Por Marcos de Vasconcellos
Por força de uma transferência de cargo, um casal carioca
mudou-se para Salvador, carregando filharada e teréns. Depois do incêndio da
mudança, ainda no rescaldo, mal tinham assentado o rabo na casa nova, bate-lhes
à porta um companheiro de escritório, de passagem pela Bahia.
Era um sujeito corpulento e vinha resfolegante, suado,
reclamando do calor desgraçado. Estava de avião marcado para dali a três horas,
a visita era rápida, entregar uns papéis mandados do Rio e algumas explicações.
Entrou, abancou-se. Dadas as instruções, tomado o café e o copo d’água, meia hora
depois, levantou-se para ir embora.
Os donos da casa encresparam:
– Mas ir esperar duas horas pelo avião naquele calor
insuportável do aeroporto de Salvador? Não faça isso não. Fiquei aqui em casa
mais um pouco, é mais fresco, mais agradável. Você devia é tomar um banho. Com
este maldito calor, vai se sentir bem melhor.
Tanto insistiram que o visitante, agradecido, aceitou o
convite e alegremente foi para o banho restaurador.
Quando faltavam quarenta minutos para a viagem, o casal
resolveu chamar o cidadão que, com certeza, dormira no banheiro pois o ocupava
há mais de uma hora.
Não houve meios de acordá-lo, por mais que esmurrassem a
porta, por mais que gritassem. Sem outra alternativa, o anfitrião involuntário
abriu a porta do banheiro e, de fato, o cavalheiro estava dormindo na banheira:
o sono eterno. Qual Marat esfaqueado pelo coração, o defunto jazia com pose de
escândalo. Aí, começou o inferno.
Polícia civil, investigadores, delegados, legistas, polícia
técnica, peritos, repórteres, a privacidade do lar conspurcada por um cadáver e
uma multidão de curiosos. A boataria, tão ao gosto baiano, fervilhou no prédio,
desceu à portaria, saiu para a rua, invadiu o quarteirão, a cidade, quase o
país. Houve até um vizinho meio surdo que garantiu ter ouvido tiros.
Quando conseguiram serenar as situações policiais, restaram
o casal e o cadáver a ser despachado para o Rio, encargo que coube ao feliz
hospedeiro do maldito cardíaco.
Depois de dias de peregrinação, sem conseguir localizar
nenhum parente do falecido ou sequer um amigo e aconselhados por um servente do
Instituto Médico Legal da terra do acarajé, experimentando no métier,
despacharam o morto num engradado de laranjas. Destinatário: o patrão.
Remetente: o Mercado Modelo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário