Pesquisar este blog

quinta-feira, dezembro 31, 2015

Preferências nacionais


Encantar o mundo com o futebol arte, ser a última seleção brasileira vistosa e encantadora e provar que nem sempre o melhor vence. Time base: Waldir Peres; Leandro, Oscar, Luisinho e Júnior; Cerezo, Falcão, Zico e Sócrates; Serginho e Éder. Técnico: Telê Santana.

Nelson Motta, de O Globo

O futebol, a música e a política sempre andam juntos no Brasil. Como preferências da nacionalidade e da identidade cultural, se integram e se complementam para expressar o momento do país.

A conquista da Copa de 1958 não só nos livrou do complexo de vira-latas rodrigueano como deu solidez política ao otimismo visionário de JK, enquanto o samba-canção melancólico dava lugar à bossa nova leve, elegante e moderna.

Nos anos Collor, uma das piores seleções de todos os tempos foi eliminada nas oitavas justamente pela Argentina, vivíamos o confisco do Plano Collor, a inflação explodindo e o domínio absoluto do sertanejo mais vulgar. Deu no que deu.

Em 1970, a melhor seleção de todos os tempos foi tricampeã no México, o governo Médici era campeão de repressão e tirania, mas a economia bombava, e a MPB de Chico, Gil e Caetano vivia momentos de glória e fazia história.

A seleção de 1982, de Zico, Sócrates e Falcão, uma das melhores de todos os tempos, representou a vibração da campanha das Diretas Já e os estertores da ditadura, enquanto o rock explodia no Brasil com Lulu Santos, Lobão, Blitz e Paralamas. Assim como a campanha das Diretas, a seleção empolgou e fez bonito, mas acabou derrotada.

A vitória em 2002, com o espetacular time de Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho, celebrava a passagem de Fernando Henrique para Lula em paz e democracia, movida a esperança de novas conquistas, com o samba vivendo grande momento e nossos ritmos se misturando à eletrônica e ganhando o mundo.

O 7 x 1 na “Copa das Copas” já prenunciava um ano turbulento para o governo Dilma, com o ambiente político degradado por uma campanha selvagem e um estelionato eleitoral que derrubou a popularidade e a credibilidade da presidente. Enquanto o furacão da Lava-Jato devastava o mundo político, a música brasileira vivia um dos piores anos da sua história.

O que está pior hoje? O campeonato brasileiro, a CBF ou a seleção de Dunga? O governo Dilma, a Câmara de Cunha ou o Senado de Renan? O pagode romântico, o sertanejo universitário ou o funk popozudo?

Desejar um feliz ano novo pode parecer ironia, mas é sincero.

quarta-feira, dezembro 30, 2015

Os livros que muito poucos conseguem terminar


Miqui Otero, do El País

No último festival literário de Cheltenham, o romancista britânico Nick Hornby encorajava as pessoas a queimar em uma fogueira os livros complicados. A não insistir nesse romance que se instala na mesinha de cabeceira como um parasita porque seu leitor é incapaz de lê-lo, mas não quer admitir sua derrota. “Cada vez que continuamos lendo sem vontade reforçamos a ideia de que ler é uma obrigação e ver televisão é um prazer”, afirmava, em um elogio da leitura como atividade hedonista.

Depois que Hornby expressou essa posição, muitos fóruns discutiram quais títulos são os mais indigestos, em mais uma versão do eterno debate sobre se as pessoas leem obras complicadas para poder dizer que as leram, não pelo prazer de lê-las. Alguns levam essa ideia longe demais.

O romancista britânico Kingsley Amis disse em seus anos de maturidade que a partir de então, com pouco tempo de vida pela frente, só leria “romances que começam com a frase: ‘Escutou-se um disparo’”. Talvez o pai de Martin Amis tenha exagerado (as memórias de seu filho, nas quais tanto o ataca, têm quase 500 páginas), mas são muitos os que opinam que “a vida é muito curta para ler livros muito compridos”. Eis aqui uma lista de volumes que carregam o estigma (frequentemente injusto) de ser impossível terminar de ler.


1. O Arco-Íris da Gravidade, de Thomas Pynchon

No episódio A Pequena Garota no “Big Ten”, da 13ª temporada de Os Simpsons, a pequena Lisa quer se fazer passar por estudante universitária. Em uma cena, bisbilhota o armário de uma estudante e descobre este grande romance. A conversa das duas é a seguinte: “Você está lendo O Arco-Íris da Gravidade?”, pergunta-lhe a pequena Simpson. “Bom, estou relendo”, responde a estudante. A brincadeira, e o fato de que apareça nessa série, resume até que ponto esse e outros romances do autor mais misterioso da literatura americana alcançaram o status de literatura ilegível. Não para todos, claro. É famoso o caso do professor George Lavine, que cancelou suas aulas para se recolher durante três longos meses de 1973 com o único objetivo de devorá-lo. Quando saiu de sua reclusão, afirmou que Pynchon era o melhor que havia acontecido para as letras americanas do século XX.

2. Crime e Castigo, de Fiodor Dostoievski

Não adianta muito que se possa ler como um thriller psicológico e torturado que não se resolve até o último parágrafo. Talvez por seu título, que alguns consideram aplicável ao que representa sua escritura e sua leitura, poucos se atrevem a criticar os delírios de Raskolnikov, ou os abandonam na sexta manifestação de tormento.

3. Guerra e Paz, de Leon Tolstói

Outro exemplo da literatura russa, que se costuma colocar neste tipo de lista com piadas como: “Lamentavelmente, não cheguei nem ao primeiro disparo da guerra”. Embora muitos o considerem uma leitura trepidante ambientada durante a invasão napoleônica da Mãe Rússia, eles prefeririam ver a versão cinematográfica. Carrega o estigma recorrente de que ler para os russos é complicado e mais cansativo que escalar algum pico dos Urais. Seu autor o escreveu convalescendo, depois de quebrar um braço ao cair de um cavalo. Alguns leitores declaram, neste tipo de debate, ter se sentido assim durante sua leitura.

4. Orgulho e Preconceito, de Jane Austen

Outro romance que esconde pistas em seu título. Alguns leitores terminam de lê-lo pelo primeiro elemento, por orgulho, enquanto outros nem se aproximam dele por causa do segundo, por puro preconceito. É um festival de murmúrios e vaivéns românticos, inclusive cômicos, mas o leitor contemporâneo frequentemente se cansa das tensões sexuais que celebra, entretanto, nas comédias da televisão. Esse leitor pouco paciente não é o único. O gênio Mark Twain chegou a declarar: “Cada vez que leio Orgulho e Preconceito, tenho vontade de desenterrar [a autora] e golpeá-la no crânio com sua própria tíbia”.

5. A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy, de Laurence Sterne

Foi publicado por volumes durante oito anos. O autor morreu antes que se publicasse como romance; de fato, muitos especialistas consideram a obra inacabada depois de tantas páginas. O livro pretende ser a autobiografia do narrador, que se perde em digressões e rodeios infinitos e hilários, mas não adequados para todos os gostos. É uma peça fundamental da narrativa moderna e cômica, mas o fato de que o protagonista não nasça até o terceiro volume não ajuda muita gente a aguentar manter o livro nas mãos. Talvez prefiram a adaptação de Michael Winterbottom, embora seja uma adaptação pouco fiel, como não poderia deixar de ser.

6. A Divina Comédia, de Dante

O poema escrito por Dante Alighieri no século XIV pertence ao grupo dos que talvez enganem o leitor desprevenido pelo título. Crucial na superação do pensamento medieval e ácido como um limão nos olhos graças aos comentários sobre sua época, foi até adaptado em um monólogo por Richard Pryor. No entanto, muitos ficam na primeira parte (intitulada Inferno) ou não passam pela segunda, o Purgatório, e muito menos terminam a última, batizada de Paraíso.

 7. Moby Dick, de Herman Melville

Se o protagonista de outro relato deste autor, Bartleby, o Escrivão – esse advogado nova-iorquino entediado, entre outras coisas, com seu trabalho – diz aquilo de “Preferiria não fazer isso”, muitos leitores adotam essa frase quando encaram o romance definitivo de Melville. Não compartilham a obsessão cega do Capitão Ahab por caçar a baleia e se enjoam com a primeira tormenta em alto mar. Não estão sozinhos, apesar da legião de fãs que realmente vibram com o livro. Em uma recente reedição em castelhano desta obra, o autor do prólogo inclui uma saborosa curiosidade. O músico Moby (sim, aquele que faz canções que saem em oitenta anúncios) admite que, embora tenha adotado esse pseudônimo, jamais terminou de ler o romance porque lhe parece “muito longo”. Uma pista: esse músico calvo se chama, na verdade, Richard Melville. Seu tio-bisavô é o consagradíssimo autor.

8. Paradiso, de José Lezama Lima

As mais de 600 páginas desta espécie de romance de aprendizagem, exuberante em sua prosa como uma árvore repleta de frutos, são um inferno para muitos leitores. Muitos resolvem abordar a formação do poeta José Cemí aconselhados por Julio Cortázar, um autor fundamental para muitos adolescentes, do qual tentam devorar todas suas pistas, mas a linguagem personalíssima e o longo alcance afugentam uma altíssima porcentagem do público de um dos principais romances em castelhano do século XX. É mais curioso ainda quando se sabe que o autor é cubano, já que os cubanos geralmente são pouco dados a introspecções. Na narrativa latino-americana, apesar do recente culto global a Roberto Bolaño, também se costuma brincar com 2.666, do escritor chileno, que não alcança esse número de páginas, mas tem mais de mil.

 9. As Aventuras do Bom Soldado Svejk, de Jaroslav Hasek / Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes

O mesmo bufo de tédio e desinteresse nas salas de aula checas e espanholas. E o pior é que ambos são emitidos pela obrigação de ler dois dos romances mais divertidos e delirantes da história. Duas histórias pitorescas com dois anti-heróis absolutamente inesquecíveis que carregam o problema de ser o clássico mais aplaudido de ambos os países. Seu problema? Obrigar alunos imberbes com os feromônios disparados a mergulhar em suas numerosíssimas páginas para transformá-los em “um livro de La Mancha – ou de Praga – do qual não quero me lembrar”. No entanto, quando lidos mais tarde, são mais viciantes que um saquinho de pipocas ou que a série de TV com maior audiência.

