Nada
é mais empolgante em termos de cultura nordestina do que a música e
a literatura de cordel.
É
incrível como os cordelistas são rápidos em contar proezas de
nomes importantes que, de repente, deixam o Planeta.
Com
Ariano Suassuna não seria diferente.
Os
poetas Klévisson Viana, cearense, e Mestre Bule-Bule, da Bahia, se
anteciparam a outros e já textualizaram “A chegada de Ariano
Suassuna no Céu”.
Tinha
que ser um cara bom como Klévisson para cumprir essa tarefa.
Como?
Você não sabe quem é Klévisson?...
Manhã
de domingo, no Centro Cultural Dragão do Mar, em Fortaleza.
O
sujeito grita “tô indo como Deus quer” e emenda numa gaitada,
tirante ao relincho satisfeito de um jegue cardão.
É
Klévisson Viana, poeta e cartunista nascido em Canindé
(Quixeramobim – CE), responsável pela renovação de uma das mais
engenhosas criações populares: o cordel.
Através
da Tupynanquim, Klévisson publica autores contemporâneos e
reimprime os mais famosos títulos de folhetos, que fizeram a fama de
poetas, xilógrafos e editores durante os anos de 30 a 50.
Os
mais novos lançamentos são Iracema,
cordelizado por Alfredo Pessoa de Lima e reeditado para comemorar os
140 anos do romance de José de Alencar, e uma caixa com 12 folhetos
de Leandro Gomes de Barros, nascido também há 140 anos.
O
Romance de Iracema
vem com dois tipos de capa, em amarelo e em papel reciclado, todo
ilustrado e com o histórico do autor, o poeta e advogado paraibano
Alfredo Pessoa de Lima.
“A
coisa mais maravilhosa deste folheto é que é extremamente atencioso
ao romance de José de Alencar”, repara Klévisson.
A
caixa de Leandro Gomes de Barros vem com os folhetos Juvenal
e o Dragão, O
Testamento do Cachorro,
Meia Noite no Cabaré,
A Sogra enganando o Diabo,
A vida de Pedro Cem,
A vida de Cancão de Fogo,
Casamento e Divórcio da
Lagartixa, O
Cavalo que Defecava Dinheiro,
O Cachorro dos Mortos
e A Donzela Teodora,
além do folheto sobre a vida do poeta, O
Pioneiro da Literatura de Cordel,
por Klévisson Viana (texto e xilo da capa).
Os
folhetos podem ser adquiridos nas livrarias Livro Técnico, nas lojas
da Ceart e pontos de venda da Praça do Ferreira (banca de
informações turísticas), e na banquinha do Dragão do Mar.
“Desde
que o Centro foi fundado, a gente tá por lá”, diz o poeta.
O
xodó por cordéis começou cedo, relata Klévisson.
“Desde
menino véi que compro folhetos. Me enchia de folhetos nas festas do
Canindé. Eu trabalhava de vendedor ambulante. Nas romarias, vendia
imagem de santo, tercinhos, bijuterias. No inverno, vendia bombom.
Hoje não tenho só a maior coleção de folhetos mas de folclore.
São 286 livros, verdadeiras raridades que eram do escritor Barros
Alves. Ele não quis vender pra ninguém, só pra mim. Só que meu
dinheiro tava mais curto do que coice de barrão. Ele pediu uma grana
preta, eu disse, dou a metade, que era pra ele desistir... Me pegou
na palavra, tive que comprar”.
No
balaio, de Câmara Cascudo, Leonardo Mota, Silvio Romero, Alceu
Mainardi, Juvenal Galeno, Catulo da Paixão. “Só os fracos”.
(...)
O
gosto que começou na infância tem antecedentes familiares, lembra
Klévisson.
O
bisavô, seu Fitico, era primo do cantador Jacó Passarinho, “aquele
da famosa peleja com o Cego Aderaldo, registrada em livro por
Leonardo Mota. E minha vozinha, mãe de meu pai, Alzira de Sousa, já
era uma colecionadora e leitora de folhetos. Contaminou meu pai com
este gosto. Meu pai tentou se tornar um cantador – é improvisador
de mão cheia – mas nunca foi incentivado pela família. Papai é
poeta mas nunca publicou nada. Sempre tem uma estrofe, uma glosa na
ponta da língua pra receber as pessoas. Ele tem um caderno, com as
coisas que ele escreve. Qualquer dia, roubo aquele caderno”.
Nos
palcos do firmamento
Jesus
concebeu um plano
De
montar um espetáculo
Para
Deus Pai Soberano
E,
ao lembrar de um dramaturgo,
Mandou
buscar Ariano.
