Pesquisar este blog

terça-feira, dezembro 22, 2015

A vida secreta de Mark Twain (30/NOV/1835 - 21/ABR/1910)


Seu nome pode ter sido falso, mas poucos autores foram tão obstinadamente sinceros e autênticos quanto este, anteriormente conhecido como Samuel Langhorne Clemens. “Mark Twain” foi apenas mais um dentre os muitos pseudônimos de Clemens, que também escreveu sob os nomes literários Thomas Jefferson Snodgrass, Rambler, Josh, Sargento Fathom e W. Epaminondas Adrastus Blab.

Sua alcunha mais conhecido é derivada do termo náutico “two fathoms deep” (“duas braças de profundidade”), que ele escolheu durante o tempo em que trabalhou nas barcas a vapor do rio Mississipi. Embora o rebatizado Mark Twain jamais tivesse mudado o nome legalmente, transformou o pseudônimo em marca registrada e incorporou-se como um negócio sob este nome. Essa foi uma das muitas, muitas maneiras com que esse humorista, satírico e contador de “casos” esteve anos à frente do seu tempo.

Muitos de nós associam Twain ao Missouri, o seu estado natal, mas na verdade ele odiava o lugar. Certa vez, comentou: “Se você nasceu em meu estado, o pronuncia Missourah; se não nasceu no meu estado, pronuncia-o Missouree. Mas, se você nasceu no meu estado e teve de viver a vida inteira nele, pronuncia misery (miséria)”. Farto dessa vida de miséria, Twain saiu de casa aos dezoitos anos e nunca mais voltou.

Começou a trabalhar numa barcaça a vapor, esperando seguir carreira até chegar a capitão, cujo salário na época era o terceiro melhor país, e convenceu o irmão mais novo, Henry, a juntar-se a ele. Em maio de 1858, Twain teve um sonho perturbador no qual via Henry morto, deitado em um caixão de metal. Um mês depois seu pesadelo se transformou em realidade, pois Henry morreu quando um barco a vapor explodiu. O incidente – e o presságio do sonho – iria assombrar Twain pelo resto da vida.

Durante a Guerra Civil, Twain serviu por um breve período na milícia confederada, mas seria difícil encontrar um homem menos adequado para ser soldado. Depois de passar algumas semanas marchando no lugar, ele escapou em direção do Oeste norte-americano, indo parar em São Francisco, onde conseguiu emprego como jornalista. Sentiu o primeiro “gostinho” do sucesso literário em 1865, com a publicação do seu conto A célebre rã saltadora do condado de Calaveras. Dois livros sobre viagens, The innocents abroad e Roughing it, cimentaram a sua crescente reputação como um dos mais atentos observadores da personalidade norte-americana.

A fim de “faturar” com esse sucesso recém-encontrado, Twain mergulhou de cabeça no circuito de palestras. Algumas pessoas, atualmente, chegam ao ponto de chamá-lo de o primeiro humorista de platéia do mundo. Sua anedotas irreverentes e observações mordazes sobre a vida na era dourada talvez estejam a uma grande distância de Larry, the cable guy, mas é justo dizer que Twain inventou o papel do “humorista”, hoje reivindicado por todos, desde Dave Barry até Bill Maher. Somente isso já teria sido suficiente para assegurar um lugar de honra ao sarcástico nativo do Missouri na história da cultura norte-americana. Mas, então, ele foi mais adiante e, ainda por cima, escreveu o que muitos críticos consideram o romance mais importante da história literária norte-americana.

O livro As aventuras de Huckleberry Finn gerou controvérsias desde o momento em que foi publicado, em 1885. Louisa May Alcott repeliu-o com desgosto, escrevendo uma carta a Twain na qual dizia que “se o senhor não consegue escrever um livro melhor do que Huckleberry Finn aos nossos jovens, sugiro que não escreva nada”. Depois, ela fez de tudo para banir a obra em seu estado natal, Massachusetts. Essa foi proibida, seja por sua (inegável) vulgaridade, seja pelo seu (discutível) retrato racista dos afro-americanos. A campanha particular de Alcott teve um efeito previsível: as vendas aumentaram em 300 por cento. Twain era agora uma celebridade literária autêntica.

No decorrer das últimas duas décadas da sua vida, Twain estendeu sua fama pelo mundo inteiro. Ganhou rios de dinheiro no circuito de “palestras após o jantar”, mas dissipou sua fortuna numa série de maus investimentos, como o “prendedor de cama de Twain”: um aparelho destinado a impedir que bebês sufocasse com as cobertas na cama –, talvez uma das piores invenções que já foram apresentadas ao público.

Ele declarou falência em 1895, recuperou-se, mas teve de lidar com um golpe ainda mais doloroso quando sua amada esposa, Livy, faleceu em 1904. Twain passou seus últimos anos disparando seus derradeiros e amargos brados contra a humanidade com uma virulência especial direcionada à religião organizada.

Quando morreu, em 1910, deixou instruções para a publicação póstuma de alguns de seus textos mais, digamos, “dedicados aos adultos”. Seria um último “danem-se” aos seus futuros censores? Ou talvez, tenha sido apenas a maneira de Twain de provar o que ele próprio certa vez observou: “Creio que jamais nos tornamos real e genuinamente nós mesmo até estarmos mortos. As pessoas deveriam começar mortas, pois então ficariam sinceras muito antes”.


Fã de charutos

Seria pouco dizer que Mark Twain adorava charutos. Desde a idade de oito anos ele fumava entre vinte e quarenta “mata-ratos” por dia, até o dia em que morreu. Às vezes tentava parar, ou reduzir o consumo, mas invariavelmente fracassava. “Parar de fumar é a coisa mais fácil”, ele certa vez observou. “Conheço bem o assunto, pois já parei uma centena de vezes”. Frequentemente ele caía no sono com um charuto aceso preso nos lábios.

Seria de esperar que um homem com a riqueza e a fama de Twain pelo menos procurasse fumar charutos de boa qualidade, mas não era assim. Twain fumava charutos mais baratos mais vagabundos que pudesse encontrar. Seus companheiros de baforadas nunca se esqueciam de levar seus próprios charutos quando visitavam, para o caso de Twain lhes oferecer um dos seus.

Um repórter do New York World fez um comentário a respeito dos charutos “compridos, escuros, de aparência letal” que Twain ficou fumando durante uma entrevista em 1902. “A mera aparência deles já obriga um comentário”, o jornalista escreveu. “Você expressa surpresa pelo fato de que o primeiro não foi culpado de assassinato”.

A veia Twain

Muito antes de Lenny Bruce e Redd Fox, Twain dominou a arte do working blue (teatralização do profano, do indecente e do obsceno). Com frequência ele proferia palestras em finais de jantares íntimos para pequenas platéias, durante as quais expressava as suas opiniões pouco convencionais a respeito de sexo, flatulência e outros tópicos considerados tabus.

Em um desses discursos – Algumas Observações sobre a Ciência do Onanismo – ele se concentrou na questão da masturbação, alertando que “Se vocês precisam perder sua vida sexualmente, não se dediquem demais ao jogo da Mão Solitária”. Em outras ocasiões, na presença da rainha Elizabeth I, dedicou uma palestra inteira à idéia de expelir gases.

Talvez a peça de oratória mais famosa de Twain seja o “Discurso ao Clube do Gigantesco Bacalhau de Boston”, uma obra-prima de sátira obscena moldada como uma ponderada defesa da genitália masculina de tamanho abaixo da média. “Falho em ver qualquer mérito especial em um pênis cujo tamanho é maior que o normal”, Twain falou aos membros do clube, cujos “gigantescos bacalhaus” ele também ridicularizou em versos. Prosseguiu confessando que certa vez tentara aumentar o tamanho do seu próprio membro com uma injeção de nitrato de prata, mas que “assim que conseguir retirá-lo da tipóia” sentiu-se envergonhado e arrependido da decisão.

Patente geral


Twain adorava bugigangas – construí-las, comprá-las, investir nelas. Era um amigo íntimo de Nikola Tesla, o engenheiro e inventor sérvio-americano que era ridicularizado em sua época como um “cientista maluco”. A dupla passava bastante tempo no laboratório de Tesla, dando tiros na água e montando e remendando inovações científicas.

Twain patenteou três invenções: uma tira de colete auto-ajustável, um livro de recordações auto-adesivo para fotos e lembranças e um jogo de memória histórica que, de acordo com um crítico, “parecia uma mistura de formulário de imposto de renda com tábua de logaritmos”. Dos três, apenas o livro de recordações rendeu algum dinheiro.

Twain não tinha ninguém, exceto a si mesmo, para culpar da sua falta de sucesso. Ele perdeu algumas oportunidades potencialmente lucrativas bem mais racionais. Embora tivesse sido um dos primeiros a ter um telefone instalado em sua casa, não quis investir na invenção de Graham Bell porque acreditava que o ruído de estática na linha destruiria as chances de aceitação generalizada do aparelho.

