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terça-feira, dezembro 29, 2015

A vida secreta de Jean-Paul Sartre (21/JUN/1905 – 15/ABR/1980)


Jean-Paul Sartre tinha o mérito duplo de ser um reverenciado herói nacional e o objeto de inúmeros esquetes satíricos do grupo Monty Python. Numa mescla quase perfeita de pensador comprometido e falastrão tedioso e hipócrita, Sartre era um alvo fácil de piadas, mas alguém difícil de se ignorar. Em 1960, quando ele ultrajou a sociedade burguesa da França incitando publicamente os soldados franceses baseados na Argélia a desertarem, indagaram ao presidente Charles de Gaulle por que ele não mandava jogar na prisão aquele agitador. “Não se manda prender Voltaire”, De Gaulle respondeu – um sinal tão bom quanto qualquer outro de quem Sartre ocupava um lugar de exclusivo destaque na sociedade francesa.

Sartre era filho de um oficial da marinha francesa, que morreu quando ele ainda era bebê, e de uma alemã alsaciana, prima de Albert Schweitzer, o grande médico e humanitarista. O estrabismo que o caracterizou foi o resultado de um grave resfriado na infância, que o deixou quase cego do olho direito. Sobrecarregado com o fardo da aparência feiosa e o consequente medo de intimidade física, Sartre parecia destinado desde jovem a uma carreira em filosofia.

Ele estudou em Sorbonne, onde conheceu a amante que o acompanhou por toda sua vida, Simone de Beauvoir, uma mulher estranhamente atraída por ele apesar da sua feiura, da baixa estatura e da revoltante falta de higiene. Ela suportou até mesmo o seu esquisito hábito de escrever relatando em detalhes suas aventuras eróticas com outras mulheres. Os dois permaneceram amantes – embora dificilmente monógamos – pelo resto da vida dele.

Durante a Segunda Guerra Mundial, Sartre trabalhou como meteorologista no exército francês, mas foi capturado pelos alemães e levado a um campo de prisioneiros, onde encontrou um ambiente estranhamente propício para escrever peças teatrais. Conquistou sua liberdade depois de convencer as autoridades alemãs de que era parcialmente cego, e partiu imediatamente para a Paris ocupada e para um confortável cargo de professor que ficaria convenientemente disponível quando um educador judeu foi – ahã – “transferido” para o leste. Se as circunstâncias desse emprego atormentaram a consciência de Satre, ele jamais demostrou.

Na verdade, o filósofo, romancista e dramaturgo deu-se muito bem sob o regime nazista. Bem estimulado, ele escreveu seu tratado existencialista O ser e o nada em 1943. Sua peça No exit (“Sem saída”) foi um sucesso em 1944. E embora Sartre se unisse à Resistência Francesa “da boca para fora”, ele fez muito pouco, ou nada, para lutar contra a ocupação nazista. Depois da libertação da França tudo foi perdoado e Sartre viu-se alçado ao posto de herói nacional.

Seu sistema de crença existencialista, baseado na experiência do desespero e na necessidade de extrair o significado de si mesmo por meio do compromisso com o mundo que nos rodeia, tornou-se a última moda em seu país e por toda a Europa. Politicamente, Sartre tendia para a esquerda, alinhando-se com o Partido Comunista Francês e se tornado o porta-voz dos movimentos de libertação do terceiro mundo.

Como se fosse para provar a antiga máxima de que o pessoal é o político, ele também arranjou uma amante argelina, Arlette Elkaim, a quem adotou secretamente em 1973. Seus últimos anos foram atormentados pela doença, em grande parte causada pela sua dieta de álcool, tabaco e anfetaminas.

Conforme seu tempo na Terra ia se esgotando, Sartre começou a repensar seu compromisso com o ateísmo, que durara a vida inteira. Em uma entrevista ao seu bom amigo Benny Lévy, no início de 1980, ele confessou estar mudando de opinião quando à existência de Deus. “Não sinto que sou o produto de acaso, de um grão de poeira no universo”, Sartre admitiu, “mas alguém que foi esperado, preparado, prefigurado. Em resumo, um ser a quem somente um Criador poderia ter posto aqui; e essa idéia de uma mão criadora refere-se a Deus”.

Pode-se desculpar um homem moribundo por expressar tal esperança em seus momentos finais, mas, numa revelação mais perturbadora, Sartre prosseguiu renegando virtualmente toda a base da sua filosofia: “Falei sobre isso porque estava sendo falado... Era um modismo... Jamais experimentei o desespero, nem o considero uma qualidade que poderia ser minha”.

Temendo que as legiões de seguidores de Sartre se enfurecessem com essa admissão do tipo “Desculpe, pessoal, eu só estava brincando”, Simone de Beauvoir apressou-se em repudiar a surpreendente retratação do seu antigo amante, chamando-a de “o ato senil de um vira-casaca”.

Com a casaca suficientemente virada, Sartre morreu durante o sono no dia 15 de abril de 1980, partido para ninguém sabe onde. Uma multidão de cinquenta mil pessoas enfileirou-se nas ruas de Paris para ver a procissão do seu funeral.

Lindo castor!


Sartre inventou um apelido incomum para Simone de Beauvoir. Ele a chamava de le castor porque seu nome soava como a palavra beaver que, em inglês, significa castor.

Um brinde ao nada!

A imagem de um grupo de franceses intelectuais tagarelando em volta de mesinhas nas calçadas dos cafés de Paris é um estereótipo que devemos principalmente a Sartre. No auge da sua fama, ele era frequentemente visto matando tempo com sua amante Simone de Beauvoir e outros integrantes do seu círculo de existencialistas. Verdade seja dita, eles não eram farristas muito bem comportados.

