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sábado, abril 28, 2018

30 anos de Bar do Boi e 22 anos de MAG


No início de 1987, vários parintinenses residentes em Manaus começaram a frequentar o Bar do Jô, localizado no Conjunto ICA-Maceió, nas proximidades do Colégio Leonor Mourão. Era um boteco de dimensões modestas, mas que possuía um imenso quintal paradisíaco. Entre os primeiros frequentadores do Bar do Jô estavam Afrânio, Ary Cavalcante, João do Carmo, o “Careca”, Fernando, Ariosto, Asa, Arlindo Jr., Chiquinho, Laurinho, Kaká Ferreira e Dodozinho Carvalho, todos eles torcedores do bumbá Caprichoso. No quintal do boteco, eles tocavam as toadas do touro negro e promoviam bingos, rifas e sorteios visando arrecadar recursos para futuramente adquirir instrumentos para a Marujada de Guerra. Até então os ritmistas do touro negro utilizavam muitos instrumentos emprestados pelo GRES Vitória Régia, da Praça 14, que tinha como presidente o empresário João Braga Neto, também torcedor do Caprichoso.

Na mesma rua do Bar do Jô, distante uns 50 metros do boteco “caprichoso”, o chefe de gabinete da juíza trabalhista Lucy Stone, Arlindo Jorge Mubarac, um dos fundadores do GRES Andanças de Ciganos, montou um barzinho para ser administrado por Rômulo, seu irmão caçula, que havia chegado de Santarém há pouco tempo e estava desempregado. Infelizmente Rômulo desistiu da empreitada porque era evangélico e Arlindo Jorge foi obrigado a segurar o pião na unha. Como era conhecido no bairro da Cachoeirinha como “Bode”, Arlindo Jorge fez uma corruptela da palavra “bodega” ironizando seu próprio apelido e batizou o botequim de Bar do Bodeco.

Sem ter a menor ideia da rivalidade existente entre os bumbás de Parintins, Arlindo Jorge pintou casualmente o piso do Bar do Bodeco de “vermelhão” e rapidamente ele se transformou em ponto de encontro dos torcedores do bumbá Garantido. Os próprios frequentadores do Bar do Jô começaram a se referir ao Bar do Bodeco como “bar do contrário” e os torcedores do touro branco compraram a ideia. Eles passaram a frequentar o boteco para tocarem as toadas de seu boi favorito. Movido pelas circunstâncias, o dono do Bar do Bodeco acabou se transformando em torcedor do Garantido.

Nesse meio tempo, o conhecido Sacy da Pareca também abriu um barzinho na rua Ramos Ferreira, nas imediações da quadra do GRES Mocidade Independente de Aparecida, e liberou o espaço para os brincantes dos dois bumbás, sem nenhum tipo de favoritismo. Se nos bares da ICA-Maceió o forrobodó rolava com instrumentistas tocando ao vivo, no bar do Sacy da Pareca quem comandava o embalo eram as fitas cassetes gravadas artesanalmente durante os festivais de Parintins, muitas delas de excelente qualidade. Entre os primeiros frequentadores do boteco estavam Ary Cavalcante, Laurinho, João do Carmo, o “Careca”, Afrânio, Ladico, Sucuba (irmão do futuro senador João Pedro Gonçalves) e Julhão Viana.

Foi tendo esses três botecos como epicentro que a febre do bumbás de Parintins começou a se alastrar por Manaus que nem um tsunami, a partir da propaganda boca a boca dos frequentadores habituais e dos cristãos novos convertidos para a causa. De uma hora para outra, cerca de 200 pessoas começaram a bater ponto nessas improvisadas rodas de toadas, sempre nas tardes de sábado, e os botecos ficaram pequenos para acomodar tanta gente interessada em conhecer melhor a brincadeira do “dois pra lá, dois pra cá”. Era necessário encontrar um novo espaço.

Um dos primeiros a perceber o potencial da brincadeira dos bumbás como entretenimento de massas na capital amazonense foi João do Carmo, o “Careca”, funcionário de carreira do Ibama e pesquisador das tradições indígenas na Amazônia. Toda noite de terça-feira, ele reunia uma parte da colônia parintinense residente em Manaus para esmiuçar o assunto. As conversas aconteciam em sua própria residência, na rua Ramos Ferreira, no famoso “Buraco do Pinto”.

– Olha, minha gente, essa onda do bumbá de Parintins vai pegar pra valer aqui em Manaus e nós precisamos nos preparar direitinho para não perder o controle da brincadeira! – vaticinava Careca. – Nós temos tudo para transformar Manaus numa excelente vitrine para o Festival Folclórico de Parintins!


Por sugestão do anfitrião, os torcedores do Caprichoso resolveram criar uma entidade jurídica denominada “Movimento Marujada”, cujo principal objetivo expresso nos estatutos seria contribuir finaceiramente para a manutenção da Marujada de Guerra do touro negro. O trabalho dos “marujeiros” seria voluntário. Entre os fundadores do Movimento Marujada estavam Sérgio Viana, Rogério Roça, Afrânio Gonçalves, Pedro José, João do Carmo, Roberto Santiago, Patrocínio, Wallace Maia, Chiquinho Severino, Henrique Medeiros, Renato Azedo, Norma Elaine, Lene Medeiros, Ângela Garcia, Edinalda, Edna, Tio Mazinho, Varlene Cid, Beto Medeiros, Dalva Andrade, Asa, Mariano, Kaká Ferreira, Laurinho, Carlos Nery, Ariosto, Mercinha, Fernando Marinho, Zezinho Cardoso, Cabo Cecílio, Lélio Lauria e Dodozinho Carvalho.

No início de 1988, o vendedor de seguros Ademir Matias, que também era cozinheiro nas horas vagas, perdeu o emprego por causa da crise econômica deflagrada pelo Plano Bresser e resolveu se virar nos trinta arrendando o restaurante dos funcionários da Delegacia Regional do Ministério da Agricultura, localizada na rua Maceió. Amigo de Ademir há vários anos, Tio Mazinho descobriu que o restaurante não funcionava nos dias de sábado e sugeriu ao empresário-cozinheiro que o espaço fosse utilizado como palco da brincadeira de boi durante aquela folga semanal. A sugestão foi levada aos dirigentes da autarquia, que aprovaram a ideia. Nascia o Bar do Boi, que tinha na linha de frente Kaká Ferreira, Rogério, Ademir, Jonas e Tio Mazinho, todos do Caprichoso. O pessoal do Garantido não quis participar oficialmente da administração do boteco, mas tinha espaço cativo nas rodas de toada. Cerca de 500 pessoas começaram a frequentar semanalmente o panavueiro.

Em meados de 1990, num incidente até hoje mal explicado, um dos seguranças do Bar do Boi matou a tiros um dos frequentadores do boteco e o assunto foi explorado à exaustão pela mídia sensacionalista. Os dirigentes da autarquia federal acabaram com o Bar do Boi na mesma hora. Os torcedores do bumbá Caprichoso ficaram sem pai nem mãe. 



Para sorte deles, no início daquele mesmo ano o empresário José Azevedo, da TV Lar, comprou o Caiçara Clube de Campo, dos funcionários da Reman (Refinaria de Manaus), para transformá-lo na TVlândia, o clube campestre de seus funcionários. O contador de José Azevedo era o parintinese Wallace Maia, do Movimento Marujada. Foi ele que cantou a pedra:

– Os funcionários da TV Lar não estão nem aí para o clube, mas o “seu” José Azevedo que dar uma função social ao espaço. Formem uma comissão para falar com ele. De repente, o empresário pode ceder a TVlândia para o Bar do Boi.

Dito e feito. O empresário deu carta branca aos dirigentes do Movimento Marujada. Por falta de manutenção, entretanto, a TVlândia estava muito deteriorada, precisando urgentemente de reparos nas instalações elétricas e hidráulicas. Apresentador do Caprichoso e então secretário municipal de Comunicação, o jornalista Marcos Santos cantou a pedra:

– O prefeito Artur Neto é torcedor do Caprichoso. Formem uma comissão para falar com ele. De repente, o prefeito pode dar uma força na infraestrutura do Bar do Boi.

Dito e feito. No comando da comissão estava a estudante de jornalismo Goreth Garcia. O prefeito não só garantiu uma completa reforma nas instalações da TVlândia como também acabou conquistando o coração da estudante de jornalismo, com quem depois casou e teve um casal de filhos.

Na TVlândia, o Bar do Boi começou a se transformar em um verdadeiro entretenimento de massas, atraindo mais de 4 mil pessoas nas tardes de sábado. Os itens oficiais do touro negro (Cunhan-Poranga, Rainha do Folclore, Porta-Estandarte, Levantador de Toadas, Amo do Boi e o próprio bumbá Caprichoso) começaram a fazer pequenas apresentações especiais durante o evento e a brincadeira foi lentamente conquistando os corações e mentes dos manauaras.

Nesse meio tempo, o bumbá Garantido resolveu fazer seu próprio “bar do boi” a partir da criação informal da associação “Amigos do Garantido”, inspirada no Movimento Marujada. O principal objetivo da associação era ajudar financeiramente a Batucada do touro branco. Nos primeiros anos, por uma série de circunstâncias, o Curral do Garantido – como ficou conhecido o evento promovido pelos Amigos do Garantido – não conseguiu se firmar em um local específico, o que desagradava seus torcedores e provocava uma baixa participação popular nas apresentações do touro branco. O curral começou no Clube Municipal, na Av. Torquato Tapajós, depois se mudou para o ginásio do Atlético Rio Negro Clube, no centro da cidade, depois foi para a quadra do GRES Mocidade Independente de Aparecida, e assim por diante.


