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quarta-feira, agosto 31, 2016

Não é hora de ressentimentos ou revanches


O presidente da OAB, Cláudio Pacheco Prates Lamachia 
Carta da OAB (Claudio Lamachia)

A condenação de Dilma Rousseff no julgamento realizado no Senado Federal, sob o comando do presidente do Supremo Tribunal Federal, inaugura um novo momento na política nacional.

O impeachment é legal, mas não resolve todos os problemas do Brasil. O impeachment encerra mais um capítulo doloroso da história política brasileira. É uma página a ser virada, mas não esquecida. Dela, é preciso extrair lições para o futuro, para que o país não reincida nos mesmos descaminhos que levaram ao descrédito grande parte da classe política.

A OAB lamenta que a presidente eleita não possa terminar seu mandato. Mas a Constituição é clara ao estabelecer que o impeachment é a punição correta para o chefe de Estado que comete crimes de responsabilidade. É preciso respeitar e aplicar a lei.

Toda a sociedade precisa contribuir para que o Brasil supere a crise ética. Não se pode reclamar das falhas dos políticos e dos poderosos sem adotar, no cotidiano, atitudes concretas para tornar o país melhor. A população não pode se mobilizar só quando as crises chegam a níveis insustentáveis. Cidadãs e cidadãos devem participar da vida pública, tomar consciência que o voto tem consequências. É preciso conhecer muito bem o histórico dos que se propõem a assumir cargos eletivos antes de votar. A eleição para prefeitos e vereadores deste ano é mais uma oportunidade para retirar das prefeituras e das câmaras municipais os políticos que não honram o voto recebido.

Apesar da grande responsabilidade das cidadãs e dos cidadãos, a responsabilidade da classe política é maior. Eleitos para liderar a sociedade, os políticos precisam apresentar bons resultados e bons exemplos.

O novo governo, que chega ao poder pela via constitucional e não por ter vencido uma eleição, precisa conquistar a confiança da população e se pautar por valores distantes daqueles que fizeram o governo anterior perder o apoio da sociedade, chegando a níveis de aprovação mínimos.

Não se pode mais confiar a condução da coisa pública a quem tem um passado repleto de desserviços à nação ou está sob investigação. Também não se pode mais ignorar as necessidades urgentes da sociedade, como a melhoria imediata dos serviços básicos de saúde, educação, segurança e acesso à Justiça. Retirar recursos dessas áreas significa jogar a conta dos problemas econômicos no colo da parcela mais vulnerável da população.

Neste momento, é preciso repudiar as tentativas de alterações casuísticas na Constituição. As perspectivas de melhoria são reais, mas dependem do respeito ao arcabouço legal e aos valores democráticos e republicanos.

Esses são os motivos que levam a OAB a exercer, de forma ativa, o papel que lhe foi atribuído pela Constituição: o de ser guardiã da própria Carta e também dos direitos e garantias individuais. Nesta quarta-feira, o Senado deu um bom exemplo ao decidir aplicar a penalidade estabelecida pela Constituição para manobras fiscais que esconderam da população a real situação do país e provocaram grande prejuízo econômico e institucional.

A OAB não se furtou a dar um parecer técnico mostrando a legalidade do impeachment. Ele foi elaborado em ampla consulta aos representantes legítimos da advocacia brasileira, eleitos pelo voto direto dos quase um milhão de advogados e advogadas do país. A Ordem dos Advogados do Brasil também não se absteve de apontar as falhas do governo interino, assim como pediu formalmente o afastamento do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e a cassação do ex-senador Delcidio Amaral. Agora, a OAB continuará vigilante para que a Constituição e os direitos dos cidadãos sejam respeitados.

Sem política, não há democracia. Não é hora de ressentimentos ou revanches. É preciso um consenso em torno do bom senso, que ponha em debate todo o sistema eleitoral. É hora de clamar aos representantes da nação para que, acima das divergências político-ideológicas, essência do regime democrático, se unam em torno do desafio comum de reformar a política, tornando-a mais em consonância com a nobre missão que tem, de ser o fio condutor do Estado democrático de Direito.

Se aquilo que Dilma leu fosse uma redação, o autor tiraria nota zero


Deonísio da Silva

Li nesta terça-feira o que ontem ouvi: o discurso do velório sui generis da presidente afastada Dilma Rousseff. É sui generis porque a defunta, vestida de pano de cobertura de poltrona, falou.