Sartre e sua turma, certa vez, estavam entornando garrafas e garrafas de champanhe em um café de Paris. A cada vez que enchiam as taças, faziam um brinde ao absurdo da existência. Os brindes começaram a ficar crescentemente barulhentos e, não demorou muito, uma mulher apareceu numa janela e exigiu que eles fizessem silêncio. Em resposta, Sartre e seus amigos passaram a fazer ainda mais algazarra.

Furiosa, a mulher desapareceu dentro do apartamento e voltou logo depois, com um balde cheio de fazes. Em seguida jogou o conteúdo pela janela, tendo como alvo Sartre e companhia. Fosse por um erro de pontaria, ou por culpa do vento que soprava no lado errado, ela errou o alvo e, em vez do pretendido, acabou acertando um outro cliente que estava a caminho do café.

Convencido de que aquela era a prova da validade da sua filosofia, os existencialistas embriagados recomeçaram imediatamente a brindar pelo absurdo do universo.

Estranha “viagem”

“Psicodélico” e “Sartre” pode parecer uma combinação estranha, mas vamos dar crédito ao autor por estar muito à frente do seu tempo. Sartre já estava fazendo experiências com substâncias alucinógenas na década de 1930, muito antes de Timothy Leary ter ajudado a transformá-las em moda na contracultura dos anos 1960.

Determinado, como ele dizia, a “romper os ossos do crânio” e destravar a imaginação, Sartre ingeriu mescalina pela primeira vez em 1935, sob a supervisão de um médico estagiário com quem fizera amizade. No início, os efeitos foram amenos. Mas, depois de alguns dias, Sartre passou a sofrer alucinações cada vez mais desagradáveis. Numa delas, ele acreditava estar sendo perseguido por uma lagosta gigante. Também relatou ter visto orangotangos, um relógio com a cara de uma coruja e casas que encaravam as bocas.

As estranhas visões continuaram a assombrá-lo por quase um ano. Mais tarde, Sartre escreveu sobre alguma das suas percepções psicodélicas em seu romance A náusea, nas cenas em que o protagonista, Roquentin, sente-se como se estivesse se “unindo” ao ambiente natural que o cerca.

Baforadas

Quando não estavam experimentando drogas pesadas, Sartre se contentava com a droga favorita de sempre: nicotina. Ele fumava dois maços de cigarros e vários cachimbos cheios de tabaco por dia. Até mesmo na França, isso é muito, além de ser uma imagem ruim para um ícone nacional.

Na verdade, quando a Biblioteca Nacional da França lançou um pôster comemorativo no centésimo aniversário do nascimento de Sartre, os oficiais foram forçados a retirar da foto o cigarro que ele tinha na mão, em cumprimento das leis que proíbem a propaganda de cigarros.

Segure o caranguejo

Talvez tivesse alguma relação com suas visões induzidas pela droga de uma lagosta gigantesca e ameaçadora, mas desde a infância Sartre tinha medo das criaturas marinhas, especialmente os crustáceos. Ele ficava aterrorizado com a idéia de ser apanhado pelas garras de um caranguejo, ou de que um polvo o atacasse e o puxasse para o fundo do mar.

Meus companheiros de terror

A política radical de Sartre colocou-o em contato com alguns personagens bem desagradáveis. Em 1960, ele viajou para Cuba para “levar um papo” sobre revolução com Fidel Castro e Ernesto “Che” Guevara. Sartre ficou tão impressionado que louvou o mortífero Che Guevara como sendo “o mais completo ser humano da nossa época”.

Quando os terroristas palestinos mataram onze atletas israelenses nas Olimpíadas de Munique em 1972, Sartre foi rápido na defesa deles, dizendo que o terrorismo era uma “arma terrível”, mas os pobres e oprimidos não possuem outras”. Ele também declarou que era “absolutamente escandaloso o fato de o ataque de Munique ter sido julgado pela imprensa francesa e por uma parte da opinião pública como sendo um escândalo intolerável”.

Em 1974, ele visitou Andreas Baader, líder do infame grupo Baader-Meinhof, em sua cela na prisão Stammheim, em Stugart, Alemanha. Embora mais tarde descartasse Baader como sendo “incrivelmente estúpido” e “um idiota”, logo após o encontro Sartre foi à televisão alemã para defender a criação de um comitê internacional para proteger os interesses dos “prisioneiros políticos”. (Os crimes de Baader incluíam múltiplos assaltos a bancos e a explosão de uma loja de departamentos em Frankfurt.)

O conquistador

Apesar da aparência desairosa, Sartre foi um mulherengo notório que passava de uma amante para outra com a mesma avidez com que fumava seus muitos cigarros Boyard. Ele até tentou conquistar uma bela e jovem jornalista enquanto Simone de Beavoir estava no hospital, recuperando-se de uma febre tifoide. Sartre justificava a sua infidelidade comparando-a com a masturbação e se recusava a atingir o orgasmo juntamente com as parceiras – não para evitar a gravidez, mas simplesmente para negar a elas uma desnecessária intimidade.

Proibido fumar

Talvez Sartre não tenha se esforçado muito para ajudar a Resistência Francesa, mas em pelo menos um aspecto ele foi contra a ocupação nazista. A escassez de cigarros durante a guerra atrapalhou seriamente o seu hábito de fumar dois maços por dia. Indômito, o criativo filósofo frequentemente era visto recolhendo “bitucas” de cigarros nos pisos de cafés, e depois enchia o cachimbo com o tabaco que retirava delas.

O amor de Sartre pelo cigarro era tanto que ele até permitia que seus alunos fumassem na classe. Abandonou o vício somente depois que os médicos ameaçaram amputar suas pernas para curar os seus problemas circulatórios.

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