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segunda-feira, fevereiro 27, 2017

Reino Unido da Liberdade é bicampeã do Carnaval amazonense


Por Paulo André Nunes

Campeã do ano passado, a Reino Unido da Liberdade é de novo a grande campeã do Grupo Especial do Carnaval amazonense. A agremiação, que este ano levou para o Sambódromo o tema da sustentabilidade, foi a quarta escola a desfilar no último sábado, quando oito grandes agremiações apresentaram belos e diversificados  enredos.

A escola de samba do Morro da Liberdade somou 268,50 pontos e faturou seu 11° título no Carnaval amazonense. O segundo lugar ficou com a Vitória Régia que somou 266,9, seguido pela Grande Família com 266,8 pontos.

“Nós enfrentamos muitas dificuldades, mas fizemos um grande trabalho. A Reino Unido é uma escola de samba de comunidade e dedico esse título às pessoas humildes do Morro”, comentou o presidente Jairo de Paula Beira-Mar.

A obrigatoriedade de entrega em tempo hábil a Ceesma de informações como o áudio do samba-enredo e a ficha técnica provocou a perda de 1 ponto para quatro escolas: Aparecida, Alvorada, Andanças e Vila da Barra.

A Unidos do Alvorada foi penalizada em 2 décimos por exceder o tempo de desfile em 2 minutos  (apresentou-se em 72 minutos quando o limite era 70min).



Grupo de Acesso A


A Primos da Ilha foi a primeira colocada do Grupo de Acesso A do Carnaval 2017. Ela empatou em número de pontos com a Beija-Flor do Norte e Unidos da Cidade Nova com 179,2, mas a definição veio após a leitura do quesito alegorias e adereços, que era o critério de desempate segundo o artigo 60 do regulamento do Grupo de Acesso A.

Em quarto lugar ficou a Unidos da Cidade Alta com 179,8, em quinto o Dragões do Império levando 178,5 e em sexto a Balaku Blaku com 178 pontos.

Grupo de Acesso B


Com 179 pontos a Mocidade Independente do Coroado foi a campeã do Grupo de Acesso B do Carnaval de Manaus. A escola homenageou o deputado estadual Sinésio Campos (PT).

Em segundo ficou o Império do Hawaí com 176,7, Unidos do Coophasa levou 176,5 e a Presidente Vargas em quarto com 174,2 pontos.

“Estamos alegres, mas ao mesmo tempo tristes porque esse ano não teremos o acesso para o grupo A”, disse Montelo Lira, representante da Mocidade do Coroado.

Grupo de Acesso C


A agremiação Tradição Leste, do bairro Coroado, foi a campeã do Grupo de Acesso C do Carnaval de Manaus.

Ela levou 179,3 dos pontos em nove quesitos e sagrou-se vencedora sobre a Legião dos Bambas (176 pontos), Gaviões do Parque (172) e Leões do Barão Açu  (166,2).

A escola levou para a Avenida do Samba o enredo sobre o xadrez. O presidente da Tradição Leste, Gláucio Coelho, falou da satisfação da escola em conquistar o título. “Esse título bem em boa hora pois é a continuidade do trabalho do ano passado”, comentou ele.

Na leitura das notas foi comunicada a penalização das escolas de samba Legião de Bambas, Leões do Barão Açu e Gaviões do Parque por irregularidades como ausência de membros nas alas ou excesso do tempo de desfile (que era de 25 minutos para essa categoria).

Foi registrada, também, a ausência de um jurado da comissão de frente no dia do desfile (24). Com isso, a nota que seria dada por esse jurado passou a ser 10 para todas as escolas.


“Damos parabéns para as todas as escolas do Grupo C pois elas foram guerreiras e não receberam apoio financeiro para o desfile”, desabafou Fabrício Nascimento, diretor de Carnaval da União das Escolas de Samba do Amazonas (Uesam), entidade que rege a categoria.

Sensacionalista: uma pausa pra dar risada


Manchete 1: “Alfaiate do Planalto é chamado para ajustar faixa presidencial para caberem Temer, Cunha e Serra”. Manchete 2: “Prestes a ter todos os cargos, PMDB teme perder a razão de existir”. Manchete 3: “Menos de 24 horas depois de separado do governo, PMDB já é visto no Tinder”.

Com chamadas como essas, pingando sarcasmo e puro deboche, o site Sensacionalista, sediado no Rio de Janeiro, tem se destacado nestes meses de crise como uma das mais comentadas, visualizadas e compartilhadas válvulas de escape para os males que assolam o país.

Com 2,3 milhões de seguidores e 10 milhões de acessos todos os meses, o site é municiado por quatro sócios-redatores e dois auxiliares, que renovam continuamente o conteúdo com impagáveis reinterpretações de notícias reais.

Atiram para todos os lados – e aí talvez esteja a base de seu sucesso. “Nem coxinhas, nem petralhas: nós somos do partido da zoeira”, define seu fundador, o jornalista e roteirista Nelito Fernandes.

Egresso do extinto programa de humor Casseta & Planeta, da Globo, Fernandes conta que se inspirou no americano The Onion para criar o Sensacionalista, em 2009, como uma atividade paralela e sem maiores pretensões – os visitantes não passavam de ínfimos 3 000 por dia.

A virada se deu na campanha presidencial de 2014, quando as tiradas do site “isento de verdade”, como diz seu logo, passaram a ser replicadas nas redes sociais.

“Vivemos uma situação em que as manchetes são surreais. E, quando o real parece piada, o humor não tem limites”, diz o humorista Antonio Tabet, do Porta dos Fundos, sobre o sucesso dos colegas.

“Falamos de qualquer assunto. Passamos o dia inteiro trocando informações, sugestões e ideias de piadas”, explica a jornalista Martha Mendonça, mulher de Fernandes, da equipe de redatores. A própria revista Veja, ao publicar a capa revelando o plano de Lula de buscar refúgio na Itália, acusada de “falsa” pelos petistas, recebeu do site o hilário “prêmio de melhor obra de ficção do ano”.

A atividade principal do casal e de outro sócio, Leonardo Lanna, é elaborar roteiros para humorísticos da Globo. Apenas o jornalista Marcelo Zorzanelli trabalha no site em tempo integral.

O faturamento, cujos valores eles não revelam, provém de anúncios intermediados pelo Google e de piadas patrocinadas, como a encomendada por um aplicativo de relacionamentos que informa: “Homem que sabe a diferença entre ‘mas’ e ‘mais’ vira alvo de disputa entre colegas de trabalho”.

Problemas, até hoje, só tiveram com uma “vítima”: o deputado federal Marco Feliciano, expoente da brigada antigay, processou o site – e perdeu – por sentir-se “moralmente abalado” pelos posts a seu respeito.

Aproveitando o sensacional momento, o time pôs no ar mais um site, o Surrealista – Notícias Reais que Parecem Coisa do Sensacionalista, e no emblemático dia 1º de abril lançou uma antologia de piadas intitulada Pagar por um Livro que Está na Internet É Sinal de Genialidade, Dizem Especialistas (editora Belas Letras). Próximo projeto: Sensacionalista, o Filme. Quem viver rirá.

