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quarta-feira, dezembro 23, 2015

A vida secreta de Arthur Conan Doyle (22/MAI/1859 - 07/JUL/1930)


Arthur Conan Doyle foi um fracasso como médico e um completo desastre como oftalmologista. Os romances históricos que ele esperava que fossem o seu legado literário permanecem, em grande parte, não lidos, mesmo em seu próprio tempo de vida. E ele nunca conseguiu convencer as pessoas de que as fadas eram reais ou que Houdini tinha poderes mediúnicos. Mas teve sucesso na única coisa que modificou para sempre o mundo editorial: ganhou rios de dinheiro criando a mais popular franchise de detetive da História. Sempre que alguém vai para a sepultura portando um “Sir” antes do nome é porque fez alguma coisa certa.

Escocês de nascimento, Conan Doyle levou a vida de um consumado gentleman inglês. Recebeu o nome em homenagem ao rei Arthur, a quem sua mãe reverenciava, e cresceu lendo os romances de Charle Dickens e Sir Walter Scott. Estudou Medicina na Universidade de Edinburgh, passou algum tempo como médico em um navio e, com o tempo, instalou-se em Portsmouth, na Inglaterra, a cidade natal do seu ídolo, Dickens.

Conan Doyle tinha uma certa dificuldade, contudo, de ir à caça de pacientes, preferindo depender de acidentes de trânsito para manter a sua prática médica à tona. Casou-se com Louisa Hawkins, irmã de um dos seus pacientes, em 1885. Ele começou a escrever histórias de mistério logo depois, embora Sherlock Holmes não tenha sido exatamente um sucesso do dia para a noite.

A primeira aventura de Holmes, Um estudo em vermelho, apareceu na edição de 1887 do Beeton’s Christmas Annual. Três anos depois, Conan Doyle mudou-se da Inglaterra para Viena, a fim de estudar oftalmologia. No entanto, suas esperanças de ganhar um bom sustento como médico de olhos afundaram por falta de pacientes, e agora o médico, duas vezes fracassado, recomeçou a escrever para poder pagar as contas.

Ele esperava conquistar a fama como escritor de ficção histórica, mas o seu épico Micah Clarke, de 1889, e outros que se seguiram depararam com o desdém do público e da crítica. Então, em 1891, uma nova revista chamada The Strand começou a publicar as aventuras de Holmes em forma de folhetim. O personagem do detetive consultor, brilhante e altamente sensível, cuja criação foi mais ou menos baseada em um velho professor de Doyle na universidade, chamado Joseph Bell, conquistou os leitores vitorianos. A carreira de Conan Doyle deslanchou, e ele escreveu vinte e quatro histórias com Holmes antes de se cansar do personagem e matá-lo no romance O problema final, de 1893.

Holmes era um grande sucesso e os fãs protestaram na frente da casa do autor contra o “assassinato” dele. Algumas pessoas portavam braçadeiras pretas em demonstração de luto pelo falecimento do detetive. Conan Doyle foi forçado a trazer Holmes de volta à vida em 1902 – com um considerável benefício à sua conta bancária. Nessa época, ele já havia desistido da medicina e se apaixonado por outra mulher, Jean Leckie, embora o relacionamento permanecesse platônico em respeito à esposa dele, que estava doente com tuberculose. Eles se casaram logo depois da morte de Louisa, em 1906.

Uma vez que era uma celebridade internacional, Conan Doyle passou a se dedicar a causas mais mundanas: envolveu-se em dois famosos casos criminais, ajudando a chamar atenção para as dificuldades enfrentadas por dois homens que, ele acreditava, tinham sido acusados injustamente; redigiu uma estridente defesa da política britânica na Guerra dos Bôeres, um ato de xenofobia retórica que lhe conquistou o título de cavalheiro em 1902; e concorreu duas vezes ao Parlamento.

Mais tarde, concentrou-se quase exclusivamente em sua crença no espiritualismo, na comunicação com os mortos e na existência de fadas. Foi uma reviravolta bizarra para um autor que sempre fora associado à dedução lógica. Essas posturas o transformaram em motivo de riso no meio literário, embora fizessem todo o sentido para sua segunda esposa, que, segundo relatos, faz um passeio de avião logo após a morte dele, em 1930, para ver se conseguia contatá-lo mediunicamente da cabine. A comunicação, ela acreditava, seria mais clara se estivesse mais perto do céu.


