Um haitiano pilantra e
traficante de drogas provocou uma das maiores tragédias no meio musical do hip
hop
No dia 20 de maio de 2012, o Village Voice publicou uma
matéria intitulada “Tupac Shakur, Los Angeles Times e por que eu continuo
desempregado: uma história pessoal por Chuck Philips”, que transcrevemos
abaixo:
Durante vários anos, Chuck Philips produziu algumas das
melhores reportagens sobre os assassinatos de Tupac Shakur e Biggie Smalls. Na
semana passada, um julgamento no Brooklyn começou com uma situação estranha.
No julgamento federal criminal de James Rosemond – aka
“Jimmy Henchman” – uma das primeiras coisas que o advogado de Rosemond fez foi
chutar pra fora do tribunal um jornalista desempregado chamado Chuck Philips,
acusando-lhe de ser uma testemunha do caso.
Philips foi repórter investigativo do Los Angeles Times
durante 18 anos, cobrindo as seções de polícia e de entretenimento.
Em 1999, ele ganhou um prêmio Pulitzer com seu colega,
Michael Hiltzik, por uma série de reportagens denunciando a corrupção na
indústria do entretenimento.
Em 1996, ele ganhou o Prêmio George Polk pelo conjunto de
artigos sobre arte e cultura negra na América.
Um ano depois, ele ganhou um prêmio da Associação Nacional
de Jornalistas Negros pela cobertura consistente e detalhada dos negócios
suspeitos da música rap.
Durante vários anos, ele investigou os assassinatos de Tupac
Shakur e Biggie Smalls, produzindo algumas das reportagens mais importantes
sobre esses crimes.
Em 2008, entretanto, a carreira de Chuck Philips no
jornalismo acabou, de repente, com sua demissão sumária do jornal californiano.
Agora, pela primeira vez, ele está falando longamente sobre
como isso aconteceu e como ele se tornou uma testemunha em um julgamento
federal.
No final do texto, temos uma declaração do Los Angeles
Times, que recebi depois de informar ao seu advogado de que estávamos
publicando esta matéria – Tony Ortega, editor.
“Meu nome é Chuck Philips. Passei os últimos dez anos de
minha vida profissional no jornal Los Angeles Times procurando investigar o
assassinato do artista de rap mais importante do mundo, Tupac Shakur, e do seu
rival, Biggie Smalls.
Minha investigação me levou de volta a uma brutal emboscada,
em 1994, no Quad Recording Studios, em Manhattan – um momento crucial na
história do hip hop e um presságio da violência que estava por vir: a sangrenta
batalha entres as duas costas (Leste e Oeste), que culminaria com o assassinato
de 2Pac e de Biggie .
A emboscada de 1994, que vitimou Tupac, classificada pela
polícia de Nova York (NYPD) como um assalto, nunca foi esclarecida. Nenhuma
acusação foi feita. Nenhuma prisão foi executada.
Os policiais nunca investigaram Sean “P. Diddy” Combs e
outros proeminentes membros da Bad Boy Records, entre funcionários e
colaboradores, presentes no Quad, naquela noite de novembro.
As autoridades não tinham a menor simpatia por Tupac nem por
suas letras repletas de muita discurseira anti-policial.
Desde o início, a polícia não mostrou nenhum interesse em
resolver o crime.
A reputação de Tupac como um encrenqueiro era ofuscada pela
sua arte.
No dia de sua morte, dois anos depois, quando ele tinha
apenas 25 anos, o que perdemos foi um talentoso poeta e orador de alto nível,
cujo homicídio não solucionado deixou uma cicatriz na consciência criativa da
América.
Tupac não era o bandido que acabou sendo retratado pelos
meios de comunicação.
Desde cedo, o artista buscou apoio na filosofia. Ele estudou
Shakespeare e Nietzsche. Sun Tzu. Maquiavel. Aristocracia não lhe
impressionava. Xenofobia o incomodava. Ele não tinha tempo para o racismo.
No mundo de Tupac, os manos obedeciam a um único recado:
“Nunca seja ignorante sobre os caminhos certos para atingir os objetivos
pretendidos.”
Ele também era um homem das mulheres. Bonito. Carismático.
Um iconoclasta. Um anarquista.
Criados pelos pais revolucionários, ele se manteve fiel às
suas raízes de fora da lei, desafiando até o fim os policiais corruptos e os
gangsteres psicopatas.
E foi isso que o matou, em 7 de setembro de 1996, com uma
saraivada de balas, na frente de centenas de testemunhas, na Las Vegas Strip.
Eu poderia ter me importado bem menos com os policiais.
