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quarta-feira, novembro 15, 2017

Carlos Castãneda: Mágica ou Realidade?


Por Miguel Duclós

O texto abaixo, tradução da matéria de capa da revista Time, de 5 de março de 1973, é um documento importante, embora com aspectos lamentáveis. Escrita num momento crucial em que a fama e a repercussão de Carlos Castañeda estavam no auge, com livros vendendo como água, tinha o propósito implícito e explícito de classificá-lo como um mentiroso fantasioso.

A reportagem sedimentou a informação, ao meu ver equivocada, dos dados biográficos de Castañeda relativos ao Peru. Na entrevista a Carmina Fort, de 1991, Castañeda lamenta o ocorrido e ironiza o esforço da revista em situar seus antepassados entre índios: “talvez achassem mais coerente que eu fosse um tipo de índio ou coisa que o valha”.

Independente disso, procurei traduzir a reportagem da revista Time com a maior fidelidade possível. Confiram:

A fronteira do México é um grande divisor. Abaixo dela, o amontoado de estruturas da racionalidade ocidental hesita e afunda. O modelo familiar de sociedade – proprietário e camponês, padre e político, aparece por sobre um estranho chão – o México oculto, com seus brujos e carismáticos, seus feiticeiros e videntes. Alguns de seus costumes datam de 2.000 a 3.000 anos, como o uso do peiote, o cogumelo e o culto da glória da manhã dos antigos toltecas e astecas. Quatro séculos de repressão católica em nome da fé e da razão reduziram estes antigos costumes a uma subcultura, ridicularizada e perseguida. Mesmo num país de 53 milhões de habitantes, onde muitos mercados nas cidadezinhas têm vendedores de ervas medicinais, botões de peiote e beija-flores secos, o mundo dos feiticeiros ainda persiste. Seus cultos tem sido alvo de interesse de antropólogos há tempos. Mas cinco anos atrás, dificilmente alguém poderia adivinhar que uma tese de mestrado neste assunto recôndito, publicado na conservadora editora da Universidade da Califórnia, pudesse se tornar um dos livros mais vendidos do início dos anos 70.

VELHO YAQUI. O livro era Os ensinamentos de Don Juan: O caminho Yaqui de conhecimento (1968) (1). Suas seqüências Uma Estranha Realidade (2) e o atual Viagem a Ixtlan (1972) fizeram os EUA cultuar a figura de seu autor e seu tema: um antropólogo chamado Carlos Castaneda e um misterioso velho yaqui de Sonora chamado Don Juan Matus. Os livros de Castaneda são essencialmente histórias de como um ocidental racionalista é iniciado na prática da feitiçaria indígena. Eles cobrem um espaço de dez anos, durante os quais, sob a estranha, exigente e às vezes cômica tutelagem de Don Juan, um jovem acadêmico é obrigado a introduzir-se e compreender o que chama de a “estranha realidade” do mundo dos feiticeiros. O aprendizado da iluminação é um tema comum entre as leituras favoritas dos jovens americanos de hoje (por exemplo, Herman Hesse com seu romance Sidarta). A diferença é que Castaneda não apresenta seu ciclo de Don Juan como ficção, mas como um documentário sem embelezamentos.

O malicioso e musculoso bruxo velho e seu aluno acadêmico certinho encontraram primeiramente audiência nos jovens da contra-cultura, dos quais muitos ficaram intrigados pelos relatos das experiências com plantas  alucinógenas (ou psicotrópicas). Erva-do-diabo, cogumelos mágicos, peiote. Os Ensinamentos venderam mais de 300 mil cópias de capa mole e está sendo vendido atualmente numa taxa de 16 mil cópias por semana. Mas os livros de Castaneda não são propaganda de drogas, e agora a classe-média pseudo-intelectual começou a abordá-lo. Ixtlan é um best-seller de capa dura, e suas vendas com capa mole (3), de acordo com o editor Ned Brown, irão fazer seu autor milionário.

Para dezenas de milhares de leitores, o primeiro encontro de Castaneda com Juan Matus, que aconteceu num empoeirado ônibus do Arizona, é um evento literário mais conhecido do que o encontro de Dante e Beatrice perto de Arno. Porque os ensinamentos de Don Juan foram impressos no exato momento em que, mais do que nunca, os americanos estão dispostos a levar em conta abordagens “não racionais” da realidade.  Esta nova abertura de mente se mostra em vários níveis, dos experimentos de ESP financiados indiretamente pelo governo dos EUA até a multidão chorosa de 13 anos da Califórnia tornando-se exultante com a chegada de um guru infantil num jato fretado de Bombay. O acupunturista agora divide os holofotes com Marcus Welby, M.D, e suas agulhas parecem funcionar, sem que ninguém saiba por quê. Entretanto, a fama crescente de Castaneda trouxe também dúvidas crescentes.  Don Juan não tem outra testemunha verificável, e Juan Matus é um nome tão comum entre os índios yaquis quanto John Smith é mais adiante, no norte. Castaneda é real? Se sim, ele inventou Don Juan? Ou Castaneda apenas está colocando-o no mundo real?

Dentre essas possibilidades, uma coisa é certa: não há dúvida que Castaneda, ou um homem sob este nome, existe: ele está vivo e bem em Los Angeles. É um falante antropólogo de olhos castanhos, rodeado de provas concretas de existência como uma caminhonete Volkswagen, um cartão de crédito, um apartamento em Westwood e uma casa de praia. Sua celebridade também é concreta. Ela o dificulta a dar aulas e palestras, especialmente depois de um incidente ano passado no campus de Irvine da Universidade de Califórnia, quando um professor chamado John Wallace conseguiu uma cópia de xerox do manuscrito de Viagem a Ixtlan , colocou junto com algumas anotações de um seminário sobre xamanismo que Castaneda dava, e vendeu o resultado para a revista Penthouse. Isso enfureceu Castaneda a tal ponto que ele tornou-se relutante em se comprometer a proferir qualquer tipo de palestra no futuro.  No momento ele vive em Los Angeles “tão inacessível quanto possível”, recuperando as forças de tempos em tempos no lugar que Don Juan chamou de “ponto de poder”, no topo de uma montanha próxima ao norte de Malibu, que é uma cadeia de montanhas mirando o Pacífico. Muito se distancia das ofertas para filmar: “Eu não quero ver Antonny Quinn como Don Juan”, disse com aspereza. Qualquer um que tente sondar a vida de Castaneda encontra um labirinto de contradições. Mas, para os admiradores de Castaneda, isto pouco importa. “Veja desta forma”, disse um. “Ou Castaneda está dizendo a verdade documental acerca de si e de Don Juan, e neste caso é um grande antropólogo, ou é uma verdade fantasiosa, e neste caso ele é um grande romancista. De uma forma ou de outra, Castaneda vence”.

De fato, apesar de o homem ser um enigma embrulhado em um mistério embrulhado em uma tortilla, o trabalho é maravilhosamente lúcido. O relato de Castaneda desdobra-se com poder narrativo sem igual em outros estudos antropológicos. Seu terreno ornado de cactos organ pipe, desde as deslumbrantes montanhas do deserto mexicano até o interior bagunçado da cabana de Don Juan parece perfeitamente real. É um mundo profundamente articulado em detalhes, como o país Yoknapatawpha de Faulkner. Em todos os livros, mas especialmente em Viagem a Ixtlan, Castaneda faz o leitor experimentar a pressão de ventos misteriosos e o farfalhar de folhas no crepúsculo, a atenção especial do caçador para o som e o cheiro a crueza extrema da vida indígena, o cheiro cru da tequila, o odioso e fibroso gosto do peiote, a poeira no carro e o alteamento do vôo do corvo. É um ambiente admiravelmente concreto, denso e com sentido animista.

A educação de um feiticeiro, como Castaneda descreve, é árdua. Através de Don Juan ela destrói necessariamente a interpretação do mundo dos antropólogos; do que pode e não pode ser chamado “real”. Os Ensinamentos descrevem os primeiros passos deste processo, que envolvem drogas naturais. Uma é a Lophophora williamsii, o cacto de peiote que, como promete Don Juan, revela a entidade chamada Mescalito, um poderoso mestre que ensina a você o “modo correto de viver”. Outra é a Erva do Diabo, que Don Juan trata como uma presença feminina implacável. A terceira é o humito¸ o “fuminho”, preparado com restos do cogumelo Psilocybe, secos e envelhecidos por um ano e então misturados com cinco outras plantas, incluindo sálvia. Ele é fumado com um cachimbo ritual e usado para adivinhações.

Estas drogas, Don Juan insiste, dão acesso ao “poder” de forças impessoais na amplitude do mundo que um “homem de conhecimento”, seu termo para feiticeiro, “deve aprender a usar”. Preparadas e administradas por Don Juan, estas drogas levam Castaneda a confrontos cada vez mais empolgantes ou apavorantes. Após mastigar botões de peiote, Castaneda tem encontros sucessivos com Mescalito como um cão preto, uma coluna, uma luz cantante ou uma espécie de grilo com a cabeça enrugada. Ele ouve impressionantes ruídos, impossíveis de se interpretar, oriundos das imóveis cadeias de montanhas de lava. Após fumar o humito e convesar com um coiote bilíngüe, ele vê o “guardião do outro mundo” aparecer na sua presença como um mosquito de cem pés com crista espetada e mandíbulas salivantes. Após esfregar seu corpo num ungüento feito com datura, o apavorado antropólogo sente várias sensações de estar voando.

Através de tudo isso, Castaneda raramente tem alguma idéia do que está acontecendo. Ele não pode ter certeza do que isto significa e mesmo se tudo isto “realmente” aconteceu, afinal de contas. Esta interpretação teve de ser fornecida por Don Juan.

