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quarta-feira, agosto 28, 2013

Simão Pessoa lança “Sanatório Geral” na sede da OAB-Am


Paloma Albuquerque

O consagrado escritor e jornalista amazonense Simão Pessoa lançou, no final da tarde da última sexta feira, 23, seu novo livro, “Sanatório Geral”.

De acordo com Simão, “Sanatório Geral” é uma compilação de seis outras obras do autor (três publicadas e três inéditas), enfocando o folclore político brasileiro, em geral, e a política amazonense, em particular.

“Não se trata de um livro de História, mas de uma antologia de estórias, de causos recolhidos nos beiradões”, esclarece o escritor. “É uma tentativa de recuperar a literatura oral de nossos ribeirinhos, de reescrever a história que não foi contada pelos vencidos, pelos perdedores de sempre, pelos eternos losers de nossa civilização”.


O lançamento aconteceu às 18h30, na sede da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção do Amazonas (OAB-Am), na avenida Umberto Calderaro, antiga Paraíba, zona Centro-Sul, e foi abrilhantado por um show musical de Pedrinho Ribeiro, Julio Recinos, Célio Cruz e Mauro Lippi, ex-secretário municipal de Educação.

Pedrinho Ribeiro encantou a pequena plateia dramatizando alguns dos causos que fazem parte da enciclopédia (400 páginas, no formato A4).


O evento foi patrocinado pela Editora Vinte Um, que também está comercializando a venda do novo best seller do “Príncipe dos Canalhas”, como ele é chamado nas internas pelos amigos mais chegados.

Os presentes se fartaram de uísque, cerveja, vinho, refrigerantes e dezenas de tipos de petiscos – tudo de graça.

O escritor Luiz Lauschner, dono do famoso boteco Porão do Alemão, chegou a ironizar:  “Meu caro poeta, eu já bebi R$ 70 de cervejas e estou levando um livro que só me custou R$ 50. O que qui você está ganhando com isso?...”

– Só a sua presença e a presença dos meus amigos - declarou Simão Pessoa.

De pai paraense, no livro, Simão destaca acontecimentos verdadeiros ligados às personalidades políticas mais destacadas dos Estados do Pará, Amazonas e Rio de Janeiro, e promete muitas gargalhadas ao leitor.


Do Amazonas, entre outros, são citados ‘causos’ reais das vidas públicas dos ex-governadores Plínio Coêlho, Gilberto Mestrinho, Eduardo Braga e Omar Aziz.

O livro faz até uma referência ao ex-deputado e radialista Ronaldo Tiradentes, dona da rádio CBN, onde o escritor foi entrevistado na manhã de sexta feira.

Para ilustrar o que promete “Sanatório Geral”, perguntado sobre a possibilidade de já ter ficado rico vendendo livros, no Amazonas, o irreverente Simão, autor de “Manual do Canalha” e com fama de maior dos cafajestes, foi sincero: “Ainda não, mas dá pra pegar muita mulher!”, garante.


De acordo com Simão, o livro, que está sendo vendido a R$ 50, 00, “é mais barato do que uma sessão de psicanálise, porque você vai rir tanto que vai esquecer momentaneamente seus problemas existenciais”.

O livro pode ser encontrado na Editora Vinte Um, rua N. Sra. Da Consolação, 50, Adrianópolis (fone 3308 0391), no Sebão de Manaus, na Praça do Congresso, e no Sebão O Alienista, na Praça da Polícia.





























O maravilhoso Boteco do Caseiro


Na última segunda feira do mês passado (29 de julho), participei de uma nova sessão musical no Clube dos Discófilos Fanáticos (CDF), na aprazível cobertura do médico Arnaldo Russo, para presenciar, ao vivo e a cores, à quebra de duas cláusulas pétreas do engessado estatuto da entidade. Pela primeira vez, a reunião aconteceria na última segunda feira do mês e não na última terça feira, como vem rolando há 18 anos.

Motivo? O Lucio Menezes viajaria para o Rio de Janeiro na terça feira, 30, para comemorar seu aniversário, na quarta, 31, assistindo a uma nova vitória do seu Fluminense, no Maracanã, e não queria perder de jeito nenhum a apresentação de julho, já antecipadamente reputada como um marco inaugural nas novas atividades do CDF.

A segunda cláusula pétrea a ser quebrada era mais interessante: pela primeira vez, Arnaldo Russo, o caseiro do clube, iria fazer uma incursão pela MPB, sublimando sua alma roqueira sabe-se lá com quanto sacrifício, para pilotar uma apresentação intitulada “Boteco do Caseiro”.


Segundo Lucio Menezes, Arnaldo Russo vinha reclamando da mesmice das últimas apresentações.

“Pô, esse pessoal não está pesquisando, está só embromando. Se for apenas para escutar uma trilha sonora escolhida aleatoriamente, a gente nem precisa mais se reunir aqui em casa...”, vociferou o caseiro. “Precisamos reativar o espírito de curiosidade que norteou a criação do CDF! A gente tem que sair de uma audição aprendendo alguma coisa nova.”

Coisa nova, no caso do médico, era deixar de lado seus clipes antológicos de música negra (tipo James Brown cantando num clube fuleiro aos 13 anos de idade) ou de rock (com Stones cantando músicas dos Beatles e vice versa, em edições piratas encontradas somente com suspeitíssimos comerciantes do baixo clero de Cingapura, Malásia ou Tailândia) e se aventurar pelo terreno minado da MPB.

Para criar o clima apropriado, Arnaldo transformou o espaço externo da cobertura em um autêntico boteco, com garçom (Antônio), barman (Jêbson Bahia, vulgo JB, filho mais velho do Waldemir Bahia, o “Mimi”, meu amigo de infância, vascaíno histórico e parceiro de birita no Bar do Manuel, em São Francisco), mesas e cadeiras.

Só faltou serragem no chão.


No entorno da piscina, um barril de chope na pressão, uma mesa com destilados (vodka, cachaça mineira, uísque, tequila, campari, rum e pisco), frutas (kiwi, morangos, tangerina, lima-da-pérsia, limão-caboclo) e vinhos franceses, uma geleira com refrigerantes, cervejas em lata, isotônicos e energéticos e outra mesa com uma quantidade inenarrável de petiscos dignos de um “pé sujo” com pedigree: pastéis de carne, croquetes, “punhetas”, filé palito, “escondidinho”, pernil, fígado à lisboeta, lombo com feijão-manteiga, moela, torresmo, carne seca com farofa, linguiça, salaminho, queijos variados e um indescritível acarajé com recheio de pimenta malagueta, pra tirar qualquer um do sério.

Além dos titulares do clube (Acram Isper, Salomito Benchimol, Expedito Teodoro, Waldir Menezes, Roberto Benigno, Humberto Amorim, Oswaldo Frota e Edson Gil.), a patuleia, capitaneada por Joaquim Marinho, Jeferson Garrafa e Coronel Barroso, participou com sua força máxima, lotando completamente o Boteco do Caseiro.

Devia ter umas 40 pessoas porque, como diz o filósofo, compositor e sambista Chico da Silva, “pênalti e boca livre só perde quem é otário!”


Irmão do ex-deputado federal José Dutra, o empresário Otaviano Dutra me falou rapidamente sobre o trabalho social que vem realizando na periferia da cidade há vários anos: atualmente, ele está pagando a faculdade de três namoradinhas e a pós-graduação de uma quarta, todas muy jovenzitas, muy hermosas e muy pobrezitas...

O papa Francisco I, com certeza, iria abençoar o empresário, porque a causa é justa e os fins justificam os meios.

O boteco foi aberto às 19h30 e, como era de se esperar, uma hora mais tarde já tinha um monte de gente pra lá de depois.

Isso talvez explique o susto tomado pelo Jeferson Garrafa ao escutar o Coronel Barroso cochichando para o Tito Magnani o final de uma frase emblemática: “mas tem que tomar cuidado senão escorrega pro cu da bichinha...”

Barroso estava explicando ao Tito os cuidados necessários para retirar o fel de uma tartaruga, depois que a membrana foi furada acidentalmente.

Com a cabeça cheia de truaca, Jeferson já pensou bobagem e ficou assustadíssimo com a conversa. Pode?


Às 22h, Arnaldo Russo convocou a cachorrada para ocupar seus lugares marcados na sala de audições, que ele iria iniciar sua apresentação.

Didaticamente, o caseiro explicou que deixara de frequentar botecos com música ao vivo, há quase duas décadas, porque não aguentava mais ouvir as mesmas xaropadas de sempre: “Ronda”, “Sampa”, “Canteiros” e abobrinhas semelhantes.

Avisou que havia feito uma seleção musical para o seu boteco com hits conhecidos, mas não tão rebarbativos quanto os citados anteriormente.

Ele acionou o play e entrou Alcione cantando “Ronda”.

Arnaldo ficou desnorteado:

– Essa porra eu não selecionei!

Aí, adiantou a faixa do DVD.

Entrou Emílio Santiago cantando “Sampa”.

– Que porra é essa?! Eu não selecionei essa merda...

Aí, adiantou de novo a faixa do DVD.

Entrou Fagner cantando “Canteiros”.


Só então Arnaldo Russo caiu na real: algum espírito de porco havia trocado o seu DVD original por um genérico de quinta categoria.

Injuriado, ele retirou o DVD genérico do aparelho com violência, quebrou em mil pedaços, colocou o DVD Boteco do Caseiro e acionou o play.

Primeira música: MPB4 e Cauby Peixoto cantando “Última Forma”.

Segunda música: Miltinho e Ed Motta cantando “Meu Nome é Ninguém”.

Terceira música: Ana Carolina e Ângela Rô Rô cantando “Homens e Mulheres”.

Quarta música: Marcos Valle, Stacey Kent e Jim Tomlinson cantando “Samba do Verão (So Nice)”.

Quinta música: Ney Matogrosso cantando “Disritmia”.


Daí em diante, foi uma sequência de biscoitos finos pra deixar qualquer audiência eletrizada.

No total, 24 clipes magistrais, com uma qualidade sonora e visual de arrebentar os olhos e os tímpanos.

Simplesmente perfeitos.

Entre os melhores momentos, Paula Toller cantando “1800 colinas”, Gilberto Gil e Marjorie Estiano cantando “Chiclete com Banana”, Marisa Monte cantando “Lenda das Sereias, Rainha do Mar”, Demônios da Garoa cantando “Saudosa Maloca” e Clara Nunes cantando “Nação”.

É um DVD tão bom que periga cair na mão dos “piratões” e eles venderem 100 mil cópias em uma semana – façanha que eu próprio pretendo realizar, se arranjar tempo...

As palmas entusiasmadas da plateia, ao final da audição, foram os melhores testemunhos dessa noitada histórica.

Edson Gil, Salomito Benchimol, Humberto Amorim e Lucio Menezes teceram loas ao apresentador, o que significa dizer que as futuras apresentações vão ser mesmo do balacobaco.

Valeu, comandante Arnaldo!



NOTA DO EDITOR DO MOCÓ:

Na manhã desta terça-feira, 27, na CMM, soube por meio do médico Expedito Teodoro que a apresentação de agosto, a cargo de Oswaldo Frota, marcada para esta terça, ocorreu nesta segunda, 26, porque o Waldir Menezes teria que viajar para os EUA na manhã desta terça. Em outras palavras, a exceção virou regra. Ou então, o que é mais provável, esses cachorros querem pirar o cabeção do caseiro... Ô raça!



Quatro palpites sobre um bate-boca


Roberto Damatta

Quando menino, minha avó Emerentina solicitou-me um palpite para o jogo do bicho, uma atividade que ela praticava com a mesma religiosidade com que fazia as suas orações matinais. Pensei num filme de Tarzan e chutei: elefante! O elefante deu na cabeça e dela recebi um dinheiro que virou bombons de chocolate.