Na polícia de Las Vegas, o sargento Kevin Manning, que
iniciou o inquérito sobre o caso, me disse que a investigação do assassinato de
2Pac terminara pela mesma razão que a maioria dos inquéritos de
gangue-contra-gangue resulta num beco sem saída: porque as testemunhas
desconfiam dos policiais serem corruptos e se recusam a cooperar.
Quando eu comecei a minha investigação do assassinato, em
1999, a indiferença dos agentes da lei me surpreendeu.
Foi então que me propus a rastrear todas as pessoas que
tivessem tido conhecimento em primeira mão dos acontecimentos.
Em vez de apenas falar com os detetives, fui para prisões de
todo o país.
Eu desenvolvi relacionamentos com gangsteres e suas famílias
e amigos em áreas de LA e NY, onde tiroteios são frequentes.
Entrei em bairros em que poucas pessoas de fora entravam.
Todos os caminhos levaram ao Quad.
No momento em que comecei a investigar a emboscada, em 2007,
havia caído o estatuto de limitações sobre o assalto de 1994 e o crime havia
prescrito depois de sete anos.
A polícia nunca tentou encontrar ou investigar os
assaltantes de 2Tupac.
Então eu tomei essa tarefa pra mim.
Com a orientação de fontes da rua, eu fui capaz de
identificar quem eram os assaltantes e onde viviam.
Eu os visitei na prisão e os entrevistei.
Dois dos homens que entrevistei confirmaram as suspeitas de
Tupac sobre quem tinha sido o mandante do atentado.
Um deles fez um depoimento em letras escritas à mão e enviou
pra mim no verão de 2007.
O outro até se ofereceu para me vender a corrente de ouro
roubada de Tupac.
De acordo com os assaltantes, o homem que encomendou e
financiou o atentado contra Tupac era um informante federal e membro da posse
de Sean Combs, chamado James Rosemond, mais conhecido nos círculos do hip hop
como “Jimmy Henchman” – um criminoso condenado, de ascendência haitiana, que
havia criado um inexplicável rancor contra 2Pac.
Quatro anos atrás, eu publiquei um relato sobre essa
emboscada fatídica, em 1994, em Manhattan, em que 2Pac quase foi morto.
O rapper foi baleado, recebeu uma saraivada de socos, chutes
e uma coronhada dada por assaltantes desconhecidos quando ele entrou no Quad
Recording Studios, depois de ter sido convidado por Henchman.
Os agressores foram instruídos a não matar 2Pac, apenas
feri-lo.
Os assaltantes roubaram do rapper pelo menos US$ 40 mil em
joias de ouro e diamantes e o deixaram no chão desfalecido.
Shakur sobreviveu e culpou publicamente Henchman por
orquestrar o ataque.
(Há alguns anos, após a publicação da minha matéria, eu vim
saber, por meio dos assaltantes, que tinha sido 2Pac que atirara,
acidentalmente, na sua virilha, durante a briga, usando sua própria arma, na
tentativa de se defender. A arma disparou no começo da treta, me contaram,
antes de os agressores começarem a bater nele e dar-lhe uma coronhada que o
jogou no chão. Foi quando começaram a chutá-lo seguidamente, sem piedade. Não
houve testemunhas do crime. Assim, 2Pac, ainda segundo eles, usou de licença
poética para dramatizar o fato, transformando o assalto em uma tentativa de
assassinato, exagerando o número de vezes em que foi baleado e extrapolando a
gravidade de seus ferimentos.)
Meu artigo intitulado “Um ataque contra Tupac Shakur iniciou
uma guerra no hip hop”, foi publicado em 17 de março de 2008, no website do Los
Angeles Times.
Baseei minha reportagem em entrevistas exclusivas com os
homens que atacaram Shakur, que nunca antes tinha falado com um repórter, e com
outros gangsteres de Nova York familiarizados com o ataque – os quais
confirmaram a avaliação do rapper de quem tinha sido o mandante.
A reportagem foi ilustrada com os relatórios FBI-302s, que
eu tinha obtido a partir de um caso arquivado em um tribunal da Flórida, meses
depois de terminar a minha investigação.
Tratava-se de documentação oficial que apoiava em parte
aquilo que minhas fontes entrevistadas tinham me contado anteriormente.
Em 26 de março de 2008, oito dias depois de a reportagem ter
sido publicada, os relatórios FBI-302s foram expostos pelo site
thesmokinggun.com como sendo frutos de uma falsificação grosseira – e o mundo
desabou.
Devo observar aqui que não era minha ideia publicar no
website os documentos com os números originais ou mesmo citar livremente seus
números no artigo.
Essa foi uma decisão tomada por meu editor e pelos advogados
do jornal – e autorizado pelo então editor-chefe do Los Angeles Times, que era
na prática o chefe supremo do jornal.