Por que, então, numa época cheia de descrições de viagens, boas e ruins, as descrições de Castaneda são mais importantes do que as outras? Primeiro, porque elas são aparentemente conduzidas por um sistema – embora ele não tenha percebido isso quando ocorriam – imposto sacerdotalmente e com rigorosa disciplina pelo seu guia índio.  Segundo, porque Castaneda manteve notas extensas e extraordinariamente vívidas. Um exemplo de descrição do efeito do peiote:  “Em questão de instantes, um túnel formou-se ao redor de mim, muito baixo e estreito, duro e estranhamente frio. Sentia-se o seu toque como um muro de alumínio sólido... Lembro-me de ter que rastejar ao redor de uma espécie de ponto redondo onde o túnel acabava. Quando finalmente cheguei, se cheguei, havia esquecido tudo acerca do cachorro, Don Juan, e de mim mesmo”. Talvez o mais importante, Castaneda permanece sempre um racionalista tradicional. Seu único alívio são as perguntas: um constante, e às vezes infrutífero, esforço de manter um diálogo socrático com Don Juan.

“Eu voei como um pássaro?”. “Você sempre me pergunta questões que eu não posso responder... O que você quer saber não faz sentido. Pássaros voam como pássaros e um homem que tenha fumado erva do diabo também..”. “Então eu não voei realmente, Don Juan, eu voei na minha imaginação. Onde estava meu corpo?”. E por aí vai.

De acordo com ele, a primeira fase do aprendizado vai de 1961 até 1965 quando, assustado por estar perdendo seu senso de realidade “e possuindo então milhares de páginas de anotações “ se afastou de Don Juan. Em 1968, quando os Ensinamentos apareceram, voltou a descer ao México para dar ao velho uma cópia. Um segundo ciclo de instruções então começou. Castaneda percebeu gradualmente que o uso de plantas psicotrópicas para Don Juan não era um fim em si mesmo, e que o caminho do feiticeiro poderia ser trilhado sem drogas.

Mas isto requer um perfeito aguçamento da vontade. Don Juan insiste que um homem de conhecimento só pode transformar-se a partir de um “guerreiro”, não literalmente um soldado profissional, mas um homem inteiramente ligado no seu ambiente, ágil, descarregado de sentimentos ou de “história pessoal”. Um guerreiro sabe que cada ato pode ser o último. E está sozinho. A morte é a base de sua vida, e sob sua presença constante ele age sempre “impecavelmente”. Este estoicismo existencialista é a idéia central dos livros. O objetivo do guerreiro é o de se tornar um “homem de conhecimento”, e então entrar no clube seleto dos feiticeiros, isto é, “ver”... “Ver”, no sistema de Don Juan, significa sentir o mundo diretamente, agarrando-se à sua essência, sem interpretá-lo. O segundo livro de Castaneda, Uma Estranha Realidade, descreve os esforços de Don Juan para induzi-lo a “ver” com a ajuda do fumo de cogumelo. Viagem a Ixtlan¸ apesar de recontar muitas experiências no deserto anteriores à sua introdução ao peiote, datura e o cogumelo, lida com o segundo estágio: “ver” sem as drogas.

A dificuldade, diz Castaneda, “está em aprender a perceber com todo seu corpo, e não apenas com seus olhos e a razão. O mundo se torna uma correnteza de eventos tremendamente rápidos e únicos. Então você deve preparar seu corpo para fazê-lo um bom receptor; o corpo é consciente, e deve ser tratado impecavelmente”. Mais fácil dizer do que fazer. Parte do treino exige uma sintonia concentrada, detalhada, e mesmo religiosa, com o sentido do deserto, com seus animais e pássaros, sons e sombras, com as mudanças de seus ventos, e os locais onde um xamã pode confrontar suas entidades espirituais: pontos de poder, buracos ou abrigos. Quando Castaneda descreve seu aprendizado como caçador e colhedor de plantas, aprendendo sobre as propriedades das ervas e as ciladas para coelhos, a narrativa é absorvente. Don Juan e o deserto o tornam apto, esporadicamente e sem drogas, a “ver” ou, nas palavras de um yaqui, “parar o mundo”. Mas tal estado de interpretação da experiência livre confunde a descrição mesmo para aqueles que acreditam que Castaneda fala sinceramente.

SÁBIOS. Nem todo mundo pode, faz ou quer. Mas em alguns locais o trabalho de Castaneda é admirado extravagantemente como uma revivificação de um modo de cognição que foi bastante negligenciado pelo Ocidente, soterrado pelo materialismo e pelo desespero de Pascal, desde a Renascença.  Mike Murphy, fundador do Instituto Esalen diz: “O essencial das lições que Don Juan tem a ensinar são aquelas lições eternas, que foram ensinadas pelos grandes sábios da Índia e os mestres espirituais da modernidade”. O autor Alan Watts argumenta que os livros de Castaneda oferecem uma alternativa tanto para o judaico-cristianismo cheio de culpa quanto para os pontos de vista cego dos homens mecanicistas: “O estilo de Don Juan leva o homem para algo central e importante. Não nos separar da natureza nos põe de volta a uma posição de dignidade”.

Mas estes reconhecimentos e analogias não validam, de forma alguma, a proclamação mais mundial da importância dos livros de Castaneda: a sutileza de que são a consideração antropológica, específica e confiável de um aspecto da cultura indígena do México como mostradas pela fala de uma pessoa, um xamã chamado Juan Matus.  Esta prova depende da credibilidade de Don Juan como criatura e Castaneda como testemunha. Ainda que não haja corroboração, além dos escritos de Castaneda, de que Don Juan tenha feito o que ele disse que fez, e mesmo que tenha, afinal de contas, existido.

Desde que os Ensinamentos apareceram, candidatos a discípulos e turistas da contracultura têm viajado para o México atrás do velho homem. Alguém poderia esperar a Primeira Convenção dos Procuradores de Don Juan no QG do Bar dos Brujos do Hotel Mescalito. Jovens mexicanos estão animados com o fato de que os livros de Castaneda sequer podem ser lançados lá em tradução espanhola. Um estudante mexicano que está procurando por conta própria Don Juan disse: “Se os livros forem lançados, a busca por ele pode se tornar facilmente o estouro de uma corrida para o ouro”.

Castaneda afirma que seu mestre nasceu em 1891 e sofreu com a dispersão dos yaquis por todo o México desde a década de 1890 até a revolução de 1910. Seus pais foram mortos por soldados. Ele então se tornou nômade. Isto ajuda a explicar porque os elementos da feitiçaria de Don Juan são combinações de crenças xamanísticas de diferentes culturas. Alguns deles não são, de forma alguma, representativos da cultura yaqui. Muitas tribos indígenas, como os huichols, usam o peiote ritualmente, tanto ao norte quanto ao sul da fronteira. Algumas numa mistura sincrética do Cristianismo e do xamanismo. Mas os yaquis não são usuários de peiote. Don Juan, portanto, pode se tornar difícil de encontrar, porque sabiamente se afasta de seus admiradores inconvenientes. Ou talvez seja um índio mestiço, uma colagem de outros. Ou pode ser um xamã puramente fictício criado por Castaneda.

As opiniões divergem larga e apaixonadamente, mesmo entre os admiradores mais profundos dos escritos de Castaneda. “É possível que todos esses livros sejam não-fictícios?”, pergunta o romancista Joyce Carol Oates candidamente. “Eles me parecem excelentes trabalhos de arte num tema parecido com o de Hesse, da iniciação de um jovem em ‘outros modos’ de realidade. Eles são admiravelmente construídos. O personagem de Don Juan é inesquecível. Existe uma motivação novelística, crescente, repleta de suspense, e uma gradual revelação do personagem”.

GULLIVER. É verdade, a leitura dos livros de Castaneda é como um Bildungsroman altamente orquestrado.  Mas os antropólogos se preocupam menos com a excelência literária do que com a ilusão do xamanismo, assim como com a sua aparente desconexão com os yaquis. “Eu acredito basicamente que o trabalho tem um alto grau de imaginação”, diz Jesus Ochoa, chefe do museu de etnografia do Museu Nacional de Antropologia do México. O Dr. Francis Hsu da Universidade do Noroeste repreende: “Castaneda é uma nova moda. Eu gostei dos livros da mesma maneira que das viagens de Gulliver”. Mas os colegas veteranos de Castaneda na UCLA, que deram o PHD por Ixtlan ao seu antigo estudante, discordam: Castaneda, como um professor colocou, é um “gênio nato”, para o qual a rotina oficial e o lenga-lenga burocrático são desconsiderados; sua confiabilidade como testemunha não é posta em questão.

De qualquer forma, no mínimo é óbvio que “Don Juan Matus” é um pseudônimo usado para proteger a privacidade de seu professor. A necessidade de ser inacessível e esquivo é um tema central dos livros.  Mais de uma vez Don Juan encoraja Castaneda a segui-lo e livrar-se não apenas das rotinas diárias, com sua percepção estúpida, mas também do próprio passado. “Ninguém sabe minha experiência pessoal”, explica o velho homem em Ixtlan. “Ninguém sabe quem eu sou ou o que faço. Não apenas eu... ou nós tomamos tudo como certo e real, ou não. Se seguirmos o primeiro caminho, nos entediamos até a morte conosco mesmos e com o mundo. Se seguirmos o segundo e apagarmos a história pessoal, criamos uma névoa em torno de nós, um estado muito misterioso e excitante”.

Desafortunadamente para qualquer um que esteja ansioso para ter garantias acerca da vida de Castaneda, o aprendiz de Don Juan tomou a lição muito cuidadosamente. Depois que os Ensinamentos tornaram-se um bestseller underground, muito se supôs que seu autor era o El Freako da Academia do Ácido, adornado com peles e olhos de pebolim, e com seu cérebro sendo um labirinto corroído iluminado por misteriosos alcalóides, viajando sobre o deserto com um corvo em sua cabeça. Mas Castaneda significa bosque de castanhas, e o homem se parece pouco com uma castanha: um robusto e cortês latino-americano, de 1.65 de altura e 68kg e aparentemente encorpado por vitaminas. O cabelo escuro e crespo é cortado curto, e os olhos brilham umedecidos e atenciosos. No vestuário, Castaneda é tradicional a ponto de passar desapercebido, cobrindo-se ou com paletós de negócios escuros ou com calças Lee esportiva do tipo Trevino. Seu adorno são as palavras, que escorrem dele num fluxo incessante, auto-irônico e fascinante. “Oh, eu sou um mentiroso!”, ele gargalha, abrindo suas mãos calosas e curtas. “Oh, como eu gosto de espalhar besteira por aí!”.

