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quarta-feira, dezembro 05, 2018

Caipiras, com muito orgulho



Por Mouzar Benedito 
“Pra uns, as vacas morrem. .. Pra outros até os bois pegam a parir.” Os caipiras usam muito os ditados para explicar as coisas. E esse é um dos ditados citados no livro “Palavra de Caipira”.
Mas o livro não se compõe só de ditados (e explicações sobre eles). Há um pequeno texto sobre o significado da palavra caipira, a origem do seu “dialeto” e muitas coisas relacionadas à sua cultura. Em alguns momentos há referências à culinária caipira (você já provou uma canjiquinha com suã?), uns causos e também um trecho dedicado aos apelidos que se tornam sobrenomes informais das pessoas.
E neste último quesito, quando um sujeito que se julga acima da cultura caipira chega a uma pequena cidade e lá as pessoas são chamadas de Zé da Venda, Tõe Barbeiro, Nego Sapateiro, Zé Pescocinho, Dito Zaroio, Zico da Vargem e outros apelidos semelhantes, julga que é um caipirismo exclusivo do interiorzão caipira.
Ledo engano. O livro mostra um pouco disso.
Peguem uns sobrenomes considerados chiques,e verão que nos seus países de origem, seja a Alemanha, a Rússia, a França, a Inglaterra ou qualquer outro (inclusive de línguas não europeias), apelidos desse tipo não só são usuais como se tornaram sobrenomes de verdade, ostentados como grife.
Exemplos?
Schimidt, em alemão é ferreiro, assim como Ferrari em italiano. Você conhece o João Gordo? Ora… Tolstói em russo, Grassi em italiano e Maluf em árabe significam isso: gordo.
E sobrenomes franceses? Vou citar só dois aqui: Porchat é chique, não? Pois significa criador de porcos. E Dubois? É “do bosque”, quer dizer, pode ser traduzido por caipira, que em tupi significa, entre outras coisas, morador do mato.
Para finalizar, cito um trecho da orelha de “Palavra de Caipira”: “Este livro é uma homenagem ao dialeto caipira, sua cultura, aos modos e às pessoas que o reproduzem geração após geração. Um livro que traz a marca da simplicidade e do humor de seus autores”.
Por falar em autores, “Palavra de caipira” foi feito a seis mãos, de três caipiras assumidos, um paulista, um mineiro e um sul mato-grossense , membros da Sosaci – Sociedade dos Observadores de Saci.
Ditão Virgílio, mora na zona rural de São Luiz do Paraitinga, é um grande conhecedor da cultura caipira, e a pratica com regularidade. Escreve cordéis caipiras, com temas relacionados à sua cultura (incluindo seu imaginário fantástico) e ao meio ambiente.
Ohi e eu temos publicado livros sobre a mitologia brasileira. Ele atua como ilustrador desde os anos 1970, tendo passado pelas mais variadas publicações. Eu tenho um pouquinho de conhecimento do tema por minhas origens (sou o quinto de dez filhos de um roceiro, o primeiro a nascer na cidade, que não era tão cidade assim: tinha dois mil habitantes) e por ter estudado Geografia e viajado um bom tanto pelo Brasil.
“Palavra de Caipira”, com 112 páginas, vai ser lançado no próximo dia 10 de dezembro (segunda-feira), a partir das 19h, no Empanadas Bar – rua Wisard, 489, Vila Madalena, São Paulo.
O Ohi e eu estaremos lá. Quem mora longe pode adquirir o livro direto com seus autores, encomendando por e-mail de um de nós dois, ou, se for passear em São Luiz, comprar direto do Ditão, com direito a ouvir um pouco de declamação dos seus cordéis.
Meu e-mail: mouzarbenedito@yahoo.com.br
Ohi: ohitine@gmail.com
O livro estará também disponível na editora Limiar –  www.editoralimiar.com.br – que por sinal tem muitos outros livros de minha autoria.

sábado, novembro 03, 2018

Amazônia das palavras: um canto na escuridão



Por José Ribamar Bessa Freire
Thiago de Mello, aos 92 anos, não verá nesta segunda (5/11), o crepúsculo deslumbrante no bairro de Educandos, em Manaus, que ele tanto apreciava em sua infância. Aquela cor amarelo-dourada de ventre de pacu irradiada pelo sol em fuga, ali na Baixa da Égua, dura um instante fugaz do cair da tarde. E já será noite, quando o poeta da floresta for homenageado às 19 horas pelo projeto “Amazônia das Palavras”, no início da expedição literária que navegará 1.300 km pelos rios Negro, Amazonas e Madeira e iluminará oito cidades, semeando em cada uma delas o prazer da literatura e do ato de ler e de narrar.
Da expedição fazem parte escritores e artistas. Cada noite, moradores dessas cidades assistirão duas sessões culturais. Primeiro, um espetáculo de circo – “Cloro, o Palhaço engolidor de letras” - encenado pelo ator argentino Diego Gamarra, que apresenta sua mala carregada de livros e histórias no universo mágico da literatura. Depois, a aula-espetáculo “Catando piolhos, contando histórias: minhas memórias da Amazônia”, ministrada em Manaus e Itacoatiara pelo premiado escritor indígena Daniel Munduruku, doutor em educação pela USP e autor de 52 livros.