Sobre os protestos



Explicando o inexplicável



Hipocrisias cotidianas



História indigesta



Dedução



Na pista para negócio



Vida moderna


As 100 melhores frases de Millôr Fernandes


Por Sergio Augusto

O acaso é uma besteira de Deus.
Morrer é uma coisa que se deve deixar sempre pra depois.
O Brasil é os Estados Unidos onde eu vivo.
Um homem é adulto no dia em que começa a gastar mais do que ganha.
A invenção do Alka-Seltzer foi uma tempestade em copo d’água.
Nasci com talento melódico numa época em que o pessoal só se interessa por percussão.
Analista é um sujeito que partindo de premissas falsas consegue chegar a conclusões perfeitamente equivocadas.
Anarquia é apenas uma proposta social em que você dá ao palhaço a administração do circo. (E quase sempre ele é muito bem-sucedido)
Se os animais falassem não seria conosco que iam bater papo.
Nunca deixe de fazer amanhã o que pode deixar de fazer hoje.
Nas noites de Brasília, cheias de mordomia, todos os gastos são pardos.
Um desses livros que quando você larga não consegue mais pegar.
Minha especialidade e meu orgulho: sou o maior leigo do país.
50% dos doentes morrem de médico.
Celebridade é um idiota qualquer que apareceu na televisão.
Chato é uma pessoa que não sabe que “Como vai?” é um cumprimento, não uma pergunta.
Todo governante se compõe de 3% de Lincoln e 97% de Pinochet.
Jamais chame um amigo de imbecil. É preferível lhe pedir dinheiro emprestado e não pagar.
Se sua calça tem um buraco, use-a pelo avesso.
Quem se curva aos opressores mostra a bunda aos oprimidos.
A alma enruga antes da pele.
Comida é bom, bebida é ótimo, música é admirável, literatura é sublime, mas só o sexo provoca ereção.
Especialista é o que só não ignora uma coisa.
Os pássaros voam porque não têm ideologia.
A falsa modéstia é o rabo escondido com o gato de fora.
Fobia é um medo com PhD.
A fotografia é a mentira verdadeira.
Toda fotografia antiga é uma punhalada.
O futebol é o ópio do povo e o narcotráfico da mídia.
Quem sai aos seus não endireita mais.
O gourmet é o comilão erudito.
O haddock é um bacalhau que venceu na vida.
A humildade é uma espécie de orgulho que aposta no perdedor.
O humorismo é a quintessência da seriedade.
Idade da razão é quando a gente faz as maiores besteiras sem ficar preocupado.
Desconfio de todo idealista que lucra com seu ideal.
Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos & molhados.
Como são admiráveis as pessoas que não conhecemos muito bem!
Grande erro da natureza é a incompetência não doer.
Todo homem nasce original e morre plágio.
Livre como um táxi.
Divagar e sempre.
Monogamia é a capacidade de ser infiel à mesma pessoa durante a vida inteira.
A morte é hereditária.
A ociosidade é a mãe de todos os vices.
O cara que completa 80 anos está, evidentemente, vivendo acima de seus recursos.
Se é gostoso, faz logo. Amanhã pode ser ilegal.
O otimismo é o pessimismo em diluição.
A probidade não tem cúmplices.
Deus dá o frio a quem não tem dentes.
O quartzo é um mineral que fica entre o tertzo e o quintzo.
A invenção da poltrona acabou com os heróis.
Certos escritores se pretendem eternos e são apenas intermináveis.
O dinheiro não é tudo. Tudo é a falta de dinheiro.
Dizem que quando o Criador criou o homem, os animais todos em volta não caíram na gargalhada apenas por uma questão de respeito.
Conheço alguns escritores que morreram aos 30 anos e só conseguiram entrar pra Academia aos 60.
Não confundir ética com etiqueta, que é apenas uma ética de butique.
Eu posso não ser um bom exemplo. Mas sou um bom aviso.
A beleza é a inteligência à flor da pele.
Todo líder acaba empregado de sua liderança.
Dinheiro compra até amor verdadeiro.
Os homens não fervem à mesma temperatura.
À noite (na penumbra aconchegante das alcovas permissivas), todos os pardos são gatos.
A importância leva mais gente ao cemitério do que a impotência.
Quando a bajulação não atinge seu objetivo, você pode estar certo de que não é por falta de vaidade do bajulado – é por incompetência do puxa-saco.
Entre o riso e a lágrima quase sempre há apenas o nariz.
De todas as taras sexuais, não existe nenhuma mais estranha do que a abstinência,
A Academia Brasileira de Letras se compõe de 39 membros e um morto rotativo.
Não existe o japonês individual.
Temos que começar por baixo. Como os Estados Unidos, por exemplo. Eles começaram com um país só.
Não gosto de direita porque ela é de direita, e não gosto de esquerda porque ela é de direita.
Nos momentos de perigo é fundamental manter a presença de espírito, embora o ideal fosse conseguir a ausência do corpo.
O arroto é um som burguês, incompreensível entre os pobres.
Deus é bom. Esta é muito mal cercado.
O sujeito que me fará acreditar na imortalidade da alma ainda está pra ressuscitar.
Político é um sujeito que convence todo mundo a fazer uma coisa da qual ele não tem a menor convicção.
Bahia – a menor agência de publicidade do mundo.
O bêbado é o subconsciente do abstêmio.
O bolero não morrerá enquanto houver um coroa tomando banho de chuveiro frio.
Todos os grupos são apenas agências de emprego para seus membros.
Nada é certo neste mundo – a não ser o telefone tocar quando você está sozinho em casa e acabou de sentar no vaso.
Baiano só tem pânico no dia seguinte.
Os corruptores são encontrados em várias partes do mundo, quase todas no Brasil.
A credibilidade de um país é inversamente proporcional aos juros que os banqueiros internacionais lhe cobram.
A curiosidade mórbida é a mãe do vidro fumê.
Não haverá democracia enquanto eu for obrigado a escrever deus com D maiúsculo.
O problema da democracia é que quando o povo toma o palácio, não sabe puxar a descarga.
O mal do mundo é que Deus e o Diabo envelheceram, mas o Diabo fez plástica.
Os socialistas são contra o lucro. Os capitalistas são apenas contra o prejuízo.
Um escritor só é realmente famoso quando seus erros de linguagem passam a ser considerados regras gramaticais.
O problema de ficar na fossa é que lá só tem chato.
Não existe tendência para engordar. Existe tendência para comer.
Cada ideologia tem a Inquisição que merece.
Quando uma ideologia fica bem velhinha vem morar no Brasil.
O pior não é morrer. É não poder espantar as moscas.
Há males que vêm pra pior.
Quem não tem memória sabe tudo de olvido.
O maior erro de Noé foi não ter matado duas baratas que entraram na Arca.
No Nordeste nu explícito é esqueleto.
Quando você está fora de si, o pessoal vê melhor o que você tem dentro.

Manual do Publicitário


Por André Barcinski

Tenho muitos amigos – e até parentes – que são publicitários. E tenho me espantando com a popularidade dessa profissão entre os mais jovens. Para ajudar quem está pensando em se dedicar a essa profissão cheia de glamour, resolvi fazer um pequeno guia. Espero que seja útil.

Como se inserir no mercado de trabalho

Fácil: minta no currículo. Ninguém vai checar mesmo. Incluir cursos no exterior é sempre bom. Especialmente em cidades modernas e cool como Berlim ou Copenhagen. Ponha lá: “assistente de produção no Stor Oksekod, na Dinamarca”. Ninguém precisa saber que é uma churrascaria.

Outra coisa que sempre funciona bem em currículos é incluir premiações. Publicitários adoram premiações, tanto que criaram milhares para distribuir entre eles mesmos.

Inclua algo como: “4º colocado do prêmio Golden Taroba na categoria 'melhor folheto' no 5º Publicity Awards de Itaperuna”. Sempre ajuda.

Pronto, consegui um estágio na agência. E agora?

O passo seguinte é achar um nome pra você. Lembre-se que, da porta da agência pra dentro, você é um artista. E todo artista precisa de um nome adequado.

Nomes de publicitários se dividem em três categorias básicas.

A primeira são os nomes italianizados. Fica bonito e moderno. João vira “Gianni”, Luís vira “Luigi”, Lucicleide vira “Luce”.

A segunda categoria é a de nomes monossilábicos terminados em acento circunflexo ou “u”, como “Clô”, “Fô”, “Rê”, “Mô”, “Stê”, “Pê”, “Um” ou “Du”.

A terceira são apelidos bem brasileiros e divertidos, como “Joca”, “Tutuca”, “Drica” ou “Zoza”.

Mas lembre-se: independentemente do nome que você escolher, o sobrenome precisa ser grande e insólito. Nada de “Silva” ou “Moreira”.

O nome ideal, portanto, seria algo como Du Fregolini, Clô Bierrenbach ou Joca Thompson.

Observe que, em todos eles, o primeiro nome tem uma pegada bem despojada, mas o sobrenome dá o tom grave e solene que o publicitário precisa e merece.

Vamos supor que seu nome seja Luis Castro. A partir de hoje, você é Luigi Castellari. Parabéns, Luigi!

Como me enturmar?

Mesmo que você ganhe 545 reais, a melhor idéia é investir uns 4 mil e comprar um abadá no bloco da agência no carnaval de Salvador. É lá que os melhores contatos são feitos.

O vocabulário

Não estranhe se, na primeira reunião, alguém te disser: “Luigi, vamos dar o start. Você tem o briefing do job? Então faça um c-call com o team do Du Fregolini, que fez o filme do papel higiênico Ralorrabo, e pergunte se o recall do cliente foi satisfatório.”

Fique calmo. Ninguém está entendendo nada mesmo. Você se acostuma.

A obsessão pelo making of

Todo publicitário adora um making of. Esse fenômeno é conhecido por “efeito Narciso”.

Lembre-se: para cada segundo de comercial filmado, a agência costuma rodar 30 minutos de making of.

O último comercial do desodorante Suvacol, dirigido por Du Fregolini, mereceu um DVD triplo com dezenas de entrevistas, análises e depoimentos. “Fregolini é um gênio”, disse Joca Thompson. “Considero este o Encouraçado Potemkin dos filmes de desodorante”.

Características de comportamento

Publicitários têm duas características básicas: são extremamente gregários e indecisos.

Isso explica o gigantesco número de reuniões de cinco horas com 15 pessoas em que não se decide nada.

A gênese de idéias e da criação publicitária

Em reuniões na agência, toda boa idéia, mesmo que venha do estagiário, é reivindicada pelo seu superior imediato, que é então reivindicada pelo superior deste, e assim por diante, até chegar ao dono da agência.

E toda idéia que dá errado, mesmo que venha do dono da agência, é colocada na conta de seu subalterno imediato, que passa para o seu subalterno, e assim por diante, até chegar ao estagiário, que é então demitido.

A injeção sazonal de modernidade

Fenômeno que costuma ocorrer nos meses de agosto e janeiro, quando o dono da agência ou o chefe de criação voltam de Nova York ou Paris, onde viram o Blue Man Group ou o La Fura Dels Baus pela 37ª vez, trazendo as últimas novidades em matéria de comportamento: “Fui ao Brooklyn e vi muita gente usando cueca por cima da calça, é a última tendência!”

O fenômeno é seguido, alguns meses depois, por uma enxurrada de comerciais estrelados por pessoas usando cueca por cima da calça, editoriais de moda com modelos usando cueca por cima da calça, e publicitários andando pela agência com cueca por cima da calça.

Pronto. Agora é com você. Boa sorte, Luigi!

Um feirante na vida de uma mulher


Por Xico Sá

Nada melhor que uma mulher que acabou de chegar da feira. Sacola na mão, fome de viver, sorriso de princesa. Os vendedores de frutas, peixes e verduras são mestres na arte de reconhecer talentos e animar as moças com os seus adjetivos. Adjetivos às pencas, elogios às dúzias, mimos, dizeres, samba exaltação, graças.

Meia hora de uma mulher na feira vale mais do que um mês de análise, do que a onda de orientalismos tantos do mercado, do que a yoga, do que o mestre japonês das agulhas, do que uma banheira de sais, do que um dia na Oscar Freire...

Nem mesmo quando as mulheres estão acompanhadas, os feirantes dão sossego. Esperam você, jovem mancebo, se distanciar um pouco, dois, três passos, e tome gracejos e flertes à baciada.

“Olha a manga, gostosa!”, bradam, administrando com malícia a vírgula e o duplo sentido na ponta da língua.

“Ovo e uva boa!”, arriscam para as elegantes damas de preto.

“Essa é modelo!”, capricham para as gazelas saltitantes. “Gisele!”

“Se eu fosse um peixe, eu seria um namorado!”.

É a boa guerra dos mascates. Eles vão no ponto, exatos como neurocirurgiões do desejo. Sabem de longe, por exemplo, quando uma mulher tem alguma encrenca com a idade.

Em um segundo, sapecam um tratamento carinhoso:  “Pra mulher nova, bonita e carinhosa, eu não vendo... eu me dou todinho!”

E mais: “Só vendo pra menores de 18 acompanhada pelos pais”.

Em dias de chuva, mandam ver de acordo com o meteorologista: “Essa é enxuta até debaixo d'água”, alardeiam.

Um bom feirante reduz até os efeitos de uma TPM, de uma dívida nunca paga, de uma culpa que corrói o juízo, de um regime ainda sem resultados – elas ainda não sabem que uma polegada a mais, uma a menos, pouco importa para quem tem gosto de fato por mulher.

Nada como incentivar o caminho da feira mais próxima da sua casa para as mulheres.

 No Ceasa, então, os adjetivos saem a grosso e a varejo, na bacia ou nos caixotes.

Os feirantes não mentem jamais. Eles sabem, mais do que ninguém, que em toda mulher, seja quem for, existe um traço ou um aspecto de beleza.

Afinal de contas, mulher é metonímia, parte pelo todo, você passa a apreciá-la por uma boca, um pé, uma orelha, uma mão, uma omoplata, um belo ilíaco ressaltado, uma saboneteira, uma marca sulcada de vacina, um corte no joelhinho esquerdo, uma cicatriz de artes de infância, uma bela bunda faceira, uma falsa magra, um umbiguinho do mundo, aquele tom cinza dos cotovelos da espera...

Na passarela dos feirantes, a insegurança feminina, mesmo naqueles dias em que o cabelo acorda brigando com as leis do cosmo, dissolve-se em segundos, num suspiro, na velocidade de um pastel, na ligeireza de um caldo-de-cana.

domingo, fevereiro 26, 2017

Olha o índio aí, gente!


Por José Ribamar Bessa Freire

“Sangra o coração do meu Brasil. / O belo monstro rouba as terras dos seus filhos / devora a mata e seca os rios”. (Samba da Imperatriz Leopoldinense , 2017)

Tem um Brasil que está morrendo e outro que está nascendo dentro de um país de cores e cantos tão diversos. Para identificá-los, não precisa ser médico-legista nem parteiro. Basta observar neste carnaval o desfile da Sapucaí, com os olhos bem abertos para não confundir um com o outro, já que nenhum dos dois tem samba no pé.

Um deles manca porque, decrépito, está com esclerose múltipla, enquanto o outro, hesitante e trôpego, ainda aprende a andar, ensaiando na avenida seus primeiros passos. Mas só quem entende a língua dos pássaros, das árvores e dos rios sabe disso.

Berço do renascimento

O Brasil com um pé entrando no caixão fez tudo para abortar o parto do Brasil com um pé saindo do berço. Em vão. Domingo (26), logo depois da meia-noite, cerca de 3.000 componentes da Imperatriz Leopoldinense, entre eles Raoni e outros índios, desfilam em 32 alas e seis carros alegóricos com a rainha de bateria, Cris Vianna, e mestre Lolo comandando a percussão. “Xingu, o clamor da floresta” canta aquilo que foi explorado na Rio-92 por Daniel Matenho Cabixi com a palestra “As tecnologias dos povos indígenas na preservação do meio ambiente” editada pela UERJ.

O enredo foca os saberes de 17 etnias que vivem no Parque Indígena do Xingu (MT) e a contribuição das civilizações indígenas – “a primeira semente da alma brasileira” – na defesa da natureza agredida, da beleza e exuberância de cores da floresta. Exalta as pinturas corporais, o artesanato, os instrumentos musicais - as flautas e os maracás, a liberdade e a memória sagrada. “Salve o verde do Xingu, a esperança, a semente do amanhã!”.

Esse Brasil que nasce e que está aprendendo a ficar de pé inaugura o diálogo do carnaval com a academia e com os índios, quase sempre folclorizados como exóticos. Da Antropologia, a escola de samba toma emprestado o trabalho de campo como forma de entender o outro, o diferente. Busca na Museologia a curadoria compartilhada com os índios na organização de exposições. Recorre à História para abordar os acontecimentos com o conceito de longa duração de Fernand Braudel, abandonando o fatual, nomes de heróis fajutos e sucessão de datas inúteis.

Foi assim que o carnavalesco Cahê Rodrigues, assessorado pelo antropólogo Carlos Fausto do Museu Nacional (UFRJ), se deslocou ao Xingu para conviver com os índios, observar o cotidiano e com eles conceber o enredo. Viu a área contaminada por agrotóxico, causador de câncer que já matou muitos índios.  “Voltei de lá com outra cabeça” – disse em entrevista. Viajou com a cabeça do general Custer e voltou pensando como Touro Sentado, a exemplo do ministro Ayres Brito, do STF, no processo da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

Escola sem partido

O enredo, dividido em seis setores, começa com o sagrado, passa pelas riquezas da flora e da fauna e aborda a invasão e o roubo de terras. No quarto, as queimadas, as madeireiras, o agrotóxico e Belo Monte. No quinto, as alianças de índios com não índios na defesa do Xingu, o último é o clamor que vem da floresta. Isso foi suficiente para que o outro Brasil com o pé no caixão, passasse a agredir a Imperatriz Leopoldinense e estendesse às escolas de samba o conceito de “escolas sem partido”, pelo qual lutam. Mesquinhos, não admitem versão crítica, nem no carnaval.

A figura sinistra do senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) quer uma CPI “para discutir, debater e descobrir os financiadores da Imperatriz Leopoldinense”. A Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ) em carta atacou a escola de samba e garantiu que o agronegócio é responsável pela comida e bebida consumida pelos turistas no carnaval. Lideranças ligadas ao plantio de soja, milho, algodão e cana de açúcar se pronunciaram no mesmo sentido. Circulou até mesmo denúncia de que empresários teriam oferecido R$ 15 milhões aos índios para que não desfilassem.