NÉVOA. Castaneda diz que não fuma e não bebe destilados; não usa maconha; e mesmo café o desagrada. Diz que não usa mais peiote, e sua a única experiência com drogas foi aquela com Don Juan. Seu encontro com a cultura do ácido foi improdutivo. Convidado em 1964 para uma festa em East Village em que estavam presentes luminares como Timothy Leary, ele simplesmente achou o papo absurdo: “Havia crianças entregues a revelações incoerentes. Um feiticeiro toma alucinógenos por uma razão distinta da cabeça, e após chegar onde queria, ele para de tomá-los”.

A apresentação de si mesmo de Castaneda como Sr. Certinho, deve-se notar, não podia ser melhor planejada para contrariar aqueles que buscam saber sua história pessoal. O que, de fato, está por trás de tudo? O Castaneda “histórico”, antropólogo e aprendiz de xamã, começa quando ele encontra Don Juan em 1960; os livros e sua carreira bem documentada na UCLA contam na sua vida a partir essa data. Antes disso, a névoa.

Estando durante muitas horas com Castaneda em algumas semanas, a correspondente da TIME, Sandra Burton, o achou atraente, solícito e convincente “até um certo ponto”, mas bastante firme em avisar que ao falar de sua vida pré-Don Juan, poderia  trocar nomes, lugares e datas sem, entretanto, alterar a verdade emocional sobre sua vida. “Eu não menti nem inventei”, disse a ela. “Inventar seria voltar atrás e não dizer nada ou dar as certezas que todos buscam”. À medida que a conversa prosseguia, Castaneda mostrou várias versões de sua vida, que continuaram mudando quando Burton mostrou a ele o fato de que muitas de suas informações não batiam, emocionalmente ou de qualquer outra forma.

De acordo com ele, Castaneda não é seu nome original. Ele nasceu anonimamente, disse, numa “bastante conhecida” família de São Paulo, no dia de Natal, em 1935. Seu pai, que depois se tornou um professor de literatura, tinha 17 anos, e sua mãe 15. Como seus pais eram tão imaturos, o pequeno Carlos foi encaixado para ser criado pelos avós maternos numa granja de galinhas no interior do Brasil.

Quando Carlos tinha seis anos, a história continua, seus pais tomaram a criança de volta, e o trataram com uma afetuosidade cheia de culpa. “Foi um ano infernal”, ele diz sem rodeios, “porque eu estava vivendo com duas crianças”. Mas um ano depois sua mãe morreu. O diagnóstico médico foi de pneumonia, mas os Castanedas eram indolentes, uma condição de indolência adormecida, que ele acredita ser a doença cultural do Ocidente. Ele fala de uma lembrança emocionante: “Ela era amorosa, muito bonita e insatisfeita, um ornamento. Meu desespero era que eu queria fazer alguma coisa por ela, mas como ela podia me ouvir? Eu tinha apenas seis anos...”

Castaneda foi então deixado com seu pai, uma figura imprecisa que ele cita nos livros com um misto de ternura e piedade disfarçando o desprezo. A fraqueza de vontade de seu pai é o contrário da “impecabilidade” de seu pai adotivo, Don Juan. Castaneda descreve os esforços do seu pai de tornar-se um escritor como uma farsa de indecisão. Mas acrescenta: “Eu sou meu pai. Antes de encontrar Don Juan, passaria anos apontando meus lápis, e então pegaria uma dor de cabeça cada vez que sentasse para escrever. Don Juan me ensinou que isso é estúpido. Se você quer fazer uma coisa, faça impecavelmente. Isto é tudo que importa”.

Castaneda foi posto numa “muito apropriada” escola de Buenos Aires, Nicolas Avellaneda. Ele conta que permaneceu lá até fazer 15 anos, aprendendo o espanhol (ele também fala italiano e português) com o qual posteriormente entrevistaria Don Juan. Mas ele tornou-se tão incontrolável que um tio, o patriarca da família, o colocou numa família adotiva em Los Angeles.  Em 1951 mudou-se para os EUA e se alistou no segundo grau de Hollywood. Formando-se cerca de dois anos depois, tentou cursar escultura na Academia de Belas Artes de Milão, mas “Eu não tinha a sensibilidade ou abertura de espírito para me tornar um grande artista”. Deprimido, em crise, ele voltou para Los Angeles e começou um curso de psicologia social na UCLA, se transferindo depois para o curso de antropologia. Ele diz: “Eu realmente lancei minha vida através da janela. Disse a mim mesmo: se algo deve funcionar, deve ser algo novo”. Em 1959 mudou seu nome oficialmente para Castaneda.

BIOGRAFIA. Esta é a autobiografia de Castaneda. Ela cria uma consistência elegante. O impetuoso jovem mudando de seu pano de fundo acadêmico numa cultura européia exausta e provinciana para a revitalização através de um xamã; o gesto de abandonar o passado para desembaraçar-se de lembranças debilitantes. Infelizmente, nada disso é verdade.

