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sexta-feira, dezembro 11, 2015

A vida secreta de Edgard Allan Poe (19/JAN/1809 - 07/OUT/1849)

Atualmente pode-se encontrar o rosto de Edgar Allan Poe reproduzindo em tudo, desde paredes de livrarias até garrafas de cervejas. Mas nem sempre foi assim. O mais famoso produto de exportação literário dos Estados Unidos morreu na miséria e amplamente antipatizado em seu próprio país. Coube aos franceses (que insistem em se referir a ele como “Edgar Poe” por razões desconhecidas) ressuscitar a sua reputação e elevá-lo ao status de ícone que ele desfruta hoje em dia. Obrigado, François. Podemos conversar sobre Jerry Lewis mais tarde.
Edgar Allan Poe foi o pai da ficção macabra, um escritor cujas histórias sinistras e poemas perturbadores pavimentaram o caminho para H. P. Lovecraft e Stephen King. Ele também tinha medo do escuro. “Acredito que os demônios se aproveitam da noite para enganar os incautos”, ele certa vez confessou a um amigo. “Embora, é claro”, apressou-se em acrescentar, “eu não acredite neles”. Talvez Poe simplesmente pressentisse que estava vivendo sob uma nuvem negra. E não se poderia culpá-lo por isso.
Órfão aos três anos, ele foi criado por um rico casal, John e Frances Allan, em Richmond, Virgínia. Criado, e não adotado, pois o arrogante John Allan recusava-se a permitir que o filho de atores de teatro corrompesse a pureza da sua árvore genealógica. Assim mesmo, Poe passou a usar o sobrenome do pai “adotivo” como seu nome do meio. Ele herdou também um pouco do pedantismo de John. Além de afeto, outra coisa que John Allan falhou em oferecer ao filho adotivo foi dinheiro. Na verdade, a penúria foi uma marca constante na breve vida de Poe.
Na Universidade de Virgínia ele acumulou dívidas de jogo para satisfazer suas necessidades, que na época incluíam copiosas quantidades de álcool. O padrão se repetiu quando Poe ingressou na Academia Militar em West Point, em 1830. Provando ser uma vergonha ao uniforme, ele passava a maior parte do tempo bebendo e planejando meios de ser expulso. Em janeiro de 1831 finalmente obteve sucesso. Desobedeceu a ordens diretas e deixou de comparecer aos treinamentos com frequência suficiente para ser acusado pela Corte Marcial por “Absoluta Negligência ao Dever”. Ele detém a duvidosa e dupla distinção de ter sido o único grande escritor norte-americano e ter frequentado West Point e o único a ser expulso.
Poe encaixa-se nos moldes do clássico beberrão fracassado. Um colega de universidade escreveu que “a paixão dele por bebidas fortes era tão característica e peculiar quanto a paixão pelas cartas... sem nem mesmo um gole para provar, ou um estalo de língua, ele agarrava um copo cheio e o virava num só gole”. Mas aquele único copo normalmente era o bastante para levá-lo a um coma alcoólico.
Parte do problema era, sem dúvida, a sua constituição frágil e a predisposição às doenças. Em West Point, Poe tinha a aparência tão frágil e envelhecida que os outros cadetes brincavam, dizendo que seu pai adotivo havia tomado o seu lugar. Com o tempo, John Allan acabou ficando tão farto dos hábitos dissolutos de Poe que o repudiou, prometendo mandar prendê-lo se ele algum dia aparecesse em sua propriedade.
Destituído de dinheiro e de família, Poe foi morar com uma tia, Maria Clemm, em Baltimore. Também começou a escrever contos para revistas. Em 1836, aos vinte e sete anos, casou-se com sua prima de treze anos, durante os quais foi repetidamente alertado sobre a impropriedade de se casar com uma garota tão nova. Juntos, eles se mudaram várias vezes – para Nova York, para Filadélfia e para Nova York novamente. Poe estava sempre um passo à frente dos seus credores e a um gole de distância da prisão por embriaguez. Então, justamente quando a sua carreira como escritor começou a progredir, sua esposa contraiu tuberculose e morreu.
A vida de Poe foi realmente um pesadelo e teve uma conclusão adequadamente onírica. Em uma parada em Baltimore durante uma viagem para Nova York, no final de setembro de 1849, ele desapareceu por cinco dias. Foi recolhido na rua, em frente a uma taverna irlandesa, semiconsciente e bêbado como um gambá, usando roupas maltrapilhas que claramente pertenciam a outra pessoa. Internado no Washington College Hospital, o delirante poeta passou os dois dias seguintes clamando por um misterioso homem chamado Reynolds e implorando ao médico atendente que explodisse o seu cérebro. Finalmente, gritando em seu leito “Senhor, socorra a minha pobre alma!”, ele emborcou para trás e morreu.