Minha reportagem original quase não mencionava os relatórios
302s nem o indivíduo que mais tarde foi acusado de ter fabricado os documentos.
Informação que eu tinha inicialmente atribuída a fontes
anônimas mais tarde foi substituída pelos editores na minha reportagem pela
frase “de acordo com o informante do FBI”, o mesmo que fez acusações
semelhantes nos supostos relatórios 302s.
A decisão de se basear em documentos oficiais, o velho
estratagema comum de um jornalismo legalmente defensivo adotado pelos editores
e advogados, provocou o escândalo que matou a história.
Na mesma hora em que os relatórios FBI-302s foram expostos
como falsificações, Henchman me acusou publicamente de fabricar documentos para
difamá-lo.
Ele alegou que a minha reportagem era insultuosa e que tinha
danificado para sempre sua reputação.
Para mim, parecia cômico que um criminoso condenado que se
autodenominava “o Feitor do Gangsta Rap” poderia culpar uma reportagem como a
minha para manchar sua reputação.
Afinal, mesmo depois de Tupac acusar Henchman de orquestrar
a emboscada de 1994, ninguém na indústria musical realmente prestou atenção
nesse autêntico zero à esquerda.
Na verdade, Henchman construiu seu nome de “fodão do pedaço”
por meio da força dos boatos de seu envolvimento no assalto brutal, que acabou
reforçando sua credibilidade nas ruas, na década de 1990.
Antes da emboscada na Quad, Henchman era apenas mais um
traficante de cicatriz no rosto feito uma letra de rap, com várias detenções
por homicídio, roubos e múltiplas violações por uso de armas de fogo.
Ele havia sido indiciado por tráfico de cocaína – um caso em
que a polícia disse que ele tinha emboscado pessoalmente um homem (prenúncio do
ataque a Tupac) e atirado no rosto da vítima.
Na verdade, na noite em que Henchman convidou Tupac para ir
ao estúdio, ele era um fugitivo da justiça decorrente de uma violação por arma
de fogo ligada à emboscada já citada antes, que o envolvia diretamente em um
caso de tráfico de drogas.
Naquela época, Henchman se dizia ser o sumo sacerdote da
cruzada anti-informantes do gangsta rap e dirigia uma agência de talentos, na
prática um pequeno depósito de ratos, que odiavam os artistas de rap que
cantavam sobre tráfico de drogas, tiroteios e mortes.
Antes de sua prisão, seu cliente mais famoso era um
conhecido rapper de Los Angeles chamado Game.
Autoridades acreditam agora que a agência de Henchman era,
na verdade, apenas a fachada de uma empresa nacional de tráfico de drogas.
Henchman e seu advogado, Jeffrey Lichtman, iniciaram uma
agressiva campanha online atacando a minha credibilidade, pedindo minha
demissão da MTV e de outros meios de comunicação.
Por quê? Eu não era a primeira pessoa a levantar a questão
do envolvimento de Henchman no ataque do Quad.
Antes de Tupac ser morto a tiros em 1996, ele culpou
Henchman em várias entrevistas publicadas e identificou-o pelo nome como o
autor do ataque em sua canção “Against All Odds”.
Várias publicações de música tinham feito reportagens
especulando sobre o possível papel da Henchman na emboscada – sem sofrerem represálias.
Mas no meu caso, Henchman retaliou com um ataque pessoal
coordenado contra minha pessoa, que dominou a Internet por várias semanas.
Henchman veiculou na web diversas mentiras sobre mim enquanto
seu advogado atormentava meus chefes na época com telefonemas cada vez mais
ameaçadores.
O advogado ameaçou me processar com base nas leis federais,
mas nunca fez.
Ele não precisou.
O jornal cedeu ao seu assédio moral.
O escândalo da falsificação de documentos surgiu num momento
em que o LA Times estava prestes a implodir financeiramente e sua tinta
vermelha se transformara em hemorragia.
Com a sua empresa-mãe à beira da falência, o jornal foi
eliminando postos de trabalho, demitindo quem tinha mais tempo de serviço e
salários mais altos.
Aos funcionários foram oferecidos “compensações”, mas ficou
claro que se eles não aceitassem os termos estabelecidos pela administração,
seriam demitidos sem direito a nada.
Centenas de trabalhadores perderam seus empregos
imediatamente e uma nova onda de demissões teve início.
Editores e advogados ficaram de joelhos muito mais
preocupados com os seus próprios futuros profissionais do que com minha batalha
legal.
Como foi que os documentos surgiram?