A escalada de violência culminou com o programa “Sucesso do Campo” da Rede Goiás, afiliada da Record, quando a jornalista Fabélia Oliveira, comentando o samba-enredo, declarou que “o tradicional malandro carioca” não pode falar do índio e da floresta. O índio “vai ter que morrer de malária, de tétano, do parto. É a natureza”.

Se eles estão tão incomodados, é porque o desfile da Imperatriz Leopoldinense vai ser uma grande aula na Sapucaí, nesse espaço mágico e dionisíaco do carnaval. Darcy e Berta Ribeiro, Maria Yedda Linhares, John Monteiro, Antônio Brand e tantos outros amigos dos índios devem estar requebrando alegremente na tumba ao som do samba da Imperatriz. Olha o índio aí, gente.

Segunda feira gorda tem Cauxi Eletrizado na Assinpa


Formado por integrantes das bandas OsTucumanos, Alaídenegão e Cabocrioulo, o sensacional combo Cauxi Eletrizado vai embalar os foliões manauaras nessa segunda feira gorda, 27, na sede da Assinpa (Associação dos Servidores do Inpa), com a 6ª edição do Bloco do Cauxi Eletrizado.

Durante o panavueiro, haverá a participação especial da bateria da Mocidade Independente de Aparecida e do premiadíssimo DJ Marcos Tubarão. Os portões da Assinpa abrem às 16h e a entrada custará R$ 20 até 18h. A partir deste horário, o valor será de R$ 25. A sede da Assinpa está localizada no Conjunto Morada do Sol, zona Centro-Sul de Manaus.

Os ingressos antecipados já estão disponíveis por R$ 20, no quiosque Os Barés, do Manauara Shopping (Avenida Mário Ypiranga, 1300, Adrianópolis). O valor da rolha será R$ 40, para qualquer bebida. A festa contará com espaço para crianças, que, até 10 anos, não pagam entrada. Maiores informações: 98210-2438/98242-3133.


A folia terá início com o DJ Marcos Tubarão comandando as carrapetas, em um setlist de muito groove, swing e balanço, com remixagens de antigas marchinhas. Em seguida, será a vez da bateria da Mocidade Independente de Aparecida, que sobe ao palco às 18h.

A banda do Cauxi Eletrizado assume o comando da festa às 19h, com clássicos como “Atrás do Trio Elétrico”, “Frevo Novo”, “Cabelo de Fogo”,  “Me segura se não eu caio”, “Frevo mulher”, “Haja amor”, “Evocação de Recife” e “Hino do Elefante de Olinda”, entre outras. Como acontece todo ano, será apresentada em primeira mão uma música feita especialmente para o evento.

Composta pelo cantor Clóvis Rodrigues, a novidade é uma sátira do boato de arrastão e tiroteio no Centro, na semana da fuga dos presos do Compaj e traz a história de um homem que postou nas redes sociais que estava na confusão e conseguiu correr para a boate Rêmulo’s, para se salvar. 

O fator Filho da Puta


Por Luís Fernando Verissimo

“Não se pode fazer omelete sem quebrar ovos” é “o fim justifica os meios” transformada em receita. Mesmo que você concorde com a velha e debatível máxima e sua versão para a cozinha, invocada para desculpar algumas das piores barbáries da nossa espécie, é preciso lembrar o que disse, certa vez, o crítico José Onofre: tem gente que não se interessa pela omelete, gosta do barulhinho de ovos quebrando. Gosta do crec-crec. É o chamado fator Filho da Puta.

Há Filhos da Puta em todos os grupos humanos. Eles se caracterizam pela maldade gratuita, pelo chute a mais. No futebol existe uma diferença, às vezes tênue, entre a “falta necessária” e a “falta desnecessária” que o juiz flagra ou não flagra mas que expõe o Filho da Puta a um julgamento instantâneo.

Mas o pior Filho da Puta é o que anda armado e tem a lei do seu lado, ou pelo menos às suas costas. Você já o viu em ação. Raras vezes o viu punido. É o policial que bate quando o manifestante já está dominado. O militar que se aproveita do poder para exercer a sua prepotência, ou o seu gosto em quebrar ovos.

As Forças Armadas e policiais brasileiros têm um péssimo retrospecto quando se trata de controlar, ou mesmo reconhecer, seus Filhos da Puta. Ou reconhecem e justificam. Existem teorias de contra insurgência que defendem o terror como instrumento, a ameaça do excesso como método e, portanto, o Filho da Puta como um boçal necessário.

Muitos Filhos da Puta hoje podem se convencer de que não estavam fazendo outra coisa nas salas de tortura, durante a longa noite dos generais, senão um omelete redentor.

Com o aumento da criminalidade a questão de meios e fins se torna debatível como nunca. Tem gente clamando por um “endurecimento” na repressão ao crime, e não são poucos os que querem estender a dureza a outras ameaças à ordem, como manifestações legítimas de sem-terras e outros despossuídos da nossa pseudo-social-democracia contra uma falsa ordem.

A emergência do momento justificaria todos os meios, inclusive os mais potencialmente desastrados. A tese da violência contra a violência depende, para vencer, de um certo cochilo deliberado, uma certa suspensão de pudores jurídicos e morais – ou seja, de uma licença tácita para os Filhos da Puta exercerem o seu gosto pelo crec-crec. Até as coisas melhorarem – ou não sobrarem mais ovos, o que vier primeiro.

quinta-feira, fevereiro 23, 2017

Musas da Banda da Caxuxa já estão em Manaus


Nesse sábado, 25, no Canto do Fuxico, as musas da Banda da Caxuxa serão apresentadas oficialmente aos foliões durante o penúltimo esquenta da troça carnavalesca mais divertida da cidade.

As popozudas chegaram a Manaus na manhã desta quarta feira e, na mesma tarde, participaram de um jogo beneficente na quadra de futebol society Golden Gol, enfrentando as Sereias Encantadas, de São Francisco. O jogo terminou empatado em 7 a 7.

Durante o evento, foram arrecadadas três toneladas de latinhas de cerveja, que serão doadas à Cooperativa de Catadores da Bethânia Oriental e Adjacências (Cocadaboa).

“Estamos muito felizes em pode ajudar a essa causa humanitária e mostrar que não somos apenas um rosto bonitinho”, explicou a técnica Hilda Furacão. “Também temos peitinhos e padarias de não se jogar fora...”


Experimentado e verdadeiro mestre suburucu no assunto, o advogado Val Wilkens está encarregado de ciceronear as musas durante sua curta permanência em Manaus.

“Elas estão excitadíssimas para conhecer a cobra grande e depois brincar de casinha com um boto vermelho”, explicou ele. “A cobra grande já está na mão, achar um boto vermelho é que vai ser complicado. Lá no Canto do Fuxico só tem boto tucuxi...”

Intitulada “A Rosa é o nosso perfume permanente”, a marchinha da Banda da Caxuxa 2017 já está disponível no Spotfy e teve 12 milhões de downloads nas primeiras 24 horas.

Com letra de Simão Pessoa, música de Joel dos Ciganos, vocais dos Demônios da Garoupa, Maura Maravilha, Pet Shop Girls e grande elenco, a marchinha será executada ao vivo, nesse sábado, pelo grupo de sopros do Tenente Ramalho.

Segue abaixo a letra, pra você decorar e fazer bonito durante o panavueiro:

“Na Banda da Caxuxa todo mundo se diverte: / Têm os que cheira... Têm os que fede... / Na Banda da Caxuxa todo mundo brinca bem: / Careta de respeito dá um dois também... / A noite com seu manto prateado / Já escondeu o estresse e a tristeza / Bem singela nossa banda quer louvar / Rosa Vital de Almeida essa mulher guerreira / Se a noite ainda é dos namorados / A Rosa Almeida é o perfume dos amantes / Que saudade do querido Umberlino / Hoje no céu, com estrelas e diamantes / Vem cá, menina, ciganinha feiticeira! / Mestre Pajé batucando pra valer / Jaqueline, Sheila e Cláudia fazem coro / Que na Banda da Caxuxa quero ver o sol nascer!”

Sábado é dia da 1ª Banda do Galvez Botequim


Surfando na onda do “carnaval politicamente correto, socialmente justo, ambientalmente responsável e sem assédio sexual”, o empresário Álvaro José assinou o atestado de óbito da Banda Pega na Inxada e, em seu lugar, vai realizar a Banda do Galvez Botequim.

O evento terá início a partir das 12 h deste sábado, 25, com uma feijoada self service (R$ 30 por cabeça) e a presença do DJ Leandro Kandall nas carrapetas. A partir das 16 h, Junior Rodrigues entra em campo para mostrar as melhores marchinhas de carnaval e os melhores sambas enredos da história.

O Galvez Botequim está localizado na Rua Altair Severiano Nunes, nº 08, Conjunto Eldorado, na pracinha em frente à antiga Utam (atual UEA).

A natimorta Banda Pega na Inxada foi rifada pelas dezenas de frequentadoras do botequim, que consideraram o nome de duplo sentido “assaz indecente”, a letra, “machista e sexista”, e o símbolo da banda, de autoria do famigerado Jack Cartoon, “simplesmente pornográfico”.



“Se passadas de mão, beijos à força, puxões no cabelo e outras investidas sem consentimento não podem ser encaradas como algo natural no carnaval, então o carnaval perdeu todo o seu sentido”, diz o sociólogo Beto Souza, inconformado com o fim da Pega na Inxada. “Carnaval é uma tradução de carne vale, que significa despedida do corpo, uma vez que nesta época as pessoas são estimuladas a se soltarem e se envolverem com as atividades carnavalescas.”

Outro que lamentou a falta de humor da mulherada foi o eletricista Jorge Baiano. “Conheci minha esposa, Suhelen Lima, na Banda do Pau Mole, do bairro da Raiz, e estamos juntos há 15 anos. Na hora em que começou a tocar a marchinha Máscara Negra e chegou naqueles versos do vou beijar-te agora, não me leve a mal, tudo é carnaval, eu mandei um beijão de surpresa na nega velha. Colou. Se, na época, fosse proibido dar cantada em mulher bonita, eu não teria conquistado o amor da minha vida...”

Proibição de marchinhas é sintoma de fascismo cultural


Algumas decisões politicamente corretas são tão absurdas, tão próximas do ridículo que até artistas consagrados são contra. É o que está acontecendo com o fascismo cultural envolvido na censura às músicas consideradas incorretas nos repertórios das bandas e blocos de rua.

A lista é considerável. Segundo o Estadão, O Cordão do Boitatá, no Rio, decidiu acatar a proibição de não tocar O Teu Cabelo Não Nega, de Lamartine Babo. Os versos “mas como a cor não pega, mulata / mulata eu quero o teu amor” seriam os vilões de um mundo que não condizia com a realidade.

Outro clássico das marchinhas de carnaval que fizeram a alegria de muitos, Ai que Saudades da Amélia, que Mario Lago e Ataulfo Alves fizeram em 1942, já está na lista das “proibidas do carnaval”.

O próprio Caetano Veloso diz: “Sou mulato e adoro a palavra mulato: é como o país é chamado em Aquarela do Brasil, que é nosso hino não oficial. Sempre detestei A Cabeleira do Zezé por causa do refrão “corta o cabelo dele”, que é repetido como incitação a um quase linchamento. Mas não tenho vontade de proibir nada”. Às vezes, até o polêmico baiano tem noção do ridículo.

A folia contra o bom-senso também chegou a São Paulo onde alguns blocos se posicionaram a favor do cuidado com o que iriam tocar para não reforçarem supostos preconceitos. A clássica Índio Quer Apito foi vetada por ser depreciativa aos costumes e hábitos dos nossos silvícolas.

O compositor João Roberto Kelly tem cerca de 100 marchinhas, todas diametralmente opostas às ideias da patrulha do mimimi: Cabeleira do Zezé, Menino Gay, Maria Sapatão e Mulata Bossa Nova são algumas.

“Nunca vi um patrulhamento tão grande, nem no tempo da ditadura. Carnaval é brincadeira, meu querido. A gente goza do careca, do barrigudo, não podemos levar as coisas ao pé da letra”, ensina ele.

Tom Zé é outro que se assusta quando ouve que sambistas estão deixando de tocar Amélia. “Puxa vida, mas ela era uma mulher tão dedicada… Carnaval é a época de fazer tudo ao contrário, mas agora querem consertar o mundo.”

“Estão querendo mostrar serviço no lugar errado”, insiste Djavan. Para ele, a discussão do reforço de estereótipos precisa passar, antes, pela educação. “O racismo está ligado à falta de formação, desde sempre.”

Ney Matogrosso reforça a opinião de que há patrulhamento desnecessário. Ele lembra que Maria Sapatão, por exemplo, não fala mal da mulher quando diz que “o sapatão está na moda, o mundo aplaudiu / É um barato, é um sucesso / dentro e fora do Brasil”.

“Estão gastando energia com coisas desnecessárias”, afirma.

O pesquisador Tárik de Souza também fala: “Ninguém pode ser obrigado a cantar o que não quer. Mas a volta da censura, mesmo que por razões consideradas nobres, é algo assustador. O carnaval tem sempre um sentido anárquico e caricatural. Já pensou se forem revisar também as chanchadas da Atlântida, vetar os personagens malvados e politicamente incorretos dos folhetins de TV? Vamos acabar num quartel ou num colégio de freiras carmelitas...”

Reforçando a hipocrisia da patrulha do mimimi, Ruy Castro, outro pesquisador, se atenta ao termo “mulata”: “Das dezenas de marchas que falam da mulata, muitas foram compostas por Assis Valente, Wilson Baptista, Haroldo Lobo, a dupla Zé e Zilda, Haroldo Barbosa, Monsueto Menezes etc. etc., e lançadas por cantores como Orlando Silva, Silvio Caldas, Aracy de Almeida, Carmen Costa, Ciro Monteiro, Moreira da Silva, Jorge Veiga, Ângela Maria etc. etc.. Todos mulatos. E não viam nenhum problema nisso.”

Campanha contra o assédio sexual no carnaval ganha força na internet


Por Helô D’Angelo

O assédio sexual é uma prática comum. Segundo a pesquisa Chega de Fiu Fiu, 98% das mulheres já sofreram assédio nas ruas. Em época de carnaval, o clima de festa pode dar a falsa impressão de que “pode tudo” – inclusive assediar sem consequências.

Foi pensando nisso que o Catraca Livre criou a campanha #CarnavalSemAssédio, em parceria com a Revista AzMina, com os movimentos ‪#‎AgoraÉQueSãoElas e “Vamos Juntas?”, com o Bloco das Mulheres Rodadas, com o Samba em Rede e com o apoio da advogada de direitos humanos Andrea Florence e da arquiteta e urbanista Marília Ferrari.

“Infelizmente, os números de abuso sexual aumentam neste período por diversos fatores, e muitos homens justificam suas condutas abusivas como sendo uma tentativa normal de ‘paquera’”, conta Heloisa Aun, jornalista do Catraca Livre e uma das criadoras do #CarnavalSemAssédio.

O objetivo é “lutar contra a violência e o machismo, promovendo a discussão de que assédio é assédio em qualquer época do ano”, como explica o Catraca Livre no evento da campanha no Facebook.

As ideias e práticas para o combate ao assédio sexual são variadas: o Catraca Livre começou espalhando imagens com a hashtag #CarnavalSemAssédio e incentivando as mulheres a compartilharem fotos e relatos com a tag, e entrou em contato com ONGs como a Engajamundo para ajudar na distribuição de adesivos e plaquinhas com frases conscientizadoras. Depois, a Revista AzMina compartilhou manual que diferencia “paquera” de “assédio”.

O movimento “Vamos Juntas?” também entrou no samba criando um grupo chamado “Vamos Juntas Pra Folia?”, no qual mulheres podem combinar encontros nos blocos de carnaval em várias cidades do Brasil.

“Essa visão de que o carnaval é ‘terra de ninguém’, ainda que naturalizada, não é natural. temos que dar esse recado aos homens, mas também mostrar para as mulheres para que elas tenham certeza disso e entendam que não são obrigadas a nada”, defende a jornalista Babi Souza, criadora do “Vamos Juntas?”.

Heloisa conta que, assim que a ideia surgiu, no inicio de janeiro, ela e seus colegas entraram em contato com coletivos e páginas feministas, para alcançar o maior apoio possível. A campanha começou, de fato, no primeiro bloco de São Paulo, o “Privamera, Te Amo”, onde Heloisa e o videomaker Gabriel Nogueira foram gravar uma matéria com depoimentos de mulheres sobre situações abusivas que elas já viveram no Carnaval.

Depois de alguns dias, eles publicaram o vídeo e o #CarnavalSemAssédio começou. “Inicialmente, queríamos que as pessoas compartilhassem relatos nas redes sociais. Mas quando lançamos a campanha, vimos que o melhor jeito de emplacar essa ideia era compartilhar materiais do Catraca e dos parceiros”.