Ninguém sabe ao certo o que aconteceu durante aqueles cinco dias perdidos. As evidências sugerem que Poe talvez tenha sido sequestrado por uma gangue de capangas de políticos, que o embebedaram e o forçaram a falsificar votos nas urnas eleitorais da eleição para prefeito de Baltimore. A decorrente bebedeira pode ter exacerbado uma doença já existente, tal como sífilis, diabete ou talvez hidrofobia.
Qualquer que tenha sido a causa, sua morte foi extremamente desagradável – bem como a reputação que lhe foi imputada pelo seu primeiro biógrafo, um amargurado editor chamado Rufus Griwold, cujo trabalho Poe certa vez criticou duramente na imprensa. As “memórias” de Griswold, publicadas em 1850, descrevem maldosamente Poe como um degenerado, viciado em drogas que praticava sexo incestuoso com a própria tia. Foi um acerto de contas barato, repleto de falsidades, mas décadas se passaram antes que o “sistema” literário (com uma pequena ajuda dos franceses) finalmente aceitasse Poe no panteão dos grandes autores norte-americanos.
A soma de todos os medos
Não era de admirar que Poe tivesse medo do escuro. Ele foi educado em um cemitério – literalmente. Quando frequentou um internato na Inglaterra, sua classe ficava ao lado de um cemitério. Mesquinho demais para comprar livros didáticos, o professor dava aulas de matemática ao ar livre, em meio aos mortos que jaziam em seu sono eterno. Cada criança era instruída a escolher um túmulo e, depois, a descobrir a idade do falecido fazendo a subtração do ano do nascimento e o ano da morte. As aulas de ginástica também transcorriam nesse mesmo ambiente agradável. No primeiro dia de aula cada aluno recebia de presente uma pequena pá de madeira. Se um dos membros da paróquia morresse durante o semestre, as crianças eram enviadas para escavar a cova, praticando, dessa forma, revigorantes exercícios aeróbicos.
“Você entrou pelo cano”, disse o corvo
Poe tinha grande orgulho de O Corvo, chamando-o de “o mais grandioso poema jamais escrito”. (A modéstia não era um dos seus pontos fortes.) No entanto, ele ganhou quase nada com essa obra, graças, em parte, à sua ignorância das leis de direitos autorais. Ansioso por ver a sua criação impressa, ele a publicou num jornal, o New York Evening Mirror, sem saber que isso o eximiria de toda proteção dos direitos autorais. Qualquer pessoa poderia reproduzir o poema – e muitas o fizeram, com lucros consideráveis. Quando Poe finalmente conseguiu publicar a sua própria edição, o poema já tivera um circulação tão ampla que ninguém a comprou.
Dickens perde a mão
O famoso corvo de Poe, na verdade, foi inspirado pela ave de estimação do escritor britânico Charles Dickens. O pássaro tagarela de Dickens aparece como personagem em seu romance de mistério Barnaby Rudge, que Poe resenhou em 1841. Poe elogiou Dickens pelo uso do corvo falante, considerando que ele deveria ter desempenhado um papel mais importante na trama.
Quando Dickens e Poe se encontraram pela primeira e única vez, em 1842, o estimado pássaro havia morrido recentemente. (Ao que parece, ele havia bebido a tinta de um tinteiro que Dickens deixara aberto em sua mesa.) Dickens relatou o triste caso a Poe, que voltou para casa naquela noite e inseriu um agourento corvo falante no já existente poema chamado To Lenore, que ele havia abandonado. “Lenore” rimava perfeitamente com “Never more”, que se tornou o famoso mantra do sinistro pássaro negro.
Quanto os poetas atacam
Não há mais divertido do que uma briga entre poetas. O arquinemesis de Poe foi Henry Wadsworth Longfellow, o famoso autor de A Canção de Hiawatha e outros poemas. Por motivos ainda obscuros quase dois séculos depois, Poe foi de uma amável admiração a uma franca hostilidade em relação ao homem, à sua poesia e ao seu caráter. Em 1840 escreveu uma crítica contundente ao último poema de Longfellow, acusando-o de tê-lo plagiado de Alfred Lord Tennyson. Quando isso não provocou nenhuma reação, Poe afirmou que Longfellow havia roubado também um dos seus poemas. A chamada “Guerra Longfellow” estava declarada.
Infelizmente para Poe, tudo não passou de desperdício de munição. Ele nunca apresentou nenhuma prova de que Longfellow fosse plagiador e o poeta da Nova Inglaterra recusou-se serenamente a responder aos ataques ad hominem de seu colega mais jovem. Depois da morte de Poe, Longfellow tinha apenas elogios a lhe fazer, acrescentando: “Jamais atribuí a severidade das suas críticas a nada além da irritação de uma natureza sensível, acirrada por um indefinido senso de injustiça”. Ora, ora.
Acima, acima e avante
Poe não estava acima de um pequeno embuste jornalístico, principalmente quando o dinheiro andava curto. Em abril de 1844, um quase falido Poe vendeu uma reportagem ao New York Sun sobre a primeira travessia transatlântica de um balão em todo o mundo. “O grande problema finalmente está resolvido”, ele escreveu, triunfante. “O Ar, bem como a Terra e o Oceano, foi subjugado pela ciência e se tornará uma comum e conveniente estrada para a humanidade”.
O artigo de Poe, incrivelmente bem bolado, de cinco mil palavras, prosseguiu descrevendo em detalhes requintados o dirigível em questão, o seu operador (um balonista verdadeiro chamado Monk Mason) e a viagem em si. Havia um único problema: era tudo mentira. No dia seguinte, o Sun publicou um retratação: “A correspondência vinda do sul... não tendo trazido da Inglaterra a confirmação sobre o balão... estamos inclinados a acreditar que a informação é errônea”.
Enterrado de novo
A nuvem negra de má sorte que parecia perseguir Poe durante toda a sua vida continuou pairando mesmo depois da sua morte. A lápide encomendada para demarcar sua sepultura foi atropelada por um trem descarrilado. Como resultado, até que seu corpo fosse exumado e novamente enterrado em 1875, ele descansou sob um genérico marcador de sepultura que indicava apenas “Nº 80”.
Saúde, companheiro!
Qualquer um que tentar comercializar equipamentos de cozinha da marca Poe terá de ajustar conta com uma sombria figura conhecida como o “The Poe Toaster”. Todos os anos, desde 1949, esse estranho misterioso, usando uma capa preta, tem aparecido no túmulo de Poe na noite do aniversário do poeta. O fã de cemitério talvez se pareça mais com um personagem de um dos contos macabros de Poe, mas como os coveiros (e os numerosos acadêmicos que debatem o assunto) poderão dizer, ele é bem real.
O ritual é sempre o mesmo: ele faz um brinde ao falecido e depois deixa no túmulo meia garrafa de conhaque e três rosas vermelhas, como símbolos de admiração. Por que três rosas? Elas podem representar Poe, sua sogra e sua esposa, todos enterrados no mesmo jazigo. Por que conhaque? Ninguém sabe. Por que tudo isso? Em respeito a Poe e à solenidade dessa cerimônia anual, ninguém jamais tentou interceptar o estranho “brindador” para perguntar.
Todo mundo é um crítico
Poe parece dividir a comunidade literária. Existem aqueles, como os franceses, que o reverenciam como um deus. E há aquele que não o suportam, nem sua obra. Os mais notáveis detratores de Poe incluem T. S. Elliot, que o descreveu como tendo “o intelecto de uma pessoa altamente bem-dotada, antes da puberdade”, Mark Twain, que certa vez comentou: “Para mim, a prosa dele é ilegível – como a de Jane Austen” (um raro golpe atingindo dois pelo preço de um) e W.H Auden, que disparou o ataque mais pessoal, descartando Poe como “um tipo indigno de homem, cuja vida amorosa parece ter sido totalmente confinada a chorar em colos e a brincar de ratinho”.
Parente de Poe
O ator Edgar Allan Poe IV, descendente direto do mestre do macabro, conquistou uma boa milhagem em sua carreira graças à associação com seu tatara-tio-avô. O quarto Poe atuou no papel do primeiro Poe no filme chamado Monkeybone e, em 1999, em um episódio de Sabrina the teenage witch. Quando não estava imitando seu parente lendário, ele se especializou em retratar bandidos enlouquecidos e camelôs de feira em filmes como Sex Puppets e Oliver Twisted.
Preparado para um joguinho?
Em 1996, o futebol profissional retornou a Baltimore, depois de treze anos de ausência. Um concurso foi estabelecido para escolher o nome da nova franquia, em homenagem ao mais famoso residente da cidade. Ravens (“corvos”) venceu de goleada Marauders e Americans. Em agosto de 1998, após dois anos sem um mascote, o Baltimore Ravens revelou não apenas um, mas três mascotes. Numa elaborada e estranha cerimônia em campo, antes de um jogo contra os Eagles de Filadélfia, cada um dos “corvos” foi “descascado” de um ovo enorme. São eles, em ordem de “nascimento”: Edgar, “um corvo alto, forte e competitivo, com penas longas e flutuantes e olhos aguçados e espertos”, Alan, um pássaro “pequeno, magro e ágil”, e Poe, “o gorducho e preguiçoso, mas inegavelmente adorável”. Até agora nenhum dos três parece ter desenvolvido o devastador problema com a bebida, que foi a característica mais marcante de Poe.

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