As oficinas
Coordenado por Fernanda Kopanakis, doutora em Planejamento Urbano e Regional (UFRJ) e pelo cineasta e produtor cultural José Jurandir da Costa, ambos da Associação Mapinguari, “Amazônia das palavras” realizará durante o dia, em diferentes escolas, cinco oficinas literárias:
1) Contação de Histórias Indígenas ministrada por este locutor que vos fala, responsável ainda pela aula-espetáculo nas seis cidades do rio Madeira;
2) Produção de Contos com o escritor José Roberto Torero, formado em jornalismo e cinema pela USP, vencedor do prêmio Jabuti na categoria romance, autor de 38 livros, de peças de teatro e de roteiros para cinema e tv.
3) Sons do Cotidiano realizada por Bira Lourenço, percussionista de Porto Velho (RO), licenciado em Música pela UFRGS, professor de percussão em projetos destinados a egressos do sistema penal e a alunos de escolas públicas portadores de necessidades educacionais especiais. Ele pesquisa as possibilidades melódicas da água e de instrumentos e objetos de barro no campo da dramaturgia sonora.
4) Poesia: Narrativa e Escuta com Elizeu Braga, poeta, ator e artista visual, que executou vários projetos, entre os quais oficinas intituladas “A Poesia como intromissão” e o projeto de extensão “Em defesa do patrimônio cultural dos ribeirinhos” da Universidade Federal de Rondônia (UNIR).
5) Animação: Palavra Animada executada por Leo Ribeiro, doutorando em Design na PUC/Rio, diretor e produtor de curtas-metragens de animação exibidos em festivais, mostras de cinema e canais de televisão, além de executor do Projeto “A escola vai ao cinema”, uma parceria entre o SESC Nacional e Anima Mundi.
As oficinas literárias destinadas a alunos da rede pública de ensino não pretendem ser fábricas de escritores, cineastas e músicos, mas um lugar de criação e de troca de ideias. Sua coordenadora pedagógica, Josélia Gomes Neves, doutora em Educação Escolar, professora da UNIR e de vários cursos de formação de professores indígenas, incluindo o Projeto Açaí, desenvolve projetos de extensão com os índios e uma linha de pesquisa sobre currículo, alfabetização, cultura escrita e oralidade.
Da equipe de “Amazônia das Palavras” fazem parte ainda cineastas e documentaristas, que entrevistarão moradores e personagens de cada cidade visitada, desenvolvendo o projeto especial “Imagens da Memória” que será coordenado pela professora Bete Bullara, formada em cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Ela já realizou para o SESC Nacional mais de 60 oficinas com professores e jovens em 16 estados brasileiros, para as quais preparou material didático, assim como ministrou curso para professores no Festival Nueva Mirada, em Buenos Aires.
Os depoimentos de moradores, alunos, escritores, educadores serão editados para um média metragem que registrará a viagem literária pelos rios das Amazônia e documentará a poesia, as histórias, os causos, o humor, as imagens e os sons expressos na rica variedade dialetal do rio Madeira. Trata-se de contribuir para modificar a situação na qual 54% dos alfabetizados no Brasil não leem romances, contos ou poesia, segundo levantamento em 2016 do Instituto Pró-Livro.
Cabaças, pedras, panelas, bacias e outros utensílios servirão de instrumentos musicais para produzir sons, ritmos e timbres do cotidiano ribeirinho no ato de contar histórias, explorando o imaginário e a memória auditiva que inclui o vento, o assovio, as vozes dos animais, o murmúrio das folhas e outras manifestações do universo físico da Amazônia. Vale tudo para estimular a comunidade escolar a trabalhar a produção de textos ficcionais curtos. “Escrevi um conto e te contei, Agora é você quem conta um conto” será o convite de uma das oficinas que estimulará as narrativas orais dos estudantes.
O projeto Amazônia das palavras vai deixar ainda em cada cidade mudas de pau brasil com uma mensagem em defesa da floresta, estimulando o “pensamento crítico e a capacidade para uma cultura emancipadora de igualdade e responsabilidade sociais, com um olhar ambiental equilibrado e uma visão política ética”. As prefeituras de cada cidade estão apoiando as atividades que contam com o patrocínio do Ministério da Cultura e do BNDES. Faz escuro, mas a gente canta. “Vale a pena não dormir para esperar a cor do mundo mudar”. 
P.S. – A homenagem a Thiago de Mello acontece no auditório do Centro Estadual de Tempo Integral Gilberto Mestrinho (CETI) no bairro de Educandos, quando lhe será ofertado o projeto conceitual do “Memória Esperança Thiago de Mello”, criado pelo artista multimída Rudney Prado e pela arquiteta Letizia Espósito.

terça-feira, outubro 30, 2018

O que é que a baiana tem?



Odivaldo Guerra e Douglas Brasil

Nos anos 70, o empresário e milionário Felipe Abrahim era dono de um palacete no cruzamento da Avenida Getúlio Vargas com a Rua 24 de Maio, onde promovia nababescos bailes de carnaval. A elite baré disputava a tapas os limitados convites para a fuzarca, naquela que era considerada a mais exclusivista, badalada e moderninha (para os padrões da época) festa de Manaus.

A razão de tamanha disputa? As festas de Felipinho reuniam o maior naipe de mulheres bonitas da cidade, os jornalistas mais informados da cidade, os milionários mais milionários da cidade e os caricatos mais caricatos da cidade.