Jesus
mandou-lhe um convite,
Mas
Ariano não leu.
Estava
noutro idioma,
Ele
num canto esqueceu,
Nem
sequer observou
Quem
foi que lhe escreveu.
Depois
de um tempo, mandou
Uma
segunda missiva.
A
secretária do artista
Logo
a dita carta arquiva,
Dizendo:
— Viagem longa
A
meu mestre não cativa.
Jesus
sem ter a resposta
Disse
torcendo o bigode:
—
Eu vejo que Suassuna
É
teimoso igual a um bode.
Não
pode, mas ele pensa
Que
é soberano e pode!
Jesus,
já perdendo a calma,
Apelou
pra outro suporte.
Para
cumprir a missão,
Autorizou
Dona Morte:
—
Vá buscar o escritor,
Mas
vê se não erra o corte!
A
morte veio ao País
Como
turista estrangeiro,
Achando
que o Brasil
Era
só Rio de Janeiro.
No
rastro de Suassuna,
Sobrou
pra Ubaldo Ribeiro.
Porém,
antes de encontrá-lo,
Sofreu
um constrangimento
Passando
em Copacabana,
Um
malfazejo elemento
Assaltou
ela levando
Sua
foice e documento.
A
morte ficou sem rumo
E
murmurou dessa vez:
—
Pra não perder a viagem
Vou
vender meu picinez
Para
comprar outra foice
Na
loja de algum chinês.
Por
um e noventa e nove
A
dita foice comprou.
Passando
a mão pelo aço,
Viu
que ela enferrujou
E
disse: — Vai essa mesma,
Pois
comprar outra eu não vou!
A
morte saiu bolando,
Sem
direção e sem tino,
Perguntando
a um e a outro
Pelo
escritor nordestino,
Obteve
informação,
Gratificando
um menino.
Ao
encontrar João Ubaldo,
Viu
naufragar o seu plano,
Se
lembrando da imagem
Disse:
— Aqui há um engano.
Perguntou
para João
Onde
é que estava Ariano.
Nessa
hora João Ubaldo,
Quase
ficando maluco,
Tomou
um susto arretado,
Quando
ali tocou um cuco,
Mas,
gaguejando, falou:
—Ele
mora em Pernambuco!
A
morte disse: — Danou-se
Dinheiro
não tenho mais
Para
viajar tão longe,
Mas
Ariano é sagaz.
Escapou
mais uma vez,
Vai
você mesmo, rapaz!
Quando
chegou lá no Céu
Com
o escritor baiano,
Cristo
lhe deu uma bronca:
—
Já foi baldado o meu plano.
Pedi
um da Paraíba
E
você trouxe um baiano.
João
Ubaldo é talentoso,
Porém
não escreve tudo.
“Viva
o Povo Brasileiro”
É
sua obra de estudo,
Mas
quero peça de humor,
Que
o Céu tá muito sisudo.
Foi
consultar os arquivos
Pra
ressuscitar João,
Mas
achou desnecessário,
Pois
já era ocasião
Pra
ele vir prestar contas
Ali
na Santa Mansão.
Jesus
olhou para a Morte
E
disse assim: — Serafina,
Vejo
não és mais a mesma.
Tu
já foste mais malina,
Tá
com pena ou tá com medo,
Responda
logo, menina?!
—
Jesus, eu vou lhe falar
Que
preciso de dinheiro.
Ariano
mora bem
No
Nordeste brasileiro.
Disse
o Cristo: —Tenho pressa,
Passe
lá no financeiro!
—
Só faço que é pra o Senhor.
Pra
outro, juro não ia.
Ele
que se conformasse
Com
o escritor da Bahia.
Se
dependesse de mim,
Ariano
não morria.
A
morte na internet
Comprou
passagem barata.
Quase
morria de susto
Naquela
viagem ingrata.
De
vez em quando dizia:
—
Eita que viagem chata!
Uma
aeromoça lhe trouxe
Duas
barras de cereais.
Diz
ela: — Estou de regime.
Por
favor, não traga mais,
Porque
se vier eu como,
Meu
apetite é voraz!
Quando
chegou no Recife,
Ficou
ela de plantão
Na
porta de Ariano
Com
sua foice na mão,
Resmungando:
— Qualquer hora
Ele
cai no alçapão!
A
morte colonizada,
Pensando
em lhe agradar,
Uma
faixa com uma frase
Ela
mandou preparar,
Dizendo:
“Welcome Ariano”,
Mas
ele não quis entrar.
Vendo
a tal faixa, Ariano
Ficou
muito revoltado.
Começou
a passar mal,
Pediu
pra ser internado
E
a morte foi lhe seguindo
Para
ver o resultado.