A partir daí, a campanha viralizou na internet: o vídeo da marchinha de carnaval da campanha, por exemplo, já tem quase 7 mil compartilhamentos no Facebook, enquanto o vídeo com os depoimentos já chegou a quase 5 mil compartilhamentos.

Em São Paulo e no Rio de Janeiro, vários blocos de carnaval aderiram ao #CarnavalSemAssédio, entre eles o BregsNice, o Primavera, Te Amo e o Farofa Aquática, de São Paulo, e o carioca Mulheres Rodadas.

Além dos blocos, personalidades da música, da mídia e da televisão também demonstraram seu apoio à campanha: Chico Buarque, Pitty, Karol Conká, a mídia NINJA, Nando Reis, Gregório Duvivier, Adriane Galisteu, Cauã Reymond e muitos outros.

Como o Catraca Livre se espalha por várias cidades e tem muitos parceiros fora de São Paulo, a campanha chegou a ser apoiada pelas prefeituras de Salvador e do Rio de Janeiro. Com a força do “Vamos Juntas?”, da Revista AzMina e dos coletivos feministas, a projeção é que a hashtag continue viralizando e que atinja cada vez mais pessoas.

Para Heloisa, a campanha vai além do carnaval: “A importância de uma campanha como essa é conscientizar as pessoas de que a violência contra as mulheres e o machismo não pode ser algo naturalizado nem no Carnaval, nem em qualquer outra época do ano.”

Confira a letra marchinha de carnaval do #CarnavalSemAssédio:

“Carnaval sem assédio/ É a regra da alegria/ Agora são as minas/ As donas da folia/ Pera lá, rapaz, segure seu amor/ Não é assim que se faz/ Eu também sou da folia e a minha fantasia é só um jeito de brincar/ E pra minha brincadeira, se você se comportar/ Posso até te convidar/ Mas jamais se esqueça da lição: não é não/ Calma lá, Pierrot/ Não é assim que se conquista a Colombina/ Ela é quem determina até onde a brincadeira vai chegar/ É um charme ser cortês/ Ao contrário, estupidez, acaba com qualquer clima/ E pra encerrar, jamais se esqueça da lição: não é não”

Foliões aos milhões em São Paulo: quem diria!


Por Mouzar Benedito

Carnaval de rua… Está aí uma novidade que não é mais tanta novidade em São Paulo e muitas outras cidades brasileiras. Ele andou sumido por muito tempo. E voltou com tudo. E mais: com gente pulando e cantando.

Com exceção de alguns lugares, como a Vila Esperança, carnaval de rua em São Paulo nunca teve muita animação. Tinha muita gente nas ruas, mas poucos cantando e dançando, parecia mais que estavam passeando.

Nos meus primeiros anos em São Paulo, fechavam um trecho da Avenida São João e ficava gente andando pra lá e pra cá. De vez em quando passava algum “maluco” cantando e dançando, e tinha gente que olhava como se aquilo fosse espantoso.

Presenciei também um “corso” na avenida Brasil. Eram carros conversíveis andando vagarosamente, com pessoas de pé dentro deles, jogando confete e serpentina nos outros carros ou em quem andava a pé na calçada ou no meio dos carros.

Aqui, e em quase todas as médias e grandes cidades brasileiras, tinha muito carnaval de salão, geralmente em clubes. Nunca fui, mas me falavam muito da animação do carnaval no Juventus e não sei onde mais.

Não sei se ainda existe carnaval de salão aqui. Nunca mais ouvi falar, parece que sumiu de vez. Muita gente preferia o carnaval de salão por ser considerado mais “família”, digamos assim. Mas em alguns casos era mais ostentação.

Houve carnavais de salão famosos, como os do Teatro Municipal e do Hotel Glória, do Rio de Janeiro, frequentados por milionários, com concurso de fantasias luxuosas.

As revistas O Cruzeiro e Manchete traziam páginas e páginas, a Fatos e Fotos chegava a fazer edições especiais sobre esses carnavais. Publicavam muitas fotos de páginas inteiras de um pessoal que desfilava com fantasias que custavam mais do que pobre ganhava em muitos anos de trabalho. Clóvis Bornay era um sujeito desses, que gostava de se fantasiar com coisas que faziam referência as minas do Rei Salomão, Rainha de Sabá, faraós ou coisas do gênero. Foi o mais famoso dessa turma, ao ponto de virar “hors-concours”, não concorria mais. Só se exibia.

Era um desfile de exibicionistas, e imagino que não tinha graça nenhuma. Claro que nunca vi um, mas, mesmo sendo um moleque, achava um troço totalmente besta. Mas certamente tem quem tenha saudade disso.

O que sempre gostei foi do carnaval de rua, dos chamados blocos de sujos. Participei de alguns. Um deles foi em Parati, com um bando de pescadores e estudantes daqui de São Paulo. Depois participei de um bloco em Olinda, num bloco que varou a noite. Mas não era tanta gente como hoje. Há alguns anos estive em Angatuba, pequena cidade paulista com um grupo muito ativo e animado.

Lá por 1981 ou 82, quando jovens de São Luiz do Paraitinga resolveram peitar um padre que “proibia” o carnaval na cidade, criamos o “Peida n’Água”, que compartilhava com outros blocos uma cantoria dançante pelas ruas da cidade. O canto era no gogó. Nada de aparelhos de som. No sábado de manhã, compúnhamos uma marchinha na chácara de um amigo, a uns oitocentos metros do centro da cidade, e saíamos cantando e dançando. Na saída da chácara, éramos umas quinze ou vinte pessoas, mas o bloco ia engrossando e chegava à praça com umas duzentas ou mais pessoas.

Um ano decidimos: em vez de marchinha, bolero! Fomos cantando o bolero “Maria Helena” e dançando (em pares, como nos bailes) até o centro. Foi divertido.

Só que o carnaval de lá foi ficando grande demais e uns anos depois caí fora. Vou muito a São Luiz do Paraitinga, e gosto, mas não no carnaval.

Bom… Desfile de escolas de samba também é nas ruas. Mas não tem muito a ver com o que considero “carnaval de rua”. Embora o desfile seja um espetáculo grandioso e bonito, acho monótono e pouco divertido ficar olhando escolas que se repetem. É muito formal. Tem um pessoal rico que fica em camarotes, mais para se exibir do que para se divertir. E até pagam fortunas para artistas internacionais se exibirem em alguns camarotes, para aparecer como propaganda de cerveja na mídia.

Salvador tinha um carnaval que eu gostava, o trio elétrico, mas eles ficaram grandes demais e para participar dele, passou a ser preciso comprar uma roupa que antes era barata e se chamava mortalha, agora chama-se abadá e custa caro.

E tem uma equipe de segurança enorme, separando com uma corda, quem tem o abadá daquele trio elétrico de quem não tem. Só quem pagou uma grana pelo abadá tem o direito de acompanhar dentro da área dos privilegiados.

Repito: bom mesmo, pra mim, sempre foi o bloco de sujos. Um grupo sai anarquicamente, cantando e dançando, e entra nele quem quer. Geralmente eram blocos pequenos.

De uns três anos pra cá, houve uma explosão no carnaval de rua em São Paulo. Centenas de blocos. E nem chegou o carnaval ainda. Um mês antes as ruas já foram tomadas por multidões. Imagino como será o carnaval mesmo! Nada contra, mas eles não têm o lado anárquico dos blocos de sujos. E reúnem milhares de pessoas. Fico perdido no meio de tanta gente (coisas de velho, dirão. Tudo bem).

Eles têm licença da prefeitura, roteiros pré-traçados, horário para acabar e até patrocínio de empresas. É um carnaval disciplinado.

Vendo esses blocos enormes que tomam conta de várias ruas, inclusive na Vila Madalena, onde moro, fico me lembrando de quando voltei a morar em São Paulo, depois de uns tempos fora.

Fui trabalhar num prédio da avenida Paulista e, num final de tarde, ouvi um batuque não muito afinado, vindo da rua. Abri a janela e vi um pequeno bloco de sujos. Fiquei animado, mas logo caí na risada: o bloco parou no sinal vermelho!

Bloco de carnaval que obedece semáforo? Coisas de São Paulo, pensei. Quem podia imaginar o carnaval que hoje toma conta das ruas paulistanas? Só que já estão tocando até rock no carnaval. Certo! Se tocamos e cantamos bolero no bloco do “Peida n’Água”, por que não podem tocar outros ritmos? Aí tem o rock. Coisas do Brasil de hoje.