No final de 2007, muito tempo depois de concluir minha
investigação de rua sobre a emboscada do Quad, recebi, por telefone, uma dica
não solicitada de um detento federal chamado Jimmy Sabatino, que me informou
que o sumário das entrevistas contidas nos relatórios FBI-302 faziam
referências à briga do Quad em um caso que ele havia respondido em uma Corte
Distrital dos EUA, na Flórida.
Sabatino estava na prisão por uma condenação por fraude.
Eu não o conhecia, mas logo passei a confiar no preso,
depois que ele ajudou a orientar-me em direção a um punhado de valiosos (e autênticos)
registros do tribunal que eu encontrei no National Archives and Records.
A partir das dicas do Sabatino, obtive os 302s do tribunal
da Flórida, porque eles continham informações que apoiavam algumas das coisas
que eu tinha descoberto a partir de minhas próprias fontes.
Para mim, a papelada do FBI era apenas a cereja no bolo, uma
verificação independente da minha própria investigação.
Meu editor e o advogado do jornal ficaram muito emocionados
porque eu tinha localizado documentos privilegiados que reforçavam a minha
reportagem.
Os 302s traziam os mesmos elementos de design gráfico que
todos nós tínhamos visto antes em relatórios do FBI.
Eu não tinha nenhuma razão para acreditar que eles eram
falsos.
Jornalistas são treinados especificamente para buscar
documentos judiciais porque eles são considerados os mais legítimos.
Irrepreensível.
Os relatórios do FBI em questão tinham sido analisados por
um juiz federal em audiência acontecida na Flórida e foi estudado por dezenas
de editores e advogados nos LA Times.
Nenhuma pessoa que os viu questionou a sua autenticidade
antes de meu artigo sair.
Nem mesmo o advogado de Henchman, Jeffrey Lichtman, a quem
eu havia enviado por fax os 302s para seu conhecimento, várias semanas antes da
publicação da minha história, questionou sua autenticidade.
Oito dias depois de minha reportagem ter sido publicada,
Bill Bastone, ex-repórter do The Voice, com renomada experiência em East Coast
FBI-302s, escreveu um artigo para thesmokinggun.com, especulando que os
documentos eram falsos.
Seu artigo levantou sérias dúvidas em minha mente sobre a
autenticidade dos documentos.
Eu não sabia se ele estava certo ou não, mas depois de
passar horas matutando, eu decidi confiar no julgamento de Bastone e comecei a
agir.
Na manhã de 26 de março de 2008, eu cheguei cedo à redação
do LA Times e imediatamente tentei convencer meus superiores a fazerem uma
chamada de primeira página seguida de um texto de minha autoria em que eu
reconhecia que tinha sido enganado pelos falsos 302s e pedia desculpas aos
leitores pelo erro.
Inicialmente, a ideia encontrou resistência nos editores e
advogados que me informaram que seria uma insensatez admitir publicamente o
erro.
Ao meio-dia, entretanto, a administração mudou de ideia e
solicitou a um dos editorialistas do jornal, James Rainey, que escrevesse o
texto que eu havia sugerido. (Aquele texto imparcial, de 27 de março de 2008,
levou assinatura de Rainey.)
Para esclarecer: a única coisa que eu me desculpava era por
ter publicado documentos supostamente falsos.
Eu nunca disse que o que eu escrevera antes estava errado.
Alguém podia ter me enganado, mas essa falha não invalidava
aquilo que eu reportara.
Eu nunca teria concordado em publicar os 302s se eles não
batessem com o que eu já tinha descoberto na minha própria investigação.
A minha reportagem havia sido apurada substancialmente.
Disso eu tinha certeza naquela época. E ainda tenho.
Colegas acharam que eu tinha pisado na bola.
Eu não sou um teórico da conspiração, mas uma frase que o
advogado de Henchman disse à MTV naquela semana me fez refletir: “Qualquer
advogado de primeiro ano saberia que os relatórios do FBI 302 que formaram a
base da história do LA Times foram fabricados”.
Primeiro, que os supostos documentos do FBI não formavam a
base do meu texto. Minhas fontes, sim.
Em segundo lugar, Jeffrey Lichtman, o advogado que agora
atacava a autenticidade dos documentos, teve cerca de três semanas para
inspecionar os 302s supostamente falsos antes de minha história ser publicada.
Eu tinha enviado por fax os 302s para ele antes da
publicação buscando uma resposta de Henchman ou dele próprio para citar na
história.
Se fosse tão óbvio que os documentos tinham sido fabricados,
ele não teria a obrigação legal de avisar o seu cliente e me avisar, antes que
a matéria fosse publicada?
Publicamente, Henchman aproveitou o momento, tentando
transformar o meu pedido de desculpas sobre o 302s em uma exoneração de seu
papel na emboscada do Quad.
A imprensa engoliu a história.
Particularmente, Lichtman ameaçou processar o jornal.
