ônibus da Cia. Penha, depois de seis horas de viagem, cheguei em Curitiba.

Só tinha feito 120 quilômetros.

Para chegar em Florença, na Itália, ainda faltavam dez mil quilômetros e mais tantos zeros nos meus oito dinheiros.

“Faço uma pequena parada, estou com fome”, pensei.

Na própria rodoviária comi o mais gostoso sanduíche da minha vida.

Pão com duas fatias de sardinha em lata.

Jamais esquecerei.

Foi a luz do meu caminho.

O Norte da minha bússola.

Foi o canto dos anjos.

Uma hora depois, me matriculei na escola de Música e Belas-Artes do Paraná.

Paguei adiantado dois meses por um quarto de pensão de estudantes, com direito a comida e roupa lavada... et voilà!

O começo tinha sido dado.

Por ironia, todos os meus professores tinham sido da Escola de Florença.

Eram italianos ou alemães.

Fui o último aluno desta culta geração de mestres.

Muito jovem, feliz, tinha encontrado o meu ambiente, os artistas e outros jovens que pensavam como eu.

Em Joinville, meus amigos eram filhos de operários ou filhos dos donos das fábricas.

Havia até mesmo uma certa discriminação por eu não querer ser engenheiro ou médico, e muito menos trabalhar numa fábrica.

Na minha sede de conhecer, estudei, pintei, modelei, fiz cenário para televisão e teatro, desenhei para jornais e revistas.

Fiz minhas primeiras exposições, ganhei meus primeiros prêmios em salões de arte.

Nas férias, não voltava para Joinville, apesar de ter deixado uma namorada me esperando que já estava namorando um outro, um estudante de medicina (que bom para ela).

Aproveitava este tempo para viajar. Ir para o Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Salvador, Recife, centros urbanos importantes culturalmente.

Visitar museus, ir aos teatros, visitar as oficinas de gravuras em metal e pedra, me deslumbrar na Bienal de São Paulo, fazer estágios com artistas mais experientes, novas técnicas, novos materiais.


Cinco anos depois, formado pela escola de Música e Belas-Artes do Paraná, agora, com um jogo de cinco malas em couro negro e várias pastas e rolos com meus trabalhos, fui morar no Rio.

– Que maravilha!

Começar tudo de novo.

Outras amizades: cartunistas, jornalistas, arquitetos, músicos, diretores de teatro e cinema, escritores.

Todos em Ipanema ditando o novo comportamento de vida para o Brasil inteiro em plena ditadura militar.

Orgulhoso, sentia que como artista eu fazia parte da história de um novo tempo.

Revolução total.

Nas ruas, o Exército confronta com cassetetes as manifestações dos estudantes e intelectuais.

Nas praias euforia total, revolução sexual, liberação das mulheres, psicanálise, chopinho, Bossa Nova, rock e muita maconha.

Novas ideias, novas informações, novas exposições.

Joinville tinha ficado distante, porém, sempre pensava com muito amor na minha querida cidade, e se um dia voltaria para abrir uma escola de arte para os jovens solitários e abandonados artistas.

Em direção oposta, comecei a fazer minhas primeiras viagens ao exterior.

A primeira foi Israel.

Conhecer e viver a cultura de um kibutz, a vida comunitária.

De lá parti para Chipre, depois Grécia.

Tudo parecia ser um filme de grandes aventuras de viver.

Cada ano uma nova viagem: Paris, Strasbourg, Londres e Nova York.

Nunca como turista, mas como um sedento vampiro sugando todas estas culturas para depois digerir dentro de minha formação, meus valores, meus conceitos e até preconceitos e tentar ampliar os meus limites.

Hoje tenho total certeza que a arte se alimenta da própria arte.

Tal qual uma enorme serpente que começa a comer a ponta de seu rabo até chegar a sua cabeça.

Todos os movimentos artísticos – os gregos, romanos, etruscos, fenícios, arte africana, oriental, impressionista, dadaísmo, enfim, todas as correntes de todas as civilizações – , fizeram o corpo desta imensa cobra, até mesmo a arte contemporânea que já não é mais tão atual.

Tudo começou lá, na pontinha do rabo da tal serpente.

Bem longe na história, um fulano, ainda meio macaco, pintou com o dedo um bisão nas paredes de pedra de sua caverna.

Foi o primeiro pintor, muralista ou até mesmo o primeiro grafiteiro.

A maravilha da vida e da humanidade é contada por meio da arte.

A tarefa do artista é, com talento, registrá-la.

Continuei a trabalhar, viajar e vampirizar tudo que fosse possível.

Sem mais voltar para minha querida e pequena Joinville do meu tempo de menino.

Agora Florença tinha me ensinado a observar a vida, através de um microscópio ou telescópio, e fazia parte de minha rota habitual.

Já com quase 50 anos, com apenas uma pequena maleta e uma imensa bagagem artística/cultural, fui morar definitivo em Paris, terra dos artistas.

E começar tudo de novo.

É muito mais excitante disputar com pessoas maiores do que você, por que tirar pirulito de criança é covardia.

Somente para todos terem uma ideia, na França estão inscritos no sindicato (la maison des artistes) 50 mil artistas do mundo todo, e todos de alto nível.

Sem deixar por menos, mais trabalho, mais viagens, montei atelieres em Montmartre, depois Veneza, Boston, e Los Angeles.

Hoje faço de três a quatro exposições por ano em várias partes do mundo.

Publico livros, tenho vários colecionadores pelo mundo e sou chamado respeitosamente de “cher maitre”.

Voltei para Joinville somente alguns anos atrás para pintar o mural de entrada do Centreventos Cau Hansen, “O Grande Circo”.

Qual a minha grande e agradável surpresa?

Joinville tinha mudado, tinha crescido, tinha ficado culta.

Só se falava em arte, ballet, teatro, festivais, artistas, museus, escolas de arte, me senti muito feliz, Joinville tinha sido salva da mediocridade.

E eu se tivesse esperado um pouco mais, teria a escola de Belas-Artes de Florença na minha própria esquina.

Não teria sacrificado tanto minha família e principalmente o menino sonhador e solitário de Joinville.

Fico muito feliz pelos meus caros jovens artistas joinvilenses.

Parabéns, vocês conseguiram!

Não tenham medo de aprender e conhecer culturas, quanto mais melhor, para depois criarem a sua própria linguagem.

Cada um terá o seu próprio estilo.

Cultura é fundamental, e confesso: “Jamais faria o transplante do meu coração, caso fosse preciso, com um médico doutor autodidata.”

























O melhor cartunista da imprensa nanica



O compositor Moacyr Luz e Nani, com o garçom Pedro Henrique, do Lamas

Mineiro de Esmeraldas – cidade bem pequena perto de Belo Horizonte –, Ernani Diniz Lucas, mais conhecido como Nani, nasceu em 27 de fevereiro de 1951.

Nani começou sua carreira em BH, em 1971, publicando charges em O Diário.

Em 1973, mudou-se para o Rio de Janeiro. Colaborou com O Pasquim, a partir do qual, junto com seis outros artistas, criou O Pingente.

Foi também chargista do Jornal da Globo e colaborou na MAD brasileira.

No Rio, sua presença também está marcada no Jornal dos Sports (no qual “herdou” a cadeira do Henfil), Última Hora, Diário de Notícias, O Dia e na Tribuna da Imprensa.

Nani já foi premiado em Salões de Humor em Montreal, Niterói e Piracicaba. Sua revista própria é O Nanista.

É autor dos livros “Feliz e orgulhoso, envaidecido mesmo”, “Cachorro quente uivando para a lua”, “A traça de A a Z” (livro que ensina as crianças a se familiarizar com o alfabeto), “Jornal do menininho” e “Se arrependimento matasse”.