São 25 bichos, conforme determinou o cânone do Barão de Drummond, o inventor disso que Gilberto Freyre dizia ser um “brasileirismo”. Algo genuinamente brasileiro, ao lado da feijoada, das almas do outro mundo, do samba, da corrupção oficial, do suposto orgasmo das prostitutas e do “rouba, mas faz”. Quanta inocência existe entre nós. É de enternecer.

PALPITE 1 (AVESTRUZ)

O ministro Joaquim Barbosa tem sido tratado como um Drácula brasileiro por dizer o que pensa e sente. Mas, no Brasil, eis o meu primeiro palpite, somos todos treinados a dizer o que não pensamos.

Seja porque seríamos presos por corrupção ou tomados como desmanchadores de prazer; seja porque faz parte de nossa persistente camada aristocrática não confrontar o outro com a tal “franqueza rude” a ser reprimida por sinalizar não o desrespeito, mas um igualitarismo a ser evitado justamente porque nivela e subverte hierarquias.

Somos a sociedade da casa e da rua. Em casa, somos reacionários e sinceros; na rua viramos revolucionários e ninjas – a cara encoberta. Somos imperiais em casa, quando se trata das nossas filhas e fervorosos feministas em público, com as “meninas” dos outros.

Observo que quando há hierarquia, não há debate nem discórdias; já o bate-boca é igualitário e nivelador. Por isso, ele é execrado entre nós, alérgicos a todas as igualdades. Discutir é igualar, de modo que as reações de Joaquim Barbosa assustam e surpreendem. Afinal, ele é um ministro. Como pode se permitir tamanha sinceridade? O superior não deveria discutir, mas ignorar e suprimir.

PALPITE 2 (ÁGUIA)
Um presidente da instância legal mais importante do País que esconde por educação seus valores seria um poltrão? E isso, leitor, é justamente o que esse Joaquim Barbosa, negro e livre, não é e não quer ou pode ser. Na nossa sociedade, você está fora do eixo (ou da curva) até o eixo entrar nos eixos. Aí, você vira celebridade e começa a ser fino como um aristocrata. Na oposição, seu senso crítico é gigantesco, mas no dia em que você vira governo surgem as etiquetas reacionárias. Eu queria ir, você diz, mas a minha assessoria impediu. Não ficaria bem...

Afinal, ator e papel não podem operar como um conjunto? Ou devem agir se autoenganando para serem permanentemente elogiados como “espertos” ou “malandros”? Esse apanágio do nosso sistema político que glorifica a hipocrisia e condena a opinião pessoal sincera que, em circunstâncias gravíssimas como a que estamos vivendo no momento, exige o confronto e, consequentemente, a desagradável rispidez da discórdia?

PALPITE 3 (BURRO)

Como ter democracia sem conflito? Se passamos a mão na cabeça dos mais gritantes conflitos de interesse nessa nossa sociedade de vizinhos de bairro e de parentelas adocicadas pelos compadrios, por que temos de nos sentir aporrinhados porque um juiz confrontou, de modo direto, um colega cujo objetivo óbvio era o de protelar o arremate de um processo que, no meu entender, vai definir o caráter de nossa democracia liberal e representativa?

PALPITE 4 (BORBOLETA)

Pergunto ao leitor: existe sinceridade sem emoção? Existe honestidade sem estremecimento? Existe algum regime ético no qual se troca convicção por boas maneiras? Afinal de contas, o que seria uma pessoa com “bons modos”? Seria um cagão sem espinha dorsal? Como, pergunto, mudar um país com essa maldita tradição de dizer que somos assim, mas no fundo somos assado sem dissensões? Afinal o que preferimos: o golpe que silenciosamente suprime o bate-boca ou o bate-boca que é a única arma democrática contra o golpe?

Um amigo me diz que o ministro Barbosa estava certo no conteúdo, mas errado na forma; e que o ministro Lewandowski estava errado no conteúdo e certo na forma. Mas, palpito eu, como separar forma de conteúdo quando se trata do futuro da democracia ou de um grande amor? Seria possível uma noite de núpcias com um noivo certo no conteúdo, mas sem traduzir esse conteúdo formalmente?

O sinal dos tempos no Supremo tem sido, precisamente, o estilo sincero e desabrido – honesto pela raiz – do estruturalismo de Joaquim Barbosa. Nele, forma e conteúdo estão juntos como estiveram em todos aqueles que tentam ser uma só pessoa na casa e na rua, na intimidade e no púlpito, entre os amigos e os colegas de tribunal.

Para se ter uma democracia é preciso juntar forma e conteúdo. Não se pode condenar a discórdia e o direito à diferença como somente um gesto de má educação ou de egoísmo autoritário.

É preciso abrir um lugar para o bate-boca no sistema moral brasileiro, caso se queira terminar com a sujeição e a autocondescendência que nos caracteriza como uma sociedade metade aristocrática, metade igualitária.

Prova isso o agravante de que, quando essas metades entram em choque, tendemos a ficar do lado aristocrático ou do bom comportamento. Do formal e do legalmente correto, sem nos perguntarmos se o confronto não seria a maior prova de igualdade e de respeito pelo outro.


Será que acertei novamente no elefante, ou deu burro e avestruz?

Médicos cubanos: pode criticar, mas não é trabalho escravo


Leonardo Sakamoto

Se considerarmos que a condição dos médicos cubanos que estão sendo trazidos ao Brasil é de trabalho escravo contemporâneo, como querem fazer crer alguns contrários ao programa Mais Médicos, também teremos que incluir nessa conta milhões de trabalhadores do agronegócio, da construção civil, dos serviços que recebem salários abaixo do piso ou do mercado. O governo cubano deve receber os recursos das bolsas de R$ 10 mil e repassar parte delas aos seus médicos no Brasil.

Renato Bignami, responsável pela fiscalização de casos de escravidão em São Paulo, analisa que, a princípio, os elementos do novo programa do governo federal não caracterizam trabalho análogo ao de escravo. Se considerarmos que configuram a priori, parte do trabalho no Brasil seria escravo. Ou seja, um desconhecimento do artigo 149 do Código Penal, que trata do tema, e da jurisprudência em torno dele.

E os fiscais do trabalho já viram muita gente, inclusive escravos envolvidos em processos do próprio governo federal, como na produção de coletes para recenseadores do IBGE, em obras do Minha Casa, Minha Vida, do Programa de Aceleração do Crescimento, do Luz para Todos…

Ganhar pouco ou mesmo estar em condições precárias de trabalho são coisas diferentes de trabalho escravo. Estampar algo como “trabalho escravo” pode ser útil para dar notoriedade a um argumento, uma vez que é um tema grave e que gera repulsa por parte da sociedade. Mas, por isso mesmo, deve-se tomar muito cuidado ao divulgá-lo, que é o que os jornalistas que cobrem o tema tentam fazer o tempo todo. Saibam que muita coisa fica de fora porque não se sustenta.

De acordo com o artigo 149, são elementos que determinam trabalho análogo ao de escravo: condições degradantes de trabalho (aquelas que excluem o trabalhador de sua dignidade), jornada exaustiva (que impede o trabalhador de se recuperar fisicamente e ter uma vida social), trabalho forçado (manter a pessoa no serviço através de fraudes, isolamento geográfico, ameaças e violências físicas e psicológicas) e servidão por dívida (fazer o trabalhador contrair ilegalmente um débito e prendê-lo a ele).

Não espero que o corporativismo tacanho de alguns representantes de associações médicas entendam isso. Mas o cidadão comum, sim, precisa compreender a diferença.

Uma coisa é a política pública em si, de levar médicos estrangeiros ao interior do Brasil em áreas carentes, que – a meu ver – está correta. Outra é deixar de garantir direitos a grupos de trabalhadores, nacionais ou estrangeiros, o que não pode ser aceito.

Se a lei que sair do Congresso Nacional sobre essa política pública, oriunda da análise da medida provisória encaminhada pelo governo, retirar direitos, ela será inconstitucional. Pois mesmo se o regime de trabalho proposto pela MP for excepcional, ele precisa obedecer à Constituição. Caso contrário, vai naufragar. Simples assim.

Essa adaptação vai acabar ocorrendo via controle de constitucionalidade abstrata, pela Procuradoria Geral da República ou pela Procuradoria Geral do Trabalho, ou via milhares de ações individuais por parte dos próprios médicos envolvidos.

Ao mesmo tempo, é fundamental o Ministério Público do Trabalho monitore qualquer irregularidade que prejudique o trabalhador, fazendo com que o governo respeite a Constituição Federal (principalmente o artigo 7o, que versa sobre os direitos dos trabalhadores), as convenções da Organização Internacional do Trabalho e os tratados de direitos humanos dos quais o país é signatário. Prevenir é melhor que remediar.

“Acho difícil acreditar que a Organização Pan-Americana de Saúde validaria uma experiência com mão de obra escrava”, pondera José Guerra, secretário-executivo da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, vinculado à Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, lembrando que a vinda de médicos tem a parceira da Opas.

Marcus Barberino, juiz do trabalho da 15a Região e um dos maiores especialistas jurídicos em trabalho escravo contemporâneo, concorda que não é possível afirmar que o programa incorre em escravidão contemporânea. E que é preciso ter muito cuidado com o conceito. ”A proteção contra tratamentos discriminatórios ao trabalho é de âmbito constitucional e não permite tratamento distinto quanto aos direitos fundamentais. Fora da moldura constitucional, todo programa público será revisto pelo Judiciário naquilo que confrontar com a Constituição, que corresponde ao piso civilizatório universal”, afirma.

Como já disse aqui, a gente perde os cabelos, há anos, tentando fazer a bancada ruralista no Congresso Nacional entender que trabalho escravo contemporâneo não é qualquer coisa, como falta de azulejo no banheiro ou salário baixo, mas um pacote de condições que configura uma gravíssima violação aos direitos humanos. E, de repente, pessoas que desconhecem o tema usam-no em proveito próprio.

Como disse um médico amigo meu que conhece bem a fronteira agrícola amazônica e lá trabalhou: se esse povo todo que fala essas groselhas conhecesse o que é trabalho escravo de verdade ou, pelo menos, a realidade dos trabalhadores rurais do interior do país, não teria coragem de fazer esse paralelo absurdo.

Acima de tudo, isso é falta de contato com a realidade e de respeito com quem realmente está nessas condições e precisa ser resgatado para ter sua liberdade ou dignidade de volta.

quinta-feira, agosto 22, 2013

Um estudo em pentelho: pêlos, por que tê-los?



Claudia Ohana na revista Playboy: em defesa da mata atlântica!

Ronaldo Bressane

Estarão mesmo em extinção nossas matas mais sagradas?

De carona na recente pelômica, digo, polêmica com a mata da musa Nanda Costa, ressuscito pensata-playground para a saudosa revista Ele&Ela sobre a história do trato das moças com seus cabelinhos.

Cada vez mais as garotas têm limado os pêlos que coroam suas perseguidas.

O design baixo-capilar favorito por aqui, a virilha cavada, redesenhou as xoxotas yankees – lá, a febre é pela ‘brazilian wax’, a cera que assassina os cabelinhos de modo que as damas desfilem de biquíni sem causar espécie com fios indiscretos.

Até mesmo a nova edição do dicionário Oxford traz, para sinônimo de brazilian, “estilo de depilação em que todos os pêlos pubianos da mulher são retirados, permanecendo apenas uma faixa central”.


De fato o brazilian style de alinhar a pentelhama começou por conta da moda praia, mas virou obsessão comportamental.

Tente lembrar a última vez que você ficou enfeitiçado por uma selva selvagem (a mãe não vale, muito menos a Playboy com a Nanda Costa, aquela antiga da Claudia Ohana ou o ensaio famoso da Vera Fischer).

O cabeludo assunto virou tema de cervejadas cafajestes: há tanto os entusiastas da máquina zero (“Hollywood cut”, segundo o mesmo Oxford) quanto os românticos defensores da flora nacional – como o escritor Xico Sá, que em seu “Contra o desmatamento das fêmeas” salivou: “Estão acabando com as nossas matas mais nobres. Em nome de diagramações ridículas, muitas vezes só um tufinho de nada de pêlo, espécie de buceta-Cebolinha… buceta-reco, um absurdo qualquer assim!”.


Obra de Alena Kupčíková. Matéria-prima: pêlos pubianos

Uma penteada no Google nos revela curiosidades insuspeitadas sobre a cheirosa plumagem e informa: não é de hoje esse preconceito.

Na arte do antigo Egito, os pêlos pubianos das moças eram indicados em forma de triângulos.

Na arte clássica européia, muito raramente eles despontavam – o sumiço também se dava na arte indiana.

Mesmo o ultrarealista Michelangelo jamais desenhava os pelinhos.

Lá pelo século 18, no Japão, começaram a aparecer pentelheiras na arte shunga (erótica), o que se vê até hoje nos safados hentai: os pouco peludos nipônicos estão entre os povos mais interessados em cabelos íntimos.

De resto, nas culturas do Oriente Médio (principalmente as islâmicas) e da Europa Oriental, as moças seguem há séculos o brazilian way of xavasca.


™Alena Kupčíková

Mostrar a pentelheira era um tabu tão disseminado que os anais da história da arte sopram uma história bizarra.

O crítico de arte inglês John Ruskin teria ficado chocado ao dar de cara com os pêlos de sua esposa Effie Gray – o refinado intelectual, acostumado a ver retratos de damas imberbes, imaginou que sua mulher fosse uma aberração, pois achava que só homens tinham pêlos pubianos.

Ficaram casados cinco anos sem partir para os finalmentes, o que fez com que Effie pedisse a anulação do casório (com o novo marido, o pintor sem frescura John Millais, teve nada menos que oito filhos).

Considerada pornô em seu tempo, a pintura A Maja desnuda, do espanhol Francisco de Goya, foi a primeira obra de arte a escancarar a mulher em pentelhésimos detalhes.


Mais ousado, Gustave Courbet enquadrou, em A origem do mundo, um maravilhoso exemplar da mata francesa.



No cinema, os pêlos foram assunto para o longa A comédia de Deus, de João Monteiro, em que o personagem João de Deus guarda pentelhos deixados por ninfetas na banheira em que se lavam com leite (isso mesmo!) num grande livro chamado Caderno dos Pensamentos.

Mais recentemente, a carioca Marcia Clayton causou furor ao usar pentelhos uma obra de arte (formavam os cabelos da noiva, numa escultura com aqueles bonequinhos de bolo de casamento).

Marcia teria comprado a matéria-prima no Saara, famoso camelódromo do Rio, confirmando a tese de que ali se acha tudo.

Recentemente a talentosa artista plástica checa Alena Kupčíková (sem trocadilhos óbvios plis) expôs oito delicadas peças em que se retrata a genitália feminina e seus arredores: os sinuosos traços eram nada menos que dezenas de pêlos, doados por várias amigas – que preferiram se manter no anonimato.

A idéia surgiu quando Alena presenteou o namorado com um desenho de sua prochaska formado por seus próprios pêlos.

O cara, claro, ficou orgulhoso – tanto que escaneou a peça e mandou por e-mail aos amigos (curioso senso de comunhão tem o povo checo).

Os amigos pediram “mais uma, mais uma” e Alena abriu uma bem-sucedida exposição em Praga: os oito quadros estão expostos dentro de um túnel.

Fica a dica para o curador da próxima Bienal.


™Alena Kupčíková

Depois desse agradável passeio, tendo em vista que os pentelhos cada vez mais alcançam nobre espaço na arte, apesar do Photoshop, Ele&Ela afundou na lingerie e conferiu o assunto in loco – que falem elas, afinal.

Conversamos com sete moças entre 20 e 30 anos, duas gaúchas, duas cariocas e três paulistas, que nos revelaram o que pensam sobre seus cortes íntimos.

Como explicariam a moda zero total? Fetiche infantil, influência dos diretores de arte das revistas masculinas?

“Nem tô sabendo dessa moda, mas acho horrível, de mau gosto e sua causa Freud explica…”, desdenha a cantora carioca A*.

Já a jornalista carioca R* é adepta: “Tem mais a ver com uma curiosidade por um toque diferente do que por algum fetiche infantil finalmente liberado porque acabaram-se todos os tabus no mundo”, afirma. “Lógico que existe uma tendência impulsionada pela revista, mas segui-la é coisa para fashion victims”, critica.

A designer paulistana M* entende a arte como desculpa: “Talvez seja mais fácil pra tratar no Photoshop, ou os tratadores de imagem já têm uma xoxota pronta, aí é só aplicar, mudar a cor e tcharan!”.

A publicitária gaúcha S* crê que a moda depil total esteja em alta porque pêlos nunca são bem vindos: “Tudo na vida sem pêlo fica melhor, por isso a mulherada se atirou geral na cera quente”.

Já a jornalista paulistana F* diz que até tem mulher que fica bem totalmente lisa, como na infância. “Mas não gosto muito. Pêlos dão um ar ‘mulher’. Para algumas atividades é bom não ter barreiras nem atritos, só que essa moda contribui pra deixar os caras meio folgados, querendo só facilidade…”, ri.

Alguma moça já deixou de praticar o nobre esporte por conta de falta de trato na mata nativa? “Óbvio, inclusive a altura do pêlo da mulher está ligado à vontade de fazer sexo: se sei que vai rolar alguma coisa, já marco a depilação para estar em dia na hora H”, ensina a apresentadora gaúcha C*. “Se não quero transar já deixo grande, daí tenho uma desculpa pra mim mesma. Mas já fiquei na vontade com a penugem acima do nível ideal e transei igual.”

Sua conterrânea S* ajunta: “Já fui pra naite macaca de propósito, pra não correr o risco de dar naquele dia!”.

A jornalista F* explica: “Não deixei de fazer, mas já rolou crise. E uns truques pra ela não ficar em evidência. Nunca percebi algum cara perdendo o tesão por causa disso, mas fico encanada…”.

A cantora A* vaia: “Nunca! Já fiquei Claudia Ohana várias vezes e isso nunca me impediu de nada. É frescura demais…”

M* lembra: “É muito raro ela ficar numa situação assim, mas existe o ponto em que começa a crescer, pinica e aí é uma desgraça: você pratica o esporte e depois parece que andou a cavalo, fica toda assada!”.


™Alena Kupčíková

Por fim: preferência por algum corte?

“A íntima é uma que tá na moda, vejo nas revistas masculinas. Ela deixa os pêlos só na pista de pouso e tira os que cobrem os grandes lábios. Andava fazendo muito essa, parecia um meio-termo que agradava a mim e ao cara. Afinal, tenho que concordar que é gostoso passar os dedos nos grandes lábios lisinhos…”, conta F*.

Sua colega carioca R* radicaliza: “Meu argumento na depiladora é: tira tudo, não me serve de nada mesmo!”.

A loura M* é a favor do zero: “Deixo o ‘hitler’, e sempre aparado. Lá embaixo não tem jeito, tem que ser lisinho, é mais gostoso (sim, fica mais sensível sem!) e mais limpinho”, confessa.

Já a gaúcha S* é contra o ‘hitler’ e o depil full: “O meu corte favorito é pouco volume no topo, entrecu careca. Bigodinho de Hitler jamais, melhor depilar tudo. Mas depilação total achei horrível, completamente infantil e nada sexy – e quando começou a crescer espetava na boca do rapaz…”

Essa breve amostragem demonstra: embora o futuro talvez aponte mais para as estepes africanas do que para a floresta amazônica, entre as que só retiram o excesso e as que tiram tudo a média das garotas felizmente não está nem aí para o tamanho de suas matas.

(*) A pedidos. As moças detalham seus milagres, mas preferem não dar nome às santas



The Great Wall of Vagina, escultura do inglês Jamie McCartney