Eu disse aos advogados e editores que agradeceria a
oportunidade de enfrentar Henchman no tribunal.
Eu estava certo de que iria prevalecer a minha versão e
encorajei os administradores e assessores jurídicos do LA Times a deixarem
Henchman abrir o processo.
A longa folha corrida de Henchman recheada de detenções e
condenações teria tornado difícil para “o Feitor do Gangsta Rap” provar danos à
sua reputação.
E também teria sido difícil para Henchman explicar por que
ele nunca havia processado antes qualquer outra publicação que tinha levantado
acusações semelhantes.
Henchman estava ciente de que eu tinha descoberto outros
crimes em que ele estava envolvido e que eu poderia denunciar durante o
julgamento – sem contar que ele havia sido o mentor do ataque a Tupac.
Eu tinha provas documentadas de suas atividades criminosas
adicionais e disse isso aos advogados do LA Times.
Eu estava convencido de que Henchman não ousaria correr o
risco de ser confrontado durante um interrogatório público.
Na pior das hipóteses o que eu tinha feito era cometer um
erro: eu obtive o que eu achava que eram 302s autênticos em um tribunal
federal.
Não foi premeditado ou malicioso da minha parte. Foi um
erro. Na verdade, foi provavelmente uma pisada na bola.
Eu não podia prever que alguém tinha ido tão longe a ponto
de apresentar ilegalmente documentos falsos em um tribunal federal.
Eu ainda não tenho nenhuma prova de que Sabatino teria feito
os documentos falsos, mas se ele fez, parece agora que não agiu sozinho.
No ano passado, um velho amigo de Henchman assinou uma
declaração (que Henchman fez circular na mídia) dizendo que tinha ajudado
Sabatino a fabricar os documentos e arquivá-los no tribunal.
Se o jornal tivesse enfrentado Henchman no julgamento,
poderíamos solicitar, sob juramento, o depoimento de todos os envolvidos na
minha reportagem e na própria emboscada do Quad.
Se Henchman realmente nos processasse, o processo iria nos
presentear com a oportunidade de fazer o que as autoridades não haviam feito:
resolver o crime, em um tribunal de direito.
Além disso, tínhamos a Seção 47 do Código Civil da
Califórnia do nosso lado, uma lei à prova de balas que permite aos jornalistas
publicarem e informarem sobre qualquer documento arquivado em um processo
judicial – mesmo aqueles onde mais tarde se encontrem exageros, mentiras e
falsificações.
Advogados e editores rejeitaram as minhas recomendações,
argumentando que seria temerário lutar contra o caso.
O LA Times se recusou a defender a história no tribunal.
Chuck Philips queria
enfrentar Henchman nos tribunais: o LA Times deu pra trás
Em vez disso, o editorialista fez uma nova retratação que
soava como se eu tivesse inventado toda a história e me esgueirado para
publicá-la escondido dos administradores, sem o conhecimento, consentimento ou
orientação dos editores seniores e advogados envolvidos diretamente na sua
publicação.
Durante dias, fui pressionado para aceitar a retratação de 7
de abril do jeito que o editorialista queria.
Mas não aceitei. Minhas fontes eram sólidas. Meu relato era
sólido.
Foram apenas os documentos que acabaram se mostrando uma
farsa.
A retratação me faria soar como Jayson Blair ou Janet Cooke.
Nada poderia estar mais longe da verdade.
Nenhum repórter pode publicar qualquer coisa que não tenha
sido examinado por editores e advogados do seu jornal.
O jornal, não o repórter, decide o que publicar e o que não
publicar.
A retratação de 7 de abril parecia destinada a me culpar e
proteger os cargos das pessoas que autorizaram a publicação da minha história.
Não era verdadeira ou mesmo remotamente perto do que uma
verdadeira retratação deveria ser.
Depois dessa nova retratação, relatórios contundentes
apareceram na Internet – mentiras e boatos que me fizeram ter “um dia de cão”
por várias semanas.
Eu fui atacado tantas vezes em tantos artigos que até o
Google entrou em contato comigo e me ofereceu a oportunidade de responder.
Mas o editorialista não queria isso.
Recebi ordens para não me comunicar com o Google.
Eu também fui proibido de retornar telefonemas de repórteres
em busca de comentários.
E também fui impedido de enfrentar a avalanche de afrontas
on-line.
Enquanto isso, eu fiquei esperando que o LA Times assumisse
a minha defesa.
As mesmas pessoas que me elogiaram quando eu trouxe prêmios
para o jornal não conseguiam esboçar qualquer defesa para um repórter
consciencioso que, na pior das hipóteses, tinha cometido um erro honesto – a
minha primeira vez em 18 anos.