Entre 1955 e 1959 Castaneda estava cadastrado, com esse nome, com uma especialização pré-psicologia no Colégio da Cidade de Los Angeles. Seus estudos nas artes liberais incluem, em seus primeiros dois anos, dois cursos em escrita criativa e um em jornalismo. Vernon King, seu professor em psicologia criativa no CCLA, ainda tem uma cópia dos Ensinamentos com a dedicatória “Para um grande professor, Vernon King, de um de seus estudantes, Carlos Castaneda”.

Mais do que isso, registros de imigração mostram que Carlos Cesar Arana Castaneda realmente entrou nos EUA, em São Francisco, no ano que diz que entrou, em 1951. Este Castaneda também tinha 1.65m e pesava 64 kilos e veio da América Latina. Mas ele era peruano, nascido no Dia de Natal, em 1925, na antiga cidade inca de Cajamarca, o que faz com que ele tenha 48 anos, e não 38, neste ano. Seu pai não era um acadêmico, mas um ourives e relojoeiro chamado Cesar Arana Burungaray. Sua mãe, Susana Castaneda Navoa, morreu quando Carlos tinha 24, e não seis anos. Seu filho passou três anos no ensino médio na escola local e então se mudou para Lima em 1948, quando se formou no Colegio Nacional de Nuestra Senora de Guadalupe. Então estudou escultura e pintura não em Milão, mas na Escola de Belas Artes de Peru. Um de seus colegas ali, Jose Bracamonte, se lembra do seu amigo Carlos como alguém esperto e cheio de recursos, que vivia basicamente de jogos de azar (cartas, jóquei, dados) e guardava com obsessão o desejo de mudar-se para os EUA. “Nós todos gostávamos de Carlos”, lembra Brecamonte. “Ele era brilhante, imaginativo, animado, um grande mentiroso e um verdadeiro amigo”.

IRMÃ. Castaneda escrevia para casa esporadicamente, pelo menos até 1969, o ano em que Don Juan veio à tona. Sua prima Lucy Chavez, que foi criada com ele “como uma irmã”, ainda guarda suas cartas. Elas indicam que ele lutou no exército norte-americano, e o deixou após sofrer um ferimento leve ou “choque nervoso”. Lucy não tem certeza sobre isso. (O Departamento de Defesa, entretanto, não tem nenhum registro do serviço de Carlos Arana Castaneda).

Quando a TIME confrontou Castaneda com estes detalhes como o período e a transposição da morte de sua mãe, Castaneda ficou opaco. “Os sentimentos de alguém sobre sua mãe”, declarou, “não dependem da biologia ou do tempo. Parentesco como sistema não tem nada a ver com sentimentos”. A prima Lucy lembra quando a mãe de Castaneda morreu, ele ficou estupefato. Recusou-se a comparecer no funeral, trancando-se num quarto por três dias sem comer. E quando saiu anunciou que estava saindo de casa. Apesar disso a explicação de Castaneda sobre suas mentiras é ao mesmo tempo perfeita e totalmente esquiva: “Me pedir para confirmar minha vida dando-me minhas estatísticas”, diz, “é como usar ciência para validar feitiçaria. Rouba do mundo sua mágica e faz a todos nós nos afastarmos do ponto”. Em resumo, a programação de Castaneda pretende um absoluto controle sobre sua identidade.

Muito bem. Mas onde uma licença poética, a “auto-representação artística” que o programa de Castaneda pretende, termina? Enquanto os livros vendem-se aos montes, a resistência aumenta. Três paródias de Castaneda apareceram nas revistas de Nova York, e depois papers indicando que a crítica prepara-se para taxar Don Juan como uma espécie de Ossian antropológico, aquele lendário poeta gaélico do terceiro século cujos trabalhos James Macpherson fraudou no século XVIII para os leitores britânicos.

Os fãs de Castaneda não devem assustar-se, no entanto. Uma estranha justificativa pode ser dada afirmando-se que os livros sobre Don Juan estão num nível diferente de honestidade do que o passado pré-Don Juan de Castaneda. Por exemplo, qual é o motivo de um erudito acadêmico trazê-lo à tona? Os Ensinamentos foram submetidos a uma editora universitária e surpreendentemente projetou-se para o sucesso de vendas. Além disso, ganhar um grau acadêmico da UCLA não é algo tão difícil para que um candidato empregue uma confabulação tão vasta apenas para evitar a pesquisa. Uma pequena fraude, talvez, mas não um sistema inteiro à maneira dos Ensinamentos, escrito por um estudante desconhecido, a princípio, sem esperanças de sucesso comercial.

Porque esta era a situação de Castaneda no verão de 1960: um jovem estudante peruano com ambições limitadas. Não há motivos para dúvidas de seu testemunho de como seu trabalho começou. “Eu queria entrar na graduação e fazer um bom trabalho para ser um acadêmico e sabia que se tivesse oportunidade de publicar um paper pequeno precocemente, eu o faria”. Um de seus professores na UCLA, Clement Meighan, o influenciou a se interessar por xamanismo. Castaneda decidiu que o campo mais fácil seria etnobotânica, a classificação das plantas psicotrópicas usadas pelos feiticeiros. Então apareceu Don Juan.

