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quarta-feira, julho 06, 2016

Que apelidos eles merecem?


Por Mouzar Benedito

Embaixador 6%. Assim era conhecido um embaixador brasileiro na França, num período em que sobrava dinheiro nos países ricos e muitas empresas se interessavam em aplicar no Brasil. Segundo se contava, os franceses interessados em investir no Brasil o procuravam e ele cobrava 6% de propina para apoiar o investimento.

Lembrando dele, fico imaginando possíveis apelidos de certos políticos e empresários brasileiros. Poderia ser Fulano Incompetente, Cicrano Ladrão, Beltrano Corrupto, Dudu Fora da Lei, Zé Amigo do Alheio, Beltrano Trouxa Só 5%, Mané Cobra de Chifre, Doutor 171, Diretor Meio a Meio, Fulaninho Mão Leve, Edu Malevão, Zé Esfola-caras, Fulano Nefando, Beltrano Viperino, Gegê Mordaz, Paulo-que-de-pato-não-tem-nada…

Mas poderiam ser também apelidos numa linha mais irônica: Fulano Honesto, Beltrano Bom Caráter, Cicrano Dentro da Lei, Doutor Correto, Fefê Imaculado, Altruísta da Fiesp, Fulano Magnânimo, Beltrano Mavioso, Zé Santo Homem… Esse tipo de apelido, invertendo as “qualidades” das pessoas não são incomuns no Brasil

Saindo do universo dos políticos e poderosos, uma linha de apelidos é de mostrar alguma característica física das pessoas, como os baianos Paulinho Boca de Cantor e Odair Cabeça de Poeta. Uma vez, em Barra, cidade localizada onde o Rio Grande da Bahia deságua no São Francisco, vi um sujeito brigão, mal-ajambrado e com os lábios cheios de feridas. O apelido dele era Renato Boca de Hemorroida.

Já em Minas Gerais, alguns recebem apelidos contrários às características físicas das pessoas, assim como os já citados apelidos ironizando as “qualidades” morais. Por exemplo: na minha terra tinha um sujeito com um pescoço bem comprido, cujo apelido era Zé Pescocinho. Um magrelinho era o Dito Peitudo. Toda a família dele era de magrelos, e todos recebiam o “sobrenome”, quer dizer, o apelido Peitudo.

Mas não é só lá que acontece isso. Em São Paulo tinha um rapazinho com os pés enormes, conhecido como Pé de Anjo (por sinal, esse é o nome de um samba carioca, com o mesmo sentido).

Quando eu estudava Geografia, na USP, havia muitas meninas com o mesmo nome, e eram diferenciadas por apelidos. Teresa, por exemplo, havia muitas. Então, aí vão apelidos de duas delas: Teresa Portuguesa e Teresa Boca Larga. Duas tinham o nome de Keiko. Uma delas, com o queixo meio avançado pra frente, era chamada de Keiko Buldoguinha; a outra, bonita, esbelta, parecida com o que antigamente chamavam de “japonesa de folhinha”, era a Keiko Bonita.

Entre as de nome Bete, lembro-me de uma que ficava mais jogando pingue-pongue do que na sala de aula, era conhecida como Bete Pingue-Pongue. Entre as chamada Vera, tinha uma que cantava no Coral da USP e por isso era chamada de Vera Coral; outra, que nos intervalos das aulas ficava na rampa que desce das salas de aula para a lanchonete, para grudar em algum professor que descia por ela e ficar puxando-saco, era chamada de Vera Declividade.

Uma moça que andava sempre de nariz empinado ganhou um apelido bem safado: Cheira Peido. Puxa! Vejo uns políticos pomposos, que se julgam acima de todo mundo, e também acima do bem e do mal, que poderiam bem herdar esse apelido.

