Por Jonatan Silva
“Não somos mais sábios do que os europeus que viram a
democracia dar lugar ao fascismo, ao nazismo ou ao comunismo no século XX.
Nossa única vantagem é poder aprender com a experiência deles”, disse o
historiador norte-americano Timothy Synder em sua conta no Facebook, dias após
Donald Trump ser eleito presidente dos Estados Unidos. O texto foi
compartilhado à exaustão e deu origem a Sobre
a tirania, livro-manifesto publicado recentemente no Brasil pela Companhia
das Letras.
Os vinte capítulos curtos que formam a obra, e são chamados
de lições pelo autor, esmiuçam a história do século XX, principalmente os anos
precedentes à eclosão da Segunda Guerra (1939 – 1945), para traçar paralelos
com o cenário atual. Snyder afirma que a chegada de Trump ao poder – que teria
recebido uma mãozinha russa – muito se parece com a ascensão do Terceiro Reich.
Como George Orwell (1903 – 1950) explicaria em 1944 no ensaio O que é o fascismo?, a política
totalitária assume duas faces muito claras: o determinismo puro e a democracia
pura – ambas responsáveis pelo caráter excludente e pela formação de castas de
uma nação.
Segundo o historiador, a criação da política de exceção –
dos judeus, no caso de Hitler; e dos imigrantes, para o governante americano –
é uma das principais convergências ideológicas entre os dois líderes. “Quando
os políticos de hoje invocam o terrorismo, estão falando, é claro, de um perigo
real. Mas, quando tentam nos acostumar a abrir mão da nossa liberdade em nome
da segurança, devemos levantar a nossa guarda”, comenta e completa: “não há
nenhum conflito de escolha entre os dois valores”.
Sobre a tirania
não se propõe a postular axiomas, entretanto, é um alerta contra o cinismo e
contra o conformismo que acredita não haver diferença entre o ideário dos
políticos. Snyder coloca em xeque certezas e convida à reflexão, usando as
armas do dia a dia: como a arte, a mídia e, claro, a própria consciência.
O segredo, detalha o autor, está na narrativa e no discurso
sobre o palanque. “Aqueles que matam a linguagem não são puros”, diria Albert
Camus (1913 – 1960) logo nas primeiras páginas de A Queda. Snyder dedica uma de suas lições ao cuidado que devemos
ter com o idioma e com a língua. É preciso se afastar dos lugares-comuns e das
ideias pré-concebidas. “Afasta-se da internet. Leia livros”, indica.
É impossível não pensar na tríade distópica que ainda ecoa
em nossos dias: 1984, de Orwell, Admirável mundo novo, de Aldous Huxley
(1894 – 1963), e Fahrenheit 451, de
Ray Bradbury (1920 – 2012). O que os três livros têm em comum? A criação de uma
sociedade que despreza a linguagem e que suprime os livros. O jornalista Sérgio
Augusto, em um brilhante ensaio escrito para a revista Quatro Cinco Um,
relembra que a cultura é uma das paranoias do estado obscurantista.
O pragmatismo – para o qual tanto Bauman alertou – é o
criador de uma sociedade mecanicista e desumanizada. Timothy é enfático ao
aconselhar a relação pessoal, mas não invasiva, entre pessoas de diferentes
vertentes de pensamento. De acordo com o escritor, é fundamental que o contato
continue a acontecer de maneira educada e natural, sem apelar à dicotomia ou à
segregação. Deve-se fugir do que o cineasta Spike Jonze retratou em Ela, uma espécie de “distopia romântica”,
como nomeou Almir de Freitas.
Sobre a tirania é,
no final das contas, um convite ao debate e ao pensamento democrático e real.
Muito mais que defender um ponto de vista, o livro faz do pensamento de
Voltaire (1694 – 1778) – resumido na frase escrita por Evelyn Beatrice Hall
como tentativa de descrever o espírito de autor: “Posso não concordar com
nenhuma palavra do que você disse, mas defenderei até a morte o seu direito de
dizê-lo” – um importante exercício contemporâneo de paz e de sobrevivência.
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