Reitero o que escrevi no Facebook e alhures. Dilma perde muito com os apoiadores que tem. Na segunda-feira, mostrou-se “menos pior” do que nas outras vezes, não fossem, principalmente suas “apoiadoras”. O dilmês, como já observou Celso Arnaldo Araújo num livro imperdível, adora um feminino serôdio. Anteontem, voltou a dirigir-se “primeiramente às cidadãs”, como se os cidadãos não incluíssem o feminino, e deixou escorrer a verborragia incontrolável. E suas “apoiadoras” se esmeraram em piorar a situação.

A senadora Gleisi Hoffman, por exemplo, deu-lhe as costas e saudou o conjunto “Lula, Chico Buarque e seus blue caps”, no alto da galeria. E, claro, omitiu a saudação a Paulo Bernardo, seu marido, complicado com a Justiça por prospecções indevidas, não em Pasadena ou em outro feudo da Petrobrás, mas nos contracheques de servidores públicos aposentados. Até onde vão, hein!

A senadora Vanessa Grazziotin, vestida de tapete, cujo marido, o ex-deputado estadual por cinco mandatos Eron Bezerra, perdeu recentemente os direitos políticos, por improbidade administrativa quando Secretário da Produção Rural (o que será isso?), parecia fora de si, pactuada com semelhantes como o apoplético Lindberg Farias. Por que não te calas, Farias? Farias melhor se ficasses em silêncio obsequioso de ex-prefeito de Nova Iguaçu com uma montanha de processos judiciais. A senadora Kátia Abreu, vestida de toalha de mesa, deu vários sopapos na sintaxe e na lógica para mostrar quem é que manda.

Lendo o texto que Dilma leu, vi que, se fosse uma redação, o autor tiraria zero. Quando o redator sai do tema, até graves erros, como os de concordância verbal, estampados hoje nos jornais e nos “sites”, são ignorados. Para que corrigir abaixo de zero? Com efeito, esta é a nota que se dá quando a redação não aborda o tema. No caso, nem sequer o bordejou, pois o assunto não era aquele! Está claro que não foi ela quem o escreveu.

“O tempora, o mores” (que tempos, que costumes!), bradava com frequência em seus discursos o admirado Cícero, o maior orador da Roma antiga, fustigando desafetos como Catilina, que todos conhecemos ainda nos estudos rudimentares de Latim. A frase de que mais gosto, aliás, não é esta. Nem a famosa “quo usque tandem, Catiina, abutere patientia nostra?” (até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?”). Eu gosto muito desta: “omnia consilia tua patefacta sunt” (todos os teus planos foram revelados).

Para quem sabe ouvir e ler nas entrelinhas, os planos eram outros. Não eram democráticos, não! Democracia requer alternância de poder! Isto posto, vemos que a falta de ética, ontem, em resumo, andou de braços dados com a falta de estética. É só conferir amostras verbais e visuais do hospício, como o caracterizou o diretor da enfermaria e presidente do Senado, o senador Renan Calheiros.

terça-feira, agosto 30, 2016

'A morte é tudo', diz Jorge Mautner um mês após infarto


Mautner, em casa, com seu inseparável violino - Leo Martins / Agência O Globo
  
Por Arnaldo Bloch

RIO — Não faz muito tempo, Jorge Mautner desceu do seu mítico apartamento térreo no Alto Leblon (que parece uma casa maluca por estar na curva de uma ladeira) e passou a morar num local mais próximo de Amora, sua filha. A proximidade o salvou: no fim de julho, teve um infarto e foi resgatado com extrema rapidez por ela. Alguns minutos a mais seriam fatais. O episódio provocou reflexões no compositor e escritor, demiurgo-mor da herança tropicalista, autor de “Deus da chuva e da morte”. Nesta entrevista, ele descreve a experiência e fala do “livro-bomba”, em dez volumes, sobre sua militância nos anos de chumbo, no qual está trabalhando.

Você quase foi, mas não foi, e voltou. Descreva a experiência.

Eu estava aqui. Fiz sete horas de ginástica e deitei. Acordei com uma dor. Apertei aqui (mostra o peito). Apertei, apertei. Aí passou. Não é nada, pensei. Meia hora depois, veio a segunda, dez vezes mais violenta. Telefonei. Amora, minha filha, me salvou. Em cinco minutos estava lá embaixo o Alvim, motorista, amigo da casa. O médico, doutor Mansur, ficou pasmo de me ver: contou que no caminho para o hospital estava ouvindo “Maracatu atômico”, uma coincidência maravilhosa. Puseram os eletrodos. Parecia tudo bem. Aí veio o terceiro ataque, fulminante. Olha a isquemia!, gritaram. E já fui para a cirurgia. Foram três, para limpar as artérias e botar os stents.

A dor do infarto é quase um mito. As pessoas descrevem de várias maneiras. Qual a sua?