O nomadismo do boi da Baixa de São José só teve um ponto final em 1996, por interferência direta de Arlindo Jorge Mubarac, o fundador do Bar do Bodeco. Colega de setor de Arlindo Jorge no Tribunal Regional do Trabalho, o advogado Almerinho Botelho era presidente do Olímpico Clube. Arlindo era sócio do clube. Durante uma conversa informal entre os dois, Arlindo cantou a pedra:

– Porra, Almerinho, o Garantido não possui um curral fixo e vive se mudando de um lado pra outro que nem bosta n’água. Teria algum problema se os ensaios do boi fossem realizados no Parque Aquático do Olímpico Clube?

– Não vejo problema nenhum, parceiro! – explicou o advogado. – Pede pro pessoal do Garantido me procurar que eu converso com eles!

Dito e feito. Arlindo Jorge relatou sua conversa para Junior do Garantido, ele falou com o resto da galera vermelha e branca, uma comissão do touro branco foi conversar com o advogado e os ponteiros foram acertados. No coquetel para o anúncio da nova parceria, com a presença de Zé Walmir, presidente do bumbá Garantido, foram expedidos 150 convites, mas compareceram mais de mil pessoas. Ficou acordado também que o curral do Garantido funcionaria às sextas-feiras.

Naquele mesmo ano foi fundado oficialmente o Movimento Amigos do Garantido (MAG), cujo principal objetivo expresso nos estatutos seria contribuir finaceiramente para a solidificação patrimonial e estrutural o bumbá Garantido. O MAG se tornou responsável pelos ensaios oficiais do boi em Manaus, incluindo a administração do curral no Olímpico Clube. Entre os fundadores do MAC estavam Mencius Melo, Marco Aurélio Medeiros, Brito do BEA, Marconi Jucá, Pampico Bulcão, Edjander Mota, Maurício Filho, Liduína Moura, Roseani Novo, Julhão Viana, David Melo, Welciane Jacintho, Felipe Novo, Marcos Cohen, Izoney Thomé, Rivaldo Pereira, Val Batuel e Amarildo Teixeira. No primeiro evento realizado no Olímpico Clube foram vendidos 4 mil ingressos. O touro branco havia encontrado uma vitrine à altura de suas tradições.


Em outubro de 1998, por iniciativa do vice-prefeito de Manaus Omar Aziz foi realizada a 1ª edição do Boi Manaus como parte das celebrações oficiais pelo aniversário da capital amazonense, comemorado no dia 24 de outubro. A ideia era misturar o ritmo das toadas de boi-bumbá à alegria contagiante dos carnavais fora de época, as conhecidas micaretas, como forma de valorizar os representantes legítimos da nossa cultura regional. Durante três dias consecutivos, o Sambódromo se transformou em palco para milhares de pessoas que cantaram, brincaram e dançaram ao som das toadas. O sucesso foi tão grande que o Boi Manaus foi incluído no calendário oficial de turismo da cidade.

Como na micareta, o Boi Manaus tem desfiles de levantadores de toadas e bandas de boi-bumbá, seguidos por cerca de 100 mil brincantes e simpatizantes em cada noite, vestidos de tururi – uma espécie de abadá nativo que identifica a preferência dos brincantes por determinado artista. O tururi também serve como ingresso para as tribos acompanharem o trio elétrico de seu artista ou grupo favorito na pista do Sambódromo. Quem não compra o tururi pode assistir a festa das arquibancadas, com capacidade para 120 mil pessoas, cujo acesso é gratuito.

No início de 1999, cacifado pelo sucesso estrondoso do Boi Manaus, Omar Aziz se reuniu com os representantes do MAC e da Marujada de Guerra e cantou a pedra:

– A brincadeira de vocês já conquistou os manauaras, mas o crescimento da festa está sendo prejudicado pelo limitado espaço físico dos atuais currais no Olímpico Clube e na TVlândia. Minha sugestão é que vocês utilizem o Sambódromo tal como nós fizemos no Boi Manaus. Eu já conversei com o prefeito Alfredo Nascimento e com o governador Amazonino Mendes e eles aprovaram a ideia. Nós vamos fornecer toda a infraestutura necessária para as apresentações semanais. A meta de vocês é colocar 50 mil pessoas no Sambódromo para brincar de boi e dar uma função social para aquele “elefante branco”...

Os dirigentes das duas associações aceitaram o desafio, mas acordaram em fazer suas apresentações em semanas alternadas: num sábado funcionaria o curral do Caprichoso, no outro, o curral do Garantido. O resto, conforme se diz, é história.

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