As visitas para o sudoeste e o deserto mexicano gradualmente se tornaram a espinha dorsal da vida de Castaneda. Impressionado com seu trabalho, o grupo da UCLA encorajou-o. O professor Meighan lembra: “Carlos era o tipo de estudante que um professor espera”. O professor de sociologia Harold Garfinkel, um dos pais da etnometodologia, deu a Castaneda estímulos constantes e duras críticas. Depois da primeira experiência com peiote (agosto de 1961), Castaneda apresentou a ele uma longa “análise” de suas visões. Garfinkel disse: “Não explique para mim. Você não é ninguém. Apenas me fale diretamente e em detalhes o jeito que aconteceu”. A riqueza de detalhes era tudo na parceria. O perplexo estudante passou anos revisando sua tese, vivendo de trabalhos estranhos como motorista de táxi e garoto de entregas, e mandou para ele novamente. Garfinkel continuou sem se impressionar. “Ele não gostou do meu esforço para explicar o comportamento de Don Juan psicologicamente. “Você quer ser o queridinho em Esalen?”, perguntou. Castaneda reescreveu a tese pela terceira vez.

Assim como as várias versões da vida de Castaneda, os livros eram um convite para a consideração de visões contraditórias da verdade. No centro de seus livros e do método de Don Juan estava, é claro, a hipótese de que a realidade não é algo absoluto. Ela vem para cada um de nós culturalmente determinada, altamente pré-concebida. “O mundo se torna coerente pela nossa descrição dele”, argumenta Castaneda, repetindo Don Juan. “Desde o momento do nascimento, o mundo está sendo descrito para nós. O que nós vemos é apenas uma descrição”.

MULTIUNIVERSO. Em resumo, o que o homem toma como realidade, assim como suas noções das possibilidades racionais do mundo, é determinado pelo consenso, por um contrato social que varia de cultura para cultura. Através da história, a coisas tem sido dura para qualquer pessoa que questionar sua larga reprodução, especialmente se, como Castaneda, tenta persuadir os outros a aceitar sua própria visão.

Antropologia, por sua natureza, lida com diferentes visões, e, portanto, com realidades literalmente diferentes, em diferentes culturas. Como nota Edmund Carpenter, colega de Castaneda no Colégio Adelphi, “Nativos tem muitas realidades diferentes. Eles acreditam num multiuniverso, ou biuniverso, mas não num universo como nós acreditamos”. Ainda que esse relativismo erudito seja indigesto para muitas pessoas que gostam de assegurar-se que existe apenas um mundo e que a “validade” de interpretação de uma cultura deve ser medida apenas contra essa norma. Qualquer mito, eles diriam, pode convenientemente ser visto como uma forma embrionária do que o Ocidente chama de história linear, uma dança da chuva é apenas um meio “ineficiente” de fazer o que um semeador de nuvens faz bem.

Os livros de Castaneda insistem em uma outra forma. Ele é eloqüente e convincente em explicar como é inútil explicar ou julgar outra cultura nos termos das categorias particulares de sua própria. “Suponhamos que haja um antropólogo Navajo”, ele diz. “Seria muito interessante convidá-lo a estudar-nos. Ele poderia perguntar questões extraordinárias, como ‘quantos no seu grupo de parentesco foram enfeitiçados?’. Esta é uma questão tremendamente importante nos termos dos Navajos. E é claro, você diria ‘Eu não sei’ e pensaria ‘que questão idiota’. Enquanto isso, o Navajo está pensando ‘Meu deus, que ser rastejante! Rastejante e primitivo!’”

Inverta os papéis, argumenta Castaneda e você tem o típico antropólogo ocidental no trabalho de campo. “É infernal a quantidade de trabalho”, ele diz, referindo-se aos anos passados junto com Don Juan. “O que Don Juan fez comigo foi simples assim: ele estava fazendo seu grupo de feiticeiros disponível, preparando os passos necessários”. O Professor Michael Harne da Nova Escola de Pesquisa Social, amigo de Castaneda e uma autoridade em xamanismo, explica: “A maior parte dos antropólogos apenas fornece os resultados. Ao invés de sintetizar as entrevistas, Castaneda nos leva através do processo”.

Não são esses anos de estudos, mas sim a natureza da revelação que ele oferece que deixou Castaneda em apuro com os racionalistas. Para entrar no consenso sobre a realidade de outro homem, o seu próprio deve cair, e como ninguém pode abandonar facilmente sua própria descrição habitual, ela deve forçosamente ser quebrada. Os precedentes históricos, mesmo no Ocidente, são abundantes. Mesmo desde o mistério das religiões de êxtase da Grécia, nossa cultura tem sido continuamente desafiada pelo desejo de escapar de suas próprias propriedades dominantes: o linear, o categórico, o fixo.

