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sábado, julho 15, 2017

Palmério Dória 25: Selvagem, mas nem tanto



A antropóloga Jacqueline Ruff

Fascinação não tem hora nem lugar para acontecer. Pode ser até num mato sem cachorro.

Um índio de pele muito clara e muito esguio sai do meio da mata, com um jabuti nas mãos, e entra na clareira em que estamos.

Apesar de ter apenas uma folha de palmeira enrolada no pênis, parece nitidamente o cacique dos índios paracanãs que nos “atacaram” há poucos minutos, levando tudo o que havia em nosso acampamento – redes, facões, farinha, caça...

Era o primeiro contato com a primeira tribo na rota da Transamazônica, um sonho desvairado de Médici que virou rali de onça.

O sertanista João Carvalho, parceiro de Darcy Ribeiro em várias expedições de contato, vai ao encontro dele só de calção, parlamentar em tupi.

A conversa leva uns dez minutos, falam cada vez mais alto, o índio gesticula irritado, aponta para o jabuti, depois para o nosso grupo, de mais ou menos umas dez pessoas. João Carvalho também gesticula muito, demonstrando tensão.

João Carvalho vem até nós, deixando o índio ali parado, para explicar a situação.

O cacique quer trocar o jabuti por Jacqueline Ruff, antropóloga formada por Harvard, que está no meio do grupo ainda sob o impacto do emocionante encontro. 

Ela é filha do gerente-geral da U.S. Steel, Arthur Ruff, um apaixonado pela arqueologia que também está entre nós.

Não se pode negar o extraordinário bom gosto do cacique. Jacqueline é a cara daquela outra Jacqueline, a Kennedy. 

O índio apaixonado a vem observando do meio do mato nesses dois dias que Jacqueline está no acampamento.

Ela veio com o pai e a irmã Andrea – um bofe, esnobado pelo índio – apenas para uma rápida visita no helicóptero da gigante do aço americana, que iniciava a exploração do minério de ferro da serra dos Carajás.

Mas o helicóptero deu pane, o socorro não chegou e os índios invadiram o acampamento às 8 horas da manhã, após meses e meses de espera. Provavelmente por causa da presença da beldade americana.

Jacqueline, que trabalhou muito tempo com os quíchuas, no Peru, é a única que encara a inusitada situação com absoluto fair play, rindo a ponto de João Carvalho pedir para ela parar.

Mexe aqui, remexe ali, o sertanista encontra mais alguns facões, bota em cima dos braços, coloca-os no chão na frente do cacique, conversa mais de dez minutos com ele.

O cacique se dá por achado, pega os facões, e volta para a mata com o jabuti e sem Jacqueline.

Eu e o cinegrafista Rubens Onetti, já veterano, demos sorte. Pegamos uma carona no helicóptero de mister Ruff e registramos todas as cenas desse contato, que foram ao ar no Jornal Nacional, que a Globo começava a transmitir em rede, junto com o Brasil Grande.

Uma invenção não de Walter Clark, como todo mundo pensa, mas do publicitário José Ulisses Arce, superintendente da Central Globo de Comercialização, que teve a idéia quando a emissora integrou a rede mundial que mostrou a chegada do homem na Lua.

Muita água tinha rolado, Lúcia voltara com a família para o Rio, e esses índios vieram como uma bênção. 

Levei o filme, em negativo, pessoalmente à sede da Globo na rua Von Martius, 22, no Jardim Botânico.

Vi as cenas, projetadas numa saleta sem qualquer charme junto com a editora-chefe Alice Maria, que aprovou e editou a matéria. A sala do diretor da Central Globo de Jornalismo, Armando Nogueira, também era bem modesta.

Cobra, Armando Nogueira me pegou de calças curtas. Contei-lhe toda a aventura, sem saber que estava sendo gravado. 

Assim, quando as imagens foram ao ar – o JN entrava às 19h45, não podia ter mais que quinze minutos –, o depoimento entrava em off, o que dava uma emoção danada pra coisa toda – o som que faltava em nosso filme preto-e-branco.

Como estava indo a São Paulo, para vender o texto e as fotos ao Jornal da Tarde, Armando me mandou falar com o Boni. Não tinha a menor idéia de quem era.

Boni foi muito cordial, me deu um cartão, botou no verso o valor, e eu recebi a grana ali.

Com ela, podia pensar em ficar um tempo no Rio, perto da Lúcia.

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