Apesar de sua incapacidade para defender a minha história,
os principais editores do jornal asseguraram-me em particular que o meu emprego
estava a salvo.
Além dessas promessas, na quarta-feira antes da nova onda de
demissões ser anunciada, eu perguntei ao recém-nomeado editor da seção em que
trabalhava se teria algo com que me preocupar.
Ela disse que não.
Dois dias depois, ela me chamou na sua sala e me disse estar
muito desapontada.
O editorialista, segundo ela, tinha decidido me mandar
embora.
Eu fui despedido na mesma tarde em que Henchman concordou em
assinar em segredo um acordo com o LA Times fora dos tribunais.
Eu tinha permissão para me candidatar a uma operação de
compra de ações da empresa (a título de compensação) e fui informado para dizer
às pessoas que estava saindo do jornal por conta própria.
Minha demissão foi vista amplamente como um agrado para
Henchman.
Antes de pagar o meu passe de estacionamento, fui informado
de que o LA Times havia pago US$ 200.000 em dinheiro para Henchman.
Mas não foi isso o que Henchman disse.
Ele se gabava de ter conseguido meio milhão de dólares, mais
a minha cabeça em uma bandeja, como se tivesse sido inocentado pelo jornal.
Ele anunciou minha demissão em seu site antes mesmo de eu
ser demitido do LA Times. (Na semana passada, no tribunal, o advogado de
Henchman disse na corte que o acordo havia lhe pago US $ 250.000)
A campanha de Henchman para desviar a atenção da emboscada
no Quad não diminuiu depois da minha demissão.
Henchman e mais um
parceiro do submundo do crime
Em outubro de 2010, quatro meses depois que deixei o LA
Times, Henchman intensificou seus esforços para me desacreditar, dessa vez
fabricando uma ação judicial e distribuindo cópias para dezenas de meios de
comunicação, afirmando falsamente que ele havia me processado em US $ 120
milhões.
O eternamente pilantra Henchman alegou que eu tinha armado
um novo plano para difamá-lo, desta vez com um repórter do New York Daily, que
publicou uma reportagem em setembro de 2010, alegando que ele era um informante
federal.
Eu nunca trabalhei para o New York Daily News.
A reportagem do Daily News foi baseada em documentos
judiciais obtidos pelo seu repórter mediante consulta de arquivos e registros
oficiais dos próprios casos criminais de Henchman, que provou que ele era um dedo-duro.
Após a reportagem do Daily News ser publicada, o advogado de
Henchman imediatamente atacou as autoridades, chamando o artigo de “nada menos
do que uma tentativa de assassinato direcionada pelo governo.”
Mas não demorou muito para que Henchman transferisse a culpa
para mim, alegando que os documentos em que o artigo foi baseado eram
falsificados – e que de alguma forma a culpa era minha.
Pouco depois de o Daily News ter detonado Henchman, um novo
fanzine apareceu de repente na Internet.
Era chamado de hiphopconspiracy.com.
Supostamente seria um veículo para publicação de reportagens
verdadeiras sobre o mundo do rap.
Na verdade, não era nada disso, mas um veículo para espalhar
mentiras a meu respeito.
O primeiro link no topo da primeira página do site era
“Chuck Philips”.
Clicando no meu nome, o leitor seria levado a um processo de
US$ 100 milhões contra mim, por calúnia e difamação, que nunca tinha sido
apresentado em qualquer tribunal, além de uma série de outros documentos legais
fictícios criados para manchar minha reputação. (Em 25 de maio, menos de uma
semana depois que esta história apareceu pela primeira vez, Go Daddy retirou do
site todos os seus falsos documentos anti-Philips.)
Henchman forneceu cópias desse falso litígio para a revista
Vibe e outras publicações de rap.
A Vibe publicou o processo falso, apesar do fato de que ele
claramente não tem qualquer data ou carimbo do tribunal, e a linguagem
macaqueada é exatamente a do Henchman em suas falsas afirmações usadas para
ameaçar o LA Times.
Os 302s falsos não eram a principal razão pelas quais
Henchman e outros pilantras queriam me ver demitido do jornal.
Olhando agora pra trás, eu suspeito que eles estavam menos
preocupados com o que eu já tinha descoberto do que sobre o que eu estava certo
de descobrir, se eu tivesse sido autorizado a continuar investigando.
Henchman tinha razão para estar nervoso.
Ele sabia que eu estava me comunicando diretamente com os
seus ex-parceiros de crime – velhos amigos a par de seus segredos mais
contundentes.
Eu tinha atravessado pontes que ele havia queimado há muito
tempo.
Seus ex-companheiros não só sabiam que o líder anti-delator
do rap underground era, na verdade, um dedo-duro: eles me disseram que Henchman
tinha esqueletos ainda maiores escondidos no armário.
No verão passado, agentes do DEA prenderam o irmão de
Henchman em Atlanta pelo crime de tráfico de drogas.
No outono, os federais prenderam outro parceiro de Henchman
envolvido com o contrabando de grande quantidade de cocaína de Los Angeles para
Nova York.
Em seguida, as autoridades prenderam a esposa desse seu
parceiro depois de encontrar uma pistola de 9 mm carregada, um Intratec Tec-9,
vários depósitos carregados de caixas de munição, além de 39,5 mil dólares em
dinheiro escondidos em sua Mercedes Benz.
No início de junho de 2010, o DEA emitiu um mandado de
prisão para Henchman sob a acusação de tráfico de cocaína.
Henchman divulgou um comunicado culpando seus problemas no
Ministério Público pelo excesso de zelo e por minha causa, mas prometeu dar a
sua versão dos fatos.
Ele acabou fugindo.
Em 21 de junho, ele foi preso após uma dramática perseguição
a pé no entorno do luxuoso W Hotel, em Manhattan.
Os federais o acusaram de tráfico de cocaína e crack,
obstrução da justiça, lavagem de dinheiro e prenderam dois de seus comparsas
por causa de um golpe planejado por Henchman.
A vítima de assassinato ousara humilhar Henchman esbofeteando
seu filho em plena luz do dia na frente da agência de talentos do próprio
Henchman. (Henchman já tinha sido acusado por assassinato.)
O jornalista Chuck
Philips bem que devia processar o LA Times por perdas e danos
Sete meses atrás, Jeffrey Lichtman, que se tornara famoso
por haver defendido o filho do chefe da máfia John Gotti, foi desqualificado
como advogado de Henchman.
O tribunal decidiu que ele estava diante de um conflito de
interesses.
No passado, Lichtman havia representados alguns dos co-réus
de Henchman.
Dias antes da prisão de Henchman no último verão, seu
ex-melhor amigo, Dexter Isaac, o condenado que liderou o ataque ao Quad, em
1994, confessou publicamente que tinha sido Henchman que o contratara para
roubar e espancar Tupac com uma pistola.
Dexter, que conhece Henchman desde os 14 anos, foi a
principal fonte para a minha história sobre o Quad, publicada em 2008.
Ele é apenas um de um punhado de soldados descontentes das
ruas que me ensinou a navegar pelo mundo traiçoeiro de Jimmy Henchman.
“Em 1994, [Jimmy Henchman] me contratou para assaltar 2Pac
no Quad Studio. Ele me deu US$ 2.500, além de todas as joias que eu tomei, com
exceção de um anel, que ele ficou pra ele. Foi o maior dos dois anéis de
diamante que pegamos. Ainda tenho como prova a corrente de ouro que levamos no
assalto daquela noite. Agora eu não vou falar sobre a morte do meu amigo Biggie
ou a morte de 2Pac, mas eu gostaria de dar alguns toques para suas mães. Já é
hora de alguém fazer isso e eu vou fazê-lo de um jeito diferente. Jimmy, você e
Puffy gostam de sair na foto como se fossem todos inocentes, mas como diz o
ditado: você pode enganar algumas pessoas por algum tempo e todas as pessoas
algum tempo, mas você não pode enganar todas as pessoas todo o tempo”.
A revelação de Dexter causou uma tempestade de merda e foi
repercutida por agências de notícias em todos os lugares: Washington Post, New
York Times, Wall Street Journal, Baltimore Sun, New York Post, LA Weekly e
dezenas de publicações em todo o mundo.
Mesmo a despeito de Dexter ter me citado em sua declaração –
“[Jimmy Henchman] andou crucificando bons repórteres como Chuck Phillips, do LA
Times, por dizer a verdade sobre ele e suas atividades” –, o LA Times não
piscou.
Enterraram a confissão de Dexter em uma pequena notinha
descartável dentro de uma coluna de quinta categoria da seção de entretenimento
do jornal.
Além de terem rejeitando a defesa de minha reportagem feita
pelo Dexter, a administração do LA Times ainda me deu um tapa de volta: “Nada
aconteceu desde 2008 para justificar a retirada ou revisão da retratação [07 de
abril]”, disse o LA Times em um comunicado divulgado em outubro passado pelo LA
Weekly. “Nenhuma nova informação surgiu para dirimir os erros pelos quais
pedimos desculpas e nos retratamos.”
Ao não reconhecer a confissão de Dexter, o LA Times evitou
ter que admitir que cometeu um erro me demitindo.
A retratação de 7 de abril não só manchou a minha reputação,
mas me tornou praticamente incapaz, dentro e fora do mundo do jornalismo.