Pontiaguda e estilhaçante. Como uma bomba que explode no centro e vai te quebrando por dentro. Oito meses atrás fiz um exame, disseram que eu estava 100%, ia viver mais 40 anos. Mas eu sentia dores pelo corpo todo, e um cansaço. Acho que foi o cigarro. Comecei aos 69 anos. É como diz o samba de Noel: “Joguei meu cigarro no chão e pisei/Sem mais nenhum, aquele mesmo apanhei e fumei/Através da fumaça neguei minha raça chorando, a repetir:/Ela é o veneno que eu escolhi pra morrer sem sentir”. O que o samba não diz é que morrer sentindo dores horrorosas... Foi uma experiência fatal...

Quase fatal... você não morreu.

Fatal. Infarto é sempre fatal. Já capotei de carro com uma turma que se estraçalhou, voei pela porta e me recolheram, algum anjo de carro. Tive também úlcera perfurada e, há 8 anos, uma septicemia aguda. Mas essa, agora, foi fatal.

Como se sente agora?

A energia voltou assim que desentupiram as artérias e puseram os stents. É impressionante. Estou melhor do que nunca. Acabaram a dor e o cansaço. Tenho muito fôlego. Faço esportes desde os 7. Em 1958 comecei o tai chi. Até hoje fico nas bases, o tigre, a cegonha, o cavalo, a águia. Posso ficar horas vendo televisão fazendo bases. Graças a Lao-Tse, pai do taoismo. Mas tem também o Sun-tzu. Ele dizia que o ser humano já nasce malvado. Cresce, e fica pior. Os bons se nutrem do que os malvados produzem. Isso o Thomas Hobbes pegou e pôs no Leviatã e levou para Adam Smith: quanto mais egoísta, mais propiciador. A ambição e o egoísmo, tão achincalhados, seriam as qualidades mais nobres se olharmos por este ângulo.

Você está em qual categoria? Ambicioso e egoísta ou nem tanto?

Estou em todas as categorias. Eu sou o Messias.


Mautner: após o infarto e a inserção de três stents, peito aberto para o que der e vier - Leo Martins / Agência O Globo

Qual foi, e é, seu diálogo com a morte?

Nasci um mês depois que meus pais chegaram (no Brasil). Minha mãe estava abalada com as mortes dos seus parentes na guerra. Meu pai, que era da resistência, desde pequeno me iniciou nas coisas do Holocausto. Nunca mais! Tenho os selos antinazistas guardados. Fiquei com a babá que era filha de santo e me levava ao candomblé depois da missa. Ela entrava num quarto e voltava como uma rainha, me pegava no colo, e os tambores ribombavam. Eu brincava com soldadinhos de chumbo e fazia as formações das falanges macedônias. Em São Paulo eu saía do Dante Alighieri, descia a Itapeva e ia num necrotério que tinha no fundo do hospital Matarazzo. Ficava olhando, para ver como era a morte.

E como ela é?

Lembra do “deus da chuva e da morte”? A morte é tudo. O ser humano, que é 90% chimpanzé e 10% bonobo, começa a cultura dele pelas urnas funerárias. Nenhum outro animal faz isso. Ok, os elefantes de vez em quando vão ver os ossos dos ancestrais, levantam com a tromba, ficam lá meia hora e vão embora. Mas o homem cultiva. Tudo é ligado à pulsão de vida e da morte que somos nós, e que é a natureza. Uma estrela bate na outra, explode e nasce mais uma. A morte é o fundamento da vida e está sempre ligada à criação. Meu pai está morto e sempre converso com ele. O que importa? Como dizia o Nelson Jacobina, tudo que se imagina está em algum lugar. Ele trabalhou 40 anos comigo, teve uma metástase e nem a pílula mais cara, nem a metadona, melhoravam as dores. Só quando ele tocava. Em Jacareí insistiu num bis de uma hora. Drauzio Varela não entendia como. O que acha disso? Um milagre? É que os neurônios, como sempre insisto, são pura emoção.

Foi o que você pensou no hospital?

Depois do terceiro ataque me deram uma substância que a partir daí amenizou tudo e foi só felicidade... e continua. No hospital eu não pensava na morte. Ao contrário: fui imbuído de uma imensa alegria por estar com a Amora e os médicos e as enfermeiras, fazendo piadas sobre judaísmo.

Conte uma.

Bóris encontra Jacó chorando nas docas de Nova York e diz: “Sei por que você está triste. É que você está aqui na América e a família ficou na Lituânia. Aí Jacó responde: “Não, Bóris. Eu estou triste porque o navio com a família chega amanhã”. (Muitos risos). É isso: o deboche do próximo é proto-pré-nazista. A ironia salvadora é consigo próprio.

Diga mais sobre a amálgama chimpanzé-bonobo.

Nossa espécie foi a mais sanguinária. Tinham que lutar com outros chimpanzés e gorilas. A organização deles é como uma paranoia militar: cada um tem um posto e quer passar a perna no outro, exatamente como nós fazemos. Então não só trucidamos outras tribos, como, em períodos nos quais está tudo bem, tem comida para três meses, todo mundo feliz, o chefe como quem não quer nada pega um bebê, gira e quebra o crânio dele no tronco de uma árvore, para dar sinais ao outro lado do rio, onde os bonobos, uma sociedade matriarcal, os desafia e atrai. Tudo acaba em sexo e aí se forma a nova espécie. Essa guerra continuou. Quando nasci, o führer estava vivo. Quatro anos depois, eu saudava a volta da Força Expedicionária. Sou um homem de estado.

Falando em homem do estado, você está escrevendo um livro que mexe com sua experiência nos anos de chumbo.

É o livro-bomba. Fala da minha militância, durante 14 anos, no PCB. Um ano e meio antes do golpe já sabíamos. E vai até o período em que Gil e Caetano foram chamados de volta para dar alento ao povo brasileiro, que, em profunda melancolia e depressão, não acreditava na redemocratização. Mas eles não sabiam que era por isso. Era uma exigência do governo militar. Violeta Arraes tentou me demover, impedir, para dramatizar a luta armada. Eu era o velho comissário. Tem revelações incríveis. Meu papel nisso tudo. Serão dez volumes em flashback. O primeiro já está na editora.

E o impeachment?

Respondo de minha maneira diagonal. Não há abismo em que o Brasil caiba. É tudo artificial. A seca é artificial. Temos os maiores aquíferos do planeta. Não existe satélite nem foguete nem celular nem internet sem um minério chamado nióbio. Sem ele o mundo acaba. O Brasil tem 95% das reservas. Com estrada de ferro os preços cairiam 60%. Se navegássemos nos rios, 85%. Não vamos sair dessa enquanto não destinarmos 25% de tudo para educação, cultura e saúde. O resto é tudo blefe. Nunca tivemos lei nem governo. Foi o povo que fez tudo. Durante a escravidão, meses eram feriado para a Senzala ensinar tudo para a Casa Grande, inclusive como governar.

quinta-feira, agosto 18, 2016

Não era de submissão que ela gostava no sexo


Gabriella Feola

Ela refletia. Era muito agradecida por ser dessa geração questionadora. Ainda odiava ter medo de andar sozinha na rua, detestava caras que pensavam poder ser seu dono, mas ignorava isso e continuava lutando pra seguir livre, gozando a vida.

Gozar. Ela reinava na cama. Amava o sexo com ou sem sentimento, se aventurava no que lhe desse na telha e só se preocupava em esguichar felicidades.

Um dia ela se flagrou tendo arrepios mais fortes e contrações musculares violentas quando as mãos dele a agarram e a obrigaram ao próximo movimento. Ele. Ele mesmo, com quem saia há tanto tempo e que sempre fora tão a favor de igualdades. Depois ela se surpreendia a todo momento, esperando que o braço dele descesse mais forte sobre a sua carne, em qualquer parte dela. Queria ouvir sua voz em tom de comando, lhe ordenando coisas sujas. Nem pedia mais pela força, nem atendia às ordens dele porque queria que ele a obrigasse.Em último caso, se faltasse a força, levantava a voz para suplicar que todo o resto não pedisse seu consentimento. Gozava na violência da pequena morte e acordava achando-se culpada.

Não exatamente culpada. Contraditória. Melhor, vítima. Isso. Sentia-se contaminada pela cultura do estupro. A torrente de pornôs, O Último Tango em Paris, A Secretária… então a mídia realmente tinha conseguido convencê-la que a força masculina diante da submissão feminina é excitante. Não, a ela não convenceram. Influenciaram sua boceta e seu sistema nervoso inteiro sem um pingo do seu consentimento. Como podia ela desejar tanto e gozar tanto ao reproduzir algo que considera repulsivo?

Foi procurando a fundo suas razões, foi se pensando. Era forte e independente. Nunca gostou de de receber ordens nem reprimendas. Recorreu aos teóricos. Aliviou-se ao ver que, ano passado, quatro pesquisadoras publicaram um artigo que respondia a boa parte de seus questionamentos: “qual era a relação do padrão de comportamento de gênero e a satisfação sexual”.