Eu
não sei se Ariano
Morreu
de raiva ou de medo.
Que
era contra estrangeirismos,
Isso
nunca foi segredo.
Certo
é que a morte o matou
Sem
lhe tocar com um dedo.
Chegou
no Céu Ariano,
Tava
a porta escancarada.
São
Pedro quando o avistou
Resmungando
na calçada,
Correu
logo pra o portão,
Louvando
a sua chegada.
Um
anjinho de recado
Foi
chamar o Soberano,
Dizendo:
– O Senhor agora
Vai
concretizar seu plano.
São
Pedro mandou dizer
Que
aqui chegou Ariano.
Jesus
saiu apressado,
Apertando
o nó da manta
E
disse assim: — Vou lembrar
Dessa
data como santa
Que
a arte de Ariano
Em
toda parte ela encanta.
São
Pedro lá no portão
Recebeu
bem Ariano,
Que
chegou meio areado,
Meio
confuso e sem plano.
Ao
perceber que morreu,
Se
valeu do Soberano.
Com
um chapelão de palha
Chegou
Ascenso Ferreira,
O
grande Câmara Cascudo,
Zé
Pacheco e Zé Limeira.
João
Firmino Cabral
Veio
engrossar a fileira.
E
o próprio João Ubaldo
(Que
foi pra lá por engano)
Veio
de braços abertos
Para
abraçar Ariano.
E
esse falou: – Ubaldo,
Morrer
não tava em meu plano!
Logo
chegou Jorge Amado
E
o ator Paulo Goulart.
Veio
também Chico Anysio
Que
começou a contar
Uma
anedota engraçada
Descontraindo
o lugar.
Logo
chegou Jesus Cristo,
Com
seu rosto bronzeado.
Veio
de braços abertos,
Suassuna
emocionado
Disse
assim: — Esse é o Mestre,
O
resto é papo furado!
Suassuna
que, na vida,
Sonhou
em ser imortal,
Entrou
para Academia,
Mas
percebeu, afinal,
Que
imortal é a vida
No
plano celestial.
Jesus
explicou seus planos
De
fazer uma companhia
De
teatro e ele era
O
escritor que queria
Para
escrever suas peças,
Enchendo
o Céu de alegria.
Nisso
Ariano responde:
—
Senhor, eu me sinto honrado,
Porém
escrever uma obra
É
serviço demorado.
Às
vezes gasto dez anos
Para
obter resultado.
Nisso
Jesus gargalhou
E
disse: — Fique à vontade.
Tempo
aqui não é problema,
Estamos
na eternidade
E
você pode criar
Na
maior tranquilidade.
Um
homem bem pequenino
Com
chapeuzinho banzeiro,
Com
um singelo instrumento,
Tocou
um coco ligeiro
Falando
da Paraíba:
Era
Jackson do Pandeiro.
Logo
chegou Luiz Gonzaga,
Lindu
do Trio Nordestino,
E
apontou Dominguinhos
Junto
a José Clementino
E
o grande Humberto Teixeira,
Raul
e Zé Marcolino.
Depois
chegou Marinês
Com
Abdias de lado
E
Waldick Soriano,
Com
um vozeirão impostado,
Cantou
“Torturas de Amor”,
Como
sempre apaixonado.
Veio
então Silvio Romero
Com
Catulo da Paixão,
Suassuna
enxugou
As
lágrimas de emoção
E
Catulo, com seu pinho,
Cantou
“Luar do Sertão”.
Leandro
Gomes de Barros
Junto
a Leonardo Mota,
Chegou
Juvenal Galeno,
Otacílio
Patriota.
Até
Rui Barbosa veio
Com
título de poliglota.
Chegou
Regina Dourado,
Tocada
de emoção,
Juntinho
de Ariano,
Veio
e beijou sua mão
E
disse: — Na sua peça
Quero
participação.
Ariano
dedicou-se
Àquele
projeto novo.
Ao
concluir sua peça,
Jesus
deu o seu aprovo
E
a peça foi encenada
Finalmente
para o povo.
Na
peça de Ariano
Só
participa alma pura.
Ariano
virou santo,
Corrigiu
sua postura.
Lá
no Céu ganhou o título
Padroeiro
da cultura.
Os
artistas que por ele
Já
nutriam grande encanto
Agora
estando em apuros,
Residindo
em qualquer canto,
Lembra
de Santo Ariano
E
acende vela pro santo.
Ariano
foi Quixote
Que
lutou de alma pura.
Contra
a arte descartável
Vestiu
a sua armadura
Em
qualquer dia do ano
Eu
digo: viva Ariano
Padroeiro
da Cultura!
FIM
Nenhum comentário:
Postar um comentário