Um homem para todas as temporadas

Um entusiasmado adepto dos esportes, Conan Doyle destacava-se em críquete, golfe e esqui. Considerava o boxe o mais sublime esporte individual e era conhecido por praticar golpes à noite, usando trajes formais. Durante uma visita à cidade de Nova York, em 1914, ele assistiu a um jogo de beisebol entre o Philadelphia Atletics e os New York Yankees.

Certa vez participou de um time de críquete formado por celebridades, juntamente com os colegas escritores J. M. Barrie (o criador de Peter Pan) e A. E. W. Mason, autor de As quatro penas brancas.

Os fãs de futebol podem lhe agradecer por ter ajudado a fundar o Portsmouth Football Club, em 1884. Doyle também foi o primeiro goleiro desse time, usando o nome A. C. Smith – um sinal da baixa estima por esse jogo que reinava entre os cavalheiros da época.

“Que nada, Sherringford”

A história literária – sem mencionar o vernáculo inglês – teria sido bem diferente se Conan Doyle tivesse mantido “Sherringford Hope” como o nome original do detetive mais famoso do mundo. (“Hope” era o nome de um navio baleeiro pelo qual Doyle nutria uma afeição especial.)

Por achar o nome horrível, sua esposa Louisa o convenceu a pensar em outra coisa. Então ele combinou “Sherlock”, em homenagem ao seu músico preferido, o violinista Alfred Sherlock, e “Holmes”, retirado do nome do famoso jurista Oliver Wendell Holmes, que escrevera um livro sobre psicologia criminal. Cabe destacar que Sherlock Holmes e o personagem principal do seriado de tevê Green acres tiveram seus nomes extraídos da mesma pessoa.

Como Holmes ficou “quente”

Se Conan Doyle tivesse feito tudo à sua maneira, Holmes estaria sobrecarregado com algo mais, além de um nome esquisito; ele também não se pareceria em nada com o personagem que hoje conhecemos. Quando Um estudo em vermelho foi publicado, em 1887, Conan insistiu para que seu pai alcoólatra – na época internado em uma instituição psiquiátrica – ficasse encarregado das ilustrações. Os desenhos que Charles Doyle produziu eram amadorísticos e desleixados e retratavam Holmes como um homem baixo, gordo e barbado, que mais lembrava o pintor francês Henri de Toulouse-Lautrec. Muitas pessoas atribuem a fraca venda do livro a essa desairosa representação.

Quando os editores da The Strand começaram a publicar as historias de Holmes, poucos anos depois, fizeram questão de contratar Sidney Paget, um ilustrador de primeira categoria, para “reformar” o grande detetive. Paget rejeitou imediatamente a concepção do Doyle mais velho, que retratava Holmes como um feio janota. “Absolutamente não”, ele disse. “Precisamos torná-lo sexualmente atraente para as mulheres, um dândi dos anos 1890. Irei desenhar um Sherlock Holmes pelo qual todas as mulheres irão ansiar e a quem todos os homens desejarão imitar, com seus trajes impecáveis”.

A representação que emergiu – um homem esguio, angular, atraente e impecavelmente vestido – teve um papel importante em transformar Sherlock Holmes no ícone internacional que é atualmente.

Batendo na mesa

Conan Doyle ficou arrasado com a morte de seu filho e de seu irmão durante a Primeira Guerra Mundial. Tão arrasado, na verdade, que deu as costas para a vida de pensamento racional e abraçou a idéia do espiritismo, ou a comunicação com os mortos. Atualmente, essas conversas ocorrem em programas de tevê vespertinos, sob o comando de ghost whisperers como John Edward e James Van Preagh. Mas na época de Conan Doyle as sessões espíritas aconteciam em volta de uma mesa de madeira, que poderia levitar ou ressoar com batidas quando uma comunicação do mundo dos espíritas era transmitida.

O John Edward da época de Doyle era Margaret Fox, uma matrona vinda do interior do estado de Nova York que, juntamente com as duas irmãs, enganou seus ricos e crédulos clientes durante anos, para, enfim, confessar que tudo não passava de encenação. Conan Doyle foi um dos poucos que se recusaram a aceitar o fato, e por muitos anos continuou escrevendo e palestrando sobre espiritualidade, frequentemente sob o escárnio do público.