Tenho sido rejeitado para centenas de vagas de repórter.
Uma editora de Nova York adorou minha proposta de escrever
um livro sobre o assassinato de Tupac e Biggie, mas se recusou a publicar o
livro depois que me “googlou” e encontrou a retratação de 7 de abril do LA
Times.
Da mesma forma, a Columbia Journalism Review deletou um
ensaio que escrevi sobre a retratação de 7 de abril logo após o seu editor
executivo receber um telefonema do LA Times – apenas alguns momentos antes de o
ensaio ter sido programado para ser publicado.
O editor diz que o LA Times não influenciou na sua decisão
de deletar o artigo...
Desde então, minha reportagem de 2008 sobre a emboscada do
Quad tem se provado verdadeira e precisa.
Mas o LA Times permanece irredutível.
Como poderia a confissão pública e autêntica de um
assaltante de Tupac em 1994 ser recebida com essa apatia?
NOTA DO VILLAGE VOICE
Pedimos e recebemos esta declaração do Los Angeles Times sobre
a retratação da história do Chuck Philips – (TO)
Nós fizemos a retratação de Chuck Philips, pelo artigo de 17
março de 2008 sobre um ataque ao rapper Tupac Shakur, porque verificamos que os
documentos e fontes em que ele se baseou não apoiavam o artigo.
Especificamente, os supostos documentos do FBI sobre o ataque a Shakur, em
1994, que eram falsificados. O homem que forneceu os documentos, James
Sabatino, também forneceu informações adicionais significativas que foram
incluídas no artigo como sendo atribuídas a uma fonte anônima. Mais tarde,
Chuck e seus editores descobriram que o que Sabatino lhe dissera tinha sido
inventado.
Nestas circunstâncias, não tivemos outra alternativa senão
reconhecer o erro, pedir desculpas aos nossos leitores e retirar o artigo do
site. Nada aconteceu desde então para justificar a retirada ou revisão da
retratação. Nenhuma nova informação surgiu que dirimisse os erros pelos quais
pedimos desculpas e nos retratamos.
NOTA DO EDITOR DO
MOCÓ
O haitiano pilantra
sendo preso pelos federais
No dia 25 de junho de 2012, um mês depois de o desabafo de
Chuck Philips ter sido publicado no Village Voice, o site The Urban Daily
publicou uma matéria intitulada “Jimmy Henchman finalmente confessa ter
planejado o assassinato de Tupac em 1994”, que transcrevemos abaixo:
Um dos maiores mistérios do hip hop finalmente chegou ao
fim.
A pessoa que planejou o assalto a Tupac Shakur, no Quad
Studios, em 1994, resolveu abrir o jogo.
Depois de ser acusado de participar de uma operação
interestadual de tráfico de drogas, Jimmy Henchman confessou às autoridades que
ele era o cérebro por trás do tiroteio e roubo de Tupac Shakur, que desencadeou
a guerra entre os rappers da Costa Oeste e da Costa Leste.
De acordo com o Village Voice, Henchman participou do
programa “Rainha por um Dia”, no ano passado, onde confessou ser o cérebro por
trás da operação que terminou com Tupac na enfermaria de um hospital com cinco
ferimentos de balas.
(A “Rainha por um Dia” é um programa que permite que
assaltantes suspeitos sob investigação possam entrar em um acordo com o governo
para confessar o conhecimento de certos crimes com a garantia de que a
informação não será usada para processá-los.)
Antes de ser assassinado, Tupac gravou uma música chamada
“Against All Odds” (“Contra todas as probabilidades”), onde afirmava que
Henchman era o responsável pela emboscada de que fora vítima no Quad Studios.
Confira um texto da letra: “Promised a payback, Jimmy
Henchman, in due time/ I know you bitch niggas is listenin’ The World Is Mine/
Set me up, wet me up, niggas stuck me up/ Heard the guns bust but you tricks
never shut me up,” (“Prometi vingança a Jimmy Henchmen, na hora certa / Eu sei
que vocês, pilantras, estavam ouvindo The World Is Mine (O Mundo É Meu) / Armou
pra mim, atirou em mim, me fodeu, grandão / Ouvi o barulho dos tiros, mas a sua
trama não conseguiu me calar”.
Ou seja, Chuck Philips estava certo desde o começo e o LA
Times foi, no mínimo, covarde, pusilânime e venal por não ter apoiado até o fim
o seu mais renomado repórter na ativa.
O jornalismo investigativo não morreu.
(Essas duas matérias estão disponíveis na internet, em inglês. Eu me limitei a traduzi-las com meu inglês macarrônico aprendido no Ida Nelson sabe lá Deus como. Desculpem qualquer coisa.)