Segundo a Sanchez, a Phelan, Moss-Racusin e a J. Good, a conclusão é que a sociedade estabelece um roteiro de comportamento para cada gênero e que cumprir esse papel determinado não traz prazer sexual. A realização sensorial seria pessoal e inata, não estaria ligada com o padrão imposto, mas por acaso, poderia corresponder a este. Veja. O papel de cada um era o seguinte: os homens devem tomar as iniciativas, guiar (e bancar) os sexos, enquanto as mulheres, deverão realizar os desejos dos parceiros. Fazia sentido.

Imagina um pornô comum, sem fetiche. Não, imagine só todos os pornôs sem categoria do mundo. No roteiro praticamente único deles, a atriz leva uns tapas, recebe ordens, é conduzida a uma garganta profunda meio forçada e isso é só básico. Mas, se continuar no normalzão, não vai encontrar um ator que se submeta a força de nenhuma moça, nem às ordens dela. Isso só tem na categoria dos sado-masoquistas, com gente vestida de couro, com chicote. O pornô básico mostra, com um pouco de exagero, os padrões com os que estamos acostumados no dia a dia. Os papéis existem e influenciam a muitos, definem o que é normal e o que não.

Mas essa atuação social não dirigirá ninguém a melhores gozos. Nem homens, nem mulheres. As moças que cumprem seus papeis por inércia perdem tempo e deixam de explorar e descobrir quais seriam suas verdadeiras preferências. Acabarão sempre menos satisfeitas do que poderiam e com menos vontade de uma próxima, decepcionando também o parceiro, que independente de como gosta, deixa de sentir-se desejado. 

Todos saem perdendo. Os homens que adorariam submeter-se demoram muito mais para realizar suas fantasias, afinal, hesitam em pedir para serem abatidos, penetrados, receosos de que isso lhes tire a masculinidade. As parceiras nascidas para dominar também ficam temerosas quando pensam em fazer deles o que bem quiser sem autorização. Ora, não querem que o moço broche por se sentir desconfortável naquela situação meio rara.

Agora ela reflete pensando que seu gosto pela dor seria uma característica inata, como a orientação sexual. Ótimo exemplo! Quando uma menina nasce gostando de meninas, ela pode até se submeter ao padrão, mas esse nunca lhe dará completude. Nesse caso, ela percebe que nasceu maso-hétero-sado-sexual. Mesmo que lhe ensinassem o contrário, ela iria continuar gostando daqueles dedos pressionando seu pescoço, tentando sem conseguir lhe tirar o ar.

Submissão. Toda hora repensava essa palavra que se repetia na definição da sua cabeça e dos livros. Não era de submissão que ela gostava. Ela não desejava sentir-se inferior ou impotente na cama. Não! Era o contrário. Ela se sabia forte. O que lhe instigava era a competição. Resistia a penetração porque queria ver até onde iria a força do companheiro. Era quase como colocar os outros à prova, testando se eram páreos para ela. A cada tapa que aguentava, a cada agarrada que não lhe dobrava os joelhos, ela mostrava sua força e se via causando um certo desespero no outro que suava desesperado para conseguir alcançar o limite daquela amazona.


Era a sobrevivência o que lhe excitava. Independente da força com que lhe agarrassem, ela seguiria ali mais viva do que nunca, transando, gemendo, gozando. Nada lhe tira o prazer e qualquer tentativa só o amplia. Não havia mais contradição. Não se sentia mais vítima porque sabia que no fundo, no fundo, era a sensação de seu próprio poder o que lhe disparava o gozo quando lhe faltava o ar.

quarta-feira, agosto 17, 2016

Parolagens olímpicas


De que servirão instalações e legado olímpicos para os pobrezinhos da Cidade de Deus?

José Nêumanne

Nos dez primeiros dias da Olimpíada de Londres, em 2012, o Brasil figurava na 28ª colocação no quadro de medalhas, 1 acima da 29ª até as 18 horas desta segunda-feira, com 1 medalha de prata mais e 2 de bronze menos, 1 mais no total: 1 de ouro, 3 de prata e 4 de bronze. São 8 agora e foram 7 há quatro anos. A delegação participante desta edição é recordista, com 465 atletas, 188 mais que os 259 que foram a Londres (79,5% maior, portanto) e 206 mais que o recorde anterior (277), na de Pequim. O Comitê Olímpico Brasileiro (COB) estabeleceu a meta de chegar ao 10º lugar em pódios, posição atual da Coreia do Sul com 6 de ouro, 3 de prata e 5 de bronze, 14 no total, quase o dobro das conquistas brasileiras até agora. E o que vale mais: 6 a 1 em número de medalhas de ouro. Na Rio 2016 serão disputadas 306 provas, quatro a mais do que os 302 de 2012.

No último fim de semana, em entrevista à GloboNews, emissora oficial do evento, com 16 canais de transmissão, o presidente do COB e do Comitê Organizador da Rio 2016, Carlos Artur Nuzman, qualificou como “positivo” o balanço da primeira semana do evento. Na certa, ele não considerou as perspectivas de desempenho atlético, longe de assegurar o acesso do País ao Primeiro Mundo dos campeões olímpicos, mas o mantém no vexaminoso lugar de sempre, com poucos acessos ao pódio, se comparados com inscrições de atletas em disputas. Ainda assim, o ufanismo irrealista do atleta que virou cartola não produziu a primeira parolagem pública a virar notícia na primeira semana dos torneios.

Antes do festejado espetáculo de abertura, que encantou jornalistas estrangeiros, prontos para dar notícias sobre vítimas da zika e da chikugunya e velejadores contaminados pelas fezes boiando na deslumbrante Baía da Guanabara, que inspirou o compositor Cole Porter, começaram a pipocar no noticiário os senões e, depois deles, a enxurrada de declarações desastrosas, que ascendeu ao pináculo do poder político.

Uma bala perdida estilhaçou o retrovisor de uma viatura da Guarda Nacional, convocada a participar da segurança da capital olímpica mundial, mas logo fomos tranquilizados: aquele “incidente” nada teve que ver com os Jogos Olímpicos. Que, no fim das contas, nem tinham sido inaugurados.

Primeiros a ocupar a bela Vila Olímpica inacabada, os atletas australianos nem entraram em seus alojamentos, de vez que não dispunham de condições adequadas. Diante das notícias, o prefeito parlapatão da antiga Cidade Maravilhosa brincou com a hipótese de providenciar cangurus para divertirem os incômodos hóspedes incomodados. A piada infame não foi levada em conta e Eduardo Paes terminou ganhando um canguruzinho de pelúcia. Antes dos australianos, os homens da Guarda Nacional não encontraram chuveiros nem camas adequadas nas casas que lhes foram reservadas e também foram vitimados pela incúria dos gestores.

O deslumbramento dos espectadores com o espetáculo de abertura não impediu os desastres da infraestrutura. Plateias das arenas não viram os jogos porque as filas impediram. O público que compareceu à estreia do torneio de futebol feminino perdeu parte do jogo porque alguém escondeu o cadeado que abriria um portão da Arena Nilton Santos, craque que não merecia homenagem desse jaez. No primeiro dia, faltou comida nos equipamentos esportivos, pois não havia quem a fornecesse na quantidade necessária. Foram convocados concessionários de quiosques, mas as refeições não atenderam à procura por falta de quem as servisse. Garçons foram contratados, mas aí faltou a matéria-prima demandada.

Até o décimo dia depois da abertura, não se registrou nenhum dos temidos ataques terroristas. Isso, contudo, não impediu que houvesse uma baixa: o PM Hélio Vieira Andrade, de Roraima, foi morto com um tiro na cabeça, dirigindo uma viatura ocupada por outros dois militares de fora do Rio: um capitão do Acre e um praça do Piauí. Não foi um “acidente”, como definiu o presidente em exercício, Michel Temer, de forma pra lá de desastrosa. E, de fato, o assassinato não “deslustrou” a Olimpíada. Serviu, sim, foi para exibir a sesquipedal desumanidade insensível dos poderosos chefões de nossa República.

Ocupada em se livrar do impeachment inevitável, a presidente afastada, Dilma Rousseff, não se dignou sequer a lamentar a morte do agente a serviço da lei. O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, afirmou que a Guarda Nacional errou, por ter entrado em local ocupado por traficantes de drogas. Nada disse de novo: todos sabem que tais traficantes invadiram partes do território brasileiro como se comandassem facções do Estado Islâmico em terreno hostil. O tido como inviolável esquema de segurança não havia contado com esse fato notório para qualquer brasileiro de posse de suas faculdades mentais.

Aliás, Alexandre de Moraes preferiu disputar uma modalidade na qual o Brasil é imbatível: brigar com um colega do governo por um lugar no pódio dos noticiários. Às vésperas da Olimpíada, com a Amazônia e a capital do Rio Grande do Norte ardendo, ele instalou seu QG no Rio para se mostrar ao mundo como comandante do aparato federal de segurança da Olimpíada, competindo com o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Sérgio Etchegoyen. Menos exibicionista do que o civil, o militar optou por desaparecer.

Ao inventar o balanço “positivo” da Rio 2016, seu encarregado em chefe, Nuzman, perdeu uma excelente ocasião para mostrar que a incompetência dele e de sua equipe produziu pelo menos uma revolução nos hábitos e costumes nacionais. Logo no começo da Olimpíada, um ônibus da organização com jornalistas patrícios e estrangeiros foi acertado por um “objeto contundente” desconhecido. Antes que a polícia fluminense o identificasse, outro similar foi atirado contra outro ônibus no mesmo local. A diferença entre os dois incidentes (ou melhor, “acidentes”, como prefere o presidente) é que o segundo, ao contrário do primeiro, não feriu ninguém. Ambos são adicionados aos crimes sem autoria conhecida na cidade. Só que desta vez ninguém pôs tranca na porta arrombada.

Nenhum desses casos produziu feridos, graças a Deus. Da mesma forma que o assalto à mão armada a atletas americanos saindo de uma festa na Hípica. Ao contrário de seus colegas, Ryan Lochte, nadador que conquistou medalha de ouro num revezamento, não se deitou no asfalto, como exigiam seus assaltantes. Nem por isso o grupo foi executado friamente, como sempre o fazem os bandidos. E assim estes não prejudicaram a imagem do Rio e do Brasil no exterior seria se tivessem assassinado (por “acidente”?) um ianque com uma medalha dourada no peito, mantido intacto, em prova inconsciente de respeito hospitaleiro ao insigne visitante.

Idêntica cortesia foi negada ao atleta pelo ministro dos Esportes de Banânia. Do alto de seu espírito hospitaleiro de carioca da gema, Leonardo Picciani, o garoto cujas bochechas denotam uma vida sedentária, sem pretensões esportivas, criticou o visitante porque este não estaria em hora nem em lugar apropriados. Segundo a autoridade, cujo topete é digno dos “embalos de sábado à noite” nos anos 1970, a segurança da Olimpíada no Rio de Janeiro é “absolutamente eficiente” nas competições e nos treinos em Deodoro, no Engenho de Dentro e nas arenas. Sua constatação é desmentida pelas falhas na revista pessoal e de bolsas de pessoas com ingresso e pelos flagrantes postados pela delegação chinesa de pessoas se escondendo de um tiroteio. Não foi só para contrariá-lo que, nesta segunda-feira, 15, rompeu-se um cabo de aço que sustentava uma câmara de TV, que desabou, atingindo sete pessoas, quatro delas levadas ao hospital.

No instante em que Picciani perpetrava aquela idiotice, o sociólogo britânico David Goldblatt, especialista em Jogos Olímpicos, dava entrevista a Silo Bocanera, da GloboNews, desmentindo a bazófia de que Olimpíadas deixam legados de interesse social, como garantiram Lula, Sérgio Cabral e Eduardo Paes em Genebra, em 2009, após o anúncio da vitória do Rio sobre Tóquio, Madri e Chicago. O scholar disse ainda que todo o lucro de tais eventos vai para o COI, o maior culpado pela crônica do desastre anunciado em nossos gaiatos trópicos à beira-mar. E reduziu a pó a teoria de Paes de que a iniciativa privada assumiu a maior parte das despesas na primeira Olimpíada na América do Sul. Para Goldblatt, esta só serve para enriquecer corruptos, pois se gasta mesmo é em obras públicas, que invariavelmente viram elefantes brancos, sem serventia para nada. Até agora não apareceu ninguém para informar de que servirão o Parque Olímpico de Deodoro e o Bulevar do Porto para os pobrezinhos da Cidade de Deus, onde nasceu e foi criada a judoca de ouro Rafaela Silva.

segunda-feira, agosto 15, 2016

Lula e Trump


Por que conservadores americanos e socialistas brasileiros, extremos opostos, estão incorporando, cada vez mais, o cinismo às ideologias?

José Padilha, O Globo

Aqui nos EUA o processo até que foi engraçado, embora o desfecho possa ser trágico. Depois de uma primária republicana ridícula, em que os candidatos conservadores se mostraram extremamente fracos e foram gradativamente eliminados da disputa pelo populismo histriônico de Trump, os conservadores ficaram em quintanilhas. Ou se afastavam de Trump e entregavam a Presidência aos democratas, ou coroavam Trump na convenção do Partido Republicano. Fora algumas exceções, notadamente Ted Cruz, os conservadores fecharam com Trump.

Estão comendo o pão que o diabo amassou. Trump associou-os ao racismo (contra os mexicanos), à ideia de que é lícito que estrangeiros interfiram nas campanhas eleitorais americanas (Putin e os hackers da Rússia), ao ódio indiscriminado contra os muçulmanos, à renegociação intempestiva e unilateral de tratados comerciais e militares (inclusive o da Otan), dentre outras barbaridades.

A despeito de tudo isso, muitos conservadores ainda relutam em dar o braço a torcer. Todavia, é crescente o desconforto entre eles. Devem estar se perguntando: e se o Trump continuar a falar besteiras? E se ele ganhar e fizer exatamente o que disse que vai fazer? O que vai acontecer com o conservadorismo americano? Será ridicularizado para todo o sempre?

