Por Fernando Gabeira
Numa carta endereçada a Robert Louis Stevenson, o escritor
Henry James diz que gostaria que ela fosse um mingau de boas notícias.
Infelizmente, não é possível preparar esse prato no Brasil, com notícias tão
tristes que nem podemos homenagear e conhecer melhor as vítimas do atentado em
Manchester, algo que aconteceu nos principais países do mundo.
Apesar das más notícias, é possível demonstrar que o Brasil
está preparado para uma situação melhor se olhar para algumas decisões
recentes. Por exemplo: as desordens que aconteceram em Brasília não aconteceram
em Curitiba, quando Lula foi depor. E, se acontecessem, seriam rapidamente
debeladas, tal o aparato policial e sua articulação com outros setores do
governo.
É preciso evitar e combater a barbárie, aceita ainda por uma
esquerda que flerta com a violência e não superou o viés autoritário das
teorias do século passado. Uma esquerda que não sustenta dois minutos de
discussão se for chamada a defender com ideias a destruição de prédios públicos
e propriedades particulares, sobretudo os primeiros, que pertencem ao povo que
ela supõe representar.
Curitiba foi diferente, dirão alguns. Além do mais, o que
estava marcado em Brasília era apenas mais uma das inúmeras manifestações.
Ficamos acostumados com manifestações dominicais pacíficas, feitas por gente
que trabalha a semana inteira e derrubou o governo Dilma sem quebrar uma
janela.
E nos acostumamos também com manifestações marcadas com
antecedência de quase um mês, algo que já comentei aqui, reforçando a
importância de analisar a conjuntura, sobretudo num país de mudanças tão
rápidas.
Uma nova conjuntura foi aberta com a delação dos donos da
Friboi. Ela atingiu Temer em cheio e criou uma situação insustentável para ele.
O PT finge que não foi delatado também, que o partido não recebeu US$ 150
milhões para as contas das campanhas de Lula e Dilma. Daí sua fuga para a frente,
firme na tentativa de fazer com que Lula escape da cadeia, vencendo as eleições
presidenciais, se possível ainda neste ano.
Li que a inteligência do governo tinha captado os sinais de
possível violência no movimento Ocupa Brasília, convocado no auge das
contraditórias respostas de Temer às acusações que pesam contra ele. No
entanto, esta antevisão não resultou num esquema mais complexo de prevenção,
que poderia ser realizado pela relativamente bem paga polícia de Brasília?
Sempre se pode argumentar que o governo de Brasília é de
oposição a Temer e iria ou confraternizar ou fazer vista grossa diante dos
excessos dos manifestantes. Mas isso também poderia ser previsto por uma
inteligência modesta e deveria ter sido levado em conta na organização do esquema
preventivo, que poderia contar com a Força Nacional e a logística do Exército.
Além dos ministérios que simbolizam o governo, o prédio mais
importante do Exército, o chamado Forte Apache, está em Brasília. As condições
não eram idênticas às de Curitiba. Mas isso faz parte de uma inteligência
modesta: adaptar experiências bem-sucedidas a realidades diferentes. A
incapacidade de preparar um esquema preventivo praticamente deixa como
alternativa o aumento da repressão. É precisamente isso que interessa à
esquerda, atrair uma forte repressão, de preferência excessiva.
Isso faz com que a imprensa priorize os excessos da
repressão e jogue para um segundo plano os atos de vandalismo que a motivaram.
A esquerda não é inteligente, se você der a esse termo uma dimensão
estratégica, mas é esperta. Se o governo responde com uma pobre informação e
uma tática burra, os antidemocratas nadam de braçada.
Concordo que Temer deve deixar a Presidência. Mas discordo
dos métodos e dos objetivos das pessoas que estão na rua para derrubá-lo. Elas
querem apenas um escudo para seu líder escapar da polícia. Primeiro você
arruína o país com uma irresponsável política populista. Em seguida, você
começa a destruir prédios públicos com a esperança de voltar ao poder e
prosseguir na rapina.
Isso não acontecerá pelo caminho do voto, em eleições
limpas. Mas a fragilidade do governo e sua incapacidade de analisar o momento
favorecem as tendências autoritárias e destrutivas da esquerda.
Não há razão para dizer que o Brasil não tem jeito e que a
barbárie é um destino inescapável. Nem é preciso olhar para fora em busca de
exemplos nos países avançados. Aqui dentro mesmo é possível encontrar as bases
para uma política que defenda a civilização da barbárie. Milhões de pessoas nas
manifestações dominicais provaram que é possível combater um governo corrupto e
incapaz sem verter uma gota de sangue. Curitiba viveu serenamente um momento de
tensão, a vida e os bens da cidade foram protegidos com competência.
São essas qualidades que farão a balança pesar a favor da
democracia, isolando cada vez mais os setores que não se adaptam a ela. Mas, é
claro, serão necessários alguma coisa que você possa chamar de governo e algum
presidente que, pelo menos, esteja preocupado com o país e não com as
investigações que rondam seu palácio.
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