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quinta-feira, junho 07, 2018

A vida é perto



Por Ruy Castro

O conceito é de Millôr Fernandes, e se explica por si mesmo: a vida é perto. Foi dito por ele para a cantora Olivia Byington, a respeito de alguém que, sendo carioca e morando no Rio, fazia questão de ter casas e apartamentos em várias cidades do planeta. “A vida é perto, Olivia”, disse Millôr. Sem elucubrações outras. Ela entendeu, contou para todo mundo e todo mundo entendeu.

Foi também de Millôr que roubei o conceito de que ideal é morar, no máximo, até o 4º andar – para conservar a perspectiva humana. Por isso, há anos, ao comprar um apartamento no Rio, fiz questão de que, ao chegar à janela, eu estivesse ao alcance da voz de quem passava lá embaixo, na calçada. De que pudesse ler a tabuleta na carrocinha com o preço do Chica Bom e, idealmente, distinguir a cor dos olhos das moças a caminho da praia – único item que não foi atendido, porque elas passam de óculos escuros. Enfim, a vida é perto.

Preocupada com as possibilidades de contágio da gripe suína em São Paulo, uma autoridade sanitária paulistana disse que a situação é grave porque, lá, as pessoas passam o dia em interiores: no ônibus, no metrô, no escritório, na fábrica, no restaurante, na boate, em casa ou na casa dos outros. Impossível o espirro individual. Daí inferi que, em algumas cidades, a vida é dentro. E que, em outras – o Rio, por exemplo –, a vida é fora.

Pode-se estender o conceito a muitas categorias, com direito a escolha, como a de que a vida é hoje, ontem ou amanhã; de que a vida é agora ou nunca; ou de que é um amistoso ou a valer três pontos. Tudo vale. Mas, sob qualquer das possibilidades acima, a vida seria muito melhor se tivéssemos mais tempo para pensar nela.

Mas não dá, porque a vida, quando acordamos para ela, é depressa demais.

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