Sem contar que na boca-livre tinha de tudo, de lança-perfume argentino (os mais chiques e caros) a uísque escocês 24 anos (uma raridade), de pó de pirlimpimpim (pra voar que nem o Peter Pan) a cão dinamarquês, chicotes e algemas (para quem era chegado a um sadô ou masô básico).

Numa dessas festas, o eterno playboy Odivaldo Guerra, morto de louco, resolveu ir pra casa mais cedo. Ele mal conseguiu colocar a chave na ignição do Maverick cupê: desmaiou no banco do motorista.

Comandados por Felipe Abrahim, os foliões aproveitaram aquele momento de fraqueza do folião para se esbaldar. Despiram o playboy, vestiram ele com uma extravagante roupa de baiana, fizeram uma maquiagem escandalosa (sombra, blush, batom vermelho-hemorragia), levantaram os vidros do veículo, trancaram o carro por fora e jogaram a chave no quintal da Beneficente Portuguesa.

A “Carmem Miranda” acordou por volta do meio-dia encharcada de suor, e cercada por uma multidão incalculável de transeuntes curiosos.

Quando percebeu o que havia acontecido, o eterno playboy da Cachoeirinha queria briga. Choses.

Sufoco na Fortaleza do Chibata


Vladimir Brother, ex-secretário-geral do Ivan Chibata

             Fevereiro de 1985. O bicheiro Ivan Chibata se comprometera em financiar a fantasia da bateria do GRES Andanças de Ciganos, que naquele ano tinha como enredo os bumbás de Parintins, e vivia sob pressão constante do presidente Vilson Benayon para repassar a “bufunfa”.

Depois de muito protelar, Ivan Chibata se encontrou com Benayon numa tarde de terça-feira e se comprometeu em dar o dinheiro da escola no ensaio de sexta-feira, desde que não desse nenhuma zebra no jogo do bicho durante a semana.

Na manhã de quarta-feira, um crioulo sarará, dois metros de altura, forte que só a peste, olho verde, um de onça, outro de cobra, o pescoço enfeitado de cordões de ouro, mais sério do que guri mijado, se aproxima do cambista que fazia ponto em frente à Banca do Chibata e diz, resoluto:

– Mil pratas no avestruz. Na cabeça!

O crioulo pagou, deu um beijo numa medalhinha que trazia em um dos cordões e foi embora. Ivan descarregou a aposta com o bicheiro Antônio Soares, pai do Jaider Soares, eterno patrono do GRES Grande Rio.

À tarde, na extração da Paratodos, deu avestruz na cabeça. Ivan mandou Vladimir Brother ir receber o dinheiro do prêmio na casa do bicheiro Antônio Soares, com uma recomendação:

– O seu Antonio é meio desconfiado e vai te fazer um bocado de perguntas. Não responde nada. Fala que tua função é apenas receber o dinheiro do prêmio e entregar na banca.

Dito e feito. Enquanto contava os 20 mil do prêmio, o bicheiro tentava tosquiar o carneiro:

– Esse Ivan Chibata tem quantos cambistas? Porque pra pagar um prêmio desses, ele deve ter pra mais de 100... Com outro descarrego desses, eu vou mudar de ramo... Quantos rotistas ele tem? Uns 20? Porque deve ser uma banca grande pra chuchu...

Vladimir Brother entrou mudo e saiu calado.

Por volta das 7h da noite, o crioulo passou na banca para receber o prêmio. Conferiu a grana, separou uma parte do dinheiro e falou, resoluto:

– No jogo de amanhã à tarde, coloca cinco mil pratas no camelo. Na cabeça!

Dito isso, o crioulo pagou a nova aposta, deu um beijo numa medalhinha que trazia em um dos cordões e foi embora. Ivan descarregou a aposta com o bicheiro Antônio Soares.

À tarde, na extração da Paratodos, deu camelo na cabeça. Nervosíssimo, Ivan mandou Vladimir Brother ir receber o dinheiro do prêmio na casa do bicheiro Antônio Soares, com uma nova recomendação:

– Agora é que o seu Antonio deve estar mesmo desconfiado e vai te fazer um bocado de perguntas. Não responde nada. Fala que tua função é apenas receber o dinheiro do prêmio e entregar na banca.

Dito e feito. Enquanto contava os 100 mil do prêmio, o bicheiro tentava tosquiar o carneiro:

– Esse Ivan Chibata tem quantos cambistas? Porque pra pagar um prêmio desses, ele deve ter pra mais de 500... Com outro descarrego desses, ou eu vou mudar de ramo ou eu vou descobrir o que está acontecendo... Quantos rotistas ele tem? Uns 200? Porque deve ser uma banca grande pra caralho! Dê um recado pro Ivan Chibata: não é nada pessoal, mas se eu sentir cheiro de marmelo, o chifre de alguém vai feder...

Como da primeira vez, Vladimir Brother entrou mudo e saiu calado.

Por volta das 7h da noite, o crioulo passou na banca para receber o prêmio. Conferiu a grana, separou uma parte do dinheiro e falou, resoluto:

– No jogo de amanhã à tarde, coloca 20 mil pratas no pavão. Na cabeça!

Dito isso, o crioulo pagou a nova aposta, deu um beijo numa medalhinha que trazia em um dos cordões e foi embora.

Ocorre que a história do crioulo bom de palpite havia circulado dentro da banca e contaminado todo mundo (cambista, rotista, conferente, segurança, tesoureiro, servente, etc.). Tudo quanto foi funcionário da banca resolveu apostar no pavão, na cabeça. Ivan Chibata ficou transtornado: se descarregasse o total das apostas (R$ 50 mil) com o bicheiro Antônio Soares e desse pavão na cabeça, ele era um homem morto. Ninguém pagaria R$ 1 milhão de prêmio sem deixar alguns cadáveres pela estrada.

Cada vez mais nervoso, ele fez o que lhe pareceu mais lógico: bancaria, ele mesmo, a aposta. Se desse pavão na cabeça, Ivan Chibata estaria desmoralizado pelo resto da vida e seria banido do jogo do bicho por não pagar as apostas, mas ainda assim teria um capital de R$ 50 mil para iniciar uma nova profissão. Talvez voltasse a ser um vendedor de produtos farmacêuticos, quem sabe.

Antes de começar o sorteio da Paratodos, ele trancou-se sozinho em seu escritório, reuniu todas as “pules” do pavão em um gigantesco maço, sentou-se em cima e ficou aguardando o resultado ao lado do telefone vermelho, mais angustiado do que barata de ponta-cabeça.

O telefone tocou. Pálido como um defunto, Ivan Chibata começou a anotar com giz em uma plaqueta os resultados que lhe eram transmitidos do Rio de Janeiro. Quando terminou a tarefa, chamou Vladimir Brother:

– Mete no rosto a tua melhor cara de corno triste, vai lá no salão e pendura essa plaqueta de cabeça pra baixo!

Vladimir Brother obedeceu. No salão, umas 80 pessoas, entre cambistas, rotistas, conferentes e pessoal administrativo, aguardava o resultado. Quando viram a plaqueta de cabeça pra baixo, foi o maior alvoroço, com todo mundo avançado ao mesmo tempo para ver de perto os números sorteados.

Nesse momento, Ivan Chibata entrou no salão:

– Deu urso na cabeça, bando de traíras! – vociferou.  – Você se fuderam comigo!

Aí, jogou a pá de cal:

– Milka, minha filha, coloca a mala de dinheiro no carro e vamos embora gastar o dinheiro desses patos, que hoje nós lavamos a burra! Vocês se fuderam comigo, seus traíras de uma figa!

Na mesma noite, Ivan Chibata pagou integralmente o valor das fantasias da bateria do GRES Andanças de Ciganos. O crioulo sarará nunca mais acertou um jogo e terminou ficando completamente “liso” uns seis meses depois.

As duas apostas seguidas que havia acertado tinha sido apenas sorte de principiante. 

Magal não perdoa, mata...


Áureo Petita e Rita Bacury

              Março de 1985. Um dos irmãos do Áureo Petita, o produtor cultural Amaury Gomes (aka “Magal”), andava com os nervos à flor da pele, irritadiço, nervoso, chutando a própria sombra, tocando terror em casa e na vizinhança. 

             Depois de muita conversa, Magal concordou em ir a um médico onde foi submetido ao exame de polis sonografia noturna.

O exame acusou baixos percentuais de sono nos estágios 3 e 4 e pouco sono REM. O médico receitou uma pílula de Rohypnol Flunitrazepam 1 mg a cada 12 horas. Desconfiadíssimo, Magal se recusou terminantemente a tomar o remédio.

A família voltou a conversar com o médico. Ele sugeriu esmigalharem as pílulas e diluírem o pó no prato de comida do paciente, que o resultado seria o mesmo. Por ser o irmão mais velho, Áureo Petita foi encarregado de executar a operação.

Ele esmigalhou duas drágeas de Rohypnol Flunitrazepam 1 mg, diluiu o pó em caldo de feijão, colocou a mistureba num prato fundo e completou a refeição com arroz, farofa e bife acebolado. 

Para Magal não desconfiar de nada, Áureo preparou um segundo prato exatamente igual ao primeiro e chamou o irmão para almoçar. 

Magal se sentou à mesa. Áureo empurrou o prato com a mistura para o irmão e começou a comer de seu prato.

– Porra, Áureo, eu estou morrendo de sede. Me arruma um copo d’água! – avisou Magal.

Áureo se levantou da mesa e foi até a cozinha pegar um copo de água na geladeira. Magal aproveitou a ausência momentânea do irmão e trocou os dois pratos de lugar. Os dois começaram a comer.

Encerrada a refeição, Magal saiu da mesa para continuar tocando terror. Áureo Petita passou dois dias dormindo.

O dia em que o poeta levou um banho


Sici Pirangy e Jorginho Poeta

            Fevereiro de 1984. O poeta Jorginho Almeida foi o primeiro sujeito da turma a admitir publicamente que fazia uso recreativo do “cigarro de índio”. Ele comprava seu bagulho na Vila Mamão, na casa de duas índias sateré-mawé, Vilma e Regina, as únicas na cidade que vendiam uma erva autêntica, orgânica, sem mistura, e ainda ostentando o selo de qualidade da região do Rio Marau, em Maués.

Os biriteiros do Top Bar só se referiam a ele pejorativamente como “Jorginho Maconheiro” e o preconceito inicial, com o passar dos tempos, se transformou em estigma. Ninguém queria ser visto na companhia de Jorginho, para também não ser rotulado de “maconheiro”. O poeta, entretanto, não dava a mínima para os comentários desairosos a seu respeito. Ele continuava curtindo seu bagulho sozinho como um autêntico Lone Ranger daqueles tempos fluviais.

Naquele mês de fevereiro, Jorginho resolveu desfilar em uma das alas do GRES Andanças de Ciganos. A concentração da escola, como sempre, foi no Boulevard Amazonas, nas proximidades do cemitério, porque o desfile ainda acontecia na Avenida Djalma Batista. Vários brincantes se acotovelaram em um barzinho existente naquela artéria e começaram a encher a cara de birita enquanto aguardavam o início do desfile. Jorginho sondou o ambiente e percebeu que o banheiro do boteco era um local estratégico para detonar um beise.

Ele entrou no banheiro, enrolou um “guantanamera” (o charo do tamanho de um charuto habana cristal), colocou na boca e quando acendeu o fogaréu, alguém surrupiou, com violência, o beise de sua boca. Ele tentou reagir, mas foi imobilizado por um providencial “mata-leão”, enquanto uma alcateia de lobos famintos entrava no banheiro e detonava sem pena o robusto guantanamera: Afonso Libório, Ricardão, Luiz Lobão, Sici Pirangy, Antídio Weil, Arlindo Jorge, Lúcio Preto, Ailton Santa Fé et caterva. Não sobrou nem a cinza.

Injuriado, Jorginho limitou-se a comentar:

– Pois é... E ainda dizem que eu sou o único maconheiro da Cachoeirinha...

Teve “maconheiro” que passou mal de tanto rir. 

Primeira Lição das Pedras


O ex-encrenqueiro Renato Doido

            Novembro de 1974. Depois de uma matinê no Cine Ypiranga, a cachorrada (Arlindo Jorge, Sici Pirangy, Chico Porrada, Carlinhos, Renato Doido, Airton Caju, Gilson Cabocão, Paulo César Dó, etc) vai caminhando pelas ruas do bairro até o bar do seu Amadeu, no canto das ruas Parintins e Urucará. Lá, pedem uma garrafa de cachaça Tatuzinho, misturam com guaraná Andrade e começam a biritar.

Por volta das 19h, um casal passa de mãos dadas pela frente no bar, em direção à rua Tefé. O abusado Renato Doido pirou o cabeção. Ele vai para a porta do bar e abre o verbo:

– Gostosa! Bunduda! Peituda! É de uma máquina dessas que estou precisando pra trocar o óleo! Vai lá pra casa que eu te dou grana, comida e roupa lavada, pedaço de mau caminho!
Quinze minutos depois, um sujeito chega ao bar.

– Meus amigos, com licença, mas você sabem qual foi a pessoa daqui que ficou jogando piadinhas pra minha esposa quando a gente ia passando?...

– Foi aquele ali! – avisou Arlindo, apontando para o Renato Doido.

– Será que vocês me permitem dar umas porradinhas nele? – insistiu o sujeito.

– Fique à vontade, meu amigo! – devolveu Sici Pirangy.

O sujeito segurou o Renato Doido pelo colarinho, levou para fora do bar e lhe deu um samba de crioulo doido. O abusadinho apanhou mais do que boi ladrão. Terminada a sova, o sujeito agradeceu pelo fato de ninguém ter se metido e foi embora.

Coma fuselagem totalmente avariada, Renato Doido estava inconformado:

– Vocês não são meus amigos! O cara me enchendo de porrada e ninguém se meteu! Vocês não são meus amigos, porra! Vocês são uns traíras!

– Teus amigos, nós somos! – avisou Arlindo Jorge. – O que não está certo é você fazer graça com pessoas que nem conhece. Você gostaria que alguém fizesse o mesmo com a tua namorada?...

Pelo visto, Renato Doido aprendeu a lição, já que nunca mais repetiu a façanha.

Quizomba na Barbearia do Juca


Março de 1968. O barbeiro Juca se meteu em um entrevero com o folgado Gabarito por causa de uma mulher. O imbróglio dava conta de que, supostamente, a mulher era namorada do Juca, mas Gabarito insinuara no Top Bar que também estava provando do fruto e que Juca não passava de um corno manso. Por conta disso, os dois foram às vias de fato, trocaram pernadas e safanões, e o franzino Juca levou a pior diante do rotundo Gabarito. O barbeiro jurou vingança.

 Seis meses depois da quizomba, Gabarito estava tomando cachaça em companhia do Chico Popopô, no Top Bar, e, lá pelas tantas, mandou um papo reto:

– Compadre, segura essa despesa aí, que eu vou lá na barbearia do Doca, ao lado do Ypiranga, para fazer a barba...

Pressentindo que ia ficar no prejuízo, Chico Popopô reagiu:

– Que é isso, compadre, pra que ir tão longe? Faz a barba com o Juca, aqui do lado...

– Porra, compadre, a gente já teve um desacerto, não fica bem eu entrar na barbearia dele... – devolveu Gabarito. – No mínimo, o Juca vai querer me matar!

Chico Popopô não se deu por vencido:

– Deixa de ser besta, compadre, que o Juca já esqueceu aquilo faz tempo... Vai lá fazer a barba, porra, que o Juca quer mesmo é ganhar uns cobres!