Twain também foi um dos pioneiros a adotar a máquina de escrever. Depois de comprar uma das primeiras máquinas de datilografia, em 1874, ele passou à história literária como sendo a primeira pessoa a entregar um manuscrito datilografado (de Life on the Mississippi, em 1883). Dessa vez ele investiu o dinheiro onde devia – na verdade, todo o seu dinheiro –, mas montou no cavalo errado. O tipo de aparelho no qual ele colocou toda a sua fortuna foi um fracasso monumental. (Até se poderia dizer que o esquema de investimento lhe sugou todo o sangue, pois um de seus colegas investidores foi Bram Stoker, autor de Drácula.)

Não demorou muito para que Twain decretasse falência. Acabou vendendo a sua velha máquina de escrever Remington porque precisava de dinheiro vivo. Para acrescentar um insulto à injúria, a Remington Typewriter Company aproveitou-se da sua associação com o famoso escritor em seus anúncios – sem lhe pagar um tostão, é claro.

Quando grandes autores colidem

Quando se mudou para Hartford, Connectucut, em 1874, Twain descobriu que tinha como vizinha uma lenda literária: Harriet Beecher Stowe, autora de A cabana do pai Tomas e a mulher a quem Lincoln creditou a centelha da Guerra Civil norte-americana. Twain ainda não estava no auge da celebridade, enquanto Stowe era uma das mulheres mais famosas dos Estados Unidos.

Ainda assim, Twain era o proprietário da melhor e mais bem montada casa. Sua enorme mansão gótica continha dezenove cômodos e sete banheiros – cada um deles equipado com o que era a maravilha das maravilhas modernas: a descarga sanitária. Twain viveu nessa casa até 1891, quando seu declínio financeiro o obrigou a se mudar para a Europa.

Amigos dos gatos

Twain adorava gatos. Na verdade, em seus últimos anos ele chegou a alugar os gatos dos vizinhos para lhe fazer companhia, durante as longas estadas de verão em New Hampshire. “Se o homem pudesse ser cruzado com o gato”, certa vez ele observou, “seria uma melhoria para o homem, mas uma deterioração para o gato”.

Oh, Baby!

Por mais que gostasse de gatos, Twain detestava os “filhotes” humanos – pelos menos, era o que dizia. Certa vez, uma amiga estava lhe exibindo o mais novo integrante da família. “O senhor não adora os bebês, sr. Clemen?”, ela perguntou. “Não, eu os detesto”, ele respondeu, e contou-lhe uma história sobre quando ele estava se recuperando de uma doença e o filho de sua irmã subiu em sua cama e o beijou. “Eu decidi que, se sobrevivesse, mandaria erguer um monumento a Herodes”, Twain concluiu.

A dieta Mark Twain

Twain acreditava firmemente no poder de cura do jejum. Quando era atacado por um resfriado ou febre, ele costumava ficar sem comer por dois dias ou mais, proclamando notáveis resultados curativos. “Um pequeno jejum pode realmente fazer mais para um homem doente do que podem os melhores remédios e os melhores médicos”, ele observou.

Estrela cadente

Twain não era grande coisa no que se referia a apostas financeiras, mas quando se tratava de prever a própria morte era um Nostradamus e tanto. Nascido em novembro de 1835, quando o Cometa Halley foi visível, Twain previu corretamente que iria morrer quando o cometa retornasse. “Eu vim com o Cometa Halley”, ele declarou em 1909. “Ele está chegando novamente no ano seguinte e espero partir com ele. Será a maior frustração da minha vida se eu não me for com o Cometa Halley. Sem dúvida, o Todo Poderoso deve ter dito: “Agora, aqui estão estas duas inexplicáveis anomalias; elas vieram juntas, terão de partir juntas”. Dito e feito, o cometa retornou em abril de 1910, e Twain morreu no dia seguinte.

Quantas lembranças...

Nem todas as invenções de Twain provaram ser desastrosas. Na verdade, uma das suas criações mais bem-sucedidas se tornou uma inspiração para donas de casa e colecionadores de memorabilia de todas as partes do mundo. Em 1873 Twain patenteou o primeiro livro de recordações auto-adesivo, o que o ajudou a celebrar suas viagens através do globo e também lhe rendeu algum dinheiro. O livro de recordações de Twain, que vinha também em uma variedade de capas de couro, vendeu mais de 25 mil cópias.

Margaritaville no Mississippi

Quando não está procurando o seu saleiro perdido, o cantor/compositor Jimmy Buffett gosta de encarnar o espírito de Samuel Clemens. O músico nascido no Mississippi frequentemente inclui citações e paráfrases de Twain nas letras de suas músicas. Ele escreveu três canções inspiradas no guia de viagens do autor, de 1897, Following the Equator. Buffett até denominou um cavalo de “Mr. Twain” em seu romance publicado em 2004.

Nenhum comentário: