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terça-feira, setembro 23, 2014

A namorada e o monstro


Ricardo Coiro

Caro leitor, eu gostaria muito de usar o espaço da coluna de hoje para desabafar com você. Posso?

É que a minha mulher é a bipolaridade em pessoa. A sua também é assim? Estou ficando cada dia mais preocupado. E careca.

Na semana passada, do nada, ela se desfez da costumeira meiguice e começou a agir como se estivesse possuída pelo Capiroto. Você precisava ver! Ou melhor, tem sorte por não ter visto.

O que desencadeou a mutação dos infernos? Uma pergunta que ela me fez:

Amorzinho, me conta alguma fantasia que você tem e que ainda não realizou?
Até aí, tudo normal. Certo? Então, para não chocá-la, eu confessei a minha fantasia mais leve:

Eu gostaria de transar com você em uma praia deserta.

Amor, pode se abrir comigo. Eu sou a sua namorada e quero conhecer você de verdade, inteiro! – ela me encorajou, ainda com olhar afetuoso e sorriso terno.

Um ménage à trois! – falei com dificuldade na pronúncia e levemente eufórico.

Ah é? Que legal, querido! – ela me disse, com entonação de quem havia, de fato, curtido a ideia.

E com quem?
Com alguma mulher bem gostosa.

Sim, isso eu sei. Mas qual?

Ah, amor, com várias.

Com alguma amiga minha?

Amiga? Não, não! – menti. E tentei, em vão, mudar de assunto.

Não vou ficar brava. Pode me contar sem medo – ela me incentivou.

Só com a Renatinha.

Foi aí que o surto psicótico começou e que a voz dela, em um milésimo, foi de Sandy para Ivete.

Renatinha? Então você quer comer a Renata? Quer o telefone dela? Eu passo! Quer que eu anote na sua pele com a nossa faca nova? É só me dizer, seu cachorro.

Daí para frente as coisas só foram piorando e a minha gagueira, obviamente, aumentando. Depois de muitos gritos e portas batidas, terminei no sofá. E ela, aos prantos, em nossa cama.

No dia seguinte, contrariando todas as minhas expectativas, ela me acordou com o beijo na testa e me pediu desculpas. Disse-me que perdeu o controle e coisa e tal. Aquele papinho besta. Eu a perdoei, como sempre. Então ela sugeriu que fôssemos almoçar fora e foi para o quarto se arrumar.

Três horas depois...

Amor, este vestido está bom?

Está lindo! – afirmei como se estivesse admirando um carro recém-polido.

Eu sei quando você está mentindo, Pedro Henrique.

Mentindo? Não estou, amor. Eu realmente gostei do vestido. Odeio quando você diz que a minha roupa está boa só para sairmos logo de casa – ela me disse, e, novamente, trancou-se no quarto.

Duas horas depois ela voltou, trajando peças totalmente diferentes. O vestido e a rasteirinha haviam cedido o lugar a uma calça jeans mais larga do que as minhas e a um tênis com salto interno que deixa a mulher com pé de dinossauro.

Seja sincero, agora eu estou bem?

Se ela deseja sinceridade, sinceridade ela terá, pensei. E respondi:

Prefiro o vestido.

Você é foda, Pedro Henrique. Não me ajuda. Já são quase seis da tarde e ainda nem almoçamos. Custa facilitar um pouco as coisas?

Fiquei perplexo. Nem gaguejar eu consegui. Senti-me mais injustiçado do que inocente condenado à pena de morte. E sabe o mais assustador, irmão? Não era TPM. Como eu sei? Eu anoto os dias de TPM em minha agenda.

Minha mulher é realmente muito estranha. A sua é assim também? Se for, irmão, azar o nosso. Ah, então você é gay? Bom, tirando o pinto que você encara e o fato de você beijar seres com barba, parece bem mais seguro e com menor chance de surpresas.

O que mais a minha mulher faz?

Vive a dizer que não se veste para os outros, mas, quando eu digo – por livre e espontânea pressão – que a roupa dela não está boa, ela tem chiliques homéricos e ameaça cortar os pulsos com uma faca descartável.

Ela pede sinceridade, mas, em quase todas as vezes em que sou completamente sincero, ela me xinga até me fazer optar pela mentira. E quando descobre que eu menti, ela chora, indignada, pedindo sinceridade e dizendo que assim não dá.

Quer mais um sintoma claro de multipersonalidade dela?

Minha mulher, todos os dias, incentiva-me a sair com os meus amigos. Ela diz que é importante para mim e blábláblá. Entretanto, quando eu finalmente saio com eles, ela age como se eu estivesse cometendo um crime hediondo, e, o que é pior, promete vinganças:

Você vai ver, Pedro Henrique! Semana que vem, sem falta, eu irei ao clube das mulheres com as minhas amigas!

Pode ir.

Ah é? Você não liga? E se eu disser que eu vou deixar um negão esfregar a jeba na minha lomba?

Aí já é demais, né?

Viu só como eu me sinto?

O que uma coisa tem a ver com a outra, Carol? Eu estou apenas tomando uma cerveja com os meus amigos! Não tem nenhuma mulher esfregando a pepeca na minha cara.

Eu já disse que odeio você com todas as minhas forças? – ela me diz, antes de desligar o telefone na minha cara. E de me motivar a trocar a cerveja pela pinga.

Aí, como sempre, eu volto bêbado, tomo um puta esculacho e vou direto ao sofá. E, no dia seguinte, acordo morrendo de medo de descobrir que o meu pau foi colado no umbigo com SuperBonder, mas, milagrosamente, geralmente ouço algo como:

Bom dia, amor, dormiu bem? Eu fiz ovos mexidos para você. E suco de laranja.

Ela só pode ter uma irmã gêmea. Ou o miolo mole. 

Acho que vou fugir para as montanhas. 

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