Meio constrangido, Gabarito saiu do bar e entrou na barbearia, que ficava ao lado do boteco. Chico Popopô foi junto, para dar apoio moral. Ele se sentou no banco de espera e começou a folhear uma das revistas Cruzeiro existentes no local. O barbeiro Juca tratou Gabarito com extrema cortesia. Ainda meio ressabiado, Gabarito se sentou na cadeira do barbeiro.

Juca amarrou delicadamente um pano branco em volta do seu pescoço, preparou a espuma de barbear em um recipiente metálico, besuntou o rosto de Gabarito com bastante espuma e se posicionou atrás da cadeira. Na sequência, ele segurou com força o queixo do Gabarito com a mão esquerda e com a mão direita encostou a navalha afiadíssima na jugular do cliente. Aí, rosnou:

– Fala agora que eu sou um corno manso, filho da puta! Fala agora!

Se tremendo mais do que vara verde, Gabarito, com um fiapo de voz, se queixou para Chico Popopô:

– Eu não te disse que o homem ia me matar, compadre? Eu não te disse?...

Chico Popopô, indiferente, pegando uma outra revista Cruzeiro para folhear:

– Mata nada, compadre, mata nada! O Juca é corno manso, não é homicida!

Ouvindo aquilo, Juca soltou Gabarito e partiu pra cima de Chico Popopô, que saiu correndo. Gabarito aproveitou a oportunidade para também meter o pé na carreira.

Os dois compadres passaram mais de seis meses sem encarar o injuriado barbeiro Juca. Depois, como acontece sempre no mundo real, fizeram as pazes.

terça-feira, outubro 23, 2018

Você é doida demais!


Walter Meio Quilo e Luiz Lobão

Agosto de 1988. Presidente do GRES Andanças de Ciganos, o advogado Vilson Benayon se lança candidato a vereador pelo PMDB e escolhe vários membros da bateria da escola para fazerem parte de sua equipe de campanha.

Um dos grupos recebeu uma Kombi novinha em folha e a recomendação expressa de só colarem cartazes em locais previamente agendados pelo candidato.

Um dos locais agendados é o Bar do Barroso, na época presidente do bumbá Tira Prosa, localizado em Santa Luzia. A equipe chega ao boteco, numa noite de sábado, e o cabaré está inflamado por conta do tecladista Milton, que, entre outros cacoetes, costuma tocar músicas a pedido.

Eles começam a colar os cartazes do Benayon pelas paredes do bar, enquanto o responsável pela equipe, o espevitado Walter Meio Quilo, conversa sobre amenidades com algumas garotas.

Um dos moleques da equipe coloca um bilhete na mão do tecladista pedindo uma determinada música. Milton lê a presepada e começa a cantar: “Eu pensei em me entregar / Meu amor meu coração / Meu carinho e muito mais / Mas parei por um instante / Pensei mais dois minutinhos / E voltei um pouco atrás / Recordei pelo passado / Você esteve ao meu lado / E roubou a minha paz / Você me serve de exemplo / Vou fugir enquanto é tempo / Você é doida demais!”.

Aí, enquanto fazia algumas lambanças melódicas no teclado, Milton pegou novamente o bilhete e leu em voz alta: “Essa música é dedicada à mulher mais gostosa e mais fogosa da Cachoeirinha. Além de cadeiruda, peituda e bunduda, a Rossicléia Alves é uma pessoa muito dada, muito safada e muito saidinha! Essa é pra você, Rossicléia, lembrando das noites de amor nos nossos lençóis!” – e voltou para o refrão “Você é doida demais! Você é doida demais! Doida, muito doida, doida, doida! Você é doida demais!”.

Os colhões do Meio Quilo foram parar na garganta. Rossicléia Alves era o nome de sua velha mãe. Ele pegou um terçado e deu uma terçadada no meio do contador de luz. O boteco ficou às escuras. Completamente ensandecido, Meio Quilo começou a bater com a costa do terçado em quem estivesse no seu raio de ação. O boteco virou uma zona total.

Meio Quilo só sossegou o facho quando chegou uma equipe da Rocam, meia hora depois, para colocar ordem na casa. Benayon foi eleito vereador, mas não recebeu um voto em Santa Luzia. 

E até hoje Meio Quilo quer saber qual foi o palhaço que colocou na roda a “doida” da sua genitora.

Antídio Weil e seu Opala estribado


Antídio Weil fazendo uma visita de cortesia no mocó

             Fevereiro de 1973. Em pleno sábado gordo, o comerciário Assis Bulcão resolve fazer uma monumental brincadeira em sua casa, na COHAB-AM da Raiz, e recruta as comerciárias mais bonitas da cidade.

Eram perto de 15 beldades, que logo despertaram a cobiça dos garanhões do bairro. Só elas eram tiradas pra dançar.

Irritadas com a desfeita, as demais meninas da vizinhança começaram a abandonar o covil.

Por volta das 10h da noite, só havia na brincadeira as belas comerciárias e uns 50 machos, dispostos a matar ou morrer para dançar com uma delas.

De repente, Antídio Weil para em frente da casa do Assis e estaciona o seu monumental Opala zero-quilômetro, que ele havia acabado de comprar.

Equipado com pneus tala larga em aros de magnésio, banco de couro de antílope, descarga Kadron e toca-fitas Roadstar, o Opala era um objeto de desejo de dez em cada dez pessoas presentes na brincadeira. Antídio logo virou o quindim das meninas.

Aproveitando a maré de sorte, ele perguntou se elas não queriam ir com ele para o Baile do Havaí, que seria realizado naquela mesma noite, no Parque Aquático do Atlético Rio Negro Clube. As comerciárias, evidentemente, toparam na mesma hora.

Aboletando-se uma no colo da outra, as 15 beldades entraram no Opala e Antídio se mandou com seu novo harém particular.

A monumental brincadeira do Assis Bulcão acabou na mesma hora (antes das 11h da noite!) por absoluta falta de público feminino. Uma desmoralização completa!

Sem se importar com o desastre que acabara de provocar, Antídio estacionou o carro em uma viela, ao lado da sede do Rio Negro, e foi até a bilheteria do clube, onde adquiriu três mesas e quatro ingressos.

Para entrar no clima, comprou de um camelô dezenas de colares de flores, bandanas multicoloridas e vários saquinhos de confete, malocou suas bisnagas de lança-perfumes na bolsa de uma das meninas e, aos gritos de “aloha! aloha!”, rebocou seu harém para o parque aquático, onde o baile de carnaval estava começando a pegar fogo.

Ele se tornou o cara mais invejado da noite, tanto pela quantidade como pela qualidade do plantel.

A pequena trupe deixou a sede do Rio Negro com o dia já amanhecendo. Com vários colares de flores amarrados na cabeça, Antídio, mais feliz do que pinto em merda, abraçado com duas garotas, capitaneava o resto do harém e puxava o coro: “Bandeira branca, amor / Não posso mais / Pela saudade que me invade / Eu peço paz!”

Ao chegarem na viela, ao lado da sede do Rio Negro, estava o lugar mais limpo do mundo. Os amigos do alheio haviam levado o Opala envenenado.

Antídio ficou transtornado:

– Puta que pariu, cadê meu carro?... Puta que pariu, cadê meu carro?... Roubaram o meu carro... Roubaram o meu carro... Estou fodido!... Puta que pariu, estou fodido!... Roubaram o meu carro...

Aí, sem mais nem menos, transferiu sua fúria para as meninas:

– Eu me fodi por causa de vocês, bando de muquiranas! Eu me fodi por causa de vocês! Se eu não tivesse conhecido vocês na casa do Assis eu não teria vindo pra essa merda de carnaval e meu carro não teria sido roubado! Vocês são um bando de filhas das putas, suas piranhas desgraçadas! Saiam da minha frente senão eu vou começar a dar porrada em cada uma... Suas putas safadas, muquiranas de merda! Vão embora, vão embora, vão embora, antes que eu perca a cabeça!

Assustadas, as garotas foram embora apressadamente em direção ao Terminal da Matriz, pra tentar descolar um ônibus que as levasse pra casa. Antídio pegou um táxi e foi pra Cachoeirinha, pedir ajuda dos amigos motorizados para ajudá-lo nas buscas.

O Opala envenenado foi encontrado por volta das 5h da tarde de domingo, nas proximidades do igarapé do Japonês, no meio da selva existente na Colônia Japonesa. 

Estava sem os quatro pneus tala larga em aros de magnésio, sem os bancos de couro de antílope, sem a descarga Kadron e sem o toca-fitas Roadstar.

Não posso provar, mas desconfio até hoje de que o Assis Bulcão foi o autor intelectual da presepada.

O snipper cigano



Petrônio Aguiar e sua neta Sofia

Março de 1998. A diretoria do GRES Andanças de Ciganos está reunida na quadra da escola para avaliar o desfile. Discussões acirradas, todo mundo colocando a culpa em todo mundo por conta do desfile sofrível, que redundou em um desmoralizante 5º lugar. De repente, aparece o eterno beque central do Murrinhas do Egito, Petrônio Aguiar, fantasiado de oficial da SWAT: bota de cano alto, calça de camuflagem, colete à prova de bala, japona e capacete com viseira transparente. Nas mãos, um fuzil de uso exclusivo das Forças Armadas.

Para quem não sabe, o grupo SWAT (sigla de “Special Weapons and Tactics”, “Armas e Táticas Especiais”) é uma unidade de elite da força policial usada em situações excepcionais, que exigem maior poder de fogo ou táticas especializadas. Os oficiais da SWAT passam por treinamentos especiais e têm acesso a um arsenal de armamentos, blindagem e aparelhos de vigilância muito mais potentes do que os equipamentos de policiais comuns. Petrônio Aguiar havia passado seis meses em Los Angeles (EUA) fazendo o curso de oficial em uma das unidades da cidade.

Petrônio explica que não quer participar das discussões, mas que vai esperar até o fim da reunião porque está ali por conta de uma missão específica. Um dos mestres de bateria, Adalberto (aka “Dadau”), começa a ficar nervoso. Petrônio Aguiar não tira os olhos dele. As discussões prosseguem, cada vez mais acirradas, com todo mundo colocando a culpa em todo mundo por conta do desfile sofrível. O presidente da escola, Vilson Benayon, resolve suspender a reunião para ser retomada no dia seguinte.

Aqui cabe mais outra explicação: uma das diferenças entre o grupo da SWAT e o de oficiais de patrulhas regulares é o uso de equipamentos e armas avançadas. Os oficiais da SWAT usam coletes à prova de balas com blindagem cerâmica. O tronco e a cabeça são protegidos por capacetes e painéis balísticos de Kevlar. O típico arsenal de um oficial da SWAT inclui uma arma de mão confiável e potente, uma submetralhadora e uma escopeta.

Oficiais treinados como atiradores de elite – caso do Petrônio Aguiar – possuem um fuzil com mira telescópica. Além do fuzil, Petrônio estava com algumas armas de mão (Sig Sauer P220, Glock de 9 mm e um Colt calibre .45). As armas de mão são colocadas em um coldre na parte de baixo da perna, para uma sacada rápida, diferentemente dos oficiais de patrulha, que usam o coldre na cintura.

Assim que a reunião terminou, Petrônio tirou uma algema da cintura e avisou pro Dadau:

– Levante as mãos pra cima, coloque pra trás, espere eu lhe algemar e depois me acompanhe!

Dadau saiu correndo e entrou no banheiro da quadra da escola, onde se aquartelou. Petrônio, sem se abalar, deu um toque:

– É melhor você sair daí de mãos pra cima! Se eu tiver que entrar, vou meter uma azeitona no teu joelho e nunca mais você vai sambar aqui na quadra...

Um dos diretores dos Ciganos, Carlito Bezerra, partiu pra cima do oficial da SWAT:

– Êi, bicho, o que qui tu tá pensando, hein? Tu tá te achando Deus? Chega aqui, cheio de marra, frescando com todo mundo, armado igual ao Rambo! O Dadau é gente boa e é meu amigo, porra, ele é meu amigo!

Petrônio Aguiar, imperturbável, com o fuzil em posição de tiro:

– Carlito, fica na tua, que a gente já jogou muita pelada juntos e somos amigos até hoje! A parada não é contigo! No dia em que for contigo, eu vou esquecer que a gente já jogou no mesmo time e fazer o que tiver que ser feito. A parada aqui é com o Dadau, fica na tua!

Aí, pediu mais uma vez para o Dadau sair do banheiro com as mãos para cima. Depois de alguns minutos que pareceram horas, Dadau saiu do banheiro, com as mãos levantada, sem esconder o nervosismo.

Assim que algemou o diretor de bateria, Petrônio Aguiar o levou direto para o distrito policial, onde Dadau abriu o jogo: ele deu nome, codinome, telefone e endereço de todos os demais comparsas responsáveis pelo sumiço de 50 instrumentos, 40 mesas, 100 cadeiras e um freezer, ocorrido um mês antes, na quadra da escola. Parte dos objetos do furto foi recuperada.

Carlito Bezerra ficou tão bestificado com o tamanho da roubalheira do seu amigo Dadau, que se tornou admirador incondicional do oficial da SWAT.

Pânico no bondinho do Pão de Açúcar


O cantor e compositor Rui de Carvalho

             Julho de 1980. Recém-casados, Mário Adolfo e Maria Teresa estavam passando a lua de mel no Rio de Janeiro, quando o cantor e compositor Rui de Carvalho apareceu no apartamento deles, na tarde de um sábado, e convidou os dois pombinhos para uma tour alcoólica pelos principais botequins da cidade. Abstêmia convicta, Maria Teresa recusou polidamente o convite. Mário Adolfo resolveu encarar.

Ele e Rui de Carvalho começaram seu passeio pelo Bracarense e, depois que meteram o pé na jaca, foram de Cervantes, Bofetada, Clipper, Bar Senegal, Bar Magnífico, Bar do Luiz, Lamas, Diagonal, Bar Brasil, Tangará, Paladino, Paulistinha, Braseiro, Petisco da Vila e o diabo a quatro.

Beberam uma tonelada de “garotos”, aquele chopinho em copo pequeno, e detonaram trocentos tipos de iscas diferentes (ovos coloridos, carne-seca desfiada, lombinho, linguiça, nhoque, bolinho de bacalhau, ostras, fígado de galinha, salaminho, queijos, picles, moela, torresmo, camarão a vapor, aipim, ovos de codorna e por aí afora).

Quando encerraram a esbórnia, já de madrugada, o fígado do jornalista estava pedindo penico.

No dia seguinte, Maria Teresa havia agendado previamente um passeio no bondinho do Pão de Açúcar. Mesmo com uma ressaca da moléstia, Mário Adolfo resolveu acompanhar a patroa.

Sua barriga emitia ruídos estranhos, acompanhados de calafrios e cólicas cada vez mais fortes. O biodigestor não estava dando conta das iscas devoradas na véspera sob uma cachoeira de chope. 

Para completar, era domingo. E domingo, como se sabe, o bondinho do Pão de Açúcar fica de gente que nem urubu em carniça de vaca atolada.

Imprensado no meio de 64 passageiros, Mário Adolfo soltou um silencioso “bufa” dentro do teleférico, no início do trajeto morro da Urca-Pão de Açúcar. 

             O cheiro de rato podre rapidamente empesteou o ambiente. Algumas pessoas começaram a passar mal. Outras tiveram ânsia de vomitar. Foram três minutos de desespero.

Assim que a porta do bondinho abriu no ponto de chegada, uma senhora idosa, com inflexões de raiva mal-contida, falou bem alto, pra todo mundo ouvir:

– O nojento que fez uma desgraceira dessas deve rezar pra salvar a alma porque o seu corpo já está podre em vida e não tem mais jeito...

Sério que só guri mijado no cueiro, o jornalista Mário Adolfo limitou-se a concordar com a anciã balançando afirmativamente a cabeça. Um artista!