Pela L&PM já publicou “Batom na cueca”, “É grave, doutor?”, “Foi bom pra você?”, “Humor politicamente incorreto” e “Orai Pornô”.

Em entrevista a L&PM Editores, Nani fala sobre seu início na profissão de cartunista, os anos de participação no jornal O Pasquim – o mais importante veículo de oposição à ditadura militar no Brasil –, a censura na época da ditadura e a censura atual, que para ele é velada. “O politicamente correto está contaminando toda a cultura”, afirma.


L&PM – Quando você começou a desenhar e como o humor entrou nos seus desenhos?

Nani – Como profissão, eu tive um estalo quando aos 13 anos, vendo uma revista de humor chamada Vamos Rir – que publicava cartuns estrangeiros variados –, eu disse: isso eu sei fazer. Na mesma hora sentei e fiz meu primeiro cartum, com um desenho (muito ruim) de dois piratas com ganchos, um dizia para o outro: “Conheço essa região como a palma da minha mão”. A partir daí, eu desenhava freneticamente nas horas vagas, bolando cerca de quarenta cartuns por dia. Procurava temas nos cartuns das poucas revistas que chegavam em Esmeraldas, cidade do interior de Minas, e no jornal O Cruzeiro, com influência do Millôr, Carlos Estevão e do Henfil. Daí que resolvi batalhar para ser cartunista, pois eu pensava: se há tantas pessoas desenhando humor é porque isso é uma profissão.

L&PM – Você começou a publicar seus trabalhos profissionalmente em Belo Horizonte. Quando aconteceu sua aproximação com O Pasquim?

Nani – Dos 13 anos aos 18 morei em Esmeraldas. Desenhando todos os dias, eu fui de certa maneira me formando como cartunista. Quando fui para Belo Horizonte, em 1969, encontrei O Pasquim nas bancas, ano em que o jornal havia surgido. Foi uma epifania, era naquele jornal que eu queria estar um dia. Aos 20 anos comecei a publicar no jornal O Diário, de Belo Horizonte. Meu humor chamou a atenção de um editor que me convidou para ir ao Rio de Janeiro para trabalhar no O Jornal. Ao chegar lá, tive contato com Henfil, que me mandou ir para a redação do Pasquim e me colar no Jaguar. “Jaguar sabe tudo”, me disse Henfil. E eu fui encher o saco do Jaguar. Fiquei no Pasquim até o seu final.

L&PM – Como foi a sua experiência de trabalho nessa imprensa alternativa, em plena ditadura?

Nani – Minha geração cresceu com o pecado original da ditadura. Fazer charges no período era mais complicado por causa da censura. No Pasquim tínhamos que mandar o triplo de material para que, depois do feroz crivo dos censores, sobrasse material para o jornal ser feito. Não mandávamos originais porque eles vinham rabiscados com pilots – não havia respeito pela obra de ninguém. Se o Picasso mandasse um desenho que os censores não gostassem, eles rabiscariam também. Os tempos eram de terror, Ziraldo dava o nome de advogados para as esposas e namoradas dos cartunistas, para que, caso alguém sumisse, procurassem ajuda. O humor que fazíamos era humor de guerrilha. A censura era ridícula. Uma vez saiu uma notícia que dizia que no Pão de Açúcar havia urânio. Alguém escreveu uma dica dizendo que ia testar usando o contador geiger. Censuraram alegando que estavam chamando o Geisel de contador e ele era general. Alguém escreveu “uma próspera comuna mineira”. Os censores cortaram o comuna, achando que se referia ao comunismo.

L&PM – Você pode dar mais exemplos das contrariedades cometidas contra a imprensa nessa época?

Nani – O Pasquim foi bombardedo, jogaram uma bomba na casa onde o jornal funcionava. Bancas foram explodidas. Isso afetava as vendas, pois os jornaleiros se recusavam a vender o jornal. Ziraldo, Jaguar, Paulo Francis, Fortuna, Flávio Rangel, Luís Carlos Maciel, Sergio Cabral foram presos. Outros veículos alternativos como Opinião e Movimento também sofriam por causa da censura. Mas o Pasquim foi importante porque entrevistava os exilados, apoiou a anistia e lutava desde o primeiro número contra a ditadura. Outros temas também foram lançados pelo jornal, como a ecologia. O Pasquim foi o primeiro a falar sobre a causa ecológica.

L&PM – Atualmente, existe algum outro tipo de censura?

Nani – Hoje a censura é pior porque ela é velada, é a censura do politicamente correto. Humor que pede licença não é humor. O politicamente correto está contaminando toda a cultura. Cada vez mais grupos, grupelhos, guetos, classes, pessoas públicas e privadas reivindicam imunidade contra a crítica. O humor tem que ser crítico, ora. A liberdade de opinião é cada vez mais filtrada, o que temos hoje é uma liberdade “Melita”.  Isso afeta os meios de comunicação, que ficam se cercando, adivinhando processos que podem sofrer se vão contra o politicamente correto.

L&PM – Você faz humor, escreve e faz cartuns... Como é administrar essas diversas manifestações de um mesmo talento?

Nani – Precisamos do humor para não morrer de realidade. Penso a vida através do humor. O humor é o menor caminho entre duas pessoas. A primeira coisa que o pai faz com o filho é um ato de humor: faz careta para o filho rir. Todos querem o riso através da vida, o riso que pode ser traduzido em felicidade. O espantalho é colocado na plantação não para espantar os pássaros, mas para que eles riam e achem o fazendeiro um cara legal. Como artista é o que eu gosto, levar o riso às pessoas – este riso que envolve crítica, conhecimento, poesia e simples divertimento. Daí eu expressá-lo desenhando, escrevendo para ser lido ou interpretado. Gostaria de ter mais veículos para mostrar muita coisa que tenho inédita. Minhas gavetas estão cheias. A única coisa que não fiz em humor foi escultura, mas um dia ainda pretendo fazer uma escultura engraçada.

L&PM – Como o cartum conseguiu ter um espaço tão grande na imprensa sendo, muitas vezes, contrário ao editorial?

Nani – O desenho foi importante no início da imprensa quando não havia fotos. As charges sempre fizeram parte de um jornal. No Brasil houve um tempo que ela era chamada charge editorial porque saía na página dos editoriais. Na época da ditadura, as charges diziam coisas que as matérias dos jornais não podiam dizer, daí os jornais que não tinham, passaram a ter. Quando acabou a censura alguns jornais dispensaram os chargistas. Tirando algumas exceções, a charge hoje é ilustrativa do fato do dia, poucas charges têm opinião. A charge de opinião sumiu dos jornais brasileiros, talvez já sendo um reflexo do politicamente correto. Sendo a charge uma manifestação crítica e símbolo da liberdade de imprensa, eu acho que é muito importante um jornal tê-la em suas páginas, porque mostra a independência desse jornal. A charge é a quarta leitura que o leitor faz do jornal. Primeiro a pessoa lê a manchete, depois lê a notícia, depois o comentário de um articulista ou o editorial e depois vê a charge, que é a quarta leitura e, às vezes, a mais verdadeira sobre o fato.

NOTA: para acessar o site do cartunista clique aqui


O cartunista Nani agora é do PSOL

Caro Sombra! Estive na noite de terça-feira no famoso Bar dos Cartunistas para receber, diga-se de passagem com imenso prazer, a ficha de filiação no PSOL do cartunista Nani.  O bar está localizado no alto viaduto da Borges e é parte do patrimônio histórico e cultural de Porto Alegre. Nani, além de servir diariamente almoço a preço popular, é conhecido por imprimir em suas charges críticas ácidas e engajamento político. Forte abraço!

Pedro Ruas