10. Graça Infinita, de David Foster Wallace

É curioso que um romance que trata, entre outras coisas, do vício e do colapso da cultura do entretenimento desanime tantas pessoas. Suas mais de mil páginas – centenas delas são notas de rodapé – o convertem em um dos livros pós-modernos fundamentais na história da literatura, mas também fazem com que muitos acreditem que seu depressivo autor, que acabou se suicidando, tenha escrito, efetivamente, uma espécie de piada infinita sem graça. Os leitores atuais traçam uma linha no chão e formam dois grupos: aquele dos que amam o livro e aquele dos que o odeiam.

A vida secreta de Thomas Pynchon (09/MAI/1937 – ...)


Nós adoraríamos fornecer alguns antecedentes biográficos de Thomas Pynchon, mas tememos o que possa acontecer se o fizermos. Afinal, ele é obcecado pela privacidade e algumas pessoas até já pensaram que ele fosse o “Unabomber”, nome dado pelo FBI ao perpetrador de uma série de bombardeios nos Estados Unidos, entre 1975 e 1995. 

Outras tentaram associá-lo com o Branch Davidians, uma conturbada seita religiosa que pereceu sob as chamas num alojamento perto de Waco, no Texa, em 1993. Um criativo jornalista até defendeu a idéia de que o autor celebremente recluso é, na verdade, outro autor celebremente recluso, J.D Salinger. (A resposta de Pynchon? Um vigoroso “Nada mal. Continue tentando”.) As alegações de que Pynchon é também Harper Lee até agora não foram comprovadas, principalmente porque já foram desfeitas.

Embora ele se recuse a ser fotografado, não conceda entrevistas e quase nunca apareça em público, Pynchon insiste em dizer que não é recluso. Ele descreve esse termo como “uma palavra código criada pelos jornalistas” porque “é difícil para os repórteres acreditarem que existem alguém que não queira falar com eles”. 

Muitas das fotos existentes datam da época em que ele serviu na Marinha, quando provavelmente as palavras “Eu sou Thomas Pynchon e não quero ser fotografado” tinham um peso menor. Pynchon deve ter se divertido quando estava na Marinha, porque menciona esse época nas suas primeiras obras. Mas o que, exatamente, ele fazia? Talvez jamais saibamos. Seus registros de serviço desapareceram misteriosamente – alguns dizem que a pedido do próprio Pynchon.

Mas um lugar onde Pynchon deixou rastros de papelada foi a Universidade Cornell, onde manteve um estilo de vida atipicamente não-embriagado para um universitário. Um colega de classe o descreveu como “um leitor constante – o tipo que lê livros de matemática por diversão... começava o dia a uma da tarde, com um prato de espaguete e um copo de refrigerante, e ficava lendo e trabalhando até as três da madrugada”. 

Quando não estava fazendo serão com o Chef Boyardee, Pynchon tinha aulas com o autor de Lolita, Vladimir Nabokov. Mas os dois não se davam muito bem. Pynchon não conseguia entender uma palavra do que Nobokov dizia, devido ao seu carregado sotaque russo, e Nobokov mal percebia a existência de Pynchon. Anos mais tarde ele nem mesmo se lembrava ter sido professor, embora a esposa de Nabokov se recordasse da maneira como Pynchon escrevia seus textos à mão, metade com letras de forma, metade com letras cursivas.

Depois da faculdade, Pynchon trabalhou brevemente como redator técnico na Boeing Corporation, compilando artigos sobre segurança de mísseis de superfície ao ar para os boletins da empresa. Foi um desperdício de talento, mas proveitoso para sua para sua ficção, que é repleta de lengalengas paranoicas sobre conspirações militares e corporativas.

Em seu tempo livre ele escreveu V, seu primeiro romance. Com o sucesso do livro veio também a atenção indesejada. Pynchon mudou-se para o México, onde deixou crescer um bigode e tentou passar despercebido entre os habitantes locais, que o chamavam de “Pancho Villa”.

Desde que voltou aos Estados Unidos Pynchon tem dividido seu tempo seu tempo entre Califórnia e Nova York (se é que se pode confiar nos anedotários das suas aparições). Mais ou menos uma vez a cada dez anos ele fornece uma gotinha do seu saber aos seus ávidos admiradores, que discutem interminavelmente se este ou outro romance irá marcar o retorno à forma estabelecida em O arco-íris da gravidade, sua obra-prima.

Pynchon não se mantém completamente incomunicável. Ele já apareceu duas vezes na série de animação Os Simpsons. Nas duas ocasiões, protagonizou uma insana e assustadora caricatura de si mesmo, completada com uma sacola na cabeça. Em 1996 ele emergiu do seu bunker para escrever a capa de um álbum da banda de rock alternativo Lotion. Aparentemente apaixonado pela banda, Pynchon, segundo relatos, foi aos bastidores de um dos seus shows usando uma camiseta com estampa de Godzila e declarando sua infinita admiração pela música que faziam. Embora de início os integrantes sa banda ficassem um tanto assustados com essa aparição, rapidamente se afeiçoaram ao novo fã e se beneficiaram enormemente da publicidade que ele gerou.

Onde e de que maneira Pynchon aparecerá outra vez só nos resta adivinhar. “Por que as coisas deveriam ser fáceis de entender?”, Pynchon certa vez perguntou, um imponderável sobre o qual ele deve rir em silêncio cada vez que atira um romance de mim páginas, insanamente opaco, por cima do seu confiante público. Portanto eis aqui um brinde a você, Tom, por tornar o trabalho de jornalistas e biógrafos – sem mencionar o dos estudantes de literatura em inglês – só um pouquinho mais difícil, graças ao seu compromisso vitalício com a abstenção e ofuscação.

Vovô, o Herege

Séculos antes de O arco-íris da gravidade um Pynchon já estava criando encrenca com os censores locais. William Pynchon, ancestral de Thomas Pynchon, foi um dos primeiros norte-americanos de descendência européia. Ele imigrou da Inglaterra em 1630, apenas dez anos depois da chegada do Mayflower, a bordo da mesma frota que trouxe William Hathorne, o tata-tata-tataravô do romancista Nathaniel Hawthorne. William Pynchon mais tarde serviu como assistente do governador da colônia de Massachusetts Bay, John Winthrop. No entanto, teve de fugir para a Inglaterra em 1650, depois que um dos seus tratados religiosos foi denunciado como herege pelas autoridades puritanas.

Gravidade do “Piu-Piu”


A sobrinha de Pynchon é a cineasta de filmes para adultos Tristan Taormino, diretora de clássicos da pornografia como House of Ass e Guia definitivo de sexo anal para mulheres, partes um e dois. A graduada em Wellesley e colunista de sexo do Village Voice é considerada pioneira no uso de câmera de mão, chamadas perv cams, que permite em que as estrelas de filmes eróticos filmem umas às outras sem a interferência do diretor. Ela possui uma loja on-line de brinquedos eróticos e tem grandes planos de incluir o tio em seus futuros DVDs.

“Acho que seria fascinante para ele fazer comentários no próximo filme”, disse Taormino em uma entrevista ao New York Post em 2006. Os acadêmicos especialistas em Pynchon que aguardam ofegantes essa aparição terão de esperar até que o autor realmente assista a um dos filmes da sobrinha. “Ele nunca me pediu para ver um dos meus filmes, e eu nunca lhe enviei um DVD”, Taormino admite, embora se apresse em salientar as similaridades que poderiam incitar as futuras colaborações: “Nós dois somos escritores, e acho que ele se interessa pela cultura pop em geral”.

Página demais? Sim. Ilegível? Talvez. Mas, obsceno?

Apesar do assoberbante sentimento a favor de Pynchon, o comitê do Prêmio Pulitzer de 1974 o deixou para trás quando preferiu não conceder prêmio algum do que honrar O arco-íris da gravidade. Em desafio à recomendação do comitê de indicação do livro, a diretoria editorial do Pulitzer rejeitou o romance, considerando-o “exageradamente escrito”, “túrgido”, “obsceno” e “ilegível”. Pynchon teve de se consolar com um National Book Award, em vez disso.

Eu me recuso

O início da década de 1970 foi o auge do costume de mandar outras pessoas para receber prêmios. Em 1973 Marlon Brado despachou Sacheen Littefeather (nome verdadeiro: Maria Cruz), uma indígena falsificada, para receber o seu Prêmio da Academia por sua atuação em O poderoso chefão. No ano seguinte, Pynchon superou essa encenação quando enviou o falso “professor” e acadêmico Irwin Corey para aceitar em seu nome o prêmio National Book por O arco-íris da gravidade.

Em seu discurso de agradecimento, o humorista profissional nascido no Brooklyn, que se auto-rotula “a primeira autoridade do mundo”, referiu-se a Pynchon como “Richard Python” e agradeceu a Truman Capote, ao premier soviético Leonid Breshnev e ao “presidente em atuação dos Estados Unidos” Henry Kissinger. Quase ao final do prolongado discurso outro personagem constante nas cerimônias de premiação dos anos 1970 – um peladão – correu pelos corredores do Alice Tully Hall de Nova York.

No dia seguinte o New York Times observou que a cena bizarra “deixou algumas pessoas explodindo de riso e outras perplexas”. Humm... não muito diferente dos três últimos romances de Pynchon.

Na próxima semana: J. D. Salinger como médico!

Para um sujeito que se recusa a fazer aparições públicas, Pynchon certamente é bem vigilante no que se refere a policiar a própria imagem na mídia. Nem mesmo as séries da tevê mais tolas escapam à sua atenção. Em 1994 ele recebeu um comunicado de que o John Laroquette Show, da rede NBC, planejava mostrá-lo em um episódio. Já pressentindo um processo, os produtores enviaram a Pynchon um roteiro para sua aprovação.

A agente de Pynchon ligou de volta para os produtores com as modificações sugeridas por Pynchon: “Primeiro, vocês o chama de Tom, e ninguém nunca o chama de Tom”, ela disse. Além disso, o roteiro apresentava Pynchon presenteando um amigo com uma camiseta do Willy DeVille. A agente informou que, embora Pynchon gostasse de Willy DeVille, ele “preferia que fosse uma camiseta com Roky Erickson, dos 13th Floor Elevators”. Finalmente Pynchon vetou uma cena que exigia que o ator que o representasse fosse filmado por trás.

A questão mais importante, de por que um dos mais aclamados romancistas dos Estados Unidos estaria perambulando pela rodoviária de St. Louis, onde foi encenada essa porcaria de programa, aparentemente não o deixou nada preocupado.

Jim Morrison não morreu

Sim, há um tenebroso lado escuro na cultura pop norte-americana como você certamente já percebeu. E ninguém mergulhou mais fundo no moderno gótico americano do que Thomas Pynchon. Num artigo assinado por Douglas McDaniel no site Desinformation: www.desinfo.com a obra do autor é descrita como “alusiva, elíptica, absurda e criptográfica”. Segundo McDaniel, “a ficção de Pynchon vai além das habilidades cognitivas do leitor (...). Pode levar semanas, meses, anos para que o texto seja decifrado e, mesmo depois, a obra não estará terminada. Como uma pílula, a ‘pynchomalia’ demora a ser absorvida até que você sinta os efeitos. Mas aí será tarde demais. Você será um deles”.

É o texto de um fã entusiasmado, é claro. Mas Thomas Pynchon é mesmo um dos escritores mais originais e influentes da atualidade. Sua sombra é fascinante detectável na obra de Dan DeLillo e Paul Auster, William Gibson e Bruce Sterling.

Além disso, Pynchon se esforçou para criar uma lenda em torno de si. Assim como J. D. Salinger, ele é um recluso que não dá entrevistas nem se deixa fotografar. Alguns conspirólogos chegam a afirmar que Thomas Pynchon não existe e que ele é, na verdade, um pseudônimo adotado por Jim Morrison depois que o roqueiro forjou a própria morte em Paris. Só tem um problema nesta teoria: o primeiro romance de Pynchon, V, é de 1963, e Morrison morreu em 1970.

Teoria conspiratória

O que diferencia Pynchon de outros escritores góticos é o senso de humor debochado e irônico. No romance O Leilão do Lote 49, de 1965, a história gira em torno de um serviço secreto de correio chamado Trístero, criado na Europa no final do Sacro Império Romano-Germânico e que evolui, nos Estados Unidos, para um sistema de comunicação underground entre deserdados, malucos, revolucionários e paranoicos.

A personagem central, Édipa Maas, tem sérias dúvidas se está realmente desvendando uma conspiração mundial ou envolvida num trote de proporção colossal. Mas por que tantas pessoas perderiam tanto tempo numa piada tão elaborada?, questiona a personagem. E, afinal, qual é a graça? A graça está na engenharia da piada – mas essa é só outra teoria conspiratória.

A vida secreta de Sylvia Plath (27/OUT/1932 – 11/FEV/1963)


Nas primeiras horas da manhã do dia 11 de fevereiro de 1963, Sylvia Plath foi para o quarto onde seus filhos dormiam e deixou-lhes um prato com pão com manteiga e duas canecas de leite. Então desceu a escada de volta à cozinha e, depois de vedar a porta e a janela com toalhas, ela abriu o forno, enfiou a cabeça lá dentro e ligou o gás. Poucas horas mais tarde foi encontrada morta no chão.

Assim terminou a vida da grande poetisa e iniciou-se a lenda que inspirou gerações de garotas adolescentes depressivas a perseguir seus sonhos de escrever, espojar-se na depressão e odiar os homens em geral. Plath fez todas essas coisas durante os seus trintas e tantos anos. Ela também se tornou o tema principal nas aulas de autodestruição.

O pai de Plath era um especialista em abelhas, e sua morte súbita, quando Sylvia tinha apenas oito anos, iria atormentá-la pelo resto da vida e fornecer imagens poderosas à sua poesia. Após a morte dele, Sylvia jurou nunca mais falaria com Deus e, em vez disso, mergulhou de cabeça nos estudos. O Boston Sunday Herald publicou seu primeiro poema quando ela tinha apenas oito anos e meio de idade.

Plath cresceu em Wellesley, Massachusetts, que na época, como agora, era um celeiro de mulheres intelectuais. Em 1950, um momento decisivo para adolescentes angustiadas de todas as partes, ela vendeu seu primeiro conto para a revista Seventeen. Conquistou uma bolsa de estudos para o Smith College em Northhampton, onde era considerava a “garota de ouro” e iniciou a sua carreira literária para valer. Começou enchendo cadernos com seus contos, sonetos e anotações de diários.

Depois de vencer um concurso literário patrocinado pela revista Mademoiselle, Plath foi premiada com a chance de trabalhar como editora convidada na edição de junho de 1953. Isso significava ter de se mudar para Nova York, o que acabou sendo um tremendo erro. Plath era um peixe fora d’água no mundo da alta moda das revistas de Manhattan. Ela equiparou essa experiência à seleção para uma fraternidade estudantil e logo voltou para casa, onde sofreu um colapso nervoso – ela arrastou-se para o sótão da casa da família e ingeriu uma overdose de pílulas para dormir, tendo sido internada em uma casa de saúde e recebido tratamento de choque elétrico.

Toda essa experiência desmoralizante formou a base do seu romance A redoma de vidro, que foi publicado na Inglaterra sob o pseudônimo de Victoria Lucas. Um clássico da alienação dos anos 1950, o livro foi comparado com O apanhador no campo de centeio, de J. D. Salinger. Quando finalmente foi publicado nos Estados Unidos, em 1970, atraiu uma geração inteira de leitores, que encaravam a obra como um importante trabalho de proto-feminismo.

A fragilidade psicológica se tornaria a marca principal na vida de Plath. E o mesmo aconteceria com os tratamentos dominadores pelos quais ela passou, nas mãos de profissionais médicos e homens em geral. Quando, em desespero, pediu que lhe fizessem uma lobotomia para aliviar seu sofrimento, seu psiquiatra riu e lhe disse: “Você não vai se safar assim tão fácil”.

Atualmente os acadêmicos concordaram que Plath devia sofrer de algum modo de desordem bipolar. Contudo, ela permaneceu sendo uma grande conquistadora de prêmios literários e recebeu a bolsa de estudos Fullbright para a Universidade de Cambridge depois da graduação em Smith. Foi então que sua vida realmente fugiu do controle.

Em Cambridge Sylvia conheceu Ted Hughes, o protótipo do poeta machista, egoísta e mulherengo. Atraída pelo seu magnetismo animal, ela não pensou duas vezes de se casar com ele, no dia 16 de junho de 1956. O casamento provou ser um encontro planejado no inferno. Com suas bruscas mudanças de humor e temperamento vulcânico, Plath não se encaixava no papel da esposa dócil para um narcisista namorador como Hughes.

Suas brigas violentas quase sempre terminavam com Plath queimando os mais recentes trabalhos de Hughes numa fogueira ritual, antes de queimar os seus próprios. De alguma maneira o casal conseguiu gerar dois filhos e impedir-se de chamuscar qualquer um deles.

Plath produziu seu primeiro volume de poesias, The colossus and other poems, em 1960. A publicação do livro significou um marco em sua carreira literária. Farta da ficção, ela se voltou para a poesia intimista como um veículo de desabafo dos seus sentimentos de perda e de raiva – pela morte do pai, pelo papel da mulher numa sociedade dominada pelos homens e pela sua própria sensação de marginalidade.

Alguns poemas tratam dos problemas em seu casamento ou de eventos devastadores, como um aborto que sofreu em 1961. Muitos contêm imagens violentas e perturbadoras do Holocausto, da morte, de mutilação e brutalidade. Seus poemas ficaram cada vez mais intensos e autobiográficos durante os poucos últimos anos de vida.

No verão de 1962, Plath descobriu que seu marido tinha um caso. Quando o confrontou, ele a deixou. Emocionalmente destruída e fisicamente doente, Sylvia refugiou-se em um apartamento em Londres e começou a escrever seu último volume de poesia, que acabou se tornando a sua maior aclamação literária.

Em meados de outubro, ela já estava produzindo um poema por dia, muito deles sob a forma de poderosas denúncias contra o pai, contra Hughes ou contra alguma imaginária combinação dos dois. “Papai, papai, seu bastardo, estou farta”, ela queixou-se em Daddy, um dos seus poemas mais citados. Em Lady Lazarus ela equipara o pai a um médico nazista.

Se os novos poemas pareciam um “foda-se” ao mundo, é porque realmente eram, pois a composição deles precedeu o suicídio de Plath em apenas alguns meses. Quando um inverno particularmente frio se agravou, a depressão de Plath – que sempre teve um componente afetivo-sazonal – piorou. Seu médico fez de tudo para encontrar uma vaga em um dos hospitais psiquiátricos de Londres, mas estavam todos lotados.

Depois do suicídio, Hughes herdou suas propriedades e foi o executor do seu espólio literário. Para eterna consternação dos fãs de Plath, ele editou a sua coletânea final de poesias sem o menor cuidado, alterando a ordem ou removendo completamente alguns poemas. Os críticos o acusam de ter suprimido aqueles que se referiam a ele ou ao casamento destruído.

Plath se une a uma longa lista de poetas suicidas, desde Hart Crane e Edna St. Vincent Millay, no passado, até John Berryman e Anne Sexton, cujo poema Sylvia’s death celebra morbidamente a amizade entre as duas. Porém, com a possível exceção de Virgia Woolf, ninguém elevou-se mais em status devido às circunstâncias da sua morte – ou, emprestando-lhe uma frase, “destacou-se na arte de morrer” – do que Plath. Seus Collected poems foram finalmente publicados em 1981. No ano seguinte, ela se tornou a primeira poetisa a conquistar o Prêmio Pulitzer postumamente.

Espertinha


Não é de admirar que Plath se saía tão bem nos estudos – e tinha tanta dificuldade em se socializar. Ela sempre foi a pessoa mais inteligente da classe. De acordo com um teste de QI que ela fez em 1944, tinha um QI de gênio: 166.

Quem disse que você não pode voltar para casa?

Sylvia Plath tinha dois empregos para os quais era extremamente bem qualificada: professora de inglês no Smith College e recepcionista da clínica psiquiátrica no Massachusetts General Hospital – o mesmo centro de saúde onde ela estivera internada como paciente vários anos antes.

Reconhecendo as semelhanças

Embora tivesse passado bastante tempo na Inglaterra, Plath não era muito “chegada” aos homens ingleses. Ela os descreveu em seus diários como sendo um bando de “homossexuais pálidos e neuróticos”.

Sylvia Playh... escritoras para criança?

Plath jamais será confundida com o Dr. Deuss, mas realmente escreveu um livro para crianças. The bed book, uma coletânea de poemas nonsense sobre os diversos tipos de cama, foi publicado depois do seu suicídio, em 1963.

Para o melhor ou para pior

Plath e seu marido, Ted Hughes, estabeleceram um novo padrão para relacionamentos turbulentos e destrutivos. O tom foi estabelecido já em seu primeiro encontro, em uma festa de estudantes da Universidade de Cambridge.

Conforme Plath registra em seu diário, depois de alguns minutos de conversa Hughes lhe deu “um violento beijo na boca” e em seguida passou a arrancar a faixa que ela usava na cabeça numa selvagem demonstração de desejo. Sem querer ser superada, Plath relata: “dei-lhe uma longa e forte mordida na face e, quando saíamos da sala, o sangue escorria pelo seu rosto?”

Como muitos casais, não conseguiram manter esse nível de paixão por muito tempo. Depois de se casar com o inflexível Hughes em 1956, Plath logo começou a se queixar dos seus hábitos.

Ele era rabugento, enfiava o dedo nariz e se vestia como um mendigo. E, mais importante, ele a traía. Surpreendentemente, eles perseveraram durante sete anos de casamento antes que Hughes por fim “desligasse os aparelhos”, conquistado, desse modo, a eterna inimizade dos devotos fãs de Plath.

Sociedade dos poetas mortos

Plath cometeu suicídio num apartamento em Londres que certa vez fora ocupado por W. B. Yeats, seu poeta preferido. Ela achou que o fato de se mudar para o antigo apartamento de Yeats era um bom presságio.

Melhor morto do que “Ted”

Por trinta e cinco anos, até a sua morte em 1998, Ted Hughes nunca conseguiu se desassociar do papel de vilão na trágica morte de Sylvia Plath. Muitos fãs de Plath o culparam pelo suicídio, embora ela já tivesse tentado se matar em outra ocasião, três anos antes de conhecê-lo. As pessoas gritavam “Assassino” durante as leituras de poesia de Hughes e riscaram repetidas vezes o nome dele da lápide de Plath. Hughes, por sua vez, raramente falava sobre a falecida esposa, atiçando silenciosamente a fúria daqueles que o consideravam responsável pela perda de um grande voz poética.

Falando de abelhas

O pai de Sylvia, Otto Emil Plath, o Herr doktor a quem a poeta acusa violentamente em seu famoso poema Daddy, foi de fato um médico, embora não o virulento médico nazista que os versos sugerem. Professor de biologia e de alemão na Universidade de Boston, Otto Plath foi um respeitado etimologista e autor do livro Bumblebees and their ways.

Apesar de ter sido, sem dúvida, um homem rígido e emocionalmente distante, talvez o maior defeito de Herr Doktor estivesse na área da higiene pessoal. Em 1940 ele recusou tratamento médico depois que um dedo do pé infeccionou. Por conta disso, contraiu gangrena e morreu.

A vida secreta de Jack Kerouac (12/MAR/1922 – 21/OUT/1969)


Se solicitadas a relacionar algumas das características de Jack Kerouac, poucas pessoas o identificariam como (a) franco-canadense; (b) político conservador ou (c) estudante do curso preparatório. Mas o santificado autor de On the road – Pé na estrada foi todas essas coisas, sem mencionar um fanático torcedor de beisebol que, talvez, tivesse sido mais feliz como rebatedor do Red Sox do que como o pai da Geração Beat.

Nascido Jean-Louis Lebris de Kerouac em Lowell, Massachusetts, no ano de 1922, Kerouac era filho de um tipógrafo franco-canadense de Quebec. Ele não falava sequer uma palavra em inglês até os cinco anos, e só foi dominar completamente o idioma quando já era adolescente. Quando criança, divertia-se escrevendo relatos físico de eventos esportivos. Frequentou a Horace Mann School na cidade de Nova York, uma academia preparatória de elite, cujos ex-alunos famosos incluem o advogado Roy Cohn, a estrela transexual do tênis Renée Richards e o ex-governador de Nova York Eliot Spitzer.

A destreza de Kerouac no futebol lhe conquistou uma bolsa de estudos para a Universidade de Colúmbia, onde ele certa vez se gabou de ter atingido o recorde de faltas às aulas. Talvez tivesse permanecido um atleta burro se não quebrasse a perna em seu segundo jogo, quando ainda era calouro. Em vez disso, largou a faculdade e foi em busca de uma vida como escritor itinerante.

Os anos que passou viajando e anotando suas impressões em um diário culminante, em abril de 1951, na lendária maratona de escrita na qual ele produziu On the road – Pé na estrada. Mas tarde Kerouac afirmou ter “batucado” na máquina o manuscrito de 175 mil palavras em três semanas, transcrito em um enorme rolo de papel de telégrafo.

Muitos acadêmicos hoje concordam que o reverenciado “rolo de Kerouac” incorpora material de vários anos de anotações dos seus diários. Qualquer que tenha sido o processo, a lenda episódica de um “quadrado” do leste e seu companheiro rebelde viajando através dos Estados Unidos e do México se tornou um marco cultural instantâneo para a emergente Geração Beat.

No espaço de um ano Kerouac já estava parecendo no The Steve Allen Show, lendo trechos da sua magnum opus com o acompanhamento do piano jazzístico de Steverino. Infelizmente, esta foi uma das mais lúcidas aparições públicas de Kerouac durante esse período. Com demasiada frequência ele se exibia embriagado ou acabava descambando em arengas incoerentes sobre o budismo e sobre a verdadeira natureza do gênio.

Conquistou alguns detratores ilustres, incluindo Truman Capote, que fez um famoso comentário a respeito da obra de Kerouac: “Isso não é literatura. É datilografia.” Deve-se salientar que, embora quase sempre seja associado à composição automática e espontânea, Kerouac na verdade trabalhava assiduamente para revisar seus manuscritos e torná-los mais vendáveis aos editores. E por que não? Essa era a única forma de ganhar o dinheiro para a bebida.

Um alcoólatra vitalício, Kerouac passou a última década de sua vida bebendo ao ponto do estupor. Sua produção literária reduziu-se a quase nada. Ele mudou-se várias vezes, sempre acompanhado da mãe, e tornou-se cada vez mais devoto do catolicismo. Morreu de hemorragia abdominal, com uma caneta e um caderno nas mãos, no dia 21 de outubro de 1969.

Um pé na direita


Os beats mais radicais talvez tivessem ficado mortificados ao descobrir que, em matéria de política, o pai do seu movimento era um conservador. Católico devoto, Kerouac desprezava os hippies e era a favor da Guerra do Vietnã. Quando alguém colocou uma bandeira norte-americana sobre os ombros dele, numa festa no final dos anos 1960, Kerouac fez questão de dobrá-la cuidadosamente e deixá-la de lado. Kerouac também incluía William F. Buckley, fundador do National Review e “mestre” da direita, entre os seus melhores amigos.

Qual é a palavra? Thunderbird!

Kerouac foi alcoólatra por toda a vida. Sua bebida preferida era o Thunderbird, um vinho barato consumido por bêbados e indígenas de todas as partes.

Diamante bruto

On the road – Pé na estrada pode ter sido o maior romance de Kerouac, mas a sua maior criação certamente é a Ligia de Beisebol Fantasia. Muito antes de as fantasias on-line e as ligas Rotisserie se tornarem a mania nacional, o pai dos beats já “mandava ver” com um conjunto de cartões e blocos de papel colorido. Ele inventou a Liga quando criança, ainda em Lowell, Massachusetts, na década de 1930, e, já adulto, muitas vezes se referia a ela nas anotações em seu diário, sugerindo que se tratava de um passatempo duradouro. Com seu uso de cartões e estatísticas, o jogo era semelhante ao Strat-o-Matic, que se tornou popular nos anos 1960.

No entanto, a versão de Kerouac era muito mais intricada e complexa. Composta de seis times imaginários, sua liga possuía figuras da vida real, tais como Pancho Villa e Lou Gehrig, e também jogadores imaginários como Home Landry, Charley Custer e Luis Terceiro. Kerouac autoconsagrou-se o diretor de um time conhecido como The Pittsburgh Plymouths.

As “partidas” eram jogadas em tempo real, usando bolinhas de gude, palitos de dentes e borrachas de apagar, que Kerouac lançava em alvos a doze metros de distância. O “diretor” Kerouac mantinha registros detalhados do desempenho de cada jogador. Ele criou cartões de pontos e até salários e dados financeiros para o time.

Também criou um jornalzinho, o Jack Lewis’s Baseball Chatter e publicou um boletim chamado The Daily Ball, no qual fornecia resumos dos jogos do dia, substituições de última hora e listas dos líderes da liga. Algumas anotações obsessivas aparecem em Atop an underwood, uma coletânea dos primeiros textos de Kerouac. Outros, infelizmente, já passaram para a história do beisebol.

Pé na estrada e mão na garrafa

Em 1958, no auge do seu triunfo literário, Kerouac mudou-se com a mãe para uma casa em Northport, uma pequena cidade portuária na North Shore de Long Island. Os habitantes locais ainda se lembram dele com carinho – como o “bebum” da cidade. Kerouac era sempre visto perambulando pelas ruas descalço, ou usando chinelos de quarto, completamente embriagado e puxando um carrinho de compra de metal. A única coisa que ele comprava, no entanto, era bebida. Kerouac mantinha uma garrafa de Canadian Club sempre escondida numa mala, para um caso de emergência. De manhã, depois das bebedeiras, podia ser encontrado dormindo por cima dos trilhos de bonde abandonados que cruzavam a cidade.

Outros refúgios que Kerouac frequentava assiduamente era o pub local e a loja de bebida, onde já deixava uma cama dobrável para as siestas da tarde. Costumava também visitar a biblioteca pública, mas se recusava a entrar, exigindo que as bibliotecárias lhe levassem os livros enquanto ele esperava na calçada.

