Bruno Garcez
Da BBC Brasil em Londres
Ivan Lessa era um prosador nato, bom de lábia, farto em
tiradas, dotado de um humor ferino, cáustico. A mesa de almoço com ele se
transformava em um palco, em que ele era o protagonista. Os temas iam desde
episódios de Os Simpsons até canções de Billy Eckstine ou filmes de Michael
Powell.
Além de contar “causos”, Ivan nos divertia tecendo loas aos
artistas que admirava e descendo lenha nos que desprezava. Não bastasse isso,
gostava de fazer vozes e imitar personagens reais ou imaginários. Dávamos
risadas, às vezes, gargalhadas.
Todos conheciam os textos do Ivan ou as crônicas que ele lia
no rádio, mas boa parte de nossos ouvintes e leitores não conhecia o personagem
Ivan Lessa como nós, da BBC Brasil, conhecíamos.
Sua irreverência e ironia já estavam estampadas nos textos,
mas nada melhor do que dar uma amostra do verdadeiro Ivan para os ouvintes.
Sendo assim, pensaram meus editores, por que a gente não
grava um bate-papo com o Ivan e transforma essas conversas com ele em uma
atração semanal? A ideia era boa e de simples execução.
Foi assim que, em 2003, coube a mim a sorte de ter sido o
primeiro a participar desses bate-papos com o Ivan. As conversas podiam chegar
até a durar meia hora, mas a versão que chegava às ondas do rádio era bem mais
enxuta – de, no máximo, uns cinco minutos. Editar podia ser uma tarefa árdua.
Ivan gostava de falar e, no fluxo de consciência que ele
produzia, nem sempre era fácil achar pontos de cortes. Às vezes, dava dó de ter
de deixar de fora parte do deboche, das diatribes e das frases certeiras dele.
Mas preservávamos o essencial.
Os temas, assim como nos almoços protagonizados por ele,
eram os mais variados. Falávamos sobre os já mencionados Simpsons, de quem Ivan
era um fã ardoroso, a célebre entrevista de Michael Jackson com Martin Bashir,
a briga entre os escritores Martin Amis e Ian McEwan.
Não nos limitávamos a conversar. Os bate-papos eram
entremeados por músicas que Ivan gostava ou sobre as quais falaria naquela
edição do programa. Sinatra não poderia faltar e compareceu em mais de uma
ocasião. Mas também estiveram presentes o já citado Billy Eckstine, a quem Ivan
se orgulhava de ter entrevistado, e muitos outros.
Era como um papo de botequim, mas sem cerveja ou
tira-gostos. Mas não faltavam risadas. O tom improvisado era tão grande que, em
princípio, nem sabíamos que nome dar a essa atração. Mas, fiéis ao caráter
espontâneo da coisa, optamos por um mero Papo
com Ivan, que já dizia tudo.
Depois de mim, vários outros produtores da BBC Brasil
passaram pela função de interlocutor do Ivan. Todos nós compartilhamos as
risadas e conhecimentos que adquirimos graças a esse convívio.
Ivan tinha suas idiossincrasias e torcia o nariz para muitas
coisas, em particular para a música mais recente. Eu me recordo bem da alegria
de um colega Eric Camara após ter apresentado a Ivan um disco de Elvis Costello
em que o cantor e compositor britânico interpreta standards da música
americana.
Marotamante, meu colega não revelou quem era e muito menos
que se tratava de um artista atual. Mas relatou que Ivan curtiu o que ouviu.
Depois, fiel ao estilo, quando questionamos Ivan sobre Elvis Costello, ele
desconversou e agiu como se não lembrasse do incidente. Era a birra
característica do Ivan – ele não gostava de dar o braço a torcer.
Ivan nos apresentava tantas coisas boas que a gente se
sentia feliz quando conseguia retribuir de alguma forma. Por isso, entendo bem
a alegria de meu colega, pois tive eu próprio experiência semelhante, quando
presenteei Ivan com uma cópia de Macho
Não Ganha Flor, de Dalton Trevisan – o recluso escritor curitibano, de quem
Ivan era amigo e com quem chegou a trocar cartas, na época em que ele, Ivan,
editava o Pasquim.
Ele enviou um email de agradecimento carinhoso e expressou a
alegria de estar lendo um novo Dalton após tantos anos.
Agora, enquanto escrevo este texto, eu me recordo de outro
cantor que vim a conhecer melhor graças a Ivan, Johnny Hartman. Por isso,
escolhi a bela voz do crooner dos anos 50 e 60 para ajudar na inspiração. Acho
que Ivan aprovaria a escolha.
É pena que o bate-papo que se seguiria a estas canções não é
mais possível. Mas fica a recordação daquelas animadas conversas semanais.
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