Em termos de sucessos desse “Brasil de hoje”, a opção sertanejo universitário não é melhor. Não mesmo!

Turbantes em Fúria: Episódio 1


Jovem com câncer é acusada de apropriação por usar turbante e desabafa nas redes sociais

Nos últimos dias, um relato feito através da plataforma Facebook tem ganhado popularidade e também gerou polêmica. Thauane Cordeiro, uma jovem que luta contra o câncer, relatou ter sido abordada dentro de uma estação de trem por uma mulher negra que a aconselhou a não usar o turbante por Thauane ser branca.

A jovem relatou ter sentido olhares de desaprovação de outras pessoas pelo acessório. O turbante é associado à luta e resistência negra, além de ser um item que carrega identidade das culturas africanas e, por esse motivo, é considerado por muitos um grande desrespeito, ato de racismo e de #Apropriação cultural alguém que não seja negro utilizar-se do turbante.

Segundo o relato de Thauane, no momento da abordagem, ela tirou o turbante e mostrou que usava o mesmo para cobrir a cabeça pois não tinha cabelos, resultando do tratamento contra o câncer. “Tá vendo essa careca, isso se chama câncer, então eu uso o que eu quero!”, foi a resposta de Thauane. Ela disse, ainda, que a moça ficou com “cara de tacho” e declarou: “Não vejo qual o PROBLEMA dessa nossa sociedade” e usou a hashtag #VaiTerTodosDeTurbanteSim. A mesma justificou que “é só um pano”, opinião que foi duramente criticada e argumentada em diversas plataformas, tendo virado assunto também no Twitter.

A foto que acompanhava a publicação mostrava Thauane, caucasiana, vestindo um turbante. Devido a grande repercussão da sua postagem, Thauane veio a público mais uma vez agradecer pelas palavras de conforto e dizer que não esperava e que nem tinha a intenção de “causar” na internet ou gerar brigas, assim como não teve a intenção de menosprezar o movimento negro de qualquer forma.

Apesar das muitas críticas e brigas nos comentários, boa parte do público quis saber mais sobre o atual estado de saúde de Thauane e desejou melhoras à garota. Outros declararam que, apesar de sentirem-se normalmente ofendidos com o uso de turbantes por brancos que “desrespeitam seu valor cultural”, entendem que Thauane tenha a liberdade para usá-lo, devido à sua doença.

Turbantes em Fúria: Episódio 2


Na polêmica sobre turbantes, é a branquitude que não quer assumir seu racismo

Por Ana Maria Gonçalves

Quase toda cidade pequena – principalmente as de Minas – tem seu louco de estimação. Aquele que toda a cidade conhece, cuida e por quem zela como uma espécie de patrimônio. Ibiá, onde nasci, tinha o Zé Tem Dó; e foi com ele que aprendi sobre o valor simbólico de certos objetos. Eu devia ter uns quatro ou cinco anos. Minha mãe era costureira, e o Zé colecionava carretéis de linha. Portanto, suas visitas à minha casa eram constantes, porque minha mãe guardava todos os carretéis para ele e sempre oferecia algo mais, como um refresco, uma roupa, um prato de comida.

Pensando que o Zé estava distraído, certa vez tentei pegar em um destes carretéis. Ele se levantou com um pulo e, com mais dois, estava parado na minha frente, protegendo os valiosos bens que, para minha mãe, eram apenas sobras de trabalho. Saí eu correndo para o outro lado, assustada, com medo. Zé pegou suas coisas e foi embora, conversando com um dos carretéis que ele amarrava na ponta de uma linha e saia puxando. Era seu animal de estimação ou seu carrinho, algo que ia muito além do que eu conseguia ou conseguirei ver, a menos que um dia me torne um Zé e vá eu mesma virar folclore em uma cidade do interior. Mas ali, naquele episódio, aprendi uma coisa da qual pretendo falar aqui: o Zé não estava brincando com um carretel e nem nós estamos brincando com um turbante.

Boa parte da população branca brasileira sabe de suas origens europeias e cultiva, com carinho e orgulho, o sobrenome italiano, o livro de receitas da bisavó portuguesa, a menorá que está há várias gerações na família. Quem tem condições vai, pelo menos uma vez na vida, visitar o lugar de onde saíram seus ancestrais e conhecer os parentes que ficaram por lá. E os descendentes dos africanos da diáspora? Quando chegaram por aqui, os traficantes de pessoas já tinham apagado os registros do lugar de onde haviam saído, redefinindo etnias com nomes genéricos como Mina (todos os embarcados na costa da Mina), feito-os dar voltas e voltas em torno da Árvore do Esquecimento (ritual que acreditavam zerar memórias e história) ou passarem pela Porta do Não Retorno, para que nunca mais sentissem vontade de voltar, separando-os em lotes que eram mais valiosos quanto mais diversificados, para que não se entendessem.

Ainda em terras africanas tinham sido submetidos ao batismo católico para que deixassem de ser pagãos e adquirissem alma por meio de uma religião “civilizatória”, ganhando um nome “cristão” que se juntava, em terras brasileiras, ao sobrenome da família que os adquiria. No Brasil, não podiam falar suas próprias línguas, manifestar suas crenças, serem donos dos próprios corpos e destinos. Para que algo fosse preservado, foram séculos de lutas, de vidas perdidas, de surras, torturas, “jeitinhos”, humilhações e enfrentamentos em nome dos milhares dos que aqui chegaram e dos que ficaram pelo caminho.

Como resultado disto, somos o que somos: seres sem um pertencimento definido, sem raízes facilmente traçáveis, que não são mais de lá e nunca conseguiram se firmar completamente por aqui. Temos, como diz a poeta, romancista, ensaísta e documentarista canadense Dionne Brand, em seu maravilhoso A Map to the Door of No Return, “o próprio pertencimento alojado em uma metáfora”. Viver na Diáspora Negra, segundo ela, é “viver como um ser fictício – uma criação dos impérios, mas também uma autocriação. É ser alguém vivendo dentro e fora de si mesmo. É entender-se como signo estabelecido por alguém e ainda assim ser incapaz de escapar dele (…).”

Somos signos criados pelos brancos para que nossa negritude pudesse, e ainda possa, ser mercantilizada. E não conseguimos escapar disso porque, de antemão, sem ao menos nos ouvir, vocês já parecem saber o que somos, o que queremos, o que sabemos. Assim mesmo: a negritude, a militância, as mulheres negras, esse povo – nunca seres individuais, mas sempre em lotes. E vivemos nesta metáfora que, a partir de agora, vou passar a chamar de turbante, mas poderia ser outro símbolo qualquer.

Viver em um turbante é uma forma de pertencimento. É juntar-se a outro ser diaspórico que também vive em um turbante e, sem precisar dizer nada, saber que ele sabe que você sabe que aquele turbante sobre nossas cabeças custou e continua custando nossas vidas. Saber que a nossa precária habitação já foi considerada ilegal, imoral, abjeta. Para carregar este turbante sobre nossas cabeças, tivemos que escondê-lo, escamoteá-lo, disfarçá-lo, renegá-lo. Era abrigo, mas também símbolo de fé, de resistência, de união. O turbante coletivo que habitamos foi constantemente racializado, desrespeitado, invadido, dessacralizado, criminalizado. Onde estavam vocês quando tudo isto acontecia? Vocês que, agora, quando quase conseguimos restaurar a dignidade dos nossos turbantes, querem meter o pé na porta e ocupar o sofá da sala. Onde estão vocês quando a gente precisa de ajuda e de humanidade para preservar estes símbolos?


Lembro de ter visto um turbante usado por um homem sensível à causa das mulheres negras na Marcha das Mulheres, que aconteceu há pouco tempo em Los Angeles, que perguntava: “Verei todas vocês, mulheres brancas legais, na próxima marcha #VidasNegrasImportam, certo?”.

Vocês, mulheres brancas legais que querem se abrigar em nossos turbantes, vão estar conosco enquanto choramos as mortes dos nossos meninos negros e clamamos por justiça, certo? Vão usar turbante quando nossas mães e pais de santo são expulsos de comunidades ou entregues aos formigueiros, certo? Quando reclamamos da dor ao recebermos menos anestesia do que mulheres brancas durante os partos, certo? Quando denunciamos que sofremos mais violência, mais abuso e mais assédio do que vocês, certo? Quando reivindicamos equiparação salarial com vocês, certo? Vão reverberar nossas vozes quando reclamamos que somos preteridas pelos homens (brancos ou negros), certo? Vão entender e ter uma palavra de consolo quando sentimos culpa por deixarmos os próprios filhos em casa para cuidarmos dos seus, certo? Vão nos ouvir e nos defender quando tiver mais alguém querendo invadir nossos turbantes a força, na marra, no grito, certo? Porque aí, o turbante também já será de vocês. Vão ouvir, entender e falar junto quando tentamos explicar que nossas reivindicações, distorcidas, não têm nada a ver com pizza, calça jeans e feng shui, certo?