O que quer que Castaneda seja – uma figura central na evolução da antropologia, como pensam alguns líderes acadêmicos ou apenas um novelista brilhante com conhecimento único do deserto e da sabedoria indígena, seus trabalhos devem ser considerados. E eles continuam. Neste momento, ele está terminando o quarto e último volume da série de Don Juan, Contos de Poder (4), programado para lançamento no próximo ano.

PONTO DO PODER. Ele pode apresentar, mais claramente do que nos primeiros três livros, o objetivo final dos dolorosos ensinamentos de Don Juan: um uso especial do antigo desejo de conhecer, apaziguar e, se possível, usar as misteriosas forças do universo. Neste propósito, a divisão do átomo, o pecado de Prometeu e a busca de Castaneda pelo “ponto do poder” perto de Los Angeles, tudo pode ser remotamente ligado. Um bom exemplo da mágica de Don Juan nos livros (fazendo Carlos acreditar que seu carro havia sumido, naquele momento) soa como a trapaça da corda do faquir que os gurus pensam ser estúpida. De todo modo, também, os livros comunicam um sentido primordial de um poder percorrendo o mundo, arrumando nossas percepções da realidade assim como fios de ferro sob um grande campo magnético.

O poder de um feiticeiro, Castaneda insiste, é “inimaginável”, mas a extensão que um aprendiz de feiticeiro pode esperar usar é determinada, entre outras coisas, pelo seu grau de compromisso. O uso total do poder só pode ser conseguido com a ajuda de um “aliado”, uma entidade espiritual que anexa-se ao aprendiz como um guia “de uma maneira perigosa”. O aliado desafia o aprendiz quando este aprende a “ver”, como Castaneda fez nos primeiros livros. O aprendiz pode se esquivar desta batalha. Porque se ele brigar com o aliado “como Jacó com o anjo” e perder, ele vai, nos termos ligeiramente obscuros de Don Juan, ser “sugado”. Mas se ganhar, seu prêmio será o “verdadeiro poder de entrar finalmente no mundo dos feiticeiros, quando todas as interpretações cessam”.

Castaneda alega ter se esquivado até agora de sua batalha final com um aliado. Ele admite enfrentar um conflito interno nesse assunto. Diz que às vezes se sente fortemente puxado para longe do mundo dos feiticeiros e de volta ao mundo ordinário. Ele tem um desejo real de ser reconhecido como escritor e antropólogo, e usar seu recém-adquirido poder da fama em publicar um livro atrás do outro para lançar luzes comunicáveis sobre outras realidades para os leitores famintos.

ÁPICE. Mais do que isso, como as maiores partes dos que experimentaram realidades diferentes e voltaram, ele parece ter problemas em voltar. De acordo com os livros, Don Juan o ensinou a abandonar os horários regulares “para trabalho e diversão” e mesmo em seu apartamento em Los Angeles ele come e dorme quando dá na telha, ou foge para o deserto. Mas seu trabalho de escritor é frequente e ocupa cerca de 18 horas por dia. Ele tem grande habilidade em evitar o público. Ninguém pode saber onde encontrá-lo a uma determinada hora do dia, ou do ano. “Carlos irá ligar para você de uma cabine telefônica”, diz Michael Korda, seu editor na Simon & Schuster “e dizer que está em Los Angeles. E então o operador vai cortar a ligação para cobrar mais, e ele se move e está em Yuma”. Seus poucos amigos próximos não dão um basta à sua inconstância porque são assistentes, mas em parte porque sua própria experiência é misteriosa e eles não sabem explicá-la. Ele teve uma namorada, mas nem mesmo seus amigos sabem seu sobrenome. Ele evita fotógrafos como a anunciadores de um desastre. “Eu vivo com este fluxo de pessoas muito estranhas que estão esperando uma palavra de mim. Elas esperam algo que eu não posso dar de forma alguma. Eu tive uma classe de alunos em Irvine que era bastante cheia, e parecia que eles estavam apenas esperando que eu explodisse”.

Em outros momentos ele parece decidido em se tornar um verdadeiro feiticeiro ou ser derrotado. “O poder cuida de você”, diz, “e você não sabe como. Agora eu estou na borda, e mudei todo minha forma. Escrever para ganhar o PhD foi meu feito, minha feitiçaria e agora estou no ápice de um círculo que inclui notoriedade. Mas esta é a última coisa que eu vou escrever sobre Don Juan. Agora eu me tornarei um feiticeiro de verdade. Apenas minha morte pode impedir isto”. É uma função romântica, esta gesticulação antropológica através de uma troca de entidades que, em outro tempo, poderiam serem chamadas de demônios. Será que Castaneda se tornará o Doutor Fausto de Malibu, atendido por um Mefistófeles de sombreiro? Fique ligado no próximo episódio. Enquanto isto, seus livros tornaram difícil para os leitores usar o termo primitivo com um ar condescendente de novo.

Notas

(1) No Brasil A Erva do Diabo. (N do T)

(2) Talvez Uma Outra Realidade ou Uma Realidade Diferente sejam soluções mais adequadas para o título. (N do T)

(3) Nos Estados Unidos, a publicação dos livros por vezes se divide em paperback e  hardback. (N do T)

(4) No Brasil, Porta Para o Infinito (N do T)


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