Certa vez, quando fazia um desses discursos no Carnegie Hall de Nova York, foi interrompido por um assovio alto e agudo. Imaginando que se tratasse de uma mensagem do além, ele ficou bastante agitado, mas logo se soube que era apenas um problema no aparelho auditivo de um senhor na platéia. O riso foi geral e os jornais usaram e anedota como mais uma evidência de que o criador de Sherlock Holmes estava com um parafuso a menos na cabeça.

Nada de Holmes para vocês!

A crença de Conan Doyle no ocultismo teve ao menos um pequeno impacto em sua renda de direito autorais. Por muitos anos o livro As aventuras de Sherlock Holmes foi oficialmente banido na ex-União Soviética.

Mundo das Fadas

Talvez a mais infame viagem de Conan Doyle através das profundezas do mundo espiritual tenha acontecido em 1921, quando ele publicou o The coming of the fairies – uma fervorosa defesa de duas primas adolescentes de Cottingley, Inglaterra, que afirmavam ser amigas de um grupo de fadas minúsculas e aladas. As fotografias das meninas brincando com o suposto espírito eram claramente montadas – e, mais tarde, expostas como falsas –, mas novamente Conan Doyle provou ser um trouxa disposto a ser enganado. Ele continuou a proclamar o advento das fadas em artigos e palestras durante toda a década de 1920, muito tempo depois que o assunto já se esgotara.

Loucos por Harry

Conan Doyle desenvolveu uma improvável amizade com o artista escapista Harry Houdini que, ele acreditava, possuía poderes mediúnicos genuínos. Os dois eram internacionalmente famosos e se interessavam pelo mundo espiritual, mas as semelhanças paravam aí.

Houdini não acreditava em médiuns e usava a sua associação com Conan Doyle como uma oportunidade para conhecê-los e desmascará-los. Conan Doyle, por outro lado, estava convencido de que Houdini podia realmente fazer mágica – e não meramente usar truques para convencer a platéia.

O relacionamento entre eles começou a deteriorar depois que a esposa de Conan Doyle conduziu uma sessão espírita na qual afirmou estar recebendo uma mensagem da falecida mãe de Houdini em inglês, idioma que a velha senhora nunca falou.

Pouco depois disso Houdini passou a ridicularizar publicamente a crença de Conan Doyle no espiritualismo e os dois se distanciaram. Chegaram a trocar algumas cartas ofensivas e depois toda e qualquer comunicação entre os dois simplesmente cassou.

Ossos falsificados

Seria o criador de Sherlock Holmes o mentor de um dos maiores embustes da História? Pois foi isso que o antropólogo Jonh Winslow defendeu em um artigo da revista Science, em 1983. Winslow afirmou que Conan Doyle era o embusteiro responsável pelo Homem de Piltdown, um conjunto de fragmentos de ossos fossilizados encontrado em um poço de mina em 1912 e exibido como sendo os remanescentes do lendário “elo perdido” entre os macacos e os seres humanos. Por fim, descobriu-se que esse “homem primitivo” era na verdade um orangotango, embora os antropólogos tenham levado mais de quarenta anos para provar a “trapeação”.

Então, como Conan Doyle transformou-se em suspeito? Ele era vizinho e amigo de Charles Dawson, o arqueólogo amador que encontrou o esqueleto, e também era amigo de um frenologista especializado em formatos de crânio incomuns, que poderia tê-lo ajudado a obter a mandíbula do orangotango, parte essencial de todo embuste.

Algumas pessoas chegaram a argumentar que, em seus textos, Conan Doyle deixou indícios a respeito do Homem de Piltdown. Seu romance O mundo perdido, de 1902, mais especificamente, parece conter uma mensagem enigmática indicando a localização dos fósseis. Quanto ao motivo, os acusadores apontam para a obsessão de Conan Doyle pelo espiritualismo, sugerindo que ele buscava desacreditar o meio científico, ludibriando-os com uma falsificação deliberada.

Atualmente, exceto por uns poucos antropólogos malucos, ninguém realmente aceita a teoria de que Conan Doyle tenha sido o embusteiro por trás do caso do Homem de Piltdown. Entretanto, poucos podem negar que este é um esquema digno do próprio Moriarty.

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