Já no Brasil, depois da completa desmoralização de Lula e do Partido dos Trabalhadores durante o processo do mensalão, os socialistas também ficaram em sinuca de bico, tendo que optar entre reconhecer a desonestidade do PT e entregar o país à direita, ou continuar apoiando um projeto de poder claramente corrupto. Salvo raras exceções, escolheram a corrupção.

Agora, acuados pela Lava-Jato e incapazes de dar o braço a torcer, estão sendo forçados a adotar posições cada vez mais inverossímeis, o que no longo prazo pode levá-los ao completo descrédito: Lula não sabia do mensalão, Dilma não sabia da Eletrobras, Lula não sabia da OAS, Dilma não sabia de Pasadena, Lula não sabia do Vaccari, Dilma não sabia de Belo Monte, Lula não sabia do João Santana, Dilma não sabia do Paulo Bernardo, Lula não sabia do Palocci, Dilma não sabia do Edinho, Lula não sabia do Bumlai, Dilma não sabia do Odebrecht, Dilma e Lula, enfim, não sabiam do petrolão… Só rindo para não chorar.

Por que será que os conservadores americanos e os socialistas brasileiros, extremos opostos do espectro ideológico, estão sendo forçados a incorporar, cada vez mais, o cinismo às suas ideologias? Será mera coincidência? Acho que não. Apesar das diferenças ideológicas, os socialistas brasileiros e os conservadores americanos parecem ter algo em comum.

Se você não acredita, olhe para a economia.

Depois de um aumento desenfreado nos gastos públicos, somado a uma política de subsídio a grandes grupos empresariais via BNDES e a programas sociais meramente redistributivos, o Brasil viu milhões de pessoas saírem da miséria. Todavia, assim que a capacidade de endividamento do país acabou, assim que as “pedaladas” e fraudes contábeis se tornaram insustentáveis e muitos investimentos fracassaram por total inaptidão administrativa, a realidade bateu à porta. O PIB caiu 10% em dois anos. A arrecadação minguou.

Hoje o Brasil tem 12 milhões de desempregados, a Petrobras deve até a alma, os estados estão falidos, e a União precisa cortar cerca de R$ 150 bilhões do Orçamento para recuperar o equilíbrio fiscal… Pessoas racionais concluiriam: para melhorar de vida não basta gastar a esmo e redistribuir renda. É preciso fazer investimentos que dão retorno. Sem capacitar a população e aumentar a produtividade, a pobreza volta quando o limite do cheque especial acaba. Os socialistas aprenderam a lição? Claro que não. A cada proposta de corte nos gastos públicos e a cada menção da palavra “privatização”, gritam slogans contra a volta da política neoliberal…

Por sua vez, depois do crescimento robusto da era Clinton e do crescimento risível da era Bush, além da trágica ocupação do Iraque, os conservadores americanos também viram suas doutrinas, militares e econômicas serem refutadas uma a uma. A desregulamentação do sistema financeiro vai ajudar a economia… O Obamacare vai quebrar o sistema de Saúde… O aumento dos gastos públicos vai desvalorizar o dólar e gerar inflação… Não há aquecimento global… Só bola fora. Mudaram de ideia? Claro que não. Continuam insistindo na tese de que austeridade fiscal e redução de impostos, sobretudo para os mais ricos, geram crescimento econômico. Para mostrar que estavam certos, aplicaram o receituário ao estado de Kansas, e Kansas quebrou…

A verdade é que tanto a doutrina dos conservadores americanos quanto a doutrina dos socialistas brasileiros só servem para gerar narrativas cativantes e slogans baratos, mas não servem para balizar políticas públicas sensatas.

De um lado temos os amigos do povo, os políticos altruístas e sábios que vão usar o Estado para promover justiça social e salvar os pobres da opressão dos ricos. Do outro, temos os grandes empresários e os empreendedores destemidos, que, livres das regulações e da tirania do Estado, vão desenvolver tecnologia, criar riquezas e beneficiar a todos.

A primeira história vende bem na América Latina, sobretudo para artistas, sindicalistas e pseudointelectuais; a segunda vende bem no interior dos Estados Unidos, sobretudo para brancos de classe média e milionários. As duas narrativas são super simplificações da História econômica e não resistem a um minuto de reflexão séria. Acontece que tanto os socialistas de Lula quanto os conservadores de Trump são incapazes de pensar criticamente a respeito de suas próprias crenças. Têm em comum uma profunda desonestidade intelectual. É natural, portanto, que tendam ao cinismo.