Rapazes com o mesmo nome também recebiam apelidos, em vez de serem chamados pelo sobrenome. Um evangélico que andava com uma bíblia debaixo do braço, ficou conhecido como Ronaldo Bíblico. Tinha também o Fernando Calçudo e um João que, para diferenciar dos xarás veteranos, foi apelidado de João Calouro e ficou sendo João Calouro até terminar a faculdade. Um ganhou o apelido de Ricardo Tripé, numa festa junina, e o adotou para sempre, pois servia como propaganda, já que o tripé era formado pelas duas pernas e…

Como surgiram alguns apelidos

Numa cidade do Sul de Minas, numa partida de futebol, um atacante foi derrubado dentro da área e o juiz não apitou. Ele partiu furioso pra cima do juiz, gritando: “Isterrégui? Isterrégui?”. Ele queria dizer “Isto é regra?”, e por isso ganhou o apelido de Isterrégui, que se tornou hereditário: seus filhos ficaram sendo o Fulano Isterrégui, Beltrano Isterrégui… Até os netos continuaram com o apelido Isterrégui. Esta é uma característica de certos lugares.

Na minha família mesmo, há casos assim. Até a geração anterior à minha havia gente com “sobrenome” Ourives, herdado de uns pioneiros de mais de duzentos anos atrás. O sobrenome real era Torres, mas só usado em documentos. Uns outros, herdaram o apelido Barulho, como sobrenome, por causa do ancestral que chegou por ali no final do século XIX e gostava de dar uns tiros pra cima. Assim, tenho parentes como Dito Barulho, Zeca Barulho, Tião Barulho…

No Triângulo Mineiro, meu cunhado deu um apelido bastante apropriado a um sujeito que era calmo demais: Paulo Neblina. Perguntei por quê?, e meu cunhado explicou: ele é muito sereno.

Os moleques são maus no exercício de apelidar. Na minha infância homem não usava cabelo comprido, mas um menino nasceu doente e a mãe dele fez uma promessa: não cortaria o cabelo dele até que fossem agradecer a padroeira do Brasil no Santuário de Aparecida, quando ele já estivesse bem crescido. Aos sete anos, único menino de cabelos longos na cidade, era conhecido como Zé Marcolina. Marcolina era o nome da principal cafetina local

Na Zona Leste paulistana, numa escola, um menino era todo desengonçado, com o rosto torto, e os colegas o chamavam de Chiclete de Vaca.

Bom… São muitas as causas dos apelidos. Poderia continuar um tempão lembrando deles, alguns muito indecentes. Mas para terminar vou contar apenas a história de quando conheci o compositor baiano apelidado Batatinha. Eu era fã dele, lembrava bastante daquela música: “Todo mundo vai ao circo / menos eu, menos eu. / Por não poder pagar ingresso / fico de fora escutando as gargalhadas…”

Em 1971, eu e uma turma de amigos em férias na Bahia ficamos hospedados numa república perto da TV Itapuã, onde o Elso, um dos moradores da casa, trabalhava como câmera. Uma noite, fui beber cerveja com ele numa birosca ao lado da sede da emissora e ele já estava bebendo com um colega que tinha um carguinho braçal na TV. Ele me apresentou: era o Batatinha. Fiquei emocionado. Logo depois chegou o Mário, um dos amigos de São Paulo, e eu sabia que ele também era fã do Batatinha. Apresentei: “Esse aqui é o Batatinha”. O Mário, sujeito completamente avacalhado e anárquico, ficou mais emocionado do que eu, balbuciava, não conseguia falar nada. Travou. Finalmente falou todo formal, estendendo a mão: “Muito prazer, Mário Pires”.

Ficou um clima esquisito e para voltarmos ao papo informal, falei: “Mas pode chamar ele de Janete, como ele é conhecido depois da meia-noite”. Acreditaram. Até morrer, há dois anos, quando ia à Bahia o Mário era chamado de Janete.

Ah, como eu gostaria de apelidar certos personagens do noticiário político e econômico, e que eles fossem eternizados, como o do Mário, quer dizer, Janete.

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