Tornou-se famoso por nunca ter cortado a grama do jardim e por pedir carona sempre que precisava ir a algum lugar, o que raramente acontecia. Na maior parte das noites ele ficava em casa, brincando com seus cartões de beisebol ou ouvindo seleções de missas para réquiem em seu gravador.

De vez em quando os fãs empreendiam a viagem de uma hora desde Nova York para encontrá-lo. Inseguro com a sua fama crescente, Kerouac gostava de deixá-los embriagados e depois os levava em excursões “iradas” para as mansões abandonadas de North Shore.

Kerouac trocou Northport por St. Petersburg, na Flórida, em 1964. Passou a sua última noite na cidade bebendo, divertindo-se e cantando com os discos de Mel Tormé. Depois foi encontrado dormindo num campo a vários quilômetros de distância.

Não é almoço grátis

Kerouac e William Burroughs eram amigos de longa data, mas o relacionamento começou a azedar na metade da década de 1950, devido ao hábito constante de Kerouac de “filar bóia”. Quando Kerouac se hospedava na casa de Burroughs nunca se oferecia para tirar a carteira do bolso e acabou abusando da hospitalidade do autor de Almoço nu.

Em 1957, Burroughs rompeu a amizade. Os dois ícones da Geração Beat ficaram sem se falar por mais de uma década. Encontraram-se apenas mais uma vez, em 1968, antes de uma aparição de Kerouac no programa de entrevistas na tevê de seu velho amigo William F. Buckley, Firing Line. Kerouac estava bêbado e Burroughs alertou-o a não se apresentar, pois iria passar por um vexame. Kerouac ignorou-o e, de fato, bancou o perfeito idiota em rede nacional.

Com a bola toda

O milésimo fã de beisebol que passou pela catraca do estádio, num jogo entre os Lowell Spinners e Williamsport Crosscutters da Classe A da New York-Penn League, no dia 21 de agosto de 2003, recebeu um raro presente: um boneco representando Jack Kerouac. Feito de plástico e resina, o boneco retrata o jovem Kerouac com a aparência que ele deveria ter quando morou em Lowell. Carregando uma mochila, com uma caneta e um caderno nas mãos, ele aparece numa cópia de On the road – Pé na estrada.

O presente incomum gerou mais de dez mil dólares para o Fundo de Bolsas de Estudo Jack Kerouac e recebeu extensa cobertura da mídia, incluindo artigos na Sports lllustrated e no New York Times. Foi também um substituto secundário para o plano inicial do clube, que era estender no gramado o manuscrito original de On the road – Pé na estrada. O pedido do “rolo” para a realização de tal façanha foi negado pelo espólio de Kerouac. O boneco-Kerouac atualmente se encontra em exibição no Baseball Hall of Fame, em Cooperstown, Nova York.

Coisas de fã

Quem diria que Jack Sparrow era um fã tão ardoroso de Jack Kerouac? Em 1991 o ator Johnny Depp gastou mais de 50 mil dólares de compra de itens dos executores do espólio de Kerouac. Suas compras incluíram quinze mil dólares pela capa de chuva de Kerouac, dez mil pela sua pasta, cinco mil por uma das suas velhas malas de viagem, dois mil por um suéter (espera-se que tenha sido lavado nesse ínterim), três mil por um chapéu de chuva (não se pode ter a capa sem o chapéu), dez mil por um casaco de tweed, cinco mil por uma carta de Kerouac para Neal Cassidy e 350 dólares por um cheque “voador”, que foi devolvido por uma loja de bebidas.

Gap de credibilidade

Em sua eterna busca por modelos “estilosos”, a rede de lojas de artigos para vestuário The Gap lançou uma campanha publicitária baseada no tema Beat, nos anos 1990. Os anúncios impressos exibiam uma foto de Kerouac usando calças cáqui e camiseta, e a frase “Kerouac Usava Cáqui”. Muitos dos fãs mais radicais do escritor ficaram ultrajados com essa apropriação póstuma da sua imagem. (A rede-irmã da The Gap, Banana Republic, estava vendendo uma “Jaqueta Jack Kerouac” por 70 dólares, na mesma época).

Como protesto, um grupo de poetas de Chicago criou uma paródia da propaganda, com um anúncio que dizia “Hitler Usava Cáqui” e exibia a foto do ditador nazista. Centenas de cópias foram então sub-repticiamente deixadas nas lojas Gap de Chicago. Mesmo depois de tantos anos, ninguém podia “mexer” com os beats.

A vida secreta de J. D. Salinger (01/JAN/1919 – 27/JAN/2010)


O “Sandy Koufax” da literatura mundial, Jerome David Salinger havia muito tempo dominava a arte de elevar a própria reputação permanecendo inabordável, indisponível e incomunicável. (Greta Garbo e Howard Hugh também usaram esse truque inteligente, lá na época deles.) Em termos de volume, as contribuições de Salinger aos cânones literários foram magros. Porém, poucos autores podem se equiparar à mística de um escritor que descreveu o simples ato de ser publicado como “uma terrível invasão à minha privacidade”. Quantos autores não seriam capazes de matar por uma invasão dessas?

Seu principal romance, é claro, foi O Apanhador no Campo de Centeio uma obra-prima de alienação adolescente que ainda tem ressonância com os estudantes insatisfeitos – entre outros tipos insípidos – até os dias de hoje. O personagem de Holden Caulfield (cujo nome foi uma homenagem aos atores William Holden e Joan Caulfield) foi amplamente baseado no próprio Salinger, com o exclusivo Pencey Prep fazendo as vezes da academia militar Waspy que ele frequentou.

Uma lista de inimigos expressa em forma de romance, o livro acidentalmente engraçado forneceu ao seu autor sensível, narigudo e judeu um fórum onde clamar por uma vingança retórica contra todos aqueles que o fizerem se sentir um intruso. Depois de escrever mais uns poucos livros adorados pelo crescente culto às quinquilharias da era Eisenhower, ele isolou-se e nunca mais publicou nenhum livro.

Seria essa saída de cena produto de uma falta de talento? Nos anos que se seguiram à publicação do livro, eminências literárias como John Updike, Alfred Kazin e Leslie Fiedler expressaram sérias dúvidas quanto à obra de Salinger. Joan Didion rotulou-a de “estúpida”, ridicularizando a “tendência de Salinger de exaltar a trivialidade essencial em cada um dos seus leitores, sua predileção por dar instruções de vida”.

Talvez tais comentários fossem apenas do tipo “as uvas estão verdes”. Afinal, Salinger estava ganhando muito mais dinheiro e obtendo muito mais atenção do que qualquer um deles. Mas algumas pessoas acreditam que talvez as críticas o tenham afetado. Ou, talvez, ele estivesse apenas preocupado com a idéia de nunca mais produzir algo que se igualasse ao seu primeiro sucesso. Qualquer que tenha sido o motivo, ele se tornou o mais célebre recluso do mundo.

Mas, quando vem à superfície, Salinger tende a gerar controvérsia. No início dos anos 1970, ele “juntou os trapos” com a biógrafa de dezoito anos Joyce Maynard e, sem a menor cerimônia, descartou-a nove meses depois. Ela vingou-se leiloando as cartas de amor que ele lhe escrevera e lançou um livro “contando tudo” sobre o relacionamento de ambos.

Em 2000, a filha de Salinger, Margaret, escreveu o seu próprio livro de memórias, pintando um retrato decididamente pouco lisonjeiro do ícone literário. Segundo seus relatos, o escritor que cativou uma geração de leitores com seus contos adolescentes na verdade era um homem autoritário, rabugento e rígido que bebia a própria urina e agarrava-se a decrépitos estereótipos raciais extraídos de antigos filmes de Hollywood. “Para meu pai, todas as pessoas que falam espanhol são lavadeiras porto-riquenhas”, ela escreveu, “ou os desdentados e sorridentes tipos ciganos dos filmes dos irmãos Marx”.

Quando Margaret ficou noiva de um rapaz negro Salinger quase subiu pelas paredes, alertando a filha sobre um antigo filme que ele havia assistido no qual o casamento de uma garota branca com um músico negro gerava consequência desastrosas.

Recluso em seu esconderijo em New Hampshire, Salinger continua escrevendo. Segundo relatos, ele possui cofres do tamanho de salas, repletos de manuscritos prontos ou em progresso. De vez em quando ele divulga a notícia de que um novo romance talvez seja lançado, mas, invariavelmente, muda de idéia.

Ele se recusa terminantemente a vender os direitos para filmagem de qualquer uma das suas obras e impediu as poucas adaptações não-autorizadas que foram feitas. Diz-se que seu testamento contém uma estipulação impedindo que qualquer pessoa adapte seus romances para o cinema após a sua morte.

Certamente ele não precisa do dinheiro: O Apanhador no Campo de Centeio continua vendendo mais de 250 mil cópias por ano, inspirando adolescentes angustiados do mundo inteiro. Numa sórdida reviravolta do destino, a maior criação de Salinger também se tornou o guia mágico de malucos solitários e assassinos em potencial de todas as partes. Quando Mark David Chapman atirou em John Lennon em dezembro de 1980, o assassino foi encontrado carregando uma cópia toda manuseada de O apanhador no campo de centeio. Mais tarde ele citou Holden Caulfield como sua inspiração pra o crime.

Quando Hollywood deseja demonstrar que um personagem é biruta, como o personagem de Mel Gibson no filme Teoria da conspiração, os produtores colocam uma cópia de O apanhador no campo de centeio na estante do sujeito. “Tenho medo das pessoas que gostam de O apanhador no campo de centeio”, dizem os roqueiros da banda Too Much Joy em uma canção de 1991. Você poderia culpá-los por isso?

Diversão em alto mar


O recluso mais famoso do mundo certa vez já foi o rei do “conga”. Em 1941 Salinger trabalhou como diretor de entretenimento a bordo do H. M. S. Kungshlom, um transatlântico sueco de luxo que transportava ricaço para as Índias Ocidentais. Mais tarde ele aproveitou essa experiência para escrever o conto Teddy, que se passa em um navio.

Oonático

Em seus vinte anos Salinger namorou Oona O’Neil, filha do dramaturgo Eugene O’Neil. Salinger achava que eles formavam o par perfeito, mas acabou sendo passado para trás pelo “Carlitos”. Charlie Chaplin intrometeu-se no romance e conquistou a jovem Oona. Eles se casaram em pouco tempo, apesar dos trinta e seis anos de diferença na idade. Enfurecido, Salinger escreveu a Oona uma carta raivosa e perversa, descrevendo em detalhes sórdidos suas impressões sobre a noite de núpcias dela com Charlie.

Casei-me com uma nazista

Isso sim é que é ser um judeu autodestrutivo: Salinger sempre se sentiu desconfortável com sua herança judia, um traço que passou a muitos dos seus “descendentes” na ficção. Mas talvez seja o único judeu na história que sabida e voluntariamente se casou com uma nazista. Tudo aconteceu nos últimos meses da Segunda Guerra Mundial, quando Salinger servia como oficial da contra-inteligência na Alemanha ocupada.

Encarregado de interrogar alguns oficiais nazistas de baixo-escalão, Salinger apaixonou-se por uma delas – uma mulher conhecido apenas como Sylvia (ou “Saliva”, como Salinger a chamava). Anti-semita declarada, Syvia não foi recebida exatamente de braços abertos pela família dele, quando voltaram para os Estados Unidos. A união durou apenas uns poucos meses, até que Sylvia correu de volta para sua terra natal.

Ele também disse que eu devia atirar em você

Quando O apanhador no campo de centeio foi escolhido pelo Clube do Livro do Mês, em 1951, a eminente diretoria da organização teve um problema com o obscuro título do livro. Solicitando a mudá-lo pelo presidente do clube, Salinger recusou-se friamente. “Holden Caulfiels não iria gostar disso”, explicou.

Que tal um copo de xixi?

De acordo com sua filha Margaret, Salinger bebia a própria urina, ao que tudo indica por motivos terapêuticos e não como refresco. A terapia pela urina tem sido praticada na Índia há mais de cinco milênios e dizem que possui efeitos fortemente curativos. Pode servir também para branquear os dentes.

Homeopata

Engolir urina era somente um dos aspectos do sistema de medicina alternativa de Salinger. Ele também envolveu-se com a Cientologia, homeopatia, acupuntura e Ciência Cristã. Ele se bronzeava em um aparelho feito em casa, equipado com refletores de metal, até que a pele ficasse marrom escura. Em outra ocasião, sua dieta macrobiótica o fez ficar com uma estranha tonalidade esverdeada. De acordo com sua família, o hálito dele era fétido.

Mas praticar medicina alternativa em si mesmo não era o bastante. Sempre que um dos seus filhos adoecia, Salinger ficava fora de si, recusando-se a descansar até que encontrasse o exato remédio homeopático para curar a enfermidade. Ele passava horas analisando os livros de medicina alternativa, buscando a cura perfeita para um caso de resfriado.

Quando se tratava de acupuntura, o “doutor” Salinger tinha um jeito ainda mais estranho de dispensar o tratamento. Ele abstinha-se das agulhas em favor de pontudas cavilhas de madeira. O resultado era a mais pura agonia. Sua filha Margaret descreveu a sensação “como se tivesse um lápis pontudo enfiado ne pele”.

Salinger tentou curar o resfriado do seu filho Matthew enfiando uma dessas cavilhas mágicas nos ossos do dedinho do pé do garoto. A pobre criança gritava de dor, mas seu pai estava irredutível. “Você, sua mãe e sua irmã têm a menor resistência à dor que já vi na vida!”, ele esbravejava. Não é de admirar que as duas crianças começaram a esconder do papai as suas enfermidades.

Caixa de surpresa

Quando não estava atormentando os filhos com remédios malucos, Salinger gostava de passar um tempo “consigo mesmo” em seu orgasmatron particular. Chamada de caixa de orgônio, a caixa de madeira e metal para apenas um ocupante foi inventada em 1930 pelo excêntrico psicanalista Wilhelm Reich e também era conhecida como Acumulador de Orgônio. Supostamente servia para absorver o “orgônio”, ou a essência vital do universo. (Também acreditava-se que agia como poderoso estimulante sexual para a pessoa que ficava lá dentro.)

O aparelho vendeu como pão quente no início dos anos 1950, antes que o governo norte-americano e declarasse como fraude e mandasse o seu inventor para a cadeia. (A saber, Reich realmente passou cinco horas conversando com Albert Einstein. Quando a conversa terminou, ele disse a Einstein: “Agora você entende porque todos pensam que sou louco”. Einstein respondeu: “E como”.)

O poder do blábláblá

A vida espiritual de Salinger foi bastante variada. Judeu de nascimento, ele experimentou o Zen-Budismo, Hinduísmo Vedântico e até o cristianismo carismático. Ao que parece, Salinger ficou tão bem impressionado com uma visita a um templo carismático na cidade de Nova York que, ao retorna para sua casa  em New Hampshire, começou a falar em dialetos estranhos. Sua filha o encontrou no quintal da residência da família arrebatado com o glossolallia, o mítico idioma antigo que, diz-se, representa o poder do Espírito Santo.

Nós nos veremos no tribunal!

Salinger é um protetor feroz de sua privacidade, muitas vezes usando ou ameaçando usar processos judiciais para amedrontar prováveis biógrafos. Ele obteve sucesso quando processou o autor lan Hamilton, para impedi-lo de republicar suas cartas em uma biografia não-autorizada de 1988.
Quando um cineasta iraniano dirigiu uma adaptação não-autorizada do romance Franny e Zoe, em 1988, Salinger e seus advogados impediram o lançamento do filme.

Até suas ameaças de ações legais provaram ser eficientes. Os personagens Terrence Mann, cujo papel foi desempenhado por James Earl Jones no filme Campo dos sonhos e William Forrester, com Sean Connery em Encontrando Forrester, foram baseados em Salinger, porém modificados mais tarde para evitar o litígio.

Meu herói

O filho de Salinger é Mattew Salinger, autor que fez o papel do super-herói superpatriota do Marvel Comics, o Capitão América, em um filme de 1990 que foi lançado apenas em vídeo.

E o ermitão foi embora...

J. D. Salinger morreu aos 91 anos, de causas naturais, em sua casa, segundo um comunicado oficial emitido por seu filho. Apesar da fama conquistada com o livro O Apanhador no Campo de Centeio, lançado em 1951, Salinger vivia voluntariamente em isolamento e se recusava a dar entrevistas ou ser fotografado há décadas. Ele também não gostava de receber visitas em sua casa, em uma área praticamente isolada na minúscula cidade de Cornish, em New Hampshire. Autor de Fanny and Zooney (1961) e Pra Cima com a Viga, Moçada (1962), entre outros, sua última obra, Hapworth 16, 1924, foi publicada em 1965 na revista New Yorker. Em 1996, uma editora anunciou que iria lançar o romance em forma de livro, mas isso nunca aconteceu.

terça-feira, dezembro 29, 2015

A vida secreta de William Burroughs (05/FEV/1914 – 02/AGO/1997)


Não foi por falta de bons antecedentes no “sistema” estabelecido que William Burroughs se tornou um dos mais celebrados rebeldes do mundo da literatura. Seu avô paterno, William Seward Burroughs I, foi o inventor da calculadora. Sua mãe, Laura Harmon Lee Burroughs, afirmava ser descendente do general confederado Robert E. Lee e tinha um irmão que trabalhou como relações públicas para John D. Rockfeller (sem mencionar Adolf Hitler).

O próprio Burroughs frequentou a Universidade de Harvard, embora não conservasse nenhuma simpatia pelo lugar. “Eu odiava a universidade e odiava a cidade onde ela ficava”, ele disse a respeito da sua alma mater. “Tudo ali era morto. A universidade era um falso cenário inglês ocupado por estudantes saídos de imitações de escolas públicas inglesas”.

Burroughs também serviu no Exército dos Estados Unidos, algo que provavelmente essa instituição jamais quis deixar em destaque nos seus registros de recrutamento. Os fãs do “rebelde” Burroughs podem se consolar com o fato de que ele foi dispensado por um motivo bastante “burroughesco”: foi considerado mentalmente incapaz para o serviço militar depois de ter cortado a ponta do dedo mínimo do pé para impressionar um homem por quem estava apaixonado.

Bravura não lhe faltava. Durante a Segunda Guerra Mundial, ele uniu-se a Ilse Klapper, uma judia alemã, num casamento por conveniência para ajudá-la a fugir da Áustria ocupada pelos nazistas. Mais tarde casou-se com Joan Vollmer, a quem matou durante uma pesada “brincadeira” com armas (mais detalhes a respeito adiante). Nenhuma dessas esposas desconhecia as verdadeiras preferências sexuais de Burroughs. Ele era assumido, orgulhoso e não “esquentava a cabeça” com isso.

Muitos acadêmicos estabelecem a data de nascimento da Geração Beat como o dia em que Burroughs, Allen Ginsberg e Jack Kerouac se reuniram na Universidade de Colúmbia, em 1943. Antes disso, Burroughs já havia trabalhado como exterminado, receptador de objetos roubados e traficante de drogas para ganhar a vida. Depois disso ele escrevia, vendia drogas e consumia drogas para impedir-se de morrer.

Verdade seja dita, ele nunca precisou trabalhar de verdade. Durante toda sua vida recebeu mesada da sua abastada família – não os milhões de Burroughs, que alguns criadores de mitos literários gostam de afirmar, mas o suficiente para pagar o aluguel e se manter bem abastecido de narcóticos, que era só o que ele queria.

As drogas foram uma constante na vida de Burroughs. Elas perpassam a sua biografia como, bem, uma dose de heroína através das veias de um viciado. As substâncias proibidas o atraíram desde a juventude. Quando adolescente, foi expulso de um conceituado colégio interno no Novo México por ingerir hidrato de cloro, um sedativo usado para anestesiar ratos de laboratórios.

Nos anos 1950, ele passou vários meses perambulando pela América do Sul em busca de uma poção psicodélica chamada yage, que, supostamente, proporcionava poderes telepáticos. (a beberagem atualmente é conhecida como Santo daime, ayhuasca ou vegetal)

Burroughs chegou a usar os três mil dólares que recebeu de adiantamento pela sua obra-prima, Almoço nu, para comprar heroína. Além das “picadas”, ele apreciava também cogumelos mágicos, maconha, haxixe e morfina – o que quer que estivesse disponível na temporada. Tentou inúmeras curas para ajudá-lo a abandonar o “hábito”, incluindo o famoso tratamento com apomorfina criado pelo dr. Jonh Yerbury Dent, mas nada durou muito tempo. No final, Burroughs resignou-se a viver em lugares onde pudesse obter drogas de maneira barata e/ou legal, e escreveu sobre a experiência com o vício em suas obras.

O ultraje causado pelo consumo de drogas e pelo estilo de vida abertamente homossexual o transformou em um alvo fácil para censores e repressores de todos os tipos. Em 1962, Almoço nu esteve no centro de um dos maiores julgamentos por obscenidade nos Estados Unidos e o livro foi considerado indecente pelo Commonwealth de Massachusetts. A decisão seguiu-se a um julgamento sensacionalista durante o qual Allen Ginsberg, Norman Mailer e outros testemunharam em defesa da obra. Mais tarde, a decisão foi anulada pela apelação.

Apesar de ter adquirido o status de cult nos anos 1970 – em parte pelo seu esmerado gosto por chapéus – Burroughs nunca foi totalmente aceito nos meios literários. Foi empossado na Academia Americana de Artes e Letras somente em 1983, após uma intensa campanha de Iobby encabeçada por Ginsberg. Burroughs parecia preferir a companhia de estrelas do rock, e pode-se incluir Lou Reed, David Bowie e Patti Smith entre os seus muitos admiradores.

Depois de passar a maior parte da década de 1970 festejando com a turma do Studio 54, em 1983 ele mudou-se para Lawrence, Kansas, para passar os seus últimos quatorze anos num completo torpor induzido pelas drogas. Quando morreu de parada cardíaca em 1997, com a incrível idade de oitenta e três anos, havia sobrevivido aos seus companheiros da Geração Beat, mais jovens e menos quimicamente dependentes, Kerouac e Ginsberg, por vinte e oito anos e quatro meses, respectivamente.

O estrago da agulha


O vício de Burroughs em heroína era poderoso e devastador. Certa vez ele vendeu a máquina de escrever para comprar uma dose, reduzindo consideravelmente a sua produção literária devido ao esforço que tinha de fazer para escrever à mão. Em outra ocasião, ele confessou ter se privado de tomar banho e trocar de roupas durante um ano, uma opção de estilo de vida que deve ter agradado muito aos seus amigos e vizinhos. Entre uma dose e outra, Burroughs ficava sentado olhando para o espaço por dias seguidos. “Eu podia ficar olhando a ponta do meu sapato por oito horas”, ele certa vez relatou.

Síndrome de Guilherme Tell

Matar a própria esposa poderia ser um deslize capaz de encerrar a carreira de qulquer autor – e da maioria das pessoas, na verdade –, mas parece que não atrapalhou muito o avanço de Burroughs. Em 1951, durante uma festa em sua casa no México, Burroughs e a esposa, Joan, decidiram regalar os convidados com a sua primorosa imitação de “Guilherme Tell”.

Joan equilibrou um copo na cabeça, enquanto Burroughs fazia a mira com a sua pistola de calibre 38 mm. (Aparentemente, a questionável sensatez de um viciado em heroína completamente “chapado” estar praticando tiro ao alvo com uma viciada em benzedrina não ocorreu a nenhum dos presentes.) Burroughs errou o alvo, explodindo os miolos de Joan e matando-a instantaneamente. Fim da festa. Após um intrincado procedimento legal no México, que envolveu alguns subornos para as pessoas certas, Burroughs teve permissão para sair do país e foi condenado por homicídio in absentia. Recebeu dois anos de suspensão da sentença.

Quando qualquer outro homem poderia ter ficado arrasado pela culpa, Burroughs preferiu encarar as coisas pelo lado positivo: “Sou forçado à terrível conclusão de que jamais teria me tornado um escritor se não fosse pela morte de Joan”, ele escreveu mais tarde. “A morte de Joan me fez entrar em contato com o invasor, o Espírito Horrível, e direcionou-me para uma luta que irá perdurar por toda a minha vida, na qual não tenho outra escolha exceto escrever para me libertar”.

Obrigado pelo almoço, Jack

A mais memorável obra de Burroughs ostenta um dos títulos mais intrigantes da história literária: Almoço nu. A isso devemos agradecer Jack Kerouac. Burroughs inicialmente planejava intitular o romance de Interzone, numa referência à “zona internacional” em Tânger, onde ele escrevera a maior parte dos seus fragmentos. Mais tarde ele escolheu um título mais sensacionalista, Naked lust (luxúria nua). Certo dia, Kerouac estava visitando Burroughs em seu refúgio marroquino quando pôs os olhos no manuscrito que estava no outro lado da sala, e leu o título erroneamente como Naked lunch. Burroughs achou tão engraçado que manteve o título daquela maneira – e assim nasceu um clássico literário.

Você não gosta de mim?

Apesar da diferença de idade de doze anos, Burroughs e Allen Ginsberg tiveram um caso breve e torridamente sensual no início dos anos 1950. A união acabou em chamas, contudo, quando Burroughs se apaixonou pelo seu protégé. “Bill queria um relacionamento no qual não houvesse barreiras”, Ginsberg escreveu tempos depois, “para alcançar a extrema união telepática entre as almas”. Mas quando chegou a hora do rompimento com Burroughs, Ginsberg foi um pouco menos eloquente na sua escolha de palavras: “Não quero mais esse seu pau velho e feio”, ele lhe disse. Muitos anos se passaram antes que os dois homens retomassem a amizade rompida.

Faz de conta que sou Xenu

Para um escritor tão obcecado com o controle da mente, Burroughs parecia ser a pessoa menos provável de se converter à Cientologia. Porém, no final dos anos 1960, ele se tornou um seguidor entusiasmado do sistema de crença baseado em alienígenas criado pelo autor de ficção científica L. Ron Hubbard.


Chamando a Cientologia de “verdadeira ciência da comunicação”, Burroughs começou a pregar seu evangelho por toda Londres, onde morava na época. Até se submeteu ao chamado Joburg, uma exaustiva “checagem de segurança” sexual e criminal aplicada aos adeptos da Cientologia.

Depois de alguns meses, Burroughs optou por sair, declarando: “A Cientologia foi útil para mim até que se tornou uma religião, e para mim a religião não tem utilidade alguma. Trata-se apenas de mais uma dessas ‘viagens’ de viciados em controle e podemos muito bem passar sem eles”.

Membro da banda

Com sua personalidade rebelde e sua técnica estética radical, Burroughs tinha uma afinidade natural com o mundo do rock. Como muitas pessoas hoje sabem, a banda Steely Dan extraiu seu nome do Steely Dan lll from Yokohama, um enorme pênis de borracha descrito em Almoço nu. O termo heavy metal também foi criado por Burroughs. Este aparece em seus romances The soft machine e Nova express como metáfora para as drogas pesadas.

Já mais tarde em sua vida Burroughs desenvolveu íntimo relacionamento de colaboração com vários artistas do rock, incluindo Tom Waits, Nick Cave e Genesis P-Orridga do Throbbing gristle. Seu bom amigo Kurt Cobain até mesmo lhe pediu para que aparecesse como Jesus Cristo no “clipe” para a música do Nirvana Heart-shaped box, mas Burroughs recusou o convite. Em 1992 ele de fato participou de um clipe com Cobain, intitulado The priest they called him.

Um dos colaboradores cujas idéias mais se assemelhavam às de Burroughs foi Al Jougensen, o vocalista da banda metaleira “industrial” Ministry, de Chicargo. Burroughs e Jougensen compartilhavam a mesma paixão por heroína, à qual se entregaram juntos em pelo menos uma ocasião.

“Burroughs não vive nesse planeta”, Jougensen comentou após a memorável sessão de picadas. “Basicamente, nós falamos sobre como erradicar os raccoons do seu jardim de petúnias. Finalmente decidimos que deveríamos dar-lhes uma dose de metadona. Isso os deixaria lentos o suficiente para que Bill pegasse a sua 38 e desse uns tiros para assustá-los”.

Uma vez que solucionaram o problema das pragas, foram capazes de tratar de negócios, Burroughs aparece como convidado especial na gravação da música Just one fix, do Ministry, numa participação em que declama os versos da letra.

Ao vivo de Nova York... William Burroughs!

A primeira e única aparição de Burroughs num programa de tevê foi também um dos mais bizarros encontros de convidados nos anais das comédias de fim de noite. O fato ocorreu no dia 7 de novembro de 1981, quando o ícone literário de sessenta e sete anos “deu uma passadinha” nos estúdios do programa Saturday Night Live, aceitando o convite do roteirista Michael O’Donoghue.

Sendo fã incondicional da obra de Burroughs, O’Donoghue conseguiu convencer Dick Ebersol, produtor do SNL, a permitir que o autor fizesse uma leitura ao vivo no programa daquela noite. No ensaio geral – durante o qual Burroughs balbuciou trechos de Almoço nu e Nova express tendo ao fundo os acordes de Star spangled banner – o desempenho provou ser tão bizarro que Ebersol ordenou a O’Donoghue que cortasse os seis minutos originais para apenas três.

Um conturbado O’Dunoghue ignorou completamente as instruções do produtor e Burroughs obteve permissão para arengar durante seis minutos inteiros. Sua lenga-lenga surrealista a respeito das explosões nucleares e sobre cirurgias para extração de apêndice realizadas por médicos embriagados deixaram a platéia atônica, remexendo-se nervosamente, sem saber se aquilo se tratava ou não de um número humorístico. Mas tudo entrou nos eixos rapidamente quando o convidado musical “super freak” Rick James e o elenco liderado por Eddie Murphy e Joe Piscopo reassumiram o controle do programa.

Lâmina por encomenda

Os espectadores mais atentos do filme clássico de ficção científica noir de Ridley Scott, Blade runner (O caçador de androides), lançado em 1982, talvez tenham reparado no nome Burroughs nos créditos. O título do filme foi um cumprimento ao autor de Almoço nu que, por volta daquela época, estava fazendo circular um roteiro chamado Blade runner, mas que nada tinha que ver com o filme de Scott ou com o romance O caçador de androides, no qual o filme foi baseado.
Apenas a título de curiosidade: o roteiro de Burroughs era sobre um grupo de contrabandistas adolescentes chamado “Blade runners” que fornecia instrumentos cirúrgicos proibidos a médicos, num futuro fascista onde os Estados Unidos eram comandados pela polícia secreta.

A vida secreta de Richard Wright (04/SET/1908 – 28/NOV/1960)


“Ele chegou como uma marreta”, escreveu o historiador John Henrik Clarke sobre Richard Wright, “como um gigante saído da montanha com um martelo de forja, escrevendo com um martelo de forja”. Gerações de estudantes norte-americanos conheceram Wright como o martelo de forja que colocou Black boy na relação de livros de leitura obrigatório. Porém, é em seu livro anterior, Native son, e em vários ensaios e contos que a sua reputação literária até hoje se sustenta.

Wright tinha muito em comum com os gigantes da literatura moderna norte-americana. Como Hemingway, foi um expatriado compulsório. Como Faulker, era nativo do Mississippi (e, por incrível que pareça, funcionário dos correios). Mas a cor da pele de Wright, bem como suas crenças políticas radicais, impediram-no de alcançar a estatura dessas duas lendas. Ele passou grande parte da vida buscando um país onde pudesse pendurar o chapéu e ficar um passo adiante do FBI.

Um dos primeiros afro-americanos a conquistar a fama por meio da palavra escrita, Wright cresceu no sul de Crow Smith, onde o simples fato de ter um cartão da biblioteca o deixava marcado como suspeito em meio à comunidade branca. Ainda assim, ele bolou um esquema para obter o cartão e o usava para mergulhar nas obras do seu primeiro ídolo literário, H. L. Mencken.

Com seus olhos abertos para as possibilidades existentes além de Natchez, Mississippi, Wright pegou uma “carona” para fora da cidade assim que chegou á maioridade. Instalou-se em Chicago, onde, pela década seguinte, trabalhou numa agência do correio no South Side e escreveu uma sucessão de contos e poemas bem-aceitos em pequenos jornais e revistas literários.

Em sinal de que a consideração a seu respeito se elevava, Wright foi considerado um dos “doze negros mais ilustres” de 1939 pela Coleção Schomburg de Arte e Literatura Negras da cidade de Nova York.

A publicação de Native son em 1940 provou ser a ruptura criativa e comercial de Wright. A história de um “negro bruto” chamado Bigger Thomas que acidentalmente mata uma mulher branca e paga um preço terrível por isso alçou Wright ao status de ícone quase do dia para noite – e não apenas na comunidade negra.

Como prova definitiva da aceitação geral, Native Son tornou-se a primeira obra de um escritor afro-americano a ser selecionada pelo Clube do Livro-do-Mês. (Para ser justo, é necessário acrescentar que a conservadora diretoria do clube obrigou-o a cortar algumas passagens mais racialmente carregadas de romances.)

Num espaço de poucos meses o ex-funcionário dos correios de Chicago se tornou o mais rico e mais proeminente escritor negros dos Estados Unidos.

Ele também se tornou comunista. Uma atitude bastante popularizada nas profundezas da Grande Depressão – momento em que a agitação esquerdista estava no auge – foi o que iria assombrar Wright pelo resto da sua vida, quando seus temores paranoicos sobre a vigilância de autoridades do governo acabaram se tornando bem reais.

Embora ele tivesse renunciado ao comunismo em 1944 – ele até mesmo escreveu um ensaio de mea culpa intitulado I tried to be a communist – o governo norte-americano nunca permitiu que ele se esquecesse da antiga filiação ao partido. Desde o momento em que se tornou uma figura pública, Wright passou a ser vigiado pelo FBI. A CIA também mantinha arquivos sobre ele. Outros afro-americanos conhecidos eram incumbidos de difamá-lo na imprensa negra. Além de tudo, o fato de Wright ter tido duas esposas brancas – a dançarina de balé Dhima Rose Meadman, em 1939, e a organizadora do Partido Comunista, Ellen Poplar, em 1941 – certamente não agradou muito as autoridades.

Em 1946, cansado da maneira como estava sendo tratado em seu país natal, Wright mudou-se para a França e se tornou um expatriado permanente. Em Paris foi recebido por intelectuais ilustre como Gertrude Stein, Simone de Beauvoir, Jean-Paul e André Gide. Levava uma vida produtiva, unindo-se a diversas organizações radicais e organizando movimentos para a descolonização de países em desenvolvimento. Mas seu trabalho sofreu pelo fato de estar separado da terra onde nascera e da fonte de sua inspiração.

Atualmente poucas pessoas já leram The outsider, Savage holiday ou quaisquer outros livros didáticos e de ensaios que Wright escreveu em seus últimos anos. Até mesmo muito dos seus antigos acólito dos círculos literários negros voltaram-se contra ele.

Na época da sua morte por parada cardíaca, em 1960, Wright estava imerso em dívidas e perdera os favores que havia conquistado nos meios literários. A ausência de uma necropsia e as circunstâncias apressadas da sua cremação – segundo relatos, com uma cópia de Black boy ao seu lado – fizeram circular uma série de teorias conspiratórias sobre a morte dele.

Até hoje algumas pessoas insistem que Wright, que não tinha nenhum histórico de doenças cardíacas, foi assassinado pela amante ou “silenciado” pela CIA, ou ambos. Se assim foi, teria sido um final mais adequado para um escritor que passou a vida inteira fugindo dos seus opressores reais e imaginários.

Autodidata jovem e irado


Não satisfeito com os livros que deveria ler na escola, o adolescente Wright decidiu organizar o seu próprio programa de leituras. Sua primeira parada foi na sede local da rede de bibliotecas públicas de Memphis. Porém, a instituição mantinha uma rígida política de empréstimos de livros somente para brancos. Furioso, Wright voltou para casa e imediatamente compôs uma carta falsa de um fictício patrono caucasiano da biblioteca. “Prezado Senhora”, dizia a nota, “poderia fazer o favor de permitir que este rapaz negro retire livros de H.L. Mencken?”. Em pouco tempo Wright havia completado a leitura das obras constantes na sua lista.

Amigos literários

Quando Wright se casou com a bailarina Dhima Rose Meadman, em 1939, seu amigo e ícone literário afro-americano Ralph Ellison foi o padrinho.

Um “viva!” para Hollywood

Desde o momento em que foi publicado, o livro Native son começou a atrair o interesse dos produtores de Hollywood. Wright resistiu por muito tempo a todas as ofertas de adaptar o romance para as telas. Ele temia que a sua mensagem se perdesse caso a trágica história de Bigger Thomas fosse atenuada para agradar a audiência em massa. Receava também que fosse feitas modificações indiscriminadas no enredo – e tinha bons motivos para isso.

Em 1947 o produtor Joseph Fields, dos estúdios MGM, abordou Wright com a idéia de “recriar” Bigger e todos os personagens afro-americanos do romance como pessoas brancas. Na versão de Field, Bigger seria remodelado como um integrante de um grupo de minoria étnica branca que procura trabalho juntamente com um polonês, um italiano, um negro e um judeu. A idéia deixou Wright tão horrorizado que ele desistiu completamente de Hollywood e passou a analisar as ofertas apenas de produtores europeus.

Com o passar do tempo, Wright encontrou em Pierre Chenal, um cineasta francês, a pessoa que procurava. Chenal concordou em manter o enredo como havia sido escrito, com a condição de que o próprio Wright desempenhasse o papel do personagem principal. Escolher um homem de quarenta e um anos, sem nenhuma experiência como ator, para o papel do protagonista de dezenove anos foi apenas o primeiro de uma série de erros que acabariam corrompendo a produção de baixo orçamento.

Quando o governo dos Estados Unidos pressionou a França para se distanciar do projeto, Cheval viu-se obrigado a relocar toda a operação para a Argentina. Confusões burocráticas, transações duvidosas dos investidores argentinos e a própria incompetência de Chenal acabaram lançando o projeto para muito além do prazo e do orçamento. Milagrosamente o filme ficou pronto e uma pré-estréia de gala foi realizada a bordo de uma aeronave da Pan-American no dia 4 de novembro de 1950.

As expectativas para uma recepção positiva no país natal de Wright eram grandes, mas os Estados Unidos não foram gentis com esse Native son. Antes da estréia do filme o Conselho Estadual de Censores de Nova York ordenou aos distribuidores que cortassem meia hora de filme, que consideravam politicamente pesado demais para as platéias norte-americanas. Essa versão expurgada horrorizou os críticos, que reservaram uma especial vurulência para o desempenho amadorístico de Wright.

Em público, o autor demosntrava não se importar. “Não forneço quaiquer álibis para este filme”, ele comentou. “Bom ou ruim, ele é o que eu queria”. Em particular, contudo, Wright se sentia profundamente envergonhado. Somente anos depois uma versão sem cortes do Native son veioà tona no circuito europeu de festivais de cinema. Mas, então, já era tarde demais para salvar a reputação cinematográfica de Wright.

Com amigos como esses...

Quando morou em Paris, Wright praticamente adotou James Baldwin, um promissor escritor afro-americano quatorze anos mais novo que ele. Baldwin nunca tivera um livro publicado e buscava conselhos e inspiração no autor já bem-estabelacido. Wright, por sua vez, foi muito generoso tanto com seu tempo quanto com seus conselhos.

Infelizmente ninguém disse a Baldwin que a gratidão fazia parte do acordo. Uma das primeiras coisas que ele escreveu, depois de se estabelecer em Paris, foi um ensaio atacado a tradição da ficção de “protesto” na literatura negra contemporanêa. O alvo principal da sua ira? O romance Native son. Imensamente magoado, Wright jamais perdoou Baldwin.

Louco por haicai

Wright foi contaminado com o virus do haicai. Durante a última década de sua vida, quando morava na França, ele compôs mais de quatrocentos desses poemas de apenas três frases, que ele chamava de “teias de aranha”. Estes foram reunidos e publicados postumamente.