Quando vocês dizem “Vou usar e pronto, quero ver quem vai me impedir”, às vezes dá vontade de pegar vocês no colo, à moda das “mães pretas” que devem ter povoado as vidas de muitos de vocês ou de seus ancestrais, e dizer que isso não é comportamento de criança educada. E dizer que sim, algumas coisas são de vocês, porque foram da bisavó de vocês, da avó de vocês, da mãe de vocês e que, deste modo, a gente também poderia ter algumas coisas que são nossas, herança de família. Quer ver: Pizza! (“É comida italiana!”). Acarajé – do iorubá akara (bolo de feijão frito) + ijé (comida) – (É MEU! É do Brasil! É de todo mundo!). Hashu´al (É israelita!). Congado (É MEU! É do Brasil! É de todo mundo!). Quimono! (É japonês!). Ojá! (É MEU! É do Brasil! É de todo mundo!). Kung Fu (É chinesa!). Capoeira! – do tupi ko´pwera ou do umbundo kapwila – (É MEU! É do Brasil! É de todo mundo!). Abajur (Vem do francês!). Moleque, quiabo, berimbau, samba, cafuné, zumbi… (É MEU! É do Brasil! É de todo mundo!).

E depois somos nós os divisionistas, os egoístas, os que não têm cultura, enquanto vários outros povos podem manter, sem controvérsia e sem serem obrigados a colocar na roda (É MEU! É do Brasil! É de todo mundo!), as “contribuições” que trouxeram para o solo brasileiro. Já entendemos que vocês acham que é (sempre foi) tudo de vocês. Só que cansamos de ficar só nas cozinhas, nos quartinhos, nos corredores, nas bordas das piscinas, sem sermos incluídos nisso aí que vocês chamam de “povo brasileiro”. Cansamos de escutar que não sabemos, não vemos, não entendemos, não queremos, não podemos. De ter que pedir licença pra tudo, de ter que pedir desculpa mesmo quando somos os ofendidos. Cansamos de servir quem nem sabe os nossos nomes. Cansamos de sermos personagens de piadas das quais só vocês riem.

Quase todas as nossas discussões e toda a produção intelectual acontecidas ali, sob nossos turbantes, são desligitimizadas pela palavra de ordem #VaiTerBrancaDeTurbanteSim!, gritada para nós com a mesma arrogância e espera de obediência que os donos dos nossos ancestrais gritavam #NãoVaiTerCoisaDePretoAquiNão!. Coisas mil acontecem dentro desses nossos turbantes, das quais vocês nem têm ideia: temos que formar redes de apoio, invisíveis para vocês e alheias à sua existência privilegiada, para socorrer, consolar, orientar e fortalecer vítimas de racismo cometido por pessoas que se ofendem quando apontamos suas faltas, e viram vítimas.

Debaixo deste turbante orientamos crianças negras a não levarem banana na lancheira porque os amiguinhos vão chamá-las de macacos. Orientamos nossos jovens a não usarem roupa com capuz, não correrem, não fazerem movimentos bruscos em público e não parecerem suspeitos, seja lá o que isso significa para vocês. Sob a proteção destes turbantes, trocamos informações, discutimos teorias, nos comunicamos com turbantes estrangeiros e até fazemos vaquinhas para pagar enterro de jovens assassinados pela polícia. Concordamos, discordamos, rimos, choramos, contamos segredos, gritamos, amamos, odiamos, estudamos, dizemos uns aos outros que temos que ter infinita paciência para voltar cinco, dez, vinte casinhas do ponto de entendimento em que estamos para responder a egocentrismos do tipo “EU li Monteiro Lobato e não me tornei racista”, “se EU usar turbante vou ser chamada de racista?”. Porque sabemos que não são comentários nem perguntas inocentes, mas são também metáforas. São os muros que protegem aqueles lugares que vocês habitam e nos quais não somos admitidos, porque na porta sempre teve uma placa dizendo “brancos somente”.

O turbante que habitamos não é o mesmo. O que para você pode ser simples vontade de ser descolado, de se projetar como um ser livre e sem preconceitos, para nós é um lugar de conexão. Entre nós mesmos e com algo que perdemos e que nem sempre sabemos o que é e por onde ficou. Habitar nossos turbantes tem para nós o mesmo significado de “ir conhecer a vila onde meus avós italianos nasceram”, ou “pude sentir na pele o que meus bisavós viveram naquele campo de concentração”. Sim, porque, entre muitos outros, ele tem estes dois significados: abrigo e dor.

Nós não tiramos sarro de vocês quando vocês defendem estes lugares que fazem parte da história do seu povo. Nós não fazemos piadas com os significados que estes lugares têm para vocês. Não não dizemos que são meras construções de pedras e tijolos empilhados uns sobre os outros. Nós não os chamamos de burros porque a nossa ignorância não nos permite entender o que vocês falam destes lugares que lhes são caros porque trazem as marcas de seus bisavós, avós, pais, e que continuarão a marcar as vidas de seus filhos, netos, bisnetos. E, no entanto, temos que observar calados, sob a pena de tentarem nos calar à força, como a bestas raivosas que vocês acham que nós somos – não é ação, é reação! –, vocês meterem os pés nas nossas portas, invadirem nossos turbantes com gritos de “VaiTerBrancaDeTurbanteSim!. Para vocês é morada provisória, das quais vocês entram e saem conforme dita a moda e a vontade, porque vocês têm sempre um lugar outro para onde ir, que é este da branquitude. Nós não temos, porque nossa existência está cravada na pele, nossa morada está acoplada às costas, à maneira dos caracóis. Nossa casa, para você, é fetiche, é exotismo, é acessório, é fantasia. A nossa casa.

Na nossa casa, a gente não fala de turbante quando fala de turbante. Dentre muitos dos seus nomes, o principal é racismo. É racismo quando vocês acham que não sabemos do que estão falando. É racismo quando vocês deduzem que precisam nos ensinar que pizza é italiana, que o algodão do pano do turbante é indiano, que num mundo globalizado… etc etc etc. A gente tem que voltar cinco, dez casinhas na discussão que vocês não estão acompanhando porque não querem – mas se acham habilitados a dar palpite –, para nos nivelarmos ao entendimento de vocês, só pra dizer: É o racismo, estúpido! E antes que tenhamos que voltar mais trinta casinhas para ouvir os “eu não sou racista!”: É o sistema, estúpido! E sendo ele estrutural e estruturante da sociedade brasileira, faz com que você trabalhe para mantê-lo, quer você queira, quer saiba, ou não.

Sobre apropriação cultural, a gente conversa depois de vocês lerem, por exemplo, o artigo da filósofa Djamila Ribeiro, publicado muito antes desta briga de vocês pelo turbante virar modinha. Ou o poema do mestre Nei Lopes, colocado aí abaixo. Neste caso, podem ter certeza de que quando vocês vêm com o fubá (do quimbundo “fuba” ou do quicongo “mfuba”), a gente já está comendo o angú (provavelmente do fon “àgun”).

BRECHTIANA (para Abdias Nascimento)

Primeiro,
Eles usurparam a matemática
A medicina, a arquitetura
A filosofia, a religiosidade, a arte
Dizendo tê-los criado
À sua imagem e semelhança.
Depois,
Eles separaram faraós e pirâmides
Do contexto africano
Pois africanos não seriam capazes
De tanta inventiva e tanto avanço
Não satisfeitos, disseram
Que nossos ancestrais tinham vindo de longe
De uma Ásia estranha
Para invadir a África
Desalojar os autóctones
Bosquimanos e hotentotes.
E escreveram a História ao seu modo.
Chamando nações de “tribos”
Reis de “régulos”
Línguas de “dialetos”.
Aí,
Lançaram a culpa da escravidão
Na ambição das próprias vítimas
E debitaram o racismo
Na nossa pobre conta
Então,
Reservaram para nós
Os lugares mais sórdidos
As ocupações mais degradantes
Os papéis mais sujos
E nos disseram:
— Riam! Dancem! Toquem!
Cantem!Corram! Joguem!
E nós rimos, dançamos, tocamos
Cantamos, corremos, jogamos.
